Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6694/20.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO E DE TRABALHO
DANO BIOLÓGICO
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP202307126694/20.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em caso de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, a indemnização, em tribunal do trabalho, do dano patrimonial laboral, com atribuição de pensão anual e vitalícia, não impede a indemnização, na instância cível, do dano biológico na sua autónoma dimensão extralaboral/cível.
II - Neste caso, não logrando a indemnização laboral ressarcir a totalidade do dano biológico – na dimensão extralaboral deste –, a reparação pela seguradora de acidentes de viação não se assume como cumulativa/sobreposta (perante a prestada no foro laboral), mas como complementar, de molde a cobrir as diversas dimensões do dano sofrido.
III - O valor indemnizatório por dano patrimonial futuro, com referência ao denominado dano biológico, sendo indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do disposto no art.º 566.º, nº3, do Código Civil.
IV - Na indemnização pelos danos não patrimoniais exige-se tão só que os mesmos tenham gravidade suficiente de modo a merecerem a tutela de direito, devendo essa gravidade ser medida por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos.
V - Não fornecendo também quando a eles a lei critérios normativos concretos que fixem o valor do seu montante indemnizatório, a sua quantificação deverá igualmente ser feita através do recurso à equidade.
VI - Só nos casos em que na sentença ou decisão que fixe a indemnização se proceda à actualização do respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão é que se deve considerar que os juros de mora devidos se vencem a partir da dessa decisão actualizadora e não já a partir da citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 6694/20.3T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Deolinda Varão
António Paulo Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA, residente na Praceta ..., ..., Bloco ..., R/C Direito, ... ..., Vila Nova de Gaia, intentou a presente acção de processo comum contra a ré A..., Companhia de Seguros S.A., com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento:
a) Da quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), a título de indemnização pela I.P.G. (Incapacidade Permanente Geral/Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica);
b) Da quantia de € 6.099,58 (seis mil e noventa e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais;
c) A quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos;
Para o efeito, alegou que no dia19.06.2018 foi interveniente num acidente de viação quando conduzia o seu velocípede, em Vila Nova de Gaia tendo sido embatido do lado esquerdo pelo veículo com a matrícula ..-..-TF, que pretendia virar à direita, não tomando as devidas precauções.
Por força do embate, o autor foi assistido no hospital tendo passado a padecer de défice funcional permanente da integridade físico psíquica de, pelo menos, 3 pontos e, considerando as circunstâncias do caso, deve ser arbitrada a quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros) ao qual deve depois ser descontado o valor que a ré suportar em sede de acidentes de trabalho.
Mais alega que, paralelamente, sofreu danos de natureza patrimonial que computa em € 6.099,58 (seis mil e noventa e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), fixando-se os danos não patrimoniais em € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
Citada, a ré contestou alegando que foi o velocípede, conduzido pelo Autor que, no momento em que o veículo TF iniciou a manobra de mudança de direcção, iniciou uma manobra de ultrapassagem pela direita e embateu no referido veículo.
Alegou ainda que de todo o modo, o Autor já se encontra ressarcido dos danos patrimoniais decorrentes do sinistro ao abrigo da apólice de acidentes de trabalho.
Isto porque no âmbito do processo de acidentes de trabalho, o autor foi reembolsado na quantia de € 19.335,11, pelo que já foi integralmente ressarcido dos danos não patrimoniais que reclama.
Termina, pedindo improcedência da acção.
Os autos prosseguiram os seus termos, proferindo-se despacho que saneou o processo, fixou o objecto do litígio e identificou os temas da prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença na qual se julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, se condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia global de 17.500,00€ (dezassete mil e quinhentos euros), por conta dos danos sofridos acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
No mais, absolveu-se a Ré do demais peticionado.
*
A Ré veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O Autor não respondeu.
Foi proferido despacho que teve o recurso como tempestivo e legal, admitindo o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que considerou o recurso como sendo o próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela ré/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas conclusões:
1) Por douta sentença proferida a fls., foi a Ré A... condenada a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 17.500,00, e respectivos juros desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
2) A Recorrente não pode conformar-se com tal decisão, e por isso, a submete à apreciação deste Venerando Tribunal da Relação, a fim de ser apreciada e consequentemente alterada, em relação aos valores da condenação.
3) Não se encontra qualquer justificação para que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 10.000,00 a título de dano patrimonial futuro, na medida em que tendo sido o acidente, simultaneamente, de viação e de trabalho, tal dano foi pago ao Autor no foro laboral.
4) Como decorre da prova carreada para os presentes autos, a Ré/Recorrente já tinha reembolsado a congénere B... na quantia de € 19.335,11, que o Autor/Recorrido já tinha recebido por acidente de trabalho (AT).
5) Não podendo, por essa razão a Ré/Recorrente ser novamente condenada no pagamento do dano patrimonial futuro, ou seja, no valor dos € 10.000,00, fixados pelo Tribunal “a quo”, a este propósito.
6) Ocorrendo, assim, uma duplicação de indemnizações, obtendo, por essa via, o Autor/Recorrido um enriquecimento ilegítimo ao qual não tem direito.
7) Além disso, resulta, ainda, de forma evidente e inequívoca da própria sentença, que foi paga também ao Autor a quantia de € 4.740,52, a título de pensão remida pela sua Incapacidade Permanente Parcial (Cfr. pontos 23 e 24 dos factos provados).
8) Assim, a decisão proferida pelo Tribunal recorrido deve ser alterada nesta parte, porquanto o Autor não tem direito a receber tal valor.
9) Pela Tabela em direito civil, foi fixado ao Autor 1 ponto de incapacidade parcial geral (IPG), por ombro directo doloroso, sendo o quantum doloris de 3/7 e o dano estético 2/7.
10) Do exame pericial a que foi submetido, resulta que o mesmo, apresenta sequelas de uma fractura da clavícula direita em consequência de um acidente que o mesmo sofreu à cerca de 22 anos e que o Tribunal recorrido, ao contrário do que seria de esperar, não valorou!
11) Nesta medida, afigura-se-nos que o valor dos danos não patrimoniais ou morais não deveria exceder os € 4.000,00 em vez dos € 7.500,00 fixados na decisão ora recorrida.
12) A indemnização desses danos morais deve ser fixada com base na equidade mas, como tem sido entendimento da nossa jurisprudência, não podemos nem devemos confundir com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”.
13) Para fixar a indemnização por danos não patrimoniais o julgador deve aferir a gravidade do dano atendendo a padrões objectivos e não, pelo contrário a padrões subjectivos.
14) Pelo que, não se entende, e até quando confrontado com casos muito mais graves que o do Autor, (salvaguardo o respeito que não é colocado em causa) como veio a entender o Tribunal a quo ser de arbitrar ao mesmo uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos no valor de € 7.500,00.
15) No caso sub-judice as consequências que advieram deste acidente para o Autor não revestam elevada gravidade, embora sejam, como é óbvio, susceptíveis de ressarcimento a título de danos não patrimoniais, tal como a Recorrente reconhece.
16) Neste contexto, e com o sempre devido respeito, tem, a Recorrente, razões para divergir do montante fixado pela sentença recorrida para compensar o Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, o qual se tem por desadequado e excessivo, impondo-se a sua redução de forma equitativa e de modo a responder ao comando do artigo 496º, do Código Civil, de acordo, desde logo, com a verdade material trazida aos autos.
17) Considera, por isso, a Recorrente, salvo o devido respeito, justa e adequada ao caso concreto a atribuição ao Autor de uma compensação global pelos danos não patrimoniais sofridos, num valor não superior a € 4.000,00.
18) A indemnização a arbitrar pelo Tribunal deve ser justa, adequada e proporcional, de modo a compensar os danos sofridos pelo lesado, o que aqui não se verifica.
19) Decorre do estatuído no artigo 562º do Código Civil, que a responsabilidade da Ré/Recorrente traduz - se numa obrigação de reparar o dano causado.
20) Nos termos do qual “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
21) Todavia, a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º do Código Civil).
22) Neste sentido, conforme, aliás, entre outros, os seguintes Acórdãos:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2011 proferido no Proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S.1 que “fixou a um lesado com 36 anos de idade, empregado comercial e com uma IPG de 15%, acrescida de 5% de danos futuros, a indemnização de € 31.500,00.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/06/2011 proferido no Proc. 160/2002.P1.S1, que fixou a um lesado de 26 anos de idade, sócio gerente da uma empresa, com uma IPG de 16%, a indemnização de € 23.000,00.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2012 proferido no Proc. 3046/09.TBFIG.S1 que fixou a uma lesada com 19 anos de idade, estudante, com uma IPG de 13 Pontos, com agravamento futuro, a indemnização de € 35.000,00.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2012 proferido no Proc. 4370/08.0TBVLG.L1 que fixou a um lesado de 57 anos de idade, com a profissão de tubista e com uma IPG de 25 Pontos a indemnização de € 35.000,00.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2010 proferido no Proc. 456/06.8TBVGS.C1.S1 que “fixou a um lesado de 28 anos de idade, com uma IPG de 15%, sem rebate profissional, uma indemnização de € 25.000,00, a título de dano biológico, na vertente de dano moral.”
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2011 proferido no Proc. 2171/07.6TBCBR.C1.S1 que “fixou a uma lesado de 47 anos de idade, com uma IPG de 8 Pontos que podia evoluir para 13 Pontos, a indemnização de € 30.000,00.”
Acórdãos, todos publicados em www.dgsi.pt.
23) Por tudo isto, o valor a título de danos morais deve ser reduzido, quer face ao princípio da equidade, quer face ao princípio da igualdade, para a quantia de € 4.000,00.
24) No que concerne à verba fixada a título de danos morais os juros devem ser contados desde a data da prolação da sentença e não desde a data da citação.
25) Não se encontrando, assim, e por tudo quanto se disse até aqui, qualquer fundamento para que a Recorrente tivesse sido condenada nos valores em que o foi!!
26) Verificando-se assim, que no caso em apreço foi feita uma incorrecta apreciação e aplicação do direito aos factos provados.
27) A decisão proferida violou, assim, o disposto nos artºs 496º, 562º e 563º, todos do Cód. Civil e, por conseguinte, deve ser alterada.
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Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no presente recurso:
1ª) Saber se o Autor tem direito ao recebimento nos presentes autos de uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros;
2ª) A redução da indemnização arbitrada pelos danos não patrimoniais;
3ª) A contabilização dos juros a que tem direito o Autor não a partir da citação da Ré mas sim da prolação da sentença.
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Para apreciar e decidir tais questões é fundamental considerar a decisão de facto proferida que foi a seguinte:
Factos provados:
1. No dia 19.06.2018, pelas 7h45m, ocorreu um embate na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto.
2. Foram intervenientes nesse embate:
- Veículo automóvel ligeiro de mercadorias, da marca Citroen, modelo ..., com a matrícula ..-..-TF, propriedade da sociedade por quotas “C..., LDA.” e conduzido por BB
- Velocípede sem motor, propriedade do Autor e por este conduzido.
3. O Autor circulava no seu velocípede, na Nacional ... (Avenida ...), no sentido ...-...,
4. Dentro da faixa de rodagem, junto à berma da estrada,
5. O veículo ..-..-TF circulava no mesmo sentido.
6. Quando ao aproximar-se do cruzamento com a Rua ...,
7. Foi embatido no lado esquerdo do velocípede pelo veículo ..-..-TF, que virou à direita em direcção à Rua ....
8. O veículo ..-..-TF era, à data do embate, propriedade da empresa C... Lda.
9. E era conduzido por um trabalhador (BB), no exercício das suas funções, por conta, no interesse e sob a direcção da mesma.
10. À data do embate a responsabilidade pela circulação do veículo TF encontrava-se transferida para a Ré através da apólice n.º ....
11. O autor nasceu no dia .../.../1982.
12. À data do embate o autor exercia funções de operador de ETAR, auferindo a retribuição média mensal líquida de 871,00 € (oitocentos e setenta e um euros).
13. Actualmente, é funcionário de uma serralharia.
14. Como consequência directa e necessária do embate o autor sofreu:
- fractura da clavícula direita;
- escoriações dispersas pelos membros superiores e troncos;
- deformidade do ombro;
- dor a palpação da região acromioclavicular direita, da face anterolateral do ombro e do trapézio direito e impossibilidade de mobilização do ombro devido à dor.
15. Foi conduzido ao serviço de Urgência do Centro Hospitalar ....
16. Depois de ser submetido a RX e TC, foram observadas as seguintes lesões:
- Fractura do terço lateral da clavícula direita, com traço de fratura dominante no plano sagital;
- O topo medial da fractura principal apresenta-se cranialmente ao topo lateral e verifica-se fractura do topo lateral do principal traço da fractura (junto à articulação acrómio- clavicular);
- Angulação com concavidade anterior, a nível do traço de fractura dominante na clavícula direita;
- Fractura cominutiva, alinhada, da união espinha da omoplata/base do acrómio;
17. Uma vez que o embate foi classificado também como “acidente de trabalho”, o Autor foi acompanhado nos serviços clínicos da Companhia de Seguros B....
18. Em 23.06.2018, foi operado no Hospital ... (cirurgia de osteossíntese de clavícula direita), tendo estado internado durante 1 dia.
19. Fez tratamento fisiátrico cerca de 6 meses.
20. Em 28.03.2019, teve alta clínica.
21. Em virtude do sinistro, o Autor apresenta:
- Discreta amiotrofia dos músculos da região escapular;
- cicatriz cirúrgica nacarada na face anterior do ombro, curvilínea medindo sensivelmente 8cm depois de rectificado com 0,6cm de maior largura não dolorosa ao toque;
-Dor ao toque da face anterolateral do ombro; sem amiotrofia do braço;
- Mobilidades do ombro mantidas, mas dolorosas nos últimos graus sendo que a rotação externa é dolorosa em todos os graus de movimento; leva a mão à nuca, à região lombar e ao ombro oposto, mas com dificuldade referindo dor;
- Força muscular discretamente diminuída contra resistência do ombro, braço, antebraço e mão (grau 4+ em 5);
22. Em virtude das referidas lesões, o Autor apresenta uma Incapacidade Permanente Geral (Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica) de 1 ponto.
23. Sinistro em apreço foi, simultaneamente qualificado como “acidente de trabalho”, tendo o mesmo dado origem ao proc. 3151/19.4T8VNG, que correu seus termos no Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 2, e na qual recebeu a quantia de 4.740,52 € (quatro mil setecentos e quarenta euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de pensão remida pela sua Incapacidade Permanente Parcial.
24. E ainda a quantia de € 19.335,11 a título de reembolso de despesas suportadas em virtude do embate.
25. O autor esteve internado e em repouso absoluto em 19.06.2018, 23.06.2018, 24.06.208, 25.01.2018 e 26.01.2018.
26. O autor padeceu de défice funcional temporário parcial (correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, ainda que com limitações) num total de 278 dias.
27. O autor esteve totalmente impedido de realizar a sua actividade profissional de 19.06.2018 a 08.02.2019, num total de 235 dias.
28. O autor exerceu a sua actividade profissional com limitações de 09.02.2019 a 28.03.2019, num total de 48 dias.
29. Como consequência directa e necessária do embate, o autor apresenta um quantum doloris fixável no grau 3 de um máximo de 7.
30. Para além disso, por força da cicatriz identificada em 21. o Autor apresenta um dano estético permanente fixável no grau 2 de um máximo de 7.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3 Palácio da Justiça, R. Cons. Veloso da Cruz, 801
31. O Autor foi submetido a inúmeros actos médicos e de enfermagem.
32. Até à data do sinistro, era uma pessoa empreendedora, activa, habituado a não depender de ninguém.
33. Durante o período em que esteve com incapacidade para o trabalho não pôde trabalhar, sentindo-se inútil e frustrado por esse facto.
34. O autor pratica ciclismo de competição amador.
35. Esteve impedido de participar em provas amadoras durante vários meses (desde Junho de 2018 até Outubro de 2019).
Factos não provados
a) Nas circunstâncias referidas em 1 a 7 o velocípede do autor seguia atrás do TF.
b) E iniciou uma manobra de ultrapassagem pela direita do veículo.
c) Para o que ocupou a berma do lado direito.
d) Transpondo a linha delimitadora da via.
e) Como consequência direta e necessária do embate, foram totalmente danificados ou ficaram desparecidos os seguintes bens do Autor:
i. Aliança de casamento com fecho de ouro;
ii. Capacete Mixino + Bicicleta Scott Foi 10 de competição Epafel 2017;
iii. Sapatos de uso na bicicleta de marca SIDI WIRE;
iv. Rodas New Race Estrada 45 mm (PNEU);
v. Óculos Aro Oakley;
vi. Roupa X- Bionic;
vii. Telemóvel Iphone 7, 128GB.
f) Consequentemente, o autor teve que adquirir os seguintes bens:
• Aliança de casamento com fecho de ouro, cujo custo ascendeu a 98,40 €;
• Capacete Mixino e à bicicleta de marca BMC SLR02 sem rodas que substitui a Bicicleta Scott Foi 10 de competição Epafel 2017 (adquirida pelo Autor e que ficou totalmente destruída no sinistro) cujo custo ascendeu a 3.307,69 €;
• Sapatos de uso na bicicleta de marca SIDI WIRE cujo custo ascendeu a € 300,00;
• Rodas New Race Estrada 45 mm (PNEU) cujo custo ascendeu a € 1.050,00
• Óculos de aro Oakley, cujo custo ascendeu a 190,00 €
• Roupa X-Bionic, cujo custo ascendeu a € 599,00;
• telemóvel de marca Iphone 7, 128 GB, cujo custo ascendeu a € 744,89;
g) Como consequência directa e necessária do embate, o Autor está limitado para o exercício de algumas funções.
h) Como consequência directa e necessária do embate, o autor deixou de poder manipular objectos mais pesados, como sacos com peso superior a 25 Kg.
i) Como consequência directa a necessária do embate, o autor está impedido de participar em provas de ciclismo.
j) Em virtude do seu estado actual (consequência do sinistro) perdeu o ânimo, o orgulho, o preenchimento intelectual e emocional.
k) Sentindo-se discriminado, envergonhado e incapacitado pelo seu estado físico dado que já não consegue acompanhar as actividades dos seus amigos, nem pode acompanhar as actividades familiares como fazia antes do sinistro.
l) Antes do acidente treinava cerca de quatro a cinco vezes por semana, duas a três horas por dia.
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É pois de acordo com esta decisão de facto que se mantém que devem ser apreciadas e decididas as restantes questões suscitadas.
Como antes já vimos, neste seu recurso a Ré defende que o autor não tem direito a ser aqui ressarcido pelo seu dano patrimonial futuro, pelo facto de tal dano ter sido já indemnizado no foro laboral.
Vejamos pois se assim é.
A este propósito é de referir o que ficou consignado no sumário do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2023, proferido no processo 795/20.5T8LRA.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Manuel Aguiar Pereira, em www.dgsi.pt. e que foi o seguinte:
“I. Do facto de o lesado em acidente simultaneamente de viação e de trabalho ter recebido a indemnização por acidente de trabalho acordada com a seguradora responsável pela reparação do sinistro no respectivo processo laboral não resulta que não possa haver lugar a indemnização pelos danos patrimoniais futuros decorrentes do dano biológico sofrido, se as sequelas definitivas do acidente forem de molde a fazer prever a sua ocorrência;
II. A tal não obsta o facto de tais sequelas serem compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual que o lesado mantem sem redução de categoria profissional ou remuneração, mas que dele exigem significativos esforços suplementares;”
Em sentido idêntico vai o acórdão desta Relação de 09.03.2023, no processo 15899/17.3T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador Paulo Duarte Teixeira, em www.dgsi.pt., onde se afirmou o seguinte no respectivo sumário:
I - O facto de o acidente ser qualificado como acidente laboral não impede a fixação de uma indemnização, salvo comprovação de um enriquecimento sem causa do lesado.
II - A indemnização do dano biológico e a dos danos não patrimoniais não podem atender aos mesmos factores sob pena de duplicação da indemnização.”
Densificando o entendimento que subscrevemos, aconselhamos a consulta do que foi decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2023, proferido no processo 3166/19.2T8VIS.C1, relatado pelo Desembargador Vítor Amaral, em www.dgsi.pt, onde após citar inúmera jurisprudência relevante, se afirma o seguinte:
“Concorda-se, assim, com esta jurisprudência do STJ, pelo que é nesta perspectiva que deve ser encarada a indemnização deste dano.
Entendemos, pois, que a indemnização fixada no processo de acidente de trabalho apenas repara o dano (patrimonial) laboral, o qual fica, assim, arrumado.
Mas resta a vertente remanescente do dano biológico, na sua projecção para o futuro, isto é, toda a vida restante do lesado. Esta ver-se-á prejudicada pelo dano corporal/funcional com que o A. se defrontará para o resto da vida, fora do plano laboral, isto, nas mais diversas facetas da sua vida pessoal, familiar e social em tudo o que fica à margem da sua prestação laboral.
Como enfatizado na jurisprudência citada, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reduzem à redução da capacidade de trabalho do lesado, antes se traduzindo, mais amplamente, numa lesão do direito fundamental à saúde e à integridade física, não podendo ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução de âmbito laboral.
Importa, então, a afectação da potencialidade física e psicológica da pessoa, a determinar uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará, estando em causa as repercussões que a lesão causa à pessoa lesada, compreendendo vários factores, incluindo actividades recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, sabido que a vida da pessoa não se reduz ao plano laboral e, mesmo neste, que o lesado, se tiver de enfrentar no futuro o mercado laboral, ali se apresentará funcionalmente diminuído e, por isso, com menores possibilidades de responder às exigências de concorrência por um emprego.
Assim, se a reparação pelo dano especificamente laboral já se mostra definida no processo por acidente de trabalho – o que impede que volte a ser reparada, na instância cível –, resta a vertente do dano biológico que afecta a vida extralaboral do lesado, a dever ser agora objecto de reparação, por não o ter sido antes, termos em que urge concluir (com tudo o respeito devido) que no foro laboral, se foi já reparado o dano/perda laboral, não foi, porém, reparado integralmente o dano patrimonial sofrido, nesta outra vertente do dano biológico (reportada ao dito dano/vertente extralaboral).
Assim sendo, importa agora proceder à respectiva reparação – do dano biológico como dano patrimonial futuro de feição extralaboral.”
Nestes termos e aplicando tal orientação ao caso dos autos e às circunstâncias de facto e de direito que importa considerar, concluímos que bem andou o Tribunal “a quo” quando considerou não se estar perante uma duplicação de indemnizações e por isso entendeu por bem ressarcir o Autor pelo dano patrimonial futuro.
Para além do exposto, a Ré também questiona o montante da indemnização que a tal título foi arbitrada.
Mas sem razão, como já de seguida veremos.
Assim e porque merecem ser subscritos, passamos aqui a transcrever, para melhor entendimento, as razões nas quais a 1ª instância fundamentou a decisão proferida quanto a esta questão:
“Do dano biológico
O autor pretende ser ressarcido da quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica. Conforme decorre da factualidade provada, o autor não ficou a padecer de qualquer incapacidade para o trabalho mas sim um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 1 ponto, compatível com o exercício da sua actividade profissional, mas que exige esforços suplementares.
Escreveu-se no Ac. do STJ de 21.02.2013, disponível em www.dgsi.pt, que “… é ainda necessário ter presente que o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações é fixado pelo Código Civil. Os critérios seguidos pela Portaria n.º377/2008, de 26 de Maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem àquele. O que, naturalmente, não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão do mesmo STJ de 22 de Janeiro de 2009, proc. 07B4242, disponível em www.dgsi.pt). Cumpre não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes, sendo que os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição.
Concretamente, a incapacidade permanente integra aquilo que comummente se designa por dano ou incapacidade funcional. Efectivamente, essa incapacidade, que se reflecte na impossibilidade de uma vida de completa normalidade, com repercussões no intelecto, na vontade e em toda a capacidade em sentido lato, pode configurar-se como uma incapacidade permanente sofrida pelo lesado.
Realce-se, além disso, que a incapacidade funcional, mesmo que não determine efectiva e imediata perda ou diminuição de rendimentos ou de proventos por parte do lesado, importa necessariamente dano patrimonial (futuro), que deve ser indemnizado. Tem sido aliás, este o entendimento dominante da jurisprudência. Embora já tenhamos tratado este dano como dano não patrimonial, passámos a seguir de perto o entendimento jurisprudência que trata o dano biológico como dano patrimonial a partir do momento que, com maior ou menor impacto, se reflecte no exercício da actividade profissional do lesado, ainda que sem perda efectiva de ganhos
O relevo indemnizatório dessa “perda” (como dano patrimonial) tem sido tipicamente absorvido, nos casos como o dos autos, na autonomização (nomeadamente de responsabilidade jurisprudencial) do chamado “dano biológico” ou “corporal”, enquanto lesão da saúde e da integridade psicossomática da pessoa, imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual e traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais de vida. Como se tem feito entendimento no STJ, não se trata de uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado susceptível de avaliação pecuniária), por um lado, ou dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insuscetível, em rigor, dessa avaliação pecuniária e plasmando-se, como utilidade essencial, na clarificação de danos “para além das dores e do sofrimento.”
Neste contexto de dualidade ressarcitória, o dano biológico sofrido pelo autor tem de ser apreciado na sua vertente patrimonial, ainda que não enquanto “perda de capacidade de ganho”, posto que cabe no âmbito de causalidade e de previsibilidade tipicamente associados ao acidente que o autor sofreu e às suas circunstâncias de evolução normal de vida.
Quanto, pois, à indemnização pelo dano biológico, com incidência patrimonial, quer-se significar que, tal como se referiu no ac. do STJ de 26.1.2017 (proc. 1862/13.7TBGDM.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “havendo uma incapacidade permanente, mesmo que sem rebate profissional, sempre dela resultará uma afectação da dimensão anátomo-funcional do lesado, proveniente da alteração morfológica do mesmo e causadora de uma diminuição da efetiva utilidade do seu corpo ao nível de actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais, com o consequente agravamento da penosidade na execução das diversas tarefas que de futuro terá de levar a cargo, próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo. E é neste agravamento de penosidade que se radica o arbitramento de uma indemnização.”.
Assim, o défice funcional, ou dano biológico, representado pela incapacidade permanente resultante das lesões sofridas em acidente de viação, é suscetível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial. Serão do primeiro tipo, quando a incapacidade, total ou parcial, se repercuta negativamente no exercício da actividade profissional habitual do lesado, e, consequentemente, nos rendimentos que dela poderia auferir; serão ainda desse primeiro tipo quando, embora sem repercussão directa e imediata na actividade profissional e na obtenção do ganho dela resultante, implique um maior esforço no exercício dessa mesma actividade ou limite significativamente as possibilidades de o lesado optar por outras vias profissionais ao longo da sua vida activa.
É precisamente nesta última vertente que se manifesta o dano- consequência tratado nos autos, uma vez que o défice funcional de que autor ficou a padecer é compatível com o exercício da sua actividade profissional, embora dela demande esforços suplementares.
Na realidade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida, capaz de propiciar rendimentos. Logo, a incapacidade funcional, importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afectados.
A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.
A incapacidade funcional constitui, desde modo, dano patrimonial futuro, que os art.ºs 562.º e 564.º do C.Civil impõem que se indemnize, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, não tendo o lesado, pois, sequer de alegar ou provar qualquer perda de rendimentos.
De resto, como já referimos, o lesado nem sequer tem de alegar e provar perda de rendimentos laborais para que o tribunal lhe atribua indemnização por ter sofrido uma incapacidade funcional. Basta a alegação dessa incapacidade para, uma vez demonstrada, servir de fundamento ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, cujo valor, por ser indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do preceituado no art.º 566.º n.º3 do C.Civil.
Daí a suficiência da previsibilidade do dano e do recurso à equidade, para efeito da fixação do quantum indemnizatório.
Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.
A tarefa de quantificação, em dinheiro, do dano não é fácil, pois o recurso à equidade permite sempre uma certa margem de discricionariedade, dando azo a que se possam julgar de modo desigual situações idênticas ou equiparáveis.
Tem-se procurado diminuir esse risco através da utilização de exemplos jurisprudenciais versando situações em que sejam aproximadas as respectivas circunstâncias concretas. Todavia, face à multiplicidade de factores que influenciam cada caso e ao peso relativo que cada um deles pode representar no cômputo indemnizatório, esse exercício não dispensa uma avaliação própria e específica do caso concreto.
Cremos, no entanto, que, na presente situação, pode traçar-se uma linha vermelha, inultrapassável: a indemnização pelo dano patrimonial futuro (sem rebate profissional), não deve ultrapassar o valor da indemnização que seria devida se tal dano viesse a projectar-se, directa e imediatamente, na capacidade de ganho do lesado (com rebate profissional). Julgamos, pois, inteiramente pertinentes as considerações do Acórdão do STJ de 22.05.2019, acessível na base de dados da dgsi, quanto à necessidade de não considerar directa e imediatamente os resultados das tabelas de cálculo disponíveis, que outrossim se constituem como tecto máximo, hoc sensu…
De acordo agora com a síntese feita pelo Ac. do STJ de 19.6.2019, na mesma base de dados, com recurso ao elenco pertinente de arestos relevantes, a atribuição de indemnização por perda de capacidade de ganho/dano biológico patrimonial, segundo um juízo equitativo, tem-se baseado em função dos seguintes factores principais: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações; a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado.
Na mesma decisão do STJ, reitera-se o que há muito se refere na jurisprudência: a indemnização para reparação da perda da capacidade futura de ganho deve apresentar como conteúdo pecuniário “um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado”, sem deixar de “considerar a natural evolução dos salários”. Neste âmbito, será de entender como relevante o valor líquido da remuneração auferida pelo lesado, uma vez que tal corresponde em rigor à aplicação da teoria da diferença consagrada no art.º 566º, 2, do CCiv. e “não deve prescindir do que é normal acontecer (id quod plerumque accidit) no que se refere à expectativa média de vida (…) e ao período de vida ativa (em regra, até aos 75 anos), bem como à natural progressão na carreira e ao previsível impacto na massa salarial a receber”.
Por fim, é ainda de registar que, “ponderando-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros”, importa “introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco, e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal que julgará equitativamente”. No entanto, como se advertiu no Ac. do STJ de 19.4.2018, “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva actualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido1 (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento”.
1 “Seja como for, teremos aqui um ponto de partida que, não conduzindo a resultado fixo, permite ao julgador nova ponderação sobre os elementos corretivos, entre os quais se situará o abaixamento do montante a que juros particularmente baixos conduzirão em primeira análise. Tendo sempre e intensamente presente a correção da discrepância entre quem ganha bem e quem ganha mal ou nada ganha, minorando a injustiça a que conduz este modo de cálculo. É que não estamos a repor patrimónios. Estamos a indemnizar pessoas”. Intervenção do Conselheiro do STJ, Dr. João Bernardo, NOVOS OLHARES SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL, ebook CEJ, edição actualizada em Setembro de 2019.
Desde logo, quanto ao recurso ao apelidado método comparativo com outras decisões semelhantes de tribunais superiores para a fixação do valor da indemnização pelo dano biológico com recurso à equidade, cumpre-nos pois referir aqui algumas decisões (todas acessíveis na base de dados www.dgsi.pt), que podem ter para o caso concreto relevo:
- O Acórdão do S.T.J. de 3/11/2016 Revista n.º 1.971/12.0BLLE.E1.S1 para um défice funcional de 4%, sinistrado com 32 anos, indemnização de €25.000,00;
- O Acórdão do S.T.J. de 16/6/2016 (Revista n.º 1.364/06.8TBBCL.G1.S2) para uma incapacidade de 6%, sinistrado com 40 anos, indemnização de €25.000,00;
- O Acórdão do S.T.J. de 7/6/2016 (Revista n.º 237/13.2TCGVR.G1.S4) para uma incapacidade de 8%, sinistrado com 22 anos, apenas licenciado, indemnização de €25.000,00;
- O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04.04.2022 (processo nº 1822/18.1T8PRT.P1) para uma incapacidade de 3%, sinistrado com 35 anos, indemnização de € 20.000,00;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.05.2021 (processo 5911/18.4T8BRG) para uma incapacidade de 2% com esforços suplementares para o exercício da profissão, sinistrado com 48 anos, indemnização de € 5.500,00;
A partir agora dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas matemáticas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
No que concerne ao(s) critério(s) a utilizar para o cálculo de tal indemnização, temos por certo, que não obstante sempre se poder utilizar critérios pautados por um maior grau de o objectividade, a solução baseada na equidade faz com que se pondere todos os elementos de facto assentes, sendo que o uso paralelo da aritmética apenas poderá servir, como elemento auxiliar da formação da decisão, já que esta deverá ter ainda em conta uma amálgama de factores previsíveis, tais como a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, a melhoria das condições de vida do país e da sociedade em geral, a variação da inflação, a tendência para o aumento da vida activa para se atingir a reforma e o aumento da própria esperança de vida.
Por outro lado, e tendo nós por evidente que este dano fisiológico se manterá para além da vida activa do lesado, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida.
Assim, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, devem ser tomados em conta, designadamente, os seguintes elementos:
- O período provável de vida activa, bem como a esperança média de vida apontada para os cidadãos nacionais residentes;
- A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer o lesado trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até em simultâneo;
- A taxa de inflação nas próximas décadas e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.
No caso em apreço temos por assente que o autor ficou a padecer de um défice permanente de integridade físico-psíquica, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, caso em que as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, fixado em 1 ponto. E, dúvidas não restam de que é um dano patrimonial indemnizável, operando-se o cálculo da indemnização de tal dano, com sequelas, enquanto danos futuros previsíveis, com recurso à equidade, cfr. art.ºs 564.º n.ºs 1 e 2 e 566º n.º 3, ambos do C.Civil.
Assim, não parece haver dúvidas de que este défice funcional permanente de 1 ponto vai acompanhar o autor pela vida fora, embora se situe no limite mínimo e não estejam em causa lesões significativas. O que resulta da factualidade provada é que o autor, após o acidente, sente dor quando realiza determinados movimentos com o ombro. E, assim, tendo em conta a idade do autor à data da fixação das lesões (37 anos); o exercício de actividade profissional remunerada como operador de ETAR, sendo que actualmente é funcionário de uma serralharia; que em consequência das lesões sofridas (as dores no ombro de que padece trazem necessariamente limitações, implicando esforços, quer na sua actividade profissional, quer nas actividades de lazer) é portador de sequelas que se traduzem numa incapacidade permanente parcial geral fixada em 1 pontos, ponderando todos os factores acima expostos, recorrendo à equidade, cremos que é justa, equilibrada e adequada a indemnização, a título de danos patrimoniais futuros, € 10.000,00 (dez mil euros).”
Em suma, também aqui não merecem provimento os argumentos recursivos da Ré.
Como ficou já visto no recurso dos autos também se questiona o montante da indemnização arbitrada pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, propondo que a mesma que foi de e 7500,00 seja reduzida para € 4.000,00.
Ora todos sabemos, como devem ser quantificados tais danos, atento nomeadamente o que decorre do previsto nos artigos 496º, nº3 e 494º do Código Civil.
No concreto, mostra-se relevante considerar as seguintes circunstâncias de facto:
Que o Autor sofreu fractura da clavícula direita tendo resultado para o mesmo um quantum doloris de grau 3.
Que o Autor esteve internado e em repouso absoluto durante 5 dias.
Que o Autor padeceu de défice funcional temporário parcial num total de 278 dias, sendo que desses 278 dias, 235 correspondem ao período durante o qual o autor esteve absolutamente impossibilitado de exercer a sua actividade profissional.
Que após retomar o trabalho, o Autor ainda o exerceu com limitações durante 48 dias.
Que que após o acidente (que ocorreu a 19.06.2018) o Autor teve alta clínica apenas em 28.03.2019.
Que o Autor, como consequência do acidente, apresenta as seguintes sequelas:
- Discreta amiotrofia dos músculos da região escapular;
- Cicatriz cirúrgica nacarada na face anterior do ombro, curvilínea medindo sensivelmente 8cm depois de rectificado com 0,6cm de maior largura não dolorosa ao toque;
- Dor ao toque da face anterolateral do ombro; sem amiotrofia do braço;
- Mobilidades do ombro mantidas, mas dolorosas nos últimos graus sendo que a rotação externa é dolorosa em todos os graus de movimento; leva a mão à nuca, à região lombar e ao ombro oposto, mas com dificuldade referindo dor;
- Força muscular discretamente diminuída contra resistência do ombro, braço, antebraço e mão (grau 4+ em 5);
Que as sequelas de que ficou a padecer lhe continuam a causar dores físicas.
Que apesar de continuar a exercer a sua profissão tal implicará sempre esforços acrescidos.
Que à data do acidente tinha 36 anos de idade.
Que continua e continuará a padecer de dores, nomeadamente quando exerce alguns esforços.
Que pratica ciclismo.
Que face à cicatriz que apresenta o dano estético que apresenta foi fixado num grau 2 numa escala de 7.
Que foi submetido a inúmeros tratamentos e esteve impossibilitado de praticar a já mencionada modalidade desportiva durante largos meses.
Perante tais elementos de facto e sendo certo que ao Autor não foi atribuída qualquer grau de culpa na ocorrência do sinistro dos autos, mostra-se adequada a indemnização que lhe foi atribuída pelos danos não patrimoniais sofridos.
Ou seja, também aqui não merece reparo a decisão proferida.
Importa agora apurar se mesmo deve ou não ocorrer no que toca ao segmento da mesma em que se considerou que às quantias arbitradas deveriam acrescer juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Assim e citando o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.09.2013, no processo 2686/10.9TBVCT.G1, relatado pela Desembargador Ana Cristina Duarte, em www.dgsi.pt., temos o seguinte:
“No sentido de que os juros apenas são devidos desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão do S.T.J., de 18 de Dezembro de 2007, e mais recentemente o acórdão deste Tribunal de 12.02.2009, in www.dgsi.pt. Neste aresto, citando-se o acórdão do mesmo S.T.J., de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt), afirma-se “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido – tal como agora o é aqui – concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado”. Do mesmo modo, no acórdão desse STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), refere-se “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado.”
No caso dos autos, refere-se expressamente na sentença que o valor de indemnização por danos não patrimoniais foi encontrado por referência à data da decisão, pelo que apenas vence juros de mora a partir dessa mesma data e não a contar da citação.
Assim, verificando-se que a sentença que fixou a indemnização actualizou o respectivo valor a momento posterior à data da citação, nomeadamente à data da prolação dessa decisão (ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 566.º do Código Civil), de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2002, de 09.5.2002, publicado no D.R., I-A, de 27.6.2002, os juros de mora devidos vencer-se-ão a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação (“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigo 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e, 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”).”
Regressando ao caso concreto o que verificamos é que na sentença dos autos não é feita qualquer referência nem expressa nem sequer tácita à actualização da indemnização global arbitrada.
E sendo assim, não podemos acolher a pretensão da Ré no que toca à alteração do momento a partir do qual devem ser calculados os juros de mora.
Improcede também neste ponto o recurso dos autos.
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Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso aqui interposto pela ré A..., Companhia de Seguros S.A. e, em consequência, confirma-se a decisão proferida.
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Custas a cargo da ré/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.

Porto, 12 de Julho de 2023
Carlos Portela
Deolinda Varão
António Paulo Vasconcelos