Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1738/15.3PAVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
CULPA
Nº do Documento: RP202111101738/15.3PAVNG.P1
Data do Acordão: 11/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A aferição das exigências da culpa no domínio da suspensão da pena e no regime da revogação da suspensão têm uma operacionalidade que excede em muito a função e os fins previstos no art.40º nº2 do CP.
II - As exigências da culpa agravarão ou atenuarão os juízos de prognose ou a culpa do incumprimento no regime de suspensão (podendo ser decisivas), consoante a atitude do arguido que comutou para melhor, quando este se arrependeu e procurou minimizar as consequências do ilícito, ou comutou para pior quando tornou a delinquir com delitos com a mesma etiologia.
III - A funcionalidade das exigências da culpa opera em concerto com as exigências de prevenção especial, dado que um agente que comuta a sua atitude aproximando-se por sua iniciativa do quadro normativo, encontra-se em melhor posição de se reintegrar e, por si só, já percorreu o caminho que a pena visava sobre ele.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.Nº1738/15.3PAVNG.P1
X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

No processo comum com intervenção de Tribunal Singular que correu termos no Tribunal judicial da comarca do Porto no Juízo Local Criminal do Porto, a arguida, B…, por sentença, proferida a 16/10/2017, transitada em julgado, em 15/11/2017, foi condenada pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1 do Código Penal (CP), na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova, designadamente com sujeição de tal arguida, durante este período, a acompanhamento social que venha a revelar-se necessário. Para efeitos de cumprimento do regime de prova determinado na sentença, a DGRSP propôs o Plano de Reinserção Social, junto aos autos (cfr., referência nº 18294491, de 29.3.2018), o qual foi homologado pelo Tribunal, por despacho judicial, proferido em 10.4.2018 (cfr., referência nº 391494845).
Por decisão proferida em 19/05/2021 revogou-se, ao abrigo do disposto no artº 56º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do CP, a suspensão da execução da pena aplicada à arguida, B…, mais se determinando, consequentemente, que a mesma cumpra efetivamente a pena de 9 (nove) meses de prisão, fixada na sentença.
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Não se conformando com a decisão, o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões:
I - O presente recurso versa sobre a matéria de Direito vertida no despacho (fls. ref.424926068) que revogou a suspensão da pena de prisão de 9 meses aplicada à Recorrente nos presentes autos.
II - Preceitua o art. 54.º n.º 2 do Código Penal que “[o] plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio”;
efetivamente, nos presentes autos, não se retira que tenha havido a mais mínima tentativa de obter o acordo prévio da Recorrente para a prossecução do plano de reinserção social que o preceito mencionado faz referência, o que, de forma flagrante, ultraja a lei.
III - Na esteira do decido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, cujo entendimento, deveras, se sufraga: “[o]ra, a lei que proíbe o mais proíbe o menos. Assim, não nos parece à partida (nem à chegada) que assim tenha sido feito (…). Tal aceitação é injuntiva, obrigatória e indispensável, também no devir do plano de reinserção social”. (Cfr. Ac. TRL, datado de 25-05-2017, relator FILIPA COSTA LOURENÇO, processo n.º 317/14.7PBPDL-A-L1-9, in www.dgsi.pt).
IV - Convenhamos que se, pelo menos, tivesse existido a tentativa de acordar um plano com a Condenada, tal como o art. 54.º n.º 2 do Código Penal impõe, evitar-se-iam, com elevadas probabilidades, as situações de incumprimento dos respetivos regimes de prova.
V - Sempre se diga que não se pode falar de uma infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de condutas impostos ou do plano de reinserção social não tendo o Tribunal a quo logrado obter o prévio acordo da Condenada; concluímos, assim, e salvo melhor opinião, que a inobservância do previsto no art. 54.º n.º 2 do CP inviabiliza a verificação dos pressupostos plasmados no art. 56.º n.º 1 al. a) do mesmo código.
VI - À luz do art. 97.º n.º 5 do CPP “[o]s atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
VII - Ainda que não estejamos na presença de uma verdadeira sentença, não se mostra despicienda a constatação de uma estreita relação existente entre ambas as decisões; na realidade, tanto a sentença como o despacho de revogação obtêm-se atendendo à prova respetivamente produzida.
VIII - No que tange à figura da sentença, o art. 374.º n.º 2 do CPP impõe que a mesma contenha a enumeração dos factos dados como provados e dos factos dados como não provados. Ademais, impõe o mesmo artigo que o julgador faça um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sob pena de nulidade – art.379.º n.º 1 al. a) do mesmo código; de facto, tais exigências justificam-se, também, com o preceituado no art. 27.º n.º 4 e art. 32.º n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
IX - Decidiu o STJ: “[t]al despacho não se limita, como se disse, a dar sequência à “execução” da pena anteriormente cominada, mas aprecia factos novos entretanto surgidos e que põem em causa a suspensão (condicional) da pena de prisão (…)”. (Cfr. Ac. STJ, datado de 20-02-2013, relator RODRIGUES DA COSTA, processo n.º 2471/02.1TAVNG-B.S1, in www.dgsi.pt.).
X - Assim sendo, tendo como assente que o despacho a que o art. 495.º n.º 2 do CPP faz referência consiste na apreciação de novos factos, cremos que não seja concebível a ideia de que este não deva ter uma enunciação individual e especificada dos factos dados como provados (ou demonstrados) sob pena de os direitos constitucionalmente consagrados da Condenada saírem defraudados.
XI - Comungamos, por isso, do pensamento que a nulidade prevista no art. 379.º n.º 1 do CPP é aplicável ao despacho do art. 495.º n.º 2 do mesmo código, pois, caso assim não se entenda, mostra-se inconstitucional o art.495.º n.º 2 do CPP quando interpretado no sentido de no mesmo não ser exigível uma enunciação especificada e individual dos factos dados como provados, por violação dos arts. 27.º n.º 4 e 32.º n.º 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa; inconstitucionalidade que fica, desde já, arguida para todos os efeitos legais.
XII - Ao ignorar o previsto no art. 43.º n.º 1 do CP, o Tribunal a quo violou a lei, porquanto, conforme o preceito prescreve, poderia ter aplicado à Recorrente uma pena de multa.
XIII - Estribando-nos no que foi recentemente proclamado por a Relação de Coimbra, sempre se diga que a revogação da suspensão da execução da pena de prisão só deve ter lugar quando seja a única e última forma de conseguir alcançar as finalidades da pena; em harmonia com os princípios basilares do nosso Direito Penal trata-se, na realidade, de uma cláusula de ultima ratio. (Cfr. Ac. TRP, datado de 07-02-2018, relator MARIA DOLORES SILVA E SOUSA, processo n.º 24/16.6PGGDM-A.P1, in www.dgsi.pt).)
XIV – Ao invés por optar pela “bomba atómica” das soluções, a primeira instância poderia, conforme se colhe do art. 55.º do Código Penal: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres de ou regras de conduta; ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção ou, até, prorrogar o período de suspensão.
XV - Note-se que no relatório final de execução (fls…) elaborado pela DGRSP, em de Janeiro de 2019, é mencionado que “(…) a condenada mostrou consciência da impulsividade que a caracteriza e que tem motivado os seus confrontos com o Sistema de
Administração da Justiça Penal, e declarou ter vontade de se inscrever num ginásio e, eventualmente, de aumentar a sua escolaridade (…)”.
XVI - Como referem SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES, “(…) o não cumprimento da obrigações impostas não deve despoletar necessariamente a revogação da condenação condicional. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotados ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que este preceito contém”.
XVII - Ademais, cremos que a condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, só por si, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição que norteará a opção entre o regime do art. 55.º ou do art. 56.º do Código Penal.
XIX - Concluímos, então, ser manifesto que não se mostram preenchidos, menos ainda de forma cumulativa, os pressupostos exigidos pelo art. 56.º n.º 1 do Código Penal e, por isso mesmo, o despacho proferido pelo Tribunal a quo deverá ser revogado e substituído por outro que esteja em euritmia com a lei e que, por conseguinte, seja realmente proporcional.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE O DESPACHO OBJETO DO PRESENTE RECURSO, SÓ ASSIM FARÃO OS VENERANDO DESEMBARGADORES A TÃO ACLAMADA JUSTIÇA
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O Digno Procurador apresentou resposta ao recurso: sustentando a improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:
No que tange ao douto Recurso ora interposto, verifica-se que: - Relativamente à alegada “inobservância do disposto no artº 54º/2 do Código Penal” – que estipula que “O plano de reinserção social é dado a conhecer ao condenado, obtendo-se, sempre que possível, o seu acordo prévio”, afigura-se que a mesma se deverá certamente a lapso: Retira-se do Plano de Reinserção Social elaborado pela DGRSP, datado de 28/03/2018 (cfr. fls. 219 e ss.), que o mesmo resultou de diversas diligências de recolha e análise de informação, nomeadamente, entrevistas estruturadas, efectuadas com a condenada, nas instalações da equipa de reinserção social; sendo expressamente consignado no mesmo que a arguida B… tomou conhecimento do Plano e manifestou concordância com os seus objectivos e actividades. Verifica-se também resultar daquele Plano que, “Para apoio e vigilância do cumprimento dos objectivos e das actividades contempladas no presente plano, a DGRSP manterá: - Entrevistas com a condenada, cuja frequência e regularidade serão estabelecidas em função das necessidades de apoio e vigilância reveladas ao longo da execução da medida, advertindo-a para a obrigatoriedade de comparência; a DGRSP solicitará à condenada: - A justificação de quaisquer faltas, devendo comunicá-las previamente. - Os contactos de pessoas do seu meio familiar ou outro, bem como informações e documentos comprovativos; - A disponibilidade para receber a Técnico de Reinserção Social no meio residencial, ou outro considerado pertinente, e informação sobre eventuais alterações de endereço(s).
Em suma: desde logo, a arguida tomou conhecimento do plano em questão; e as obrigações do mesmo decorrentes eram o mais singelas possível, consistindo em comparecer a entrevistas e justificar eventuais faltas, sem que sobre si impendessem quaisquer outros deveres, v.g., de teor essencialmente pecuniário, ou mesmo regras de conduta, tais como as prevenidas nos artºs. 51.º e 52.º do Código Penal. De qualquer forma, sempre se dirá que a obtenção de tal acordo traduz uma situação ideal, em que o arguido adere voluntariamente ao plano gizado pela DRGS (acordo esse que, em concreto e como vimos, a arguida aceitou) A este respeito, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 12 de Outubro de 2016 no Processo 176/15.2PDMAI -A.P1, expressa que “É precisamente este plano de reinserção social, conjugado com a submissão do condenado a uma especial vigilância e controlo de assistência social especializada, que confere a este regime um sentido fortemente educativo, que o distingue das restantes modalidades da suspensão da pena. Com efeito, o fim do plano de reinserção social é a ressocialização do condenado (artigo 54.º, n.º 1, do Código Penal). Acresce que o tribunal pode impor (artigo 54.º, n.º 3, do Código Penal) os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º do Código Penal, e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado. Contudo, o tribunal deverá sempre dar a conhecer ao condenado o plano de reinserção social, obtendo, sempre que possível, o seu acordo prévio (artigo 54.º, n.º 2, do Código Penal). No entanto, tal oportunidade é dispensável sempre que o condenado já tiver sido ouvido pelos serviços de reinserção social (artigo 494.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).” 3 de 15 Serviços do Ministério Público Juízo Local Criminal do Porto 3 Ou seja, a sujeição do condenado a tal Plano não fica, nem poderia ficar, dependente do acordo do condenado, tal como resulta do disposto no nº 3 do referido artº 54º do Código Penal, a saber: “- O tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado, nomeadamente: a) Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; b) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; c) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;” o que coincide com as concretas obrigações expressas no plano de Reinserção junto aos Autos, e que viabilizariam a realização das entrevistas a que a arguida estava obrigada.
Não está, portanto, em causa a alegada falta de acordo prévio com o Plano de Reinserção gizado pela DGRS, ao qual a arguida aliás aderiu (sendo certo, embora, que tal plano não depende do seu acordo) nem - sequer a título de comparação - a prestação de trabalho a favor da comunidade, que, salvo o devido respeito, não tem qualquer aplicabilidade no caso vertente.
No que tange à alegada “falta de especificação dos motivos de facto e de direito que suportaram a decisão” Tal como é consabido, e bem refere a Recorrente, decorre expressamente do artº 97º/5, do Código Processo Penal que “Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”. Retira-se da simples leitura do despacho em apreço que este se encontra devidamente fundamentado em ambas as ditas vertentes: quer em termos fácticos, quer de direito. No que diz respeito à alegada “estreita relação” entre a sentença e o despacho de revogação, e por referência ao doutamente citado Acórdão do STJ, proferido em 27-01-2009 no Proc. n.º 105/09, resulta desde logo do trecho doutamente citado no Recurso em apreço que a ali referida “equiparação existente”, não se reporta a casos como o que ora nos ocupa, mas entre “aquele tipo de despacho” (v.g. despacho que tiver posto fim ao processo) e a sentença, e isto, para efeitos do disposto no artº 449º do CPP - ou seja, em sede de recurso de revisão. Afigura-se evidente que, salvo o muito e devido respeito, a matéria discutida naquele citado e douto Acórdão não tem qualquer aplicação ao caso concreto, desde logo, porque não se trata aqui de recurso de revisão (sendo certo que o despacho aqui proferido não pôs fim ao processo, “ao invés, dá antes sequência à condenação antes proferida, abrindo a fase da execução da pena de prisão. Isso decorre aliás, claramente, do art. 56.º, n.º 2, do CP quando prescreve que a revogação da suspensão da execução da pena determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.” – cfr. o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo 09P0396 proferido em 12-03-2009, e no qual se alude também ao citado Acórdão, proferido nos Autos Proc. n.º 105/09.
Tudo isto para dizer que a aludida “equiparação” ocorre em relação a sentenças e despachos que põe fim ao processo – não se inscrevendo o douto despacho recorrido neste tipo de decisão – e para efeitos de recurso de revisão; e sem que daqui se retire qualquer outro tipo de equiparação, nomeadamente, a nível de forma, como pretende a Recorrente, remetendo para o disposto no artº 374º/2 do CPP. Neste conspecto, e atenta a similitude de situações, reproduzimos, com a devida vénia, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo 108/10.4PEPRT-H.P1 em 15-02-2019, quando expressa que: “O que importa é que a motivação seja necessariamente objetiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido. Motivação da fundamentação e prolixidade não são sinónimos, sendo que esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade que deve ser uma característica daquela. Do que se vem expondo ressalta que a aplicação da norma do nº 2 do artigo 374º do Código Processo Penal, ao invés do que parece pretender o recorrente, não se encontra transponível para outras decisões judiciais (salvo para os acórdãos a proferir pelos tribunais superiores, com especificidades preceituadas no artigo 425.º, n.º 4, do Código Processo Penal).” (…) “No presente caso, trata-se de decisão posterior à sentença final, é um mero despacho judicial ainda que decida sobre a revogação da pena de substituição imposta na sentença final. Seria, assim, manifestamente desproporcionado exigir-se para um mero despacho a fundamentação exaustiva e completa que é própria das sentenças. - Neste sentido, se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 13 de outubro de 2004, relatado pelo Desembargador Carlos de Sousa, disponível in www.dgsi.pt. No entanto, mesmo no caso dos meros despachos a lei exige (sempre) a sua fundamentação e que nesta se especifiquem os motivos de facto e de direito da decisão, como decorre do nº 5 do artigo 97º do Código Processo Penal, já supra mencionado.”
No que diz respeito à demais jurisprudência doutamente citada, cumpre-nos referir que, no que tange ao douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo 2471/02.1TAVNG-B.S1 em 20 de Fevereiro de 2013, afigura-se que também esta decisão não tem, salvo o muito e devido respeito, qualquer aplicação ao caso que ora nos ocupa. Tal como se retira do citado e douto aresto, “Ora, no caso sub judice, o tribunal partiu do princípio de que o recorrente, não obstante o tempo decorrido, não pagou qualquer quantia, quando, afinal, tinha entregue à sua mandatária € 400,00 para o efeito, que aquela não encaminhou para o processo. E não só isso, como também se absteve de manifestar qualquer posição acerca do assunto, como lhe competia, nomeadamente informando o tribunal das razões por que o condenado, não obstante o decurso do prazo e sua prorrogação, não reunira a quantia suficiente para a satisfação integral da condição. Se tivesse tido acesso a estes elementos, agora conhecidos, e eventualmente a outros em conexão com eles que eventualmente fossem apurados, a decisão do tribunal, como dissemos, podia ter sido completamente outra e não ter sido determinado o cumprimento da pena de prisão, cuja execução tinha inicialmente ficado suspensa.” No caso citado, o Tribunal não teve acesso a novos elementos de prova que teriam influído na sua decisão – obviamente, antes da prolação da mesma.
Ao contrário do pretendido no ponto 21º do douto Recurso ora em apreço, constata-se que tal situação não ocorre nos presentes Autos; o Tribunal “a quo” teve acesso e valorou todas as circunstâncias atinentes ao caso, inclusivamente, as declarações prestadas pela Exa. Técnica da DGRSP e pela arguida e, após ser proferido o douto despacho ora em apreço, não foram suscitados ou trazidos ao seu conhecimento quaisquer novos factos, que não tivessem sido alvo da apreciação efectuada, e que pudessem eventualmente alterar o sentido da decisão expressa. Afigura-se resultar inequivocamente da simples leitura do douto despacho em apreço, que, a exemplo da decisão apreciada no âmbito do citado e douto Acórdão (Processo 108/10.4PEPRT-H.P1), também “In casu, analisada a decisão recorrida verifica-se que a mesma se mostra devidamente fundamentada, permitindo entender, em termos lógicos e racionais, as razões do sentido da decisão”. Tal como estipula o artigo 56º/1 b) do Código Penal, a condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não implica a sua revogação, sendo necessário formular “um juízo prévio sobre a possibilidade de manutenção da ressocialização em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição” – cfr. Ac. cit.).
No caso concreto, verifica-se que a decisão recorrida enunciou extensivamente todas as circunstâncias de facto ocorridas nos Autos, explicitou o teor da condenação sofrida pela arguida, e os termos da suspensão de execução da pena de prisão aplicada, bem como o teor do Plano de Reinserção Social elaborado pela DGRS, ponderou a posterior condenação - em pena de prisão efectiva, tal a gravidade dos factos entretanto cometidos - sofrida pela arguida antes mesmo de decorrido um mês sobre o trânsito em julgado da condenação aqui proferida, ainda, teve em conta a postura assumida pela arguida relativamente à execução do supradito Plano, inviabilizando a intervenção efectiva da DGRSP com uma postura evasiva e de fraca adesão, culminando em ausência, que não comunicou sequer àquela entidade ou ao Tribunal; finalmente, teve em consideração o arrependimento expresso pela arguida, e o depoimento da Exma. Técnica da DGRS, que confirmou o teor do Relatório em questão. Apreciados todos os supraditos pontos, constata-se que a decisão de revogação assentou fundamentalmente no facto de a arguida: ter inviabilizado, atenta a sua fraca adesão e postura evasiva, a intervenção da DGRSP, impossibilitando que esta encetasse medidas concretas, ter estendido a indiferença manifestada neste particular às exigências decorrentes da suspensão de execução da pena aqui aplicada, delinquindo no período da suspensão, cometendo, não só novo crime, de idêntica caracterização jurídico-penal ao nestes Autos em apreço - ofensa à integridade física simples – mas fazendo-o em concurso com dois outros ilícitos penais – crimes de injúria e coacção sobre funcionário.
Em suma: a arguida infringiu repetidamente o estipulado no plano de reinserção social; cometeu novos crimes pelos quais foi condenada em prisão efectiva, revelando, e citamos, “absoluta indiferença relativamente às consequências danosas resultantes do crime que cometeu e de total indisponibilidade no que respeita à realização da justiça, nenhuma atuação tendo levado a cabo que pudesse haver-se como investimento interessado na respetiva reintegração social.” Nesta conformidade, considerou o Mmo Juiz “a quo” que, “Frustrou, assim, a arguida o prognóstico favorável formulado pelo Tribunal, e que motivou a suspensão da execução da pena, demonstrando de forma inequívoca que as finalidades daquele instituto não foram alcançadas.” “Assim sendo, é manifesto, pois, que a arguida violou de forma grosseira as obrigações inerentes à suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi cominada, não se vendo como, no descrito contexto, possa manter-se o prognóstico positivo que se afirmou em sede de sentença condenatória no que respeita à expectativa de que a simples censura do facto e ameaça de execução da pena sirva para manter a arguida afastada da prática de crimes futuros.” Consequentemente, foi expressa a única decisão possível, por justa e adequada: a revogação, ao abrigo do disposto no artº 56º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do CP, da suspensão da execução da pena aplicada à arguida, B…, determinando-se o cumprimento doa pena de 9 (nove) meses de prisão, fixada na sentença. Estão ampla e claramente enunciados todos os factos em apreço, e devidamente fundamentada em termos jurídico-penais a decisão proferida, não se vislumbrando, salvo o muito e devido respeito, qual a parte sobre o juízo e apreciação efectuados que levanta dúvidas ou suscita dificuldades, de compreensão ou outras - sequer em sede de recurso, que, como se constata, foi atempadamente interposto.
Não se verifica assim qualquer nulidade ou inconstitucionalidade, e muito menos por falta de “enunciação especificada e individual dos factos dados como provados”, exigência que não tem aplicação ao acto decisório recorrido, como é entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência.
- No que tange à alegada “não verificação dos pressupostos de revogação da suspensão da execução da pena de prisão e sua desproporcionalidade”, Afigura-se que, uma vez mais ressalvado o muito e devido respeito, não assiste razão à Recorrente. Permita-se-nos desde logo uma pequena correcção à redacção do artº 56.º/1 do Código Penal, tal como, certamente por lapso, foi transcrito pela recorrente. Esta norma estipula que
1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. “Ou”, e não “e”, o que não é de todo indiferente: para que se determinasse a revogação em questão, bastaria que, revelando-se que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, se cumprisse uma das hipóteses prefiguradas, mas, tal como se retira dos Autos, a arguida infringiu grosseira e repetidamente o plano de reinserção social – cfr. fls. 241, e tal como reflete o douto despacho recorrido – ao longo do acompanhamento, a arguida “adoptou uma postura evasiva e de fraca adesão, raramente comparecendo para entrevista”, com o que inviabilizou que aquela entidade pudesse “trabalhar de forma sistemática a consciencialização de B… da necessidade e das vantagens de adoptar condutas pró-sociais”.. e cometeu novos crimes por cuja prática foi condenada em prisão efectiva. É certo que, e como bem refere o douto Recurso, resulta do Relatório Final da DGRSP que “a condenada mostrou consciência da impulsividade que a caracteriza e tem motivado os seus confrontos com o Sistema de Administração da Justiça Penal, e declarou ter vontade de se inscrever num ginásio e eventualmente, de aumentar a sua escolaridade.” Infelizmente, pesem embora tais boas intenções, resulta também de tal relatório que, na sequência das mesmas, “lhe transmitimos informação sobre os diversos cursos promovidos por uma entidade formadora local (…) Tanto quanto apuramos, não se inscreveu em nenhum curso”. De igual modo, e não obstante o aludido e tardio “mostrar de consciência” – demonstrado “numa das poucas entrevistas a que compareceu nesta DGRSP” (sic, fls. 242) verifica-se também que, “dada a pouca adesão e comparência às entrevistas marcadas, não foi possível trabalhar de forma sistemática a consciencialização de B… da necessidade e das vantagens de adoptar condutas pró-sociais, nem a colocação no lugar da vítima, nem reflectir aprofundadamente sobre direitos e deveres e sobre o exercício de uma cidadania plena”. Tal como se expressa no Relatório da DGRSP, e resulta aliás da experiência e senso comuns, não basta “mostrar consciência” de uma dada característica de personalidade, sendo necessário trabalhar a mesma e apresentar resultados concretos que, transcendendo a simples manifestação de intenções, permitam demonstrar ter ocorrido uma efectiva evolução positiva – desiderato inicial esse vertido na douta sentença, mas que a postura da arguida não logrou alcançar. A idade da arguida (nascida em 13/05/94) sempre será de ponderar em seu favor: no entanto, desacompanhada de quaisquer outras circunstâncias relevantes - entre as quais não se incluem, salvo o devido respeito, o seu tardio arrependimento e meras intenções, abstactamente formuladas - não basta por si só para abalar a justeza da decisão proferida. No mais, e tal como bem afirma a Recorrente, a revogação da suspensão de execução da pena não resulta de forma automática; no entanto, discordamos do que afirma no ponto 29º do seu douto Recurso, v.g., que a conduta por si praticada “não assume uma intensidade tal que conduza, necessariamente, ao irremediável comprometimento do juízo de prognose favorável e da aposta na reinserção em liberdade”. Atenta a identidade de situações, socorremo-nos, neste particular e de novo, do supra citado e douto Acórdão, proferido no Processo 108/10.4PEPRT-H.P1, na parte em que afirma que “Retomando o caso em análise, constata-se que o arguido, no decurso do período da suspensão de execução da pena de prisão, voltou a cometer novo crime. É pois evidente não se ter logrado alcançar uma das finalidades da punição, ou seja, não se conseguiu o afastamento do condenado da prática de novos crimes. Contudo, porque a revogação não ocorre de forma automática, impõe-se indagar se, não obstante, a suspensão ainda se mostra apta a evitar que o condenado torne a delinquir. Dito de outro modo, há que averiguar se, com o cometimento do novo crime, ficou infirmado, de forma irremediável e definitiva, o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou ou se, pelo contrário, como defende o recorrente, ainda é possível esperar fundadamente que no futuro o mesmo se afaste da prática de outros crimes.
Vejamos. Resulta dos autos que o recorrente praticou um crime de tráfico de estupefacientes, pelos quais foi sancionado por acórdão transitado em julgado em 27 de maio de 2015, com a pena de 4 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução, por igual período, acompanhada de regime de prova. Decorridos escassos cerca de 7 meses após transitar em julgado a condenação que lhe foi irrogada nestes autos, voltou a cometer novo crime de tráfico de estupefacientes, embora de menor gravidade, pelo qual foi condenado na pena de 1 ano e 3 meses de prisão efetiva.” No presente caso, a arguida voltou a cometer, não um, mas vários novos crimes, desta feita, bem mais gravosos (para comprovar os seus efectivos contornos, basta a leitura da matéria de facto dada como provada na douta sentença que a condenou em prisão efectiva) e isto, menos de um mês após o trânsito em julgado da douta sentença aqui proferida. Ainda citando o supradito e douto Acórdão, “Figueiredo Dias, mesmo quando vigorava o regime de revogação obrigatória, que considerava «profundamente criticável do ponto de vista político-criminal» discorria que «(…) a revogação automática só terá lugar se o delinquente vier a ser punido com pena de prisão efectiva. (…) Se apesar da primeira condenação, o tribunal da segunda condenação foi capaz de emitir um prognóstico favorável que o conduziu à suspensão, tanto basta para mostrar que não considerou ainda esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade». – “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Noticias pág. 356/357) No mesmo sentido se perfila Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário ao Código Penal”, 3ªedição, pág. 317, «Só a condenação em pena de prisão efectiva pode revelar que as finalidades que estiveram na base de uma decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas, (…)». Igualmente a jurisprudência tem vindo a seguir este entendimento - entre outros, acórdãos da Relação de Coimbra de 28 de março de 2012 e 10 de julho de 2013; Relação do Porto de 02 de dezembro de 2009 e Relação de Évora de 25 de setembro de 2012 e de 14 de janeiro de 2014, todos acessíveis in www.dgsi.pt. No caso vertente, o arguido foi condenado pela prática do crime praticado no decurso da suspensão da execução da pena impetrada nestes autos, numa pena de prisão efetiva. Nesse acórdão foi devidamente analisada a personalidade do arguido, tendo-se concluído que apenas o cumprimento efetivo da pena satisfazia as finalidades da punição. E, em concordância, se decidiu nesta Relação do Porto no recurso interposto pelo arguido no aludido processo. Como se expende no aludido douto acórdão «(…) o facto de ter conhecido anteriormente pena cuja execução ficou suspensa, tendo na ocasião o Tribunal da condenação formulado um juízo de prognose favorável que, como se viu, não se veio a concretizar, não havendo agora, nestes autos, nada mais que permita acalentar a esperança que, desta vez, seja a vez em que o recorrente, em liberdade, se afaste do cometimento deste tipo de ilícito.» Foi perante essa ausência de prognose favorável que o ora recorrente foi condenado, nesses autos em pena de prisão efetiva. E, perante este quadro de persistência do arguido no cometimento de um crime que tão seriamente repugna a sociedade, não só pelos fins que o determinam, mas sobretudo pelas nefastas e trágicas consequências que acarreta, demonstra-se que a personalidade do arguido é avessa às regras jurídico-penais estabelecidas, não tendo a pena de substituição que lhe foi aplicada, constituído estímulo suficiente para evitar a prática de novo - e ademais idêntico - ilícito penal. Conclui-se, assim, que a pena de substituição que lhe foi imposta, pela sua benevolência, revelou-se inadequada para realizar os fins em vista com a sua aplicação, porquanto ao invés de interiorizar a oportunidade de ressocialização que lhe foi concedida, num curto espaço temporal, voltou a delinquir.
Em suma, atento o cometimento do ilícito penal no decurso do período da suspensão (decorridos cerca de 7 meses após o trânsito em julgado da condenação), em conjugação com a revelada personalidade do recorrente tornam ineludível concluir que o juízo de prognose favorável que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão se mostra definitivamente arredado. Estão, pois, verificados os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, previstos no artigo 56º, nº 1, b) do Código Penal, não merecendo qualquer censura o despacho recorrido.” Tal é, em traços largos, precisamente a situação vertida nos presentes Autos – com a agravante de o período de tempo decorrido após trânsito em julgado da decisão aqui proferida ser substancialmente inferior, e acrescendo que, tal como resulta da douta sentença proferida, e CRC de fls. 44, a arguida já beneficiara anteriormente do instituto de suspensão de execução da pena, pela prática de crime de ofensa á integridade física simples, p. e p. pelo artº 143ºdo CP.
No que tange à intensidade da conduta da arguida (cfr. ponto 29º do douto Recurso), tal como traduzida pelos factos que entretanto praticou, apenas nos cumpre realçar que a simples leitura dos mesmos, tal como dados como provados a fls. 267-69, é por demais elucidativa, traduzindo uma especial propensão para a violência, avultando a física, mas também a verbal, e com a agravante de ser dirigida a agentes de autoridade policial.
Em conclusão, bastaria que se tivesse preenchido uma das hipóteses alternativamente prevenidas no artº 56º; mas, face a tudo o que fica exposto, e dado que a arguida demonstrou, aliás exuberantemente, ter violado o disposto no referido normativo legal, em todas as suas dimensões, ou seja, cumulativamente, Infringindo grosseira E repetidamente o plano de reinserção social; E cometendo crimes pelos quais veio a ser condenada, revelando que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, afigura-se estar há muito ultrapassada a possibilidade de optar por qualquer outra medida que não a de revogar a suspensão de execução da pena, em estrito cumprimento do disposto no seu nº1.
Conclusões
- Resulta expressamente do Plano de Reinserção Social elaborado pela DGRSP que a arguida e ora Recorrente B… tomou conhecimento do mesmo, e manifestou concordância com os seus objectivos e actividades.
- Tal acordo é dispensável sempre que o condenado já tiver sido ouvido pelos serviços de reinserção social (artigo 494.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), resultando do disposto no nº 3 do o artº 54º do Código Penal, que o tribunal pode impor os deveres e regras de conduta referidos nos artigos 51.º e 52.º e ainda outras obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado - e que, no caso, coincidem com as concretas obrigações que expressas no plano de Reinserção em apreço.
- Retira-se da simples leitura do despacho em apreço que este se encontra devidamente fundamentado, quer em termos fácticos, quer de direito;
- O citado Acórdão do STJ, proferido no Proc. n.º 105/09, não se reporta a casos como o que ora nos ocupa, mas antes, a recursos de revisão - artº 449º do CPP – e sendo certo que o despacho aqui proferido não pôs fim ao processo, “ao invés, dá antes sequência à condenação antes proferida, abrindo a fase da execução da pena de prisão. Isso decorre aliás, claramente, do art. 56.º, n.º 2, do CP quando prescreve que a revogação da suspensão da execução da pena determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença.” – cfr. o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo 09P0396 proferido em 12-03-2009
- A alegada “equiparação” ocorre em relação a sentenças e despachos que põem fim ao processo – não se inscrevendo o douto despacho recorrido neste tipo de decisão – e, de qualquer forma, sem que da mesma se retire qualquer tipo de equiparação a nível de forma, como pretende a Recorrente, remetendo para o disposto no artº 374º/2 do CPP.
- “No presente caso, trata-se de decisão posterior à sentença final, é um mero despacho judicial ainda que decida sobre a revogação da pena de substituição imposta na sentença final. Seria, assim, manifestamente desproporcionado exigir-se para um mero despacho a fundamentação exaustiva e completa que é própria das sentenças.”
- O citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo 2471/02.1TAVNG-B.S1 em 20 de Fevereiro de 2013, também não tem aplicação ao caso concreto: o mesmo diz respeito a situação em que o Tribunal não teve acesso a novos elementos de prova que teriam influído na sua decisão, situação não ocorre nos presentes Autos;
- O despacho recorrido está devidamente fundamentado em termos jurídico-penais, e permite entender, em termos lógicos e racionais, quais as razões, de facto e de direito, que conduziram à decisão proferida, a única possível, por justa e adequada: a revogação, ao abrigo do disposto no artº 56º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do CP, da suspensão da execução da pena aplicada à arguida, B…, determinando-se o cumprimento doa pena de 9 (nove) meses de prisão, fixada na sentença.
- Não se vislumbra, salvo o devido respeito, qual o trecho do despacho recorrido que levanta dúvidas ou suscita dificuldades, de compreensão ou outras - sequer em sede de recurso, que, como se constata, foi atempadamente interposto.
- Não se verifica qualquer nulidade ou inconstitucionalidade, e muito menos por falta de “enunciação especificada e individual dos factos dados como provados”, exigência que não tem aplicação ao acto decisório recorrido, como é entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência.
- A arguida infringiu grosseira e repetidamente o plano de reinserção social, inviabilizou que a DGRSP pudesse “trabalhar de forma sistemática” a sua consciencialização da necessidade e das vantagens de adoptar condutas pró-sociais, e cometeu, não um, mas vários novos crimes, bem mais gravosos e isto, menos de um mês após o trânsito em julgado da douta sentença aqui proferida.
- O juízo de prognose favorável inicialmente formulado não se concretizou, inexistindo qualquer motivo sério que permita renovar tal entendimento: a pena de substituição imposta á arguida revelou-se inadequada, porquanto esta, ao invés de interiorizar a oportunidade de ressocialização que lhe foi concedida, voltou a delinquir num curtíssimo espaço temporal, revelando que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
- Está ultrapassada qualquer possibilidade de optar por qualquer outra medida que não a de revogar a suspensão de execução da pena de prisão aplicada à arguida, sendo o despacho recorrido a única decisão justa e adequada às concretas exigências do caso, pelo que, confirmando-o nos seus precisos termos
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Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu pugnou pela improcedência do recurso.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II.
Objeto do recurso e sua apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
- falta de acordo prévio da arguida ao plano de reinserção social;
- Nulidade da decisão por não conter a relação de factos provados e não provados;
- não existirem razões ponderáveis que determinem a revogação da suspensão.
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Do enquadramento dos factos.

- A decisão que revogou a suspensão da pena fundamentou da seguinte forma:
O Tribunal sustentou que “Nos presentes autos, a arguida, B…, por sentença, proferida a 16/10/2017, transitada em julgado, em 15/11/2017, foi condenada pela prática, em coautoria, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1 do Código Penal (CP), na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova, designadamente com sujeição de tal arguida, durante este período, a acompanhamento social que venha a revelar-se necessário. Para efeitos de cumprimento do regime de prova determinado na sentença, a DGRSP propôs o Plano de Reinserção Social, junto aos autos (cfr., referência nº 18294491, de 29.3.2018), o qual foi homologado pelo Tribunal, por despacho judicial, proferido em 10.4.2018 (cfr., referência nº 391494845).
Porém, de acordo com a certidão de fls. 244 e ss., a arguida voltou a delinquir no decurso do prazo da supradita suspensão – em 10 de Dezembro de 2017, ou seja, antes mesmo de decorrido um mês sobre o transito em julgado da decisão aqui proferida - tendo sido condenada, por sentença já transitada em julgado, na pena única de 2 anos e três meses de prisão efetiva, pela prática, não só de novo crime de ofensa à integridade física simples, mas também, e em concurso real com este, de um crime de injúria agravada e de um crime de resistência e coação sobre funcionário.
Acresce, ainda, e tal como se expressa no relatório final de execução do regime de prova a que foi sujeita, elaborado pela DGRSP (cfr., fls. 241 e ss.), a arguida “adoptou uma postura evasiva e de fraca adesão, raramente comparecendo para entrevista”, com o que inviabilizou que aquela entidade pudesse “trabalhar de forma sistemática a consciencialização de B… da necessidade e das vantagens de adoptar condutas pró-sociais”. Apurou a DGRSP, junto da mãe da arguida, que esta se teria ausentado em Setembro de 2018 para ir “trabalhar fora”. Conclui aquele relatório que a arguida desvalorizou o acompanhamento, pelo que o seu objetivo terá sido cumprido de forma mínima.
Foram tomadas declarações à arguida, nos termos do disposto no art.º 495º do CPP, diligência no decurso da qual esta manifestou o seu arrependimento pelas condutas assumidas no passado. A Exma. Técnica da DGRS, igualmente ouvida, confirmou, no geral, o que já se retirava do relatório final, já mencionado.
Dado o exposto, haverá, agora, que aferir da verificação dos pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena de 9 (nove) meses de prisão aplicada a tal arguida.
* Cumpre decidir. *
Nos termos do disposto no artº 56º, nº 1, als. a) e b) do CP: “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas “. E, segundo o preceituado no nº 2 do mesmo preceito legal “ a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (...)”. Ora, compulsados os presentes autos, a verdade com que nos deparamos é uma só e indesmentível: do teor da sentença condenatória proferida nestes autos foi a referida arguida devidamente notificada, uma vez que esteve presente aquando da sua leitura, igualmente tendo ficado ciente das condições impostas para a suspensão da execução da pena de prisão. Não obstante isso, colocou-se, deliberadamente, numa situação demonstrativa da sua absoluta indiferença relativamente às consequências danosas resultantes do crime que cometeu e de total indisponibilidade no que respeita à realização da justiça, nenhuma atuação tendo levado a cabo que pudesse haver-se como investimento interessado na respetiva reintegração social.
Na verdade, constata-se que tal arguida não só desvalorizou a intervenção da DGRSP, nomeadamente, o acompanhamento a que estava adstrita, pelo que os objetivos que importava atingir foram cumpridos de forma mínima, atenta a impossibilidade daquela entidade em encetar medidas concretas, dada a postura daquela, mas também, e decisivamente, revelou total indiferença pelas exigências decorrentes da suspensão de execução da pena que aqui lhe foi aplicada, ao cometer novo crime de ofensa à integridade física, decorrido menos de um mês após o trânsito em julgado da sentença dos presentes autos, para mais, em concurso real com dois outros ilícitos penais. O arrependimento, expresso pela arguida, aquando das suas declarações, não ilide a extrema gravidade de tal circunstância. Frustrou, assim, a arguida o prognóstico favorável formulado pelo Tribunal, e que motivou a suspensão da execução da pena, demonstrando de forma inequívoca que as finalidades daquele instituto não foram alcançadas. Assim sendo, é manifesto, pois, que a arguida violou de forma grosseira as obrigações inerentes à suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi cominada, não se vendo como, no descrito contexto, possa manter-se o prognóstico positivo que se afirmou em sede de sentença condenatória no que respeita à expectativa de que a simples censura do facto e ameaça de execução da pena sirva para manter a arguida afastada da prática de crimes futuros.
Nessa medida é que, concordando inteiramente com as considerações tecidas pelo Digno Magistrado do Ministério Público, na sua promoção, a justificar a conclusão que a final extrai, se decide no sentido dessa mesma conclusão, ou seja, pela revogação, ao abrigo do disposto no artº 56º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do CP, da suspensão da execução da pena aplicada à arguida, B…, mais se determinando, consequentemente, que a mesma cumpra efetivamente a pena de 9 (nove) meses de prisão, fixada na sentença.”
*
Cumpre decidir.
Quanto à primeira questão suscitada pela recorrente alegando inexistir acordo prévio da arguida para o plano de reinserção social, sustentando que “a inobservância do previsto no art. 54.º n.º 2 do CP inviabiliza a verificação dos pressupostos plasmados no art. 56.º n.º 1 al. a) do mesmo código”.
Desde logo, cabe referir que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, consta do projeto do plano de reinserção social (elaborado em 28/03/2018) expressamente a menção “B… tomou conhecimento do Plano e manifestou concordância com os seus objectivos e actividades.”, o qual veio a ser judicialmente homologado por despacho datado de 10/04/2018, que, por sua vez, foi notificado à arguida, não tendo esta suscitado qualquer reação ou discordância sobre o conteúdo do plano de reinserção e sua homologação judicial. Daí que a alegada suposta falta de concordância, para além de não ter sustentação, mesmo em caso de uma discordância (que não existiu) conforme referiu o MºPº, a arguida não se poderia opor com eficácia à homologação e execução do plano de reinserção. Com efeito, a lei no art.54º nº2 do CP convoca “se possível” o acordo prévio do arguido ao plano, num juízo preferencial, mas onde a não obtenção do mesmo, não poderá obstar à elaboração, homologação e execução do plano, aqui improcedendo as conclusões do recurso.
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Quanto à pretendida nulidade por falta de enunciação do elenco de factos provados e não provados que na ótica da recorrente deveriam constar na decisão prevista no art.495º nº2 do CP e desse modo assumir a mesma forma que revestem as sentenças, assim implicando a nulidade prevista no art.379º nº1 do CPP; manifestamente, a recorrente não tem razão, sobretudo por total falta de cobertura legal para essa pretensa exigência de forma.
A economia dos despachos, por contraposição às sentenças, tem clara demarcação no art.97º nºs1 alínea b) e nº5 do CPP, por contraponto com as sentenças previstas na alínea a) do nº1 desse preceito, depois amplamente reguladas no art.374º do CPP, não podendo a recorrente pretender transformar aquela decisão na forma de sentença. A manifesta falta de fundamento destas conclusões do recurso não permitem mais desenvolvimentos no indeferimento desta pretensão.
Nem tão pouco a inconstitucionalidade invocada, por violação dos arts. arts. 27.º n.º 4 e 32.º n.º 1 do CRP, no caso de se interpretar o art.495º nº2 do CPP num plano decisório em que não se lhe exija as formalidades do art.374º nº2, dado que, o objecto decisório do art.495º nº2, demarcado à indagação de um incumprimento culposo do programa de suspensão, nada tem que ver com o objecto de processo em discussão em audiência de julgamento, esse sim justificativo da forma profusa do art.374º do CPP, onde estão em causa e em aferição os princípios do acusatório, da presunção de inocência e muitos outros que acautelam a discussão de todos factos definidores a responsabilidade penal de um ilícito imputado, assim como da medida da pena (em caso de condenação).
Improcedem assim, nesta parte as conclusões do recurso, não se verificando a invocada nulidade.
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Apreciando agora o mérito da decisão de revogação da suspensão da pena, primeiramente a respeitante ao incumprimento do regime de prova, tocante à alínea a) do nº1art.56° do Código Penal o qual prevê a revogação da suspensão da execução da pena sempre que no seu decurso o condenado "infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social", constata-se que o período de suspensão em causa, tendo a expressão temporal mínima de um ano, o regime de prova aplicado, fora decretado de “forma quase lacónica”, sem a fixação de qualquer conteúdo mais específico, ficando a determinação desse conteúdo remetida para os serviços de inserção social, que habitualmente o preenchem com um projecto de plano de inserção social “standart”, dotado de algumas entrevistas à arguida, e alguns contactos com telefonemas. Deve assim concluir-se pela menor densidade deste regime de suspensão da pena, que não poderá ser comparado com outras penas, cujo regime de suspensão, adquire uma dimensão muito distinta, concretizada na natureza e pluralidade de deveres e regras de condutas que são cominados aos arguidos nos termos dos arts.51º, 52º e 54º nº2 do Cód.Penal. Porém, não é esse o caso dos autos.
É verdade que o relatório sobre a execução da medida datado de 8/01/2019 é referido que “A condenada, ao longo do acompanhamento pela DGRSP, adoptou uma postura evasiva e de fraca adesão, raramente comparecendo para entrevista, apesar dos contactos telefónicos estabelecidos pela técnica da DGRSP nesse sentido e da deslocação ao seu domicílio, onde foi deixada uma convocatória à irmã.”
Numa das poucas entrevistas a que compareceu nesta DGRSP a condenada mostrou consciência da impulsividade que a caracteriza e que tem motivado os seus confrontos com o Sistema de Administração da Justiça Penal, e declarou ter vontade de se inscrever num ginásio e, eventualmente, de aumentar a sua escolaridade, pelo que lhe transmitimos informação sobre os diversos cursos promovidos por uma entidade formadora local – a C…. Tanto quanto apurámos, não se inscreveu em nenhum curso. Face ao exposto, e dada a pouca adesão e comparência às entrevistas marcadas, não foi possível trabalhar de forma sistemática a consciencialização de B… da necessidade e das vantagens de adoptar condutas pró-sociais, nem a colocação no lugar da vítima, nem reflectir aprofundadamente sobre direitos e deveres e sobre o exercício de uma cidadania plena.”
Contudo, embora a recorrente coloque o enfoque do recurso na falta de importância dos incumprimentos ou do desinteresse da arguida no regime de prova, o essencial da ponderação do Tribunal “A Quo nem se situa nestes pontos, antes pesou a importância dos factos que respeitam à alínea b) nº1 do art.56º do CP.
Ainda assim, e no que toca à alínea a) do nº1 do art.56º do CP, deve sublinhar-se que no decurso do regime de suspensão a arguida, obviamente, continua sujeita aos deveres que a oneram, concretamente, de estar disponível para os serviços de inserção social e cumprir com o plano de inserção social homologado, devendo demonstrar que cumpriu com as expectativas, com prognose favorável e a confiança nela depositada, e não alhear-se. Ora, é inquestionável que a arguida revela uma parcela de incumprimento, mas esse plano de incumprimento, sem outra vertente mais gravosa, não seria suficiente para a revogação da suspensão.
Com efeito, se é verdade que, como tem sido sustentado pela jurisprudência, “a conduta infratora deve ser especialmente qualificada”, contudo, importa substanciar o que é isso de infracção especialmente qualificada? Ora, consideramos que os índices de incumprimento previstos no art.56º nº1 do Cód.Penal estão directamente associados aos fundamentos da suspensão da pena previstos no art.50º nº1 do mesmo diploma. Isto é, para operar a revogação da suspensão prevista no art.56º do CP não basta a violação formal de um dever existente no quadro da suspensão da pena, ainda que essa violação seja ostensiva (a qual é meramente indiciária).
Diversamente, para que a violação do dever ou o crime cometido opere a revogação, necessário se torna a quebra da confiança que fora depositada no arguido, assim como a falência do juízo de prognose que fora inicialmente formulado aquando da outorga da suspensão da pena, exigindo-se que o incumprimento dos deveres evidencie o risco sério da mera ameaça da pena de prisão não surtir o seu efeito e do arguido tornar a delinquir.
Não assumindo o regime de prova especial densidade, a violação dos deveres pela arguida por si só, não afectariam estruturalmente o juízo de prognose inicialmente formulado nos termos do art.50º nº1, contudo, a realidade dos autos é bem diversa. Pois a par desse incumprimento, verifica-se que a arguida, no período da suspensão, concretamente, pouco mais de um mês do trânsito da sentença destes autos, tornou a cometer mais três crimes, dois dos quais com a mesma etiologia (ofensa à integridade física sobre uma vítima; e resistência e coacção sobre funcionário com agressões físicas num agente de autoridade, associadas a um terceiro delito de injúrias agravadas), pelos quais viria a ser condenada na expressiva pena única de 2 anos e 3 meses de prisão efetiva. Portanto, praticou criminalidade relevante, incumprindo de forma reiterada e exuberante com o seu estatuto, cuja observância imporia o contrário, ou seja, a demonstração de que as expectativas em si depositadas, aquando da outorga da suspensão, teriam valido, cuja pena como mera ameaça foi suficiente para a integração da arguida, sem que esta cometesse mais delitos.
A personalidade da arguida revela impulsividade e agressividade, o que constitui fator de risco que a arguida tem concretizado no cometimento de crimes.
Na ponderação do art.56º do CP sem olvidar que fortes exigências de prevenção geral possam impor um juízo de prognose negativo e por isso uma pena de prisão efectiva (com destaque para as circunstância do facto [gravidade do ilícito] e se a ameaça da pena realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição), contudo, é pouco provável que somente essas exigências o determinem, sendo muito mais frequente, o protagonismo de ponderosas exigências de prevenção especial, associadas à personalidade e à conduta anterior e posterior do agente, a fundamentar o juízo de prognose. Para isso, aliás, apontam os requisitos impostos pelo art.50º nº1 do CP.
Há muito que as teses retributivas deixaram de fundar as penas (a retribuição enquanto tal não tinha qualquer valor [fundadas no misto estéril de vendetta com o “reconforto social” pela devolução do mal cometido]), sendo as exigências de prevenção especial a assumir maior preponderância nas funções da medida pena e percebe-se porquê: as actuais tendências da “análise económica do Direito” determinam que uma pena válida e necessária é aquela que tem valor para o indivíduo (como fator que influi na sua reintegração) e para a sociedade (enquanto validação das expectativas comunitárias sobre a norma violada; e também na reintegração do agente em sociedade), ou seja, uma pena que influa nas decisões do agente e recupere o indivíduo, como cidadão “válido”, e ao mesmo tempo que reafirme o valor das normas violadas. Que interesse tem o agente ser duramente punido, se desse excesso de punição não resulta valor algum para o indivíduo ou para a sociedade[1],[2].
No mesmo passo, e contrariamente a alguma doutrina, deve afirmar-se que vários juízos de culpa intrometem-se expressamente nos requisitos do art.50 nº1 do CP, assim como a jusante quando se ponderam os incumprimentos do art.56º do CP, sendo que os juízos de culpa (sem qualquer conotação retributiva) têm uma importância dinâmica nas exigências de prevenção especial e muito presente na mensuração do juízo de prognose (na culpa a autocensura e a reparação posterior permitem e influem directamente na recuperação do agente, atenuando as exigências da culpa e das razões de prevenção[3]), portanto, as exigências da culpa assumem uma função distinta da prevista no art.40º nº2 do CP. A este respeito, e sem qualquer carga retributiva (inútil como se referiu), a componente de sacrifício imposto pela pena ao arguido, promovendo a reflexão sobre os seus fins, em particular na compressão de utilidades que estarão em causa, é, por isso, integradora do agente em sociedade. Acaso a pena não tenha impacto nas comodidades e utilidades do arguido e no seu dia a dia, este não irá reflectir sobre o que se passou, e nesse caso, também as suas atitudes e hábitos permanecerão inalterados. Mesmo fora do campo da mensuração das utilidades, se o arguido já mostra reflexão, verdadeiro arrependimento e interiorização sobre o facto cometido, encontra-se já num processo de assimilação dos fins da pena cumprindo-os. O essencial a reter, é que interessará às exigências da culpa, atitude interior do arguido que comutou para melhor, quando este se arrependeu, e procurou minimizar as consequências do ilícito, ou se comutou para pior, tornando a delinquir com delitos com a mesma etiologia. A funcionalidade das exigências da culpa operam em concerto com as exigências de prevenção especial, dado que um agente que comuta a sua atitude aproximando-se por sua iniciativa do quadro normativo, encontra-se em melhor posição de se reintegrar e por si só já percorreu o caminho que a pena visava sobre ele.
Francisco Muñoz Conde sobre as expressões da prevenção especial concretizou “Reeducação e reinserção social, levar no futuro, com responsabilidade social, uma vida sem crimes” (in “La Ressocialização do Delinquente Análise Crítica de um Mito” in “Política Criminal Y Reforma Del Derecho Penal”, pág.132, 1982)
A reintegração do arguido não pode incorporar juízos morais, antes supõe a colocação normativa do agente em sociedade, ou seja, com respeito pelos valores e bens jurídicos, aquilo que Muñoz Conde refere com “ressocializar para a legalidade” (in Op.Cit.138).
Diego Luzón Peña sobre as exigências de prevenção especial refere que “De um ponto de vista de política-criminal a prevenção especial justifica-se porque o seu fim (evitar que o agente volte a delinquir) também é um meio de protecção dos bens jurídicos, que é a finalidade última que torna necessário o recurso ao direito penalo mesmo autor depois enfatiza as finalidades de readaptação e de inserção social (in Politica Criminal, determinação e renúncia da pena” in “Politica Criminal Y Reforma Del Derecho Penal”, pág. 200, 1982).
É inquestionável que a pluridimensionalidade das exigências de prevenção especial é o ponto mais filosófico do direito penal, dado que a pena tem como meta, e algumas vezes a ilusão, de mudar o homem, no sentido de o aproximar e de conformar as suas atitudes de acordo com os valores normativos.

Desde logo, cabe esclarecer que, o juízo de prognose favorável previsto no art.50º nº1 do CP instala-se com facilidade na convicção do julgador, quanto menos graves forem as exigências da culpa e da prevenção especial, ou seja, quando o arguido apresentar parâmetros suficientes de inserção social e profissional, associados a parâmetros de culpa suportáveis (com personalidades e condutas anteriores e posteriores ao crime que permitam o juízo de prognose positivo). Aí estão criadas as condições que permitem o juízo de suficiência da pena com a mera censura e da sua ameaça. Diversamente, se o quadro de vida do arguido, for instável, minado por várias dependências ou impulsos que condicionam o seu dia-a-dia [4], que se distancie da vivência de quem está inserido social e profissionalmente, tendo o mesmo já cometido vários delitos, as probabilidades de recidivar é elevada ou muito elevada, o que agrava as exigências de prevenção especial, inviabilizando juízos de prognose favoráveis.
Portanto, aos Tribunais cabendo aferir o horizonte de um juízo de prognose projetado sobre um cenário de mera censura e ameaça da pena que se pretende bem sucedida (com/sem deveres ou regras de conduta; com/sem regime de prova), no quadro das exigências de prevenção especial, é delicada e difícil a função de aquilatar a perigosidade e o risco presente nas condutas do arguido, denunciada pelas condutas anteriores e posteriores do agente, aferição sempre orientada na ótica dos fins da pena e pelo princípio da proporcionalidade.
No caso dos autos, a frustração dos fins da pena suspensa destes autos é ostensiva, pelo comportamento reiteradamente delituoso da arguida, evidenciando uma patente perigosidade, tornando totalmente inválido o que outrora foi um juízo de prognose, e que, agora em retrospectiva, se deve concluir pelas exigências de prevenção especial e geral que determinam a revogação da pena, como bem decidiu o Tribunal “A Quo”.
O relevo dos novos delitos que a arguida cometeu determinam a revogação da suspensão da pena, dado ter falhado de forma exuberante o projecto cujo investimento de confiança havia sido feito na arguida. A expectativa era de que a arguida com a mera ameaça da pena se reinserisse na sociedade não tornando a delinquir, quando, ao invés, violou de forma ostensiva, demonstrando o fracasso dessa pena de substituição, cometendo reiteradamente delitos da mesma natureza em pleno período de suspensão, demonstrando um risco e uma perigosidade que somente a prisão efectiva se apresenta como a pena que cumpre os fins legais da prevenção, mostrando-se inadequadas as soluções paliativas e intermédias do art.55º, claramente aquém das exigências de prevenção demonstradas.
Perante o seu comportamento incumpridor os pressupostos do art.56º nº1 alínea b) do Cód.Penal foram correcta e criteriosamente aplicados pelo Tribunal a quo.

DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso totalmente improcedente e consequentemente, nos termos e fundamentos expostos, manter a decisão do tribunal a quo que revogou a suspensão da pena de prisão.

Custas crime deste recurso que fixo em 4 ucs a cargo da arguida - 513.º, n.º 1 do Código Processo Penal.

Sumário.
(exigências de culpa na suspensão e revogação da pena)
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Porto, 10 de Novembro 2021.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
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[1] El Rei D. João II reconhecendo os excessos inúteis do direito penal, recomendou aos juízes desembargadores que, com excepção dos delitos “feios”, não se condenassem os réus à pena de morte, porque “um homem custa muito a criar”, podendo aplicar-se penas de degredo. Portanto, salvas as proporções, o tempo histórico e a problemática da pena de morte, o referido monarca viu no século XV a desnecessidade de aplicar penas excessivas, apenas norteadas por fins retributivos, procurando valorizar outros fins. Por outro lado, são numerosas as cartas régias de D. João II e de D. Manuel I a julgar extintas penas de degredo com a condição dos réus pagarem somas que oscilavam entre os 50 e os 200 reais a favor de “instituições de solidariedade social”, à data, misericórdias, hospitais e confrarias.
[2] Numa análise sobre as perspectivas da Análise Económica do Direito, sustenta-se “Na verdade, a prática de condutas ilícitas continuará a verificar-se desde que se sustenha vantajosa para os agentes, portanto, o melhor modo de prevenção consiste na diminuição dos incentivos, particularmente através do aumento dos seus custos, de modo a suprimir a pretensa vantagem do ilícito.” In "A operacionalidade do private enforcement do direito da concorrência: dissuasão, ações coletivas, e third-party litigation funding" in Revista de Concorrência e Regulação, Lisboa, n.° 45 (2021), pp. 104-141.
[3] Já escrevemos noutro acórdão que relatamos em 14/04/2021 neste Tribunal da Relação e publicado na plataforma do ITIJ “Da mesma forma que nos graves antecedentes criminais por delitos com a mesma etiologia, este seu comportamento anterior evidencia uma repetida insensibilidade às penas que lhe foram cominadas, assim agravando o juízo de censura no delito agora praticado; também se observa que a culpa se desloca para jusante, assimilando e desempenhando um efeito integrador e atualista, triunfando sobre o momento que se cristalizou no facto típico cometido, interessando mais saber “quem é o homem de agora?”, que confessou (confissão como expressão de autocrítica e receção do desvalor da sua conduta e, por isso, de aproximação ao lesado e à ordem jurídica); que procurou reparar os lesados e que, por sua iniciativa, já se regenera. Esta reação do arguido ao seu próprio delito, deve integrar os parâmetros da pena a cominar-lhe, adequando o seu dimensionamento. Com efeito, parece consensual que a confissão em tribunal, o arrependimento como ato posterior ao facto; como os atos de reparação junto do lesado (este último também minimizando as consequências do ilícito), influem no desvalor da atitude, atenuando-o, podendo até atenuar especialmente a pena, afectando os limites abstractos da pena cfr.art.72º nº1 e nº2 alínea c). A culpa do agente na aferição da pena, implica uma incidência global, que ultrapassa, e muito, o desvalor da atitude que recai sobre a sua conduta típica, que subsumiu o delito. Os parâmetros da culpa não se imobilizam na prática do facto, antes se deslocam para a conduta anterior (condenações anteriores podem agravar o juízo de censura, pela insensibilidade manifestada), mas sobretudo para conduta a posterior verificada, e até se movimentam para juízos futuros de prognose.”
[4] As dependências ou impulsos não só resultam de adições de estupefacientes ou de produtos alcoólicos; também se afirmam nas compulsões sexuais instaladas, invasivas da liberdade do “outro”; nos hábitos mantidos de condução ilegal (sem habilitação legal), cujo arguido não renuncia, nem prescinde das utilidades da circulação e transporte automóvel, por mais interpelações policiais que lhe façam; na feição de personalidades violentas ou agressivas, que têm o “gosto” ou o impulso de resolver qualquer conflito ou contrariedade com recurso à agressão física; na atitude repetida de quem (sem competências profissionais) se acostumou a forçar as vítimas a entregar valores mediante ameaças; ou daqueles que têm o prazer de exprimir a sua revolta interior subtraindo o que é dos outros para assim viverem, sem que desenvolvam qualquer esforço produtivo ou de colaboração no meio social.