Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PINTO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | NULIDADE PROCESSUAL PROVA DOCUMENTAL REGIME DO PERSI EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA | ||
| Nº do Documento: | RP20251126775/24.1T8OVR-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - As nulidades de processo resultam de quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir um ato prescrito na lei, quer por se realizar um ato imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido; já as nulidades de sentença resultam da violação da lei processual por parte do julgador ao proferir alguma decisão [sentença, acórdão ou despacho], situando-se no âmbito restrito da elaboração e estruturação da própria decisão, desde que essa violação preencha algum dos casos contemplados nas alíneas do nº 1 do artigo 615º do CPC. II - Constitui nulidade de processo [secundária] a omissão da prolação de despacho de admissão ou de rejeição de documento(s) junto(s) aos autos por uma das partes em momento posterior ao proferimento do despacho saneador. Tal nulidade fica sanada se não foi arguida no prazo legalmente estabelecido III - Impugnada prova documental sujeita a livre apreciação, o apuramento dos factos que a mesma se destine a atestar depende da indicação, por parte do apresentante daquela, de prova que complemente e credibilize a que decorre da primeira. IV - Em contrato de crédito concedido a consumidor(es) abrangido(s) pelo DL 133/2009 não resolvido antes da entrada em vigor do DL 227/2012, de 25.10, o cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui pressuposto específico e condição objetiva de procedibilidade da ação executiva, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 775/24.1T8OVR-A.P1 – 2ª Secção (apelação) Relator: Des. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Maria Eiró Des. Maria da Luz Seabra * * * Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Por apenso à execução para pagamento de quantia certa instaurada por A... STC, SA, deduziram os executados AA e marido, BB, a presente oposição à execução por meio de embargos, pugnando pela da ação executiva, alegando, em síntese, a inexistência da dívida, por não deverem qualquer quantia à exequente ou aos primitivos credores, uma vez que o Banco 1..., SA, com quem celebraram um contrato de crédito ao consumo, já foi pago de todos os valores desse crédito, pelo que o preenchimento da livrança dada à execução foi abusivo e não poderia ter havido ulterior cessão de créditos. Mais referem que não receberam qualquer comunicação dos anteriores cedente e cessionários a informar a cessão de créditos e que não foi cumprido o disposto no DL 227/2012, de 25.10. Os embargos foram liminarmente recebidos e a exequente embargada, notificada, apresentou contestação, pugnando pela improcedência das exceções invocadas, além de alegar que os executados embargantes não foram integrados no âmbito do PERSI em atenção à data do incumprimento contratual, que ocorreu antes da entrada em vigor do DL 227/2012, de 25.10. Concluiu pela improcedência dos embargos e consequente prosseguimento da ação executiva. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que remeteu para decisão final a apreciação da legitimidade da exequente, foi indicado o objeto do litígio e foram fixados os temas da prova. Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «VI – Decisão: Pelo exposto, o Tribunal decide: I - julgar procedentes os embargos de executado com fundamento na verificação da exceção dilatória inominada de não integração em PERSI dos Embargos e, em consequência, absolver da instância os Executados/Embargantes, declarando-se extinta a instância executiva. Custas pela Exequente/Embargada, por ter ficado vencida na ação (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, Novo Código de Processo Civil). Registe e notifique.». Inconformada com o decidido, interpôs a embargada o presente recurso de apelação, cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: (…) Os embargantes não apresentaram contra-alegações. Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos. * * * II. Questões a apreciar e decidir: Em atenção às conclusões das alegações da recorrente, que, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do CPC, fixam o thema decidendum deste recurso [sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso], as questões a apreciar e decidir são as seguintes: - Nulidade de sentença - al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC; - Alteração da matéria de facto; - Baixa dos autos à 1ª instância para junção de prova documental relativa à primeira cessão do crédito invocada pela exequente embargada. * * * III. Factos provados e não provados: i) A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1. Por contrato de cessão de créditos celebrado em 03 de Abril de 2020, alterado a 31 de Março de 2021, a B... S.A.R.L. cedeu à A... – Stc, S.A., ora Exequente, os créditos neles referidos, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes, incluindo os créditos que aquela detinha sobre os ora Executados. 2. O Banco 2..., S.A. foi constituído por deliberações do Conselho de Administração do Banco de Portugal lavradas em atas de reuniões extraordinárias de 3 e 11 de Agosto de 2014, nos termos do n.º 5 do artigo 145º-G do RGICSF, usando número de pessoa coletiva ...16, registado na Conservatória de Registo Comercial conforme certidão permanente com o código de acesso ...74, e cujo objeto social consiste na "Administração de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos do Banco 1..., S.A. para o Banco 2..., S.A., e desenvolvimento das atividades transferidas enunciadas no artigo 145º - A do RGICSF e com o objetivo de permitir uma posterior alienação dos referidos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão para outra ou outras instituições de crédito". 3. Operou-se a favor do Banco 2..., S.A., nos termos da supras referidas atas, a transferência de direitos (e ativos) e obrigações do Banco 1..., S.A. a favor deste banco de transição que, para os devidos efeitos legais e contratuais, sucedeu ex lege nos direitos (e ativos) e obrigações daquele, mais ficando investido na posição de credor de cada um dos créditos anteriormente detidos pelo Banco 1..., S.A. 4. A responsabilidade bancária titulada pelos Executados que integra o perímetro da cessão, encontra-se identificada na linha ...92 da base de dados. 5. No exercício da sua atividade bancária, em 31.12.2009, o Banco 1..., S.A., atualmente designado por Banco 2..., S.A., celebrou com os Executados, aqui Embargantes, o Contrato de Crédito ao Consumo Banco 1... n.º ...51, o qual tomou na escrita do Banco Cedente o n.º ...92 e que atualmente assume o n.º ...89, mediante o qual o Banco 1..., S.A. concedeu aos Executados/Embargantes um empréstimo no montante total de € 5.097,38 (cinco mil, noventa e sete quatro euros e trinta e oito cêntimos). 6. De acordo com as condições particulares do referido contrato, o montante mutuado deveria ser reembolsado em 84 prestações, mensais e sucessivas. 7. Em cumprimento do disposto nas Condições Particulares e na Cláusula 9ª das Condições Gerais do referido Contrato foi entregue ao Banco 1..., S.A. a livrança em branco subscrita pelos Executados, aqui Embargantes, AA e BB. 8. Nos termos do disposto nas Condições Particulares do Contrato de Crédito ao Consumo Banco 1... consta o seguinte: 9. De acordo com o disposto na Cláusula 13.ª das Condições Gerais do referido contrato de mútuo, o não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas no mesmo implicará a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros, assim como de todas as prestações vincendas. 10. Na cláusula 13.ª.2 alíneas b) e c) das referidas Condições Gerais ficou, ainda estipulado que “Após a ocorrência de uma situação de vencimento antecipado do Crédito, o Banco 1... poderá exercer todos ou qualquer um dos direitos e/ou ações seguintes, disso notificando por carta registada com aviso de receção o Cliente: (…) b) Declarar imediatamente vencidas todas as obrigações assumidas pelo Cliente no Contrato, exigindo o pagamento imediato de todos os montantes devidos ao seu abrigo; c) Proceder à imediata execução de todas ou parte das garantias.”. 11. O contrato de crédito ao consumo nº ...92, celebrado entre os ora Embargantes e o Banco 1... S.A, que deu origem ao preenchimento da livrança dada à execução, destinou-se à aquisição de bens de consumo. 12. O empréstimo passou a registar valores em incumprimento a partir de Agosto de 2012. 13. O Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança preenchida pelo montante de € 11.525,78 (onze mil, quinhentos e vinte e cinco euros e setenta e oito cêntimos), com data de emissão de 31.12.2009 e data de vencimento de 2.04.2024. 14. Do preenchimento e da data de vencimento da livrança foi dado conhecimento aos Executados, através de cartas de interpelação datadas de 22-03-2024. 15. Nas mesmas cartas, datadas de 22-03-2024, a aqui Exequente transmitiu aos Executados a informação sobre as cessões de crédito. 16. Tais cartas foram rececionadas pelos Executados. * ii) … E considerou não provados os seguintes factos: a) - A B..., S.A.R.L. celebrou com o Banco 2..., S.A. um Contrato de Cessão de Créditos, em 22 de Dezembro de 2018, mediante o qual a referida entidade cedeu diversos créditos, bem como, todas as garantias e acessórios a ele inerentes, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora Executados. b) - Os Executados, efetuado por via de entregas em numerário ao Sr. funcionário da caixa do “Banco 1...”, S.A. agência de ..., pagaram ao “Banco 1..., S.A” todos os valores referentes ao contrato de crédito ao consumo n.º ...92. * * * IV. Apreciação do objeto do recurso: 1. Nulidade de sentença – al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC. A recorrente alega que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a admissão dos documentos que juntou a estes embargos em 20.02.2025, comprovativos, segundo ela, de que o contrato de mútuo bancário que esteve na origem da subscrição da livrança dada à execução foi validamente resolvido em 13 de setembro de 2010 e que, por via disso, também não valorou tais documentos na fixação da matéria de facto constante da sentença recorrida, pelo que, na sua ótica, esta última padece do vício de omissão de pronúncia previsto na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC. As causas de nulidade de sentença, taxativamente enumeradas no artigo acabado de referir, reportam-se a vícios formais da sentença [ou de despacho - art. 613º nº 3 do CPC] em si mesmos considerados, decorrentes de, na elaboração e/ou estruturação desta, o tribunal não ter respeitado as normas processuais que a regulam e/ou as que balizam os limites da decisão nela [ou nele] proferida. No caso da al. d) do nº 1 [que é o vício invocado pela recorrente], a nulidade ocorre quando «[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento» [al. d) do nº 1] e surge como contraponto do dever, que impende sobre o julgador, de “conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, sendo pacífico que “o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas (…) não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com «questões»” [cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, 3ª ed., reimpr. 2025, Almedina, pg. 794, anotação 13 e Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. 2º, 2001, Coimbra Editora, pg. 670, anotação ao art. 668º do anterior CPC, cuja al. d) do nº 1 era, em tudo, igual à al. d) do nº 1 do atual art. 615º]. Este vício [omissão de pronúncia sobre questões que deviam ser apreciadas na sentença ou no despacho recorrido] tem de ser total/absoluto, pois se a questão foi conhecida/apreciada pelo juiz, ainda que incorretamente, não haverá omissão, mas sim um conhecimento deficiente/errado da mesma, que se situa já fora da problemática das nulidades de sentença/decisão. Das nulidades de sentença distinguem-se as nulidades processuais previstas nos arts. 186º e segs. do CPC, decorrendo estas de “quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa dos atos processuais” [cfr. Manuel de Andrade, in «Noções Elementares de Processo Civil», Reimpressão, 1993, Coimbra Editora, pg. 176 e Anselmo de Castro, in «Direito Processual Civil Declaratório», vol. III, 1982, Almedina, pg. 103]. As nulidades processuais são vícios ocorridos ao longo da tramitação do processo e podem traduzir-se na circunstância do tribunal ter praticado um ato que a lei processual não admite ou ter omitido um ato ou uma formalidade que a mesma lei prescreve [segundo Amâncio Ferreira, in «Manual dos Recursos em Processo Civil», 8ª edição, 2008, Almedina, pg. 52, “[a] distinção entre nulidades de processo e nulidades de sentença consiste fundamentalmente no seguinte: enquanto as primeiras se identificam com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um ato proibido, quer por se omitir um ato prescrito na lei, quer por se realizar um ato imposto ou permitido por lei mas sem o formalismo requerido, as segundas resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir alguma decisão, situando-se no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais, desde que essa violação preencha um dos casos contemplados no n.º 1 do artigo 668.º”, equivalente ao atual art. 615º]. Estas nulidades [as processuais] são de dois tipos: i) nulidades principais, nominadas ou típicas, que se encontram taxativamente previstas nos arts. 186º, 187º, 191º, 193º e 194º do CPC; ii) nulidades secundárias, inominadas ou atípicas, que estão referenciadas no art. 195º do mesmo corpo de normas. Estas últimas têm na sua base a prática de um ato que a lei não admite, ou a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve – nº 1 – e só constituem nulidade se a lei o declarar ou quando o vício cometido possa influir no exame ou na decisão da causa, ou seja, quando se repercutam na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento [cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. 1º, 3ª ed., pg. 381 e Paulo Pimenta, in «Processo Civil Declarativo», 3ª ed., Almedina, pg. 278]. Os regimes das nulidades principais e das nulidades secundárias também são diferentes. No primeiro caso, a regra é a da oficiosidade do seu conhecimento – art. 196º do CPC –, podendo algumas delas ser arguidas ou conhecidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas, enquanto outras só podem ser arguidas ou conhecidas até determinada fase processual – art. 198º nºs 1 e 2, idem. No segundo, as nulidades não são, por regra, de conhecimento oficioso [a exceção a esta regra consta do nº 2 do art. 199º, que se reporta ao conhecimento oficioso de irregularidades durante a prática do ato a que o juiz presida], tendo que ser invocadas pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato, não podendo ser arguidas pela parte que lhes deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição – arts. 196º, parte final, 197º nºs 1 e 2 e 199º, idem [cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, 3ª ed. reimpr., Almedina, pg. 262, anotações 1 a 3 ao art. 196º]. Esta arguição das nulidades secundárias, mediante a competente reclamação, deve ter lugar enquanto o ato em que foram cometidas não terminar, nos casos em que a parte estiver presente, por si ou por mandatário, ou, quando não estiver presente, nos dez dias seguintes, contados a partir do momento em que, depois de cometida a nulidade, a parte intervier em algum ato praticado no processo ou for notificada para qualquer termo dele, mas, nesta última situação, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – arts. 199º nº 1 e 149º nº 1, idem. Feita esta breve incursão pelos regimes das nulidades de sentença e das nulidades processuais, vejamos então o caso sub judice. Da leitura das conclusões das alegações da recorrente decorre que o que coloca em causa não é nenhum vício relativo à elaboração ou à estrutura da sentença recorrida, mas sim uma irregularidade atinente à tramitação dos autos, por o Julgador a quo não ter proferido despacho de admissão [nem de rejeição] dos documentos que a ora recorrente juntou a estes embargos em 20.02.2025 - trata-se de documentos particulares [missivas enviadas (segundo a exequente embargada) pelo Banco 1... (banco mutuante) aos embargantes (mutuários), datados de 10.03.2010, 05.06.2010, 06.08.2010 e 13.09.2010, com os quais a embargada, ora recorrente, pretendia/pretende fazer prova de que aquela entidade bancária procedeu à resolução do contrato que celebrou com os embargantes e da data em que tal terá acontecido. Resulta do histórico do processo eletrónico que aqueles documentos foram apresentados pela exequente embargada depois da prolação do despacho saneador e que os embargantes [que foram notificados, por aquela, da sua junção e respetivo teor] se pronunciaram sobre os mesmos [por requerimento de 03.03.2025], impugnando a sua autoria e o respetivo teor e alegaram que nunca os receberam nem lhes foram entregues. Resulta, igualmente, que o tribunal a quo não emitiu qualquer despacho a admiti-los ou rejeitá-los, apesar de estar obrigado a fazê-lo em função do que dispõe o nº 2 do art. 423º do CPC. E tinha dez dias para o efeito, depois de esgotado o prazo de resposta do embargados – art. 156º nº 1, idem. Não há, assim, dúvida de que a omissão deste ato [despacho de admissão ou rejeição daqueles documentos] constitui uma nulidade secundária, enquadrável na previsão do nº 1 do art. 195º, idem. Não sendo a mesma de conhecimento oficioso [não cabe no âmbito do nº 2 do art. 199º], cabia à embargada, agora recorrente, argui-la. Não se tratando de nulidade ocorrida durante a prática de ato em que estivesse presente, devia tê-la invocado, por meio da competente reclamação, no ato processual seguinte em que teve intervenção no processo ou, no máximo, nos dez dias seguintes e esse ato [a outra alternativa, relacionada com a notificação para qualquer termo dos sutos, só seria válida se pudesse presumir-se que com essa notificação tomou conhecimento da dita omissão] – art. 199º nº 1 do CPC. O ato posterior em que a embargada teve intervenção nos autos foi a audiência final destes embargos, realizada em 12.03.2025, na qual esteve representada por ilustre mandatário. Devia, por isso, ter arguido a aludida nulidade nesse ato, o que não aconteceu [como se afere da leitura da respetiva ata], ou, no máximo, nos dez dias seguintes, o que também não fez. Só agora, em sede recursória, é que veio invocá-la, embora apelidando-a, erradamente, de nulidade de sentença, como já se disse. Mas o recurso foi interposto [em 12.05.2025] muito depois de esgotado aquele prazo, já que teve por objeto a sentença final [proferida em 08.04.2025]. Não tendo reclamado da dita nulidade no prazo legal, caducou o direito de fazê-lo, considerando-se a mesma sanada. Daqui não resulta, porém, que os referidos documentos tenham agora que ser mandados desentranhar, pois a sanação do despacho omitido não significa rejeição da junção daqueles nem leva a tal consequência. Certo e inequívoco neste ponto é, tão só, que, por um lado, não ocorre a nulidade de sentença invocada pela recorrente e, por outro, que a nulidade processual resultante da apontada omissão se mostra sanada por decurso do tempo de que aquela dispunha para a arguir. Nesta parte, o recurso improcede. * ii) Alteração da matéria de facto. A recorrente impugna também a matéria de facto, pretendendo que se considere provado que o banco cedente procedeu, em 13 de setembro de 2010, à resolução do contrato de empréstimo referido em 5 dos factos provados [celebrado entre o mesmo e os executados embargantes em 31.12.2009]. E funda tal pretensão, precisamente, no teor dos documentos que juntou aos autos em 20.02.2025 [referidos no item anterior deste acórdão], que, segundo ela, fazem prova de tal facto. Embora a impugnação de facto não seja um exemplo de adequada observância do estabelecido no art. 640º do CPC, não há dúvida, ainda assim, que os ónus primários fixados nas alíneas do nº 1 se mostram cumpridos – consta da motivação e das conclusões o ponto de facto que a recorrente considera incorretamente julgado; consta da motivação [e até das conclusões, onde era dispensável] a indicação dos meios probatórios [os aludidos documentos] que, na sua ótica, impunham/impõem decisão diversa; e está especificada, na motivação [e, desnecessariamente, nas conclusões], a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre o concreto ponto de facto em questão –, não se colocando aqui o eventual (in)cumprimento do ónus secundário da al. a) do nº 2, por não estarem em causa provas que tenham sido objeto de gravação [só invoca os mencionados documentos para prova do indicado facto]. Está, portanto, em causa a apreciação/valoração dos aludidos documentos [todos eles simples fotocópias] e a aferição da sua virtualidade para demonstração do facto impugnado. Documentos que a sentença recorrida não ponderou/não valorou, não lhes fazendo qualquer menção na motivação/análise crítica da matéria de facto que considerou provada e não provada. Vejamos se a recorrente tem razão nesta parte do recurso. Estão em causa documentos particulares [fotocópias de missivas], aparentemente emitidos pelo Banco 1... e endereçados aos embargantes, ora recorridos, nas datas já assinaladas. Não contêm qualquer declaração nem assinaturas que sejam atribuíveis aos mesmos, sendo certo que eles [recorridos], além de terem impugnado a autoria e teor daqueles, também invocam [na resposta que apresentaram em 03.03.2025] que não os receberam nem eles [ou cópias iguais] lhes foram entregues. Perante esta impugnação, a força probatória de tais documentos [do seu conteúdo] não é vinculativa [não têm força probatória plena], estando antes sujeita a livre apreciação do julgador – art. 376º nºs 1 e 2, a contrario, do CCiv.. Feita esta chamada de atenção, vejamos então o teor dos referidos documentos – todos eles relativos ao contrato de empréstimo para aquisição de bens de consumo, com o nº ...89 [que é o que está em causa nos autos (descontando os de cessão de créditos que não estão em questão neste ponto), conforme decorre dos factos provados nºs 5 a 11] – e se eles, por si, são aptos à prova do facto que a recorrente quer ver dado como provado. Começando pelos documentos com data de 10.03.2010: De relevante, diz-se nestas missivas [que, como as demais, estão em duplicado, cada uma delas com o nome de um dos embargantes como destinatário] que se encontrava então em dívida, por não ter sido pago, o montante de 136,03€, cujo pagamento, até 18.03.2020, o Banco 1... solicita aos mutuários, ora recorridos [a efetuar através da referência multibando que consta da parte inferior esquerda dos documentos]. Ressalta à evidência que nestes documentos nenhuma menção é feita ao vencimento antecipado de todas as prestações posteriores à(s) que não foi(ram) paga(s), nem existe qualquer alusão sequer ao propósito do Banco resolver o [por termo ao] contrato. Passando aos documentos datados de 05.06.2010: Começam por dar conta que, nesta data, «ainda se encontra por regularizar o valor em dívida do contrato em epígrafe», informam que «o processo transitou para a gestão do núcleo de recuperação externa» e solicitam que os destinatários procedam à regularização da dívida, sob pena de o processo ser enviado «para o (…) departamento de contencioso, tomando-se as medidas julgadas adequadas à defesa dos legítimos interesses da instituição credora». Destas missivas extraem-se conclusões idênticas às anteriores: não procedem nem comunicam o vencimento antecipado de todas as prestações posteriores à(s) que não foi(ram) paga(s), nem a resolução do contrato. Documentos com dada de 06.08.2010: Começam por comunicar que o processo «se encontra já na fase de contencioso», que «a situação de incumprimento não foi ainda regularizada», informam que «a menos que, num prazo máximo de 10 dias, a contar da data desta carta seja efetuado o pagamento do valor em mora 220,20€, o contrato (…) será denunciado», será «exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, acrescido dos juros vencidos e das despesas extrajudiciais incorridas» e, ainda, que «se procederá ao preenchimento da livrança (…), o que faremos decorrido o prazo acima mencionado»; na parte inferior esquerda das missivas consta a referência multibando para realização do pagamento em falta, no montante de 220,20€. Estes documentos também não procedem nem comunicam o vencimento antecipado de todas as prestações posteriores às que já estavam em mora, nem a resolução do contrato, limitando-se a dizer que uma e outra situação seriam levadas cabo se as prestações em mora não fossem pagas no prazo de 10 dias, sendo certo que o que relevaria seria a declaração do efetivo vencimento antecipado de todas as prestações e da efetiva resolução do contrato e não a simples ameaça de que estas seriam concretizadas a breve trecho. Restam os documentos com data de 13.09.2010: Neles, de relevante, diz-se apenas que o processo «se encontra já em fase de contencioso», que «a falta de pagamento continua a verificar-se», que «não nos resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, como forma de procedermos à cobrança coerciva da totalidade do valor em dívida, procedimento que iremos adotar de imediato e sem qualquer outro aviso»; na parte inferior esquerda destas missivas consta a referência multibando e o valor a pagar [até 23.09.2020], de 218,57€. Destes documentos resulta que também não procedem nem comunicam o vencimento antecipado de todas as prestações posteriores às que já estavam em mora, nem a resolução do contrato, limitando-se a anunciar a intenção do Banco em fazê-lo, embora, desta vez, «de imediato e sem qualquer aviso», mas permitindo, algo incoerentemente, e mais uma vez, o pagamento das prestações em mora, em vez de exigir o pagamento de todas as demais/posteriores prestações que seria a consequência lógica da resolução do contrato por incumprimento dos devedores. E tal conclusão – de que as missivas de 13.09.2010 não operaram a efetiva resolução do contrato – decorre, ainda, do que dispõe o nº 1 do art. 436º do CCiv., que prescreve que o que vale para que a resolução contratual produza efeitos é a comunicação da própria resolução aos destinatários e não a comunicação da mera intenção de que o credor irá fazê-lo, seja de imediato ou noutro momento posterior. Do que fica exposto resulta, pois, que os aludidos documentos não provam, por si só, que o Banco 1... tenha procedido à resolução do contrato em apreço, nem, muito menos, que o tenha feito na data que a recorrente refere. Por isso, ainda que nada mais houvesse a acrescentar, o facto impugnado não poderia ser dado como provado com base naqueles documentos. Mas há mais. Na verdade, mesmo que a resolução do contrato constasse inequivocamente daqueles documentos, particularmente dos datados de 13.09.2010 [o que não é o caso, como se viu], ainda assim, o facto em questão não poderia ser dado como provado. Em primeiro lugar, porque não está demonstrado que tais documentos tivessem sido enviados e rececionados pelos ora recorridos [estes negaram que os receberam]. E teria que ser a exequente embargada a fazer essa prova, por estar em causa facto constitutivo do seu direito [para instaurar a ação executiva, esta tinha, além do mais relacionado com o dito crédito e com o preenchimento da livrança dada à execução, que alegar e provar que, no caso, não estava sujeita à observância do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estabelecido no DL 227/2012, de 25.10, o que passava, necessariamente, pela alegação e prova de que o referido contrato foi resolvido antes da entrada em vigor deste decreto-lei] – art. 342º nºs 1 e 3 do CCiv.. Prova que, claramente, não fez/faz, quer por não ter junto aos autos cópias dos registos dos correios comprovativos de que aqueles foram enviados aos embargados, quer por não ter indicado outros meios de prova para demonstração de tal envio/remessa. E em segundo lugar, porque, perante a impugnação do teor dos documentos por parte dos embargados, ainda que eles fossem suficientes para demonstração do indicado facto [que não são, repete-se], os mesmos deixaram de poder valer por si só, necessitando de prova complementar [outros meios de prova] que confirmasse o seu teor [cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.02.2011, proc. 16860/03.0TJLSB.L1-7, disponível in www.dgsi.pt/jtrl, citado no despacho de admissão do recurso, no qual se diz que “impugnada prova documental, sujeita a livre apreciação, o apuramento dos factos que se destine a atestar depende, em princípio, de uma indiciação que apoie a respetiva credibilidade”, sendo “ónus do apresentante dos documentos suscitar e revelar estes índices acessórios”; idem, acórdãos da mesma Relação de 11.07.2019, proc. 4013/15.0T8LRS.L1-7, disponível no mesmo sítio, da Relação do Porto de 04.05.2022, proc. 1488/17.6T8PVZ.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Guimarães de 22.02.2024, proc. 1730/21.9T8BCL.G2, disponível in www.dgsi.pt/jtrg]. E tal prova não vem indicada pela recorrente nem na motivação, nem nas conclusões, para que pudesse ser atendida/valorada por este tribunal de recurso. De tudo o que se deixa exposto resulta, sem margem para qualquer dúvida, que o facto invocado pela recorrente não podia, nem pode, ser dado como provado, por inexistência de prova que o sustente. Como tal, não há que alterar a matéria de facto fixada na sentença recorrida, improcedendo, também neste segmento, o recurso. Como a recorrente não põe em causa a sentença recorrida em função da factualidade que nela foi tida em conta [só pugnava pela sua revogação, na parte em que julgou verificada a «exceção inominada de não integração em PERSI dos Embargos» (com as legais consequências), caso viesse a dar-se como provado o facto atrás apreciado, condição que não se verifica, como ficou demonstrado] e porque concordamos com os fundamentos de direito que dela constam, devidamente sustentados na legislação aplicável e na pertinente jurisprudência, ali chamadas à colação – ou seja: que o regime PERSI é aplicável ao contrato em apreço, subjacente à emissão da livrança dada à execução [ex vi do art. 2º nº 1 al. c) do DL 227/2012, de 25.10], por se tratar de contrato de crédito concedido a consumidores abrangidos pelo DL 133/2009, de 02.06, atenta a definição constante da al. a) do art. 4º deste diploma; que o incumprimento contratual por parte dos embargados se verificou, pelo menos, desde agosto de 2012; que o que releva para efetiva aferição da sujeição ou não ao regime PERSI não é a data do início do incumprimento, pois tal regime pressupõe, precisamente, que o contrato esteja em incumprimento por parte do(s) devedor(es), mas sim o momento em que o credor procede à resolução do contrato [mediante declaração ao(s) devedor(es), nos termos do art. 436º nº 1 do CCiv.]; que não tendo a exequente embargada demonstrado que o contrato em apreço foi resolvido em data anterior à entrada em vigor do DL 227/2012 [ou seja, antes de 01.01.2013 – art. 40º], daí decorre que o mesmo estava obrigatoriamente sujeito ao cumprimento do regime prescrito nos arts. 12º e segs. deste DL; e que este regime não foi cumprido in casu – não existe qualquer dúvida de que bem andou o tribunal a quo ao ter concluído pela falta da condição objetiva de procedibilidade estabelecida nos arts. 12º e segs. do DL 227/2012, julgando procedente a exceção dilatória inominada dela decorrente [exceção que até é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 578º do CPC, mas que, no caso, foi arguida pelos embargantes], com as consequentes inexigibilidade da dívida exequenda e extinção da instância executiva, bem como ao ter declarado que tal exceção é oponível à cessionária, ora exequente [quanto a esta última referência, veja-se o acórdão desta Relação (e Secção) do Porto de 24.01.2023, proc. 7228/21.2T8PRT-A.P1, disponível no sítio da dgsi já mencionado, com o seguinte sumário: “I - O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva, uma condição objetiva de procedibilidade, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, insanável, que conduz à absolvição da instância. II - A exigência deste pressuposto não é afastada pela cessão do crédito, ainda que para efeitos de titularização. III - Aceitar-se que a cessionária do crédito possa resolver validamente o contrato por factos ocorridos antes da cessão traduzir-se-ia numa violação do regime jurídico da titularização de créditos previsto no Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, maxime das normas que visam assegurar a neutralidade dessa operação perante o devedor, bem como numa violação do regime jurídico do PERSI, maxime das normas que proíbem cessões de créditos que permitam às instituições de crédito subtraírem-se àquele regime, numa verdadeira fraude à lei, pelo que essa solução deve ser rejeitada”]. Impõe-se, por isso, a confirmação da decisão recorrida. * iii) Baixa dos autos à 1ª instância para junção de prova documental relativa à primeira cessão do crédito invocada pela exequente embargada. Em face do decidido no item anterior, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada nas conclusões Z a CC, em que a recorrente pugna pela baixa da ação à 1ª instância para aí ser junta prova documental relativa à primeira cessão do crédito invocada no requerimento executivo e na contestação destes embargos [dada como não provada, como decorre da al. a) dos factos não provados, precisamente por a exequente não ter junto aos autos qualquer documento a atestar a outorga do contrato de crédito alegadamente celebrado entre o Banco 2..., SA (que sucedeu ao Banco 1... nos termos indicados nos factos provados nºs 2 e 3) e a primeira cessionária, B...)], por se mostrar desnecessária, face à procedência da mencionada exceção dilatória inominada, a demonstração do trato sucessivo das cessões de créditos e a consequente legitimidade da exequente para a instauração da ação executiva de que estes embargos são dependência e a que estão apensos. Assim, o recurso improcede in totum. Pelo total decaimento, as custas ficam a cargo da recorrente - arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC. * * Síntese conclusiva: …………………………………………… …………………………………………… ……………………………………………. * * * V. Decisão: Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º) Julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. 2º) Condenar a recorrente nas custas, pelo decaimento. Porto, 26.11.2025 Pinto dos Santos Maria Eiró Maria da Luz Seabra |