Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042443 | ||
Relator: | JOÃO PROENÇA | ||
Descritores: | COMUNHÃO CONJUGAL RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE VIOLÊNCIA INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
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Nº do Documento: | RP200903310825124 | ||
Data do Acordão: | 03/31/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | LIVRO 306 - FLS 61. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O cônjuge compossuidor a quem caiba o cargo de cabeça-de-casal no inventário para separação de meações tem posse bastante para fundamentar a sua restituição. II - Tendo sido alegado pelo recorrente que a requerida retirou os bens do domicílio daquele aproveitando a sua ausência, tendo-se aí introduzido por escalamento da parede exterior e arrombado um vidro, após o que destruiu ou neutralizou os dispositivos de alarme e levou os bens para local desconhecido, tal actuação, muito embora não tivesse directa e pessoalmente afrontado o requerente aquando da sua prática, atenta a ausência deste, consubstanciou exercício da violência contra a edificação e as coisas que o requerente instalou para defesa da sua posse e dela resultou um determinado constrangimento do requerente, na medida em que resultou impossibilitado de reagir restituir-se, por si mesmo, à sua posse. III - Está, assim, suficientemente configurado o requisito da violência exigido para o êxito da providência. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B………., Procurador-Adjunto, instaurou contra C………, Juíza de Direito, procedimento cautelar de restituição provisória da posse, nos termos do disposto nos artigos 393.º e seguintes do C.P.Civil, requerendo que sem audiência da requerida, em face da prova documental apresentada ou, caso assim se não entenda, após a inquirição das testemunhas indicadas, se ordene seja restituída ao requerente a posse dos bens que enuncia, sendo-lhe permitido o acesso ao local para onde foram levados; caso ainda assim se não entenda, requer, ao abrigo do disposto no artigo 427.° do Código de Processo Civil, o arrolamento dos mesmos bens, ainda sem a audiência prévia da requerida, sendo o requerente nomeado depositário como requerido e devendo, nesse caso, ser o processo remetido ao Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, para ser apensado ao processo de divórcio n° …./07.6TBVNG que aí corre termos. Para tanto alega, no essencial, que: - Requerido e Requerida contraíram são casados no regime da comunhão de adquiridos; - a partir de Setembro de 2006 o casal e os dois filhos menores passaram a habitar uma moradia, sita na Rua ………., n° …, ………., ………., Vila Nova de Gaia; - em 15/6/2007, a Requerida, deixou o lar conjugal, levando consigo os filhos e foi viver para casa de seus pais, sita na Rua ………., em ………., Vila Nova de Gaia, encontrando-se a correr no Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, sob o n° …./07.6tbvng, acção especial de divórcio litigioso, instaurada pelo Requerente; - desde a aludida data, o Requerente ficou a habitar sozinho a que foi casa de morada de família onde se encontravam-se, para além de outros, dois sofás em couro, um camiseiro em madeira exótica, um aparador em mogno maciço, um louceiro em mogno maciço, dois cadeirões em mogno maciço, uma arca burra, uma cómoda, duas mesinhas de cabeceira, um cofre, peças em louça, peças de faqueiro em prata adquiridos na Atlantis, todos bens comuns do casal; e tolhas de mesa, lençóis, atoalhados, dvd's, cd's de música, canetas Mont Blanc, caneta em prata, botões de punho em ouro e botões de punho em aço, todos próprios do Requerente. - Todos esses bens, comuns estiveram na posse do Requerente até 4 de Agosto de 2008, dia em que, pelas 8,30 horas da manhã, aproveitando a ausência do Requerente, a Requerida retirou os aludidos bens da casa habitada pelo Requerente, tendo para tal, por si ou por outrem a seu mando, encostado uma escada à parede exterior da moradia e partido, utilizando um pedregulho, dois vidros da sala de jantar situada no 1o andar, tendo ainda despejado para dentro da sirene de alarme, que começou a tocar, espuma poliuretano, e retirado uma antena GSM para evitar que a central do alarme comunicasse, via SMS, com o telemóvel do Requerente. - Após o que levou os bens para local que o Requerente desconhece, presumindo que se encontrem na casa onde a Requerida se encontra a residir, sita na Rua ………., n° .., em ………., Vila Nova de Gaia. - O Requerente é o cônjuge mais velho, e o cabeça-de-casal a ser nomeado no processo de inventário subsequente ao divórcio. - E ficou desapossado dos bens, deixando de poder actuar sobre os mesmos e de exercer qualquer fruição, tendo, por via do esbulho perpetrado pela Requerente, ficado coagido a abster-se de praticar actos de posse sobre os bens e a suportar tal situação contra a sua vontade. No caso de se entender que não estão preenchidos os requisitos da restituição provisória de posse, o Requerente pretende o arrolamento dos bens supra referidos, pretendendo deles ser nomeado depositário, existindo receio de que a requerente se desfaça deles, ou os deteriore. Distribuídos os autos, foi pelo Mmo. Juiz da ..ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia proferido despacho que indeferiu liminarmente o requerimento inicial, por ter entendido que, para o caso, o meio próprio de reacção seria o arrolamento dos bens comuns do casal, face à qualidade da requerida de proprietária, em comum, dos bens, cabendo a competência para tal procedimento cautelar ao tribunal de família e menores onde corre a acção de divórcio, não podendo o tribunal ordenar a remessa dos autos para o tribunal de família por constituir um tribunal de competência especializada e aquela Vara uma tribunal de competência específica. Inconformado com o decidido, dele interpôs o requerente o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: 1ª- O douto despacho recorrido, que indeferiu liminarmente a petição inicial do procedimento cautelar, violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos artigos 234°-A, n° 1, 393°, 394°, 426° e 427° do Código de Processo Civil, e 1277°, 1278°, 1279° e 1286°, n° 2 (a contrario), do Código Civil. 2ª- Foram alegados pelo requerente factos que consubstanciam os requisitos da providência cautelar de restituição provisória de posse, designadamente, a posse, por parte do requerente, e o esbulho violento por parte da requerida. 3ª- Salvo melhor opinião, em nada contende com o pedido de restituição o facto de a requerida ser proprietária em comum de alguns dos bens em causa, dado que a norma do n° 2 do artigo 1286° do Código Civil apenas proíbe o exercício da acção de manutenção (e não restituição) nas relações entre compossuidores. 4ª- O pedido de arrolamento dos bens do casal, sugerido no despacho como remédio para a situação de que o requerente foi vítima, não acautela o direito deste de voltar a usar e fruir os bens, como fez durante mais de um ano. 5ª- Evidencia-se que, se a requerida, ao invés de partir vidros e arrombar janelas para esbulhar os bens, tivesse pedido o seu arrolamento (o dos bens comuns, entenda-se), o depositário dos mesmos seria o ora apelante, nos termos do disposto no artigo 426°, n° 2, cujo escopo é justamente o de que, com o arrolamento, não seja prejudicado o gozo e utilização que normalmente venha a ser exercido sobre os bens pelo seu possuidor ou detentor. 6ª- Finalmente, não pode o apelante conformar-se com o facto de, sem qualquer fundamento, o despacho recorrido ter ignorado a situação dos bens próprios do requerente, que a requerida também terá esbulhado, relativamente aos quais não se verifica de todo a inconsistência do recurso à restituição provisória de posse expressa na decisão. *** Não há contra-alegações.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Encontram-se assentes nos autos as ocorrências descritas no relatório supra. *** O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).O presente procedimento cautelar foi instaurado como especial, de restituição provisória de posse, de acordo com o disposto no artº 393º do CPC, que estatui "No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente á sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência". Define o artigo 1.251.º do Código Civil a posse como "o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real". A posse pressupõe a existência cumulativa de um elemento material - o "corpus"- e de um elemento psicológico, o "animus". O elemento material ou "corpus" identifica-se com os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa. A intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados traduz o elemento psicológico ou "animus". A falta de qualquer um destes elementos implica a inexistência de posse. Nos termos do artigo 1.263.º Código Civil, a posse adquire-se pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor, por constituto possessório ou por inversão do título da posse. A tutela possessória baseia-se na presunção de que, por detrás dela, existe na titularidade do possuidor o direito real correspondente (Ac. STJ de 8.05.2001, in CJ/STJ, 2001, tomo II, pág.57) e, em sede de procedimento cautelar, assenta num juízo provisório no que concerne à aferição do direito, condicionado á não prova ulterior, pelo requerido, de um direito real de gozo ou de melhor posse, cedendo perante esta prova - cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4º, 29/30. Entendeu-se no despacho recorrido que a qualidade de proprietário, em comunhão conjugal, dos bens móveis a restituir é incompatível com o recurso à restituição provisória de posse. Contudo, decidiu já esta Relação (Ac.08-01-2008, Rel. Des. Carlos Moreira) que o cônjuge compossuidor a quem caiba o cargo de cabeça de casal no inventário para separação de meações tem a posse bastante para fundamentar a sua restituição provisória. Com efeito, nas relações internas apenas não é permitido, entre compossuidores, o recurso à acção de manutenção, conforme o disposto no artº 1286, n.º 2, do CCivil, deixando, assim, o legislador a via aberta para a acção de restituição. Nada obstava, por isso, ao recurso pelo requerente à acção de restituição dos bens comuns, sendo certo que entre os bens reclamados se encontram bens próprios, sobre os quais o despacho recorrido nada disse, nenhum fundamento de indeferimento liminar existindo, em qualquer caso, relativamente aos mesmos. Por onde se infere que o requerente teria tão só de alegar os outros dois requisitos exigidos pelo art.º 393º do CPC, a saber, o esbulho e a violência. Sabido que o esbulho consiste na privação total ou parcial, contra a vontade do possuidor, do exercício da retenção ou fruição do objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar (cfr. Manuel Rodrigues, in "A Posse", pág. 363), não cabe qualquer dúvida que o requerente alegou no requerimento inicial, nos n.ºs 11.º a 16.º, os factos concretizadores de esbulho por parte da rda. No que concerne ao requisito da violência, é sabido que a jurisprudência se divide entre as correntes que exigem que a violência seja dirigida contra a pessoa do possuidor e aquelas que se bastam com a violência dirigida contra as coisas. Neste último sentido, que é o maioritário, podem encontrar-se os Acs. do STJ de 25-06-98, 25-11-98 e 07-07-99, todos acessíveis através de www.dgsi.pt. Exige-se, no entanto, que a actuação do esbulhador consubstanciadora da violência seja algo mais que uma mera agressão patrimonial, dela devendo resultar um efeito de de constrangimento físico ou moral do possuidor, colocando-o numa situação de incapacidade de reagir perante o acto de desapossamento (Acs. da Relação de Lisboa de 12/07/2006, e da Relação do Porto de 16/10/2006, 21/12/200 e 30/10/2007, todos acessíveis através de www.dgsi.pt). No caso vertente, alegou o recorrente que a requerida retirou os bens do domicílio daquele aproveitando a sua ausência, tendo-se aí introduzido por escalamento da parede exterior e arrombado um vidro, após o que destruiu ou neutralizou os dispositivos de alarme e levou os bens para local desconhecido, presumindo o requerente que se encontrem no local onde a requerida se encontra a residir, ao qual o requerente não tem acesso. Tal actuação, muito embora não tivesse directa e pessoalmente afrontado o requerente aquando da sua prática, atenta a ausência deste, consubstanciou exercício da violência contra a edificação e as coisas que o requerente instalou para defesa da sua posse e dela resultou um determinado constrangimento do requerente, na medida em que resultou impossibilitado de reagir restituir-se, por si mesmo, à sua posse. Afigura-se, pelo exposto, também suficiente configurado, em face da alegação do requerente, o requisito da violência exigido para o êxito da providência. Por ser assim, nenhuma razão existe para rejeitar in limine a requerida providência de restituição provisória de posse, como se fez no despacho recorrido, devendo, ao invés, ter para o efeito lugar a produção da prova arrolada pelo requerente - a prova documental por ele junta não se afigura de modo nenhum suficiente para demonstração de todo o alegado. Impõe-se, pelos motivos expostos, a revogação do decidido e sua substituição por despacho que designe data e hora para inquirição das testemunhas arroladas, seguindo-se os demais termos, designadamente os previstos no art.º 394.º do C.P.Civil. Decisão. Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e determinando se substitua por outro que designe data e hora para inquirição das testemunhas arroladas, seguindo-se os demais termos. Sem custas, por não serem devidas. Porto, 2009/03/31 João Carlos Proença de Oliveira Costa Carlos António Paula Moreira Mário António Mendes Serrano (dispensei o visto) |