Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8689/20.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
Nº do Documento: RP202311278689/20.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 11/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE. DECISÃO ALTERADA.
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A indemnização do chamado dano biológico, com incidência patrimonial, tem como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
II – Não deve a indemnização de tal dano ser calculada com base em tabelas financeiras, na medida em que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares. Assim como não deve ser fixada com recurso às tabelas estabelecidas para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável de indemnização, nos termos do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08, por estas se destinarem a ser aplicadas na esfera extrajudicial.
III – O ajuizamento no cálculo da dita indemnização, à semelhança do que sucede na quantificação dos danos não patrimoniais/morais, deve fundar-se, em último e decisivo termo, em critérios de equidade e sem dissociação de entendimentos jurisprudenciais minimamente uniformizados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 8689/20.8T8VNG.P1
[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 2]


Relator: Fernando Vilares Ferreira
1.ª Adjunta: Anabela Andrade Miranda
2.ª Adjunta: Ana Lucinda Cabral



SUMÁRIO:
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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.
RELATÓRIO
1.
AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., S.A..
Pediu que a Ré seja condenada a pagar-lhe indemnização no montante de 51.000,00€, bem como dos valores que se vierem a liquidar em sede de incidente de liquidação, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, ter sido interveniente num acidente de viação, que se traduziu no seu próprio atropelamento, o qual se ficou a dever a culpa exclusiva de condutor de veículo segurado pela R., pelo que esta é responsável pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe advieram do aludido sinistro.
2.
A Ré contestou, assumindo a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo Autor, mas reputando de excessivos os valores peticionados.
3.
Procedeu-se ao saneamento do processo, à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas de prova.
4.
Por articulado datado de 11.01.2023, o Autor veio requerer a ampliação do pedido para o montante de 105.536,68€, com oposição da Ré (cfr. requerimento de 16.01.2023), pretensão que foi admitida por despacho de 18.01.2023.
5.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
“Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido:
a) Condenar a Ré no pagamento da quantia de €30.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
b) Condenar a Ré no pagamento da quantia de €35.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;
c) Condenar a Ré no pagamento das despesas necessárias para o tratamento da fratura do dente 1.1 e com os tratamentos de fisioterapia de que venha a carecer ao nível do joelho direito, com a periodicidade que vier a ser definida em Consulta de Medicina Física e de Reabilitação, a realizar uma a duas vezes por ano, em montante a liquidar em sede de incidente de liquidação;
d) Absolver, no mais, a Ré do pedido;
Custas pela Autor e Ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o primeiro.]
6.
Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª A indemnização global atribuída ao Recorrido de € 65.000,00 é manifestamente exagerada e desproporcionada à gravidade dos danos que se pretendem indemnizar.
2.ª Com efeito, as indemnizações fixadas devem acompanhar as decisões jurisprudenciais dos n/ tribunais superiores, o que, no caso em apreço, não se verifica.
3.ª A não ser assim, fica desde logo, irremediavelmente, violado o princípio da igualdade e proporcionalidade no tratamento entre lesados.
4.ª Pelo que as verbas fixadas para o dano patrimonial e para o dano moral devem ser reduzidas para € 20.000,00 e € 10.000,00 respetivamente.
5.ª Aliás, neste sentido, confronte-se, entre outros, os seguintes Acórdãos:
- Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 07/12/2017, no Processo 863/16.8T8VIS.G1, da 2ª Secção Cível, que a uma lesada de 40 anos, a quem no exame pericial tinha sido fixada uma incapacidade de 12 Pontos com incapacidade para a profissão habitual, o Tribunal da 1ª Instância atribuiu uma indemnização por danos morais de € 25.000,00 e que aquele Tribunal da Relação reduziu para € 12.500,00!!
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2017, proferido no processo 589/13.4TBFLG.P1.S1, que confirmou a indemnização atribuída ao Autor, de 34 anos, por danos não patrimoniais de € 30.000,00, para uma IPG de 20 Pontos, um Quantum Doloris de 5/7, um Dano Estético de 3/7, uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer de 3/7 !!!
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2011 proferido no Proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S.1 que “fixou a um lesado com 36 anos de idade, empregado comercial e com uma IPG de 15%, acrescida de 5% de danos futuros, a indemnização de € 31.500,00.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/06/2011 proferido no Proc. 160/2002.P1.S1, que fixou a um lesado de 26 anos de idade, sócio gerente da uma empresa, com uma IPG de 16%, a indemnização de € 23.000,00.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/04/2012 proferido no Proc. 3046/09.TBFIG.S1 que fixou a uma lesada com 19 anos de idade, estudante, com uma IPG de 13 Pontos, com agravamento futuro, a indemnização de € 35.000,00.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2012 proferido no Proc. 4370/08.0TBVLG.L1 que fixou a um lesado de 57 anos de idade, com a profissão de tubista e com uma IPG de 25 Pontos a indemnização de € 35.000,00.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/11/2010 proferido no Proc. 456/06.8TBVGS.C1.S1 que “fixou a um lesado de 28 anos de idade, com uma IPG de 15%, sem rebate profissional, uma indemnização de € 25.000,00, a título de dano biológico, na vertente de dano moral.”
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/2011 proferido no Proc. 2171/07.6TBCBR.C1.S1 que “fixou a uma lesado de 47 anos de idade, com uma IPG de 8 Pontos que podia evoluir para 13 Pontos, a indemnização de € 30.000,00.”
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2019 proferido no Proc. 560/09.0TFLSB que fixou a um lesado de 19 anos de idade, com uma IPG de 8 Pontos, a quantia de € 10.000,00, a título de dano biológico na vertente patrimonial.
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2016 proferido no Proc. 405/13.7T2AVR.P1 que fixou a um lesado de 39 anos de idade, com uma IPG de 27 Pontos, a quantia de € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais, com internamento hospitalar de quase cem dias, com várias intervenções cirúrgicas, deslocava-se com auxílio de canadianas durante mais de um ano.
Acórdãos, todos publicados em www.dgsi.pt .
6.ª Pelo que, o valor fixado para os danos patrimoniais e não patrimoniais, na esteira dos Acórdãos atrás referidos, deverá ser reduzido para uma indemnização global nunca superior a €30.000,00, o que aqui se requer.
7.ª A decisão recorrida, violou, pois, o disposto no art. 496º e seguintes do Código Civil.

7.
O Autor contra-alegou e recorreu subordinadamente, pugnando pela improcedência do recurso da Ré e pela alteração de decisão recorrida, formulando para tanto as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª Determina o artigo 1°/1 da Portaria 377/2008, de 26 de maio que esse diploma fixa "os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal".
2.ª E no seguimento do n° 2 desse mesmo preceito legal, "As disposições constantes do presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos".
3.ª Conforme bem entendeu o Acórdão da Relação de Coimbra de 05/03/2013 no Proc. 201/10.3TBTBU.C1, entre outros "Os critérios para o procedimento obrigatório de proposta razoável têm nitidamente por escopo a obtenção de uma decisão negociada extrajudicialmente, ou a compensação, contratualizada, não judicial do litígio relativo à natureza e extensão do dever de indemnizar (art. 1248 n° 1 do Código Civil). O seu escopo é, em definitivo, a agilização do acertamento extrajudicial da responsabilidade, de modo a poupar o lesado, às demoras, despesas e incertezas inerentes a um litigio judicial.
Por essa razão, esses critérios esgotam-se na formulação da proposta razoável. Frustrada, a composição, por via negociada, da controvérsia relativamente a obrigação de indemnização e pedida, em juízo, a resolução do litígio, esses critérios, deixam, naturalmente, de ter aplicação, passando o determinação da espécie e do quantum da indemnização a ser regulados pelas regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano."
4.ª Assim, a aludida Portaria bem como as alterações que lhe foram sendo introduzidas, não vinculam ou limitam o Tribunal na fixação da indemnização a arbitrar ao Autor.
5.ª Devendo, em consequência este Venerando Tribunal, julgar o recurso interposto pela Ré, improcedente por não provado.
6.ª No que concerne aos montantes líquidos fixados, o Autor/Recorrente discorda em absoluto dos mesmos em relação aos que foram fixados, bem como discorda desta decisão em relação a outras verbas peticionadas a que o Tribunal não atendeu, nomeadamente despesas médicas e de transporte, rendimentos perdidos durante o período de ITA e dano patrimonial futuro e por isso, improcederam, quanto a nós, salvo o devido respeito, sem qualquer motivo que o justificasse.
7.ª Daí, acreditarmos que a decisão proferida, no nosso muito modesto entendimento e com o devido respeito, peca, por defeito.
8.ª Como tal, o recurso que agora se interpõe versará sobre todas e cada uma dessas verbas peticionadas, quer elas tivessem sido fixadas por sentença, como foi o caso dos danos morais e do dano biológico, quer em relação às demais que o Tribunal recorrido não apreciou ou não apreciou de forma suficiente.
9.ª Nos termos do estatuído no artigo 562° do Código Civil, a responsabilidade da Ré traduz-se numa obrigação de reparar o dano causado, determinado tal preceito legal que "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação."
10.ª As indemnizações visam compensar danos, desde que sejam consequência do evento danoso devendo os valores serem fixados com equilíbrio, razoabilidade e equidade, não permitindo, todavia, que daí possa resultar um enriquecimento ilegítimo ou injustificado para o Autor.
11.ª Na presente ação foram peticionados os seguintes valores:
• Despesas médicas, transportes e outras = € 1.000,00;
• Danos não patrimoniais = € 50.000,00;
• Rendimentos perdidos durante o período de ITA = € 5.536,68;
• Dano Patrimonial Futuro = € 70.000,00 e;
• Dano Biológico = € 30.000,00.
12.ª Despesas médicas e de transporte - O Autor, a título de despesas médicas e de transporte peticionou a quantia de € 1.000.00 que entendemos dever proceder, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, e nessa medida ser a Ré Seguradora condenada ao seu pagamento.
13.ª Resultou da prova produzida, quer pelo depoimento da sua mãe quer das próprias declarações do Autor, que o mesmo, por força dos diversos tratamentos a que foi sujeito em consequência do acidente, teve que se deslocar a várias Unidades Hospitalares. Centro de Saúde e Reabilitação Física, nomeadamente, Hospital 1..., Hospital 2... (ambos em Vila Nova de 6aia), Hospital 3... e Hospital 4... (ambos no Porto), Centro de Saúde -USF ... (no Porto), B... e C... (no Porto), tendo o mesmo inclusivamente, em relação à natação, não só despesas nas deslocações, bem como no pagamento desses tratamentos.
14.ª Pese embora o Autor, não ter comprovativos de tais despesas, pensamos que não seria desajustado nem desadequado o Tribunal, por equidade ter fixado esse valor, considerando o longo período decorrido entre a data do acidente (15/02/2018) e a data da consolidação médico legal das lesões (11/09/2018), tanto mais que não foram as mesmas postas em causa, ao que pensamos nem pela Ré, nem pelo Tribunal. Nem a Ré demonstrou nos autos que tivesse suportado tais despesas, como era sua obrigação.
15.ª Devendo, assim, o valor de €1.000.00 peticionado para esse efeito merecer provimento, acrescido dos respetivos juros de mora legais.
16.ª Danos não patrimoniais - No que a esta matéria diz respeito, entendemos, com todo o respeito, que o Tribunal "a quo" não atendeu aos mesmos, como podia e devia, ao ter fixado quantia inferior à peticionada pelo Autor.
17.ª Como resultou da prova carreada para os autos, a vida do Autor ficou completamente alterada, em termos profissionais, sociais, familiares e íntimos, bastando para o efeito atentar no que a esse respeito ficou provado, conforme acima melhor elencamos.
18.ª Para fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais o Tribunal "a quo" deverá aferir a gravidade desse dano por padrões objetivos, ponderando, o circunstancialismo de cada caso em concreto e não atender a padrões subjetivos, uma vez que a indemnização que for fixada tem que visar, por um lado, a reparação do dano sofrido e por outro lado, sanciona" a conduta lesiva do agente.
19.ª Para a fixação da indemnização pelos danos morais será de valorar, entre outras, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes. Devendo, a indemnização desses danos morais ser fixada com base na equidade.
20.ª Como tal, para fixar a indemnização por danos não patrimoniais o julgador deve aferir a gravidade do dano atendendo a padrões objetivos e não, pelo contrário a padrões subjetivos e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (artigo 496°/l do Código Civil).
21.ª Neste caso em concreto o Autor:
- Do atropelamento resultou fratura do osso alveolar superior à direita, envolvendo a inserção dos dentes 12,13 e 14, com perda do dente 13; hematoma periorbitário direito, região malar homolateral e filtrum;
- Ferimento (lesão corto-contusa) da região maxilar direita, escoriação no joelho direito, apresentando dor à mobilização;
- Foram efetuadas suturas de feridas da face, do lábio e da mucosa do lábio inferior;
- Ferimento do lábio superior;
- Procedeu à extração dos dentes 1.1 e 1.2 e das raízes de 1.4 e 1.5;
- Foi sujeito a diversos tratamentos, exames médicos e radiológicos nas unidades hospitalares onde foi assistido;
- Depois da alta hospitalar o Autor foi seguido pelo Centro de Saúde (USF ...) e pelos Serviços Clínicos da Ré, mais precisamente no Hospital 2... em Vila Nova de Gaia;
- Foi submetido a uma artroscopia ao ombro esquerdo;
- Após cirurgia o Autor teve necessidade de manter suspensor de braço durante cerca de 3 meses;
- Posteriormente, efetuou tratamento fisiátrico ao ombro esquerdo por um período de cerca de um mês e meio;
- Recorreu à natação para reforço muscular;
- Realizou sessões de fisioterapia ao joelho direito, duas vezes por semana, durante cerca de três meses;
- Durante cerca de dois meses, o Autor ficou dependente de ajuda de terceira pessoa para se vestir, calçar, lavar, preparar refeições e comer;
- Em resultado do acidente, teve necessidade, nos meses que se seguiram, de recorrer a consultas e tratamentos de Psiquiatria e Psicologia no Hospital 4... no Porto, em virtude de ter passado a sofrer de síndrome pós-traumático;
- Sentiu, durante algum tempo, grande pavor em andar ou atravessar a rua, lembrando-se frequentemente do acidente e das suas consequências;
- Recusando-se durante muito tempo a sair sozinho à rua manifestando verdadeiro terror;
- E durante o sono era assaltado por pesadelos relacionados com o acidente que vivenciou;
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 11.09.2018;
- O Défice Funcional Temporário Total foi fixável num período de 2 dias;
- O Défice Funcional Temporário Parcial foi fixável num período de 207 dias;
- O Autor, como consequência direta e necessária do acidente, sente dor à palpação da região anterior do ombro;
- Apresenta dificuldades na manipulação de objetos com pesos superiores a 5 kg à esquerda, que serão mais acentuadas com o membro em elevação acima do plano do ombro;
- Apresenta limitação da mobilidade articular nos movimentos de abdução (140° à esquerda, 180° no contralateral), antepulsão (160° à esquerda, 180° no contralateral) e rotação interna (60° à esquerda, 80° no contralateral), tem força muscular grau 5, mas assimétrica;
- Sente dor à palpação do compartimento ínferolateral do joelho;
- Apresenta dificuldades na marcha e ortostatismo prolongados (ao final de cerca de 1 hora), e a subir e descer escadas ou planos inclinados;
- O Autor apresenta dificuldades em ajoelhar-se, efetuar um agachamento, acelerar o passo ou correr, em virtude das dores;
- As dores agravam-se com as mudanças climáticas;
- O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 7 pontos;
- Apresenta queixas dolorosas no ombro esquerdo e joelho direito e rigidez do ombro esquerdo;
- Face ao atingimento intra-articular da fratura sofrida no joelho direito, a sua evolução para artrose pós-traumática futura e à necessidade de eventuais tratamentos;
- As peças dentárias perdidas foram substituídas por implantes e coroas implanto-suportadas, contudo, apresenta fratura parcial do dente 11 alvo de intervenção por medicina dentária;
- Apresenta, na face, cicatriz na região mentoniana, à direita da linha média, linear, com 2.5 cm de comprimento, hipocrómica, visível à distância de contacto de proximidade; presença de prótese dentária no quadrante superior direito;
- No membro superior esquerdo apresenta quatro cicatrizes de artroscopia no ombro, hipercrómicas, sem características patológicas, indolores à palpação, visíveis à distância de proximidade; dor à palpação da região anterior do ombro;
- O dano estético permanente é fixável no grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
- Como consequência direta das lesões, dos tratamentos a que foi submetido e das suas sequelas, o Autor sofreu e sofre dores;
- O quantum doloris é fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
- Por causa das sequelas sofridas no ombro esquerdo e joelho direito, o Autor abandonou a prática de capoeira e diminuiu os percursos que habitualmente fazia de bicicleta;
- A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
- O Autor necessitará de tratamentos de Medicina Dentária, para reabilitação do dente 1.1., devendo para tal ser avaliado pela especialidade;
- Necessitará ainda de tratamentos de f isioterapia considerando as lesões sofridas no membro inferior direito (fratura do prato tibial lateral do joelho direito com interrupção da superfície articular), devendo a periodicidade dos mesmos ser definida em consulta de Medicina Física e de Reabilitação (1 a 2 consultas anuais);
- No ano em que ocorreu o acidente, ficou comprometido o seu acesso à Faculdade, como era seu objetivo;
- Antes do acidente o AA era uma pessoa saudável, alegre e bem-disposta;
- Depois do acidente, passou a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante as várias situações da vida;
- No momento do acidente, o Autor, sofreu medo e angústia, chegando inclusivamente a recear pela própria vida;
- À data do acidente o Autor tinha 39 anos de idade e era trabalhador estudante;
- Sofreu aumento de peso;
- Ficou com tendência para o isolamento, terminando o relacionamento amoroso que mantinha à data do acidente;
- Decorrente das lesões que sofreu perspetiva-se a existência de dano futuro;
- Tinha o Autor grande apetência para a prática desportiva regular, nomeadamente capoeira, bicicleta e corrida.
-A impossibilidade dessa prática desportiva causa-lhe grande desgosto e frustração;
- O Autor tem vergonha de ser visto em público, o que o leva a refugiar-se em casa, afastando-se de tudo e de todos;
- O Autor ainda é jovem, era vaidoso, gostava de tratar e de cuidar da sua imagem, sendo, nessa medida a questão estética ainda mais importante para si.
22.ª Por tudo isto, a indemnização a fixar pelo Tribunal deve ser justa, adequada e proporcional ao dano sofrido pelo lesado e, isso, aqui não aconteceu, na medida em que a indemnização arbitrada ao Autor pelo Tribunal na quo" a título de danos não patrimoniais é absolutamente injusta, desadequada e desproporcional aos danos por si sofridos e avaliados em sede de exame pericial e da restante prova carreada para os autos.
23.ª Devendo, em consequência, tal indemnização ser arbitrada no valor de € 50.000.00 em substituição dos € 30.000.00 fixados pela sentença recorrida.
24.ª Rendimentos perdidos no período de ITA - O Autor esteve com ITA durante 174 dias.
25.ª Aquando do acidente aqui em apreço, o Autor, para além de frequentar o 12° ano de escolaridade, tinha celebrado um contrato de trabalho, com a D... (Portugal) - Markting Telefónico e Redes de Vendas, S.A., encontrando-se nesse preciso momento a decorrer o seu período experimental que acabou por não ter continuidade em virtude das lesões sofridas pelo Autor em consequência desse acidente, vindo o mesmo a cessar em 25/06/2018.
26.ª Nos termos do qual o Autor passaria a auferir € 700,00/mês (x14 meses), acrescido de prémio de línguas, e subsídio de alimentação no valor de € 6,12/dia. O que não se veio a concretizar, pois não conseguia, nessa altura exercer as funções para as quais foi contratado em consequência das lesões e sequelas decorrentes do acidente de que foi vítima.
27.ª O Autor, peticionou a quantia de € 5.536,68 pela perda de rendimento durante esse período de incapacidade, conforme resulta do documento por si junto com o seu articulado (P.I. - Doc. 4), não tendo o mesmo sido impugnado pela Ré.
28.ª O Autor, confirmou, que tal cessação ocorreu por forca do acidente.
29.ª As declarações de parte em juízo, constituem também elas um meio probatório de que a própria parte pode dispor, nos termos das quais apresenta a sua versão dos factos, tendo por objeto aqueles em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto, conforme resulta do art. 466°/1 do C.P.C. Devendo as mesmas ser livremente apreciadas pelo Tribunal, conforme dispõe o n° 3 desse mesmo preceito legal.
30.ª Declarações, essas, que, neste caso mereceram inteira credibilidade, na medida em que foram sempre prestadas de forma serena, coerente e constante no seu conteúdo. Como tal esse valor deveria ter merecido provimento, como se reclama e espera, devendo assim, a Ré ser condenada no mesmo que ascende à quantia de € 5.536.68.
31.ª Dano patrimonial futuro e dano biológico - O Autor peticionou de forma autónoma o dano patrimonial futuro e o dano biológico, por entender, na sua muito modesta opinião, que são danos distintos e por isso não se confundem, ao contrário do que fez o Tribunal "a quo".
32.ª Em consequência do acidente de que aqui nos ocupamos, foi fixada ao Autor uma incapacidade de 7 pontos perspetivando-se a existência de dano futuro.
33.ª As sequelas decorrentes do acidente são em termos de Repercussão Permanente da Atividade Profissional compatíveis com o exercício da Atividade Profissional como operário fabril, empregado de mesa ou canalizador, mas implicam esforços acrescidos, as quais se manifestam na atividade profissional do Autor, implicando esforços acrescidos.
34.ª Tal afetação terá repercussão na sua vida profissional todos os dias do ano e todos os anos que o Autor terá de trabalhar, implicando a mesma um esforço acrescido, um maior cansaço, um desgaste físico, e, por isso, uma diminuição de rentabilidade e de capacidade de trabalho. Correspondendo todas estas limitações a um dano real na atividade laboral do Autor que a acompanhará durante todas a sua vida ativa.
35.ª Como refere o relatório pericial, elaborado a 2 de agosto de 2022, que se encontra junto aos autos, em relação ao dano futuro, "(considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constituiu uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso, nomeadamente face ao atingimento intra-articular da fratura sofrida no joelho direito, a sua evolução para artrose pós-traumática futura e à necessidade de eventuais tratamentos."
36.ª O Autor não terá o mesmo desempenho profissional que tinha antes do acidente, não terá as mesmas possibilidades de progressão no trabalho, não terá as mesmas oportunidades que os restantes trabalhadores nas mesmas circunstâncias.
37.ª Em relação à indemnização da perda da capacidade de ganho da vítima há que procurar através de um juízo de equidade, quando não seja possível fixar o valor exato dos danos (artigo 566°/3 do Código Civil), para se poder alcançar a "justiça do caso concreto".
38.ª O problema da perda de capacidade de ganho é que o montante que há que procurar é o de um capital cujo rendimento permita compensar o Autor, ao longo de toda a previsível vida ativa, esgotando-se no termo dessa mesma vida ativa, da perda resultante da incapacidade que lhe sobreveio como consequência do acidente de que foi vítima.
39.ª Mais estabelecendo, o artigo 564°/2 do Código Civil que se deve atender aos danos futuros desde que previsíveis.
40.ª Na sua falta ou escassez, para atribuir uma justa compensação, o Tribunal deveria ter considerado o padrão médio de um homem de 39 anos de idade, que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos percentuais, com existência de dano futuro, de acordo com a prudência e as regras da experiência comum, o que entende o Recorrente não se ter verificado, in casu.
41.ª As sequelas decorrentes do acidente são em termos de Repercussão Permanente da Atividade Profissional compatíveis com o exercício da Atividade Profissional como operário fabril, empregado de mesa ou canalizador, mas implicam esforços acrescidos.
42.ª Por isso, entendemos, neste caso em concreto que não se tendo dado continuidade ao contrato de trabalho celebrado pelo Autor, em virtude do acidente e das consequências que do mesmo para si resultaram, o valor da remuneração mensal a considerar também deverá ser encontrado num juízo de prognose, seguindo aquilo que, em circunstâncias semelhantes, as mais das vezes sucede.
43.ª Na mesma linha de pensamento e considerando que o Autor ainda se encontrava no período experimental daquele contrato de trabalho, deixamos aqui indicado o Acórdão da Relação de Coimbra, de 05-02-2015, nesta data disponível em www.dqsi.pt, onde se pode ler que "... em situações em que a actividade profissional do lesado não está ainda definida, a retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país é mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto de este valor médio reflectir de forma mais aproximada à realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também se inserem."
44.ª Pensamento, esse, que acolhemos, sem mais, porque com ele concordamos.
45.ª Sabendo nós que o Autor à data do acidente já era também estudante, frequentando agora curso superior (Licenciatura de Línguas e Culturas Estrangeiras, como referiu em Tribunal), que o salário médio mensal em Portugal ronda os € 1.300,00 e que o mesmo ao longo dos próximos anos será ainda superior, afigura-se-nos, salvo o devido respeito que será justo e equilibrado, atribuir ao Autor/Recorrente, como compensação pela IPG de 7 pontos, com esforços acrescidos e ainda com existência de dano futuro, a indemnização de, pelo menos € 70.000.00, como peticionado a título de dano patrimonial futuro.
46.ª Na sentença proferida, o Tribunal "a quo" condenou a Ré/Recorrida no pagamento da quantia de€ 30.000.00. pelo dano biológico sofrido, na vertente de dano patrimonial futuro.
47.ª Quantia, essa, com a qual concordamos, mas apenas e tão só para ressarcimento do dono biológico, que como já dissemos não tem correspondência com aquele outro dano (dano patrimonial futuro), por serem autónomos.
48.ª A referida incapacidade de que o Autor ficou a padecer é também chamada de défice funcional permanente da integridade física e psíquica, refletindo-se a mesma, também, na vida corrente do Autor, com repercussão na sua vida social, familiar e de bem-estar, enquanto dano biológico.
49.ª Tal DANO BIOLÓGICO DEVE AQUI SER ENTENDIDO COMO UM DANO AUTÓNOMO, o qual se traduz na perda parcial da disponibilidade do uso do corpo para os normais afazeres do dia a dia (que não profissionais, como o anterior), não se confundindo com o dano patrimonial futuro da perda ou diminuição da capacidade de ganho, devendo, assim, tal dano biológico ser indemnizados de forma independente.
50.ª A esse título - dano biológico - o Autor entende que a decisão proferida deve ser mantida, mas sé para esse dano, mantendo-se assim, o valor da indemnização para o mesmo inalterada, na quantia de € 30.000.00, conforme havia peticionado o Autor na presente demanda.
51.ª Por tudo isto, e sempre salvaguardado o máximo respeito, pensamos que o entendimento perfilhado pelo Tribunal “a quo" constituiria uma total denegação do princípio da equidade, do bom senso, da razoabilidade e da justiça, no que ao presente caso diz respeito, tendo sempre presente os avultadíssimos danos sofridos pelo Autor.
52.ª Não se encontrando, assim, em face de tudo quanto se disse neste recurso, qualquer fundamento para que a indemnização fosse fixada nos valores em que o foi!!
53.ª O Recorrente, entende, salvo o devido respeito, que não se mostra corretamente fixado o quantum indemnizatório que lhe é devido, na parte questionada no presente recurso, tendo em conta a factualidade provada e os critérios legais previstos para a reparação dos danos sofridos, bem como a jurisprudência existente nesta matéria.
54.ª Devendo, nessa medida a indemnização global a fixar ao Autor ascender à quantia de €151.000,00, ao invés dos € 65.000,00 que constam da sentença proferida. Razão pela qual deverá a decisão proferida ser alterada, como se espera.
55.ª A decisão violou os artigos 496°, 562°, 563°, 564° e 566° do Código Civil, preceitos que assim, por errada interpretação e aplicação, se encontram violados pela douta sentença recorrida, e os mais que V. Exas, doutamente, vierem a considerar.
56.ª Em consequência não restará outra alternativa senão alterar a decisão recorrida no que concerne ao valor da indemnização arbitrado ao Autor, por todos os danos decorrentes do acidente discutido nos presentes autos.

II.
OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).
Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, o que importa decidir nesta instância de recurso confina-se ao apuramento da indemnização devida ao Autor, saber se a mesma, na parte líquida, deverá ser de valor inferior ao que chegou a 1.ª instância, como defende a Ré, ou se deverá ser superior, como sustenta o Autor.
Constatamos que o Autor, em sede de alagações/conclusões de recurso, não deixa de fazer referência à produção de certos meios de prova que, em seu entendimento, justificariam outra decisão no que concerne ao apuramento dos danos sofridos e consequente obrigação de indemnização (cf. conclusões 13.ª, 14.ª, 27.ª a 30.ª e 35.ª).
Tais referências, marcadas pela dispersão e ambiguidade, não se mostram suficientes e adequadas ao cumprimento dos ónus da impugnação da decisão da matéria de facto, previstos no art. 640.º, nºs 1 e 2, do CPCivil, razão pela qual fica de fora do objeto do presente recurso a decisão recorrida em matéria de facto.

III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
1.1 – Factos provados
O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
1) No dia 15 de fevereiro de 2018, cerca das 23 horas e 20 minutos, no entroncamento sito entre a Rua ... e a Rua ... em Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação.
2) No referido acidente foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, Volkswagen ..., de matrícula ..-OF-.., conduzido pelo seu proprietário, BB, e o peão AA, aqui Autor.
3) No dia, hora e local referidos, o Autor pretendia proceder à travessia da passadeira existente na Rua ....
4) Tendo-se certificado previamente de que não circulavam veículos em qualquer um dos sentidos.
5) Pelo que iniciou a aludida travessia, com atenção e cuidado.
6) Quando o Autor já se encontrava a concluir a travessia da passadeira, sem que nada o fizesse prever, foi nesse preciso momento de forma súbita colhido pelo veículo de matrícula ..-OF-...
7) O qual circulava na Rua ..., no sentido Sul/Norte;
8) E a uma velocidade superior a 70 km/horários.
9) No local, para além da passadeira sita na Rua ..., utilizada pelo Autor no momento do acidente, existia uma outra, na Rua ....
10) A velocidade permitida no local é de 50km/horários.
11) A colisão ocorreu na parte da frente do veículo de matrícula OF.
12) Após o acidente, o Autor foi transportado de ambulância para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.
13) Do atropelamento resultou fratura do osso alveolar superior à direita, envolvendo a inserção dos dentes 12, 13 e 14, com perda do dente 13; hematoma periorbitário direito, região malar homolateral e filtrum.
14) Ferimento (lesão corto-contusa)” da região maxilar direita, escoriação no joelho direito, apresentando dor à mobilização.
15) Foram efetuadas suturas de feridas da face, do lábio e da mucosa do lábio inferior, sendo que o ferimento do lábio superior não teve necessidade de cuidados de sutura.
16) Tendo sido enviado para a urgência de Estomatologia do Hospital de S. João.
17) Aí, confirmando-se a ausência do dente 1.2., procedeu-se à extração dos dentes 1.1 e 1.2 e das raízes de 1.4 e 1.5.
18) Nessas instituições hospitalares, o Autor foi sujeito a diversos tratamentos, exames médicos e radiológicos.
19) O Autor teve alta no dia 16.02.2018.
20) Depois da alta hospitalar o Autor foi seguido pelo Centro de Saúde (USF ...) e pelos serviços clínicos da Ré, mais precisamente no Hospital 2... em Vila Nova de Gaia.
21) Onde foi acompanhado e tratado na especialidade de Ortopedia.
22) Na ressonância magnética realizada no dia 13.03.2018 ao joelho direito foi-lhe diagnosticada fratura do prato tibial lateral com interrupção da superfície articular, destacando-se afundamento de um fragmento osteocartilagíneo em cerca de 5mm; contusão óssea da margem do prato tibial medial; alteração do sinal do corno anterior do menisco externo de acordo com sequelas de contusão; ligeira diminuição da espessura da cartilagem da asa lateral da rótula (condropatia grau II); edema peri-articular; derrame articular de moderado volume.
23) Foi submetido a uma artroscopia ao ombro esquerdo em 24.04.2018 para “reparação do labrum anterior e posterior, tratamento de luxação recidivante do ombro“.
24) Após a cirurgia, o Autor teve necessidade de manter suspensor de braço durante cerca de três meses.
25) Posteriormente, efetuou tratamento fisiátrico ao ombro esquerdo por um período de cerca de um mês e meio.
26) Recorreu à natação para reforço muscular.
27) Realizou sessões de fisioterapia ao joelho direito, duas vezes por semana, durante cerca de três meses.
28) Durante cerca de dois meses, o Autor ficou dependente da ajuda de terceira pessoa para se vestir, calçar, lavar preparar refeições e comer.
29) Em resultado do acidente, teve necessidade, nos meses que se seguiram, de recorrer a consultas e tratamentos de Psiquiatria e Psicologia no Hospital 4... no Porto, em virtude de ter passado a sofrer de síndrome pós-traumático.
30) Sentiu, durante algum tempo, grande pavor em andar ou atravessar a rua, lembrando-se frequentemente do acidente e das suas consequências.
31) Recusando-se durante muito tempo a sair sozinho à rua manifestando verdadeiro terror.
32) E durante o sono era assaltado por pesadelos relacionados com o acidente que vivenciou.
33) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 11.09.2018.
34) O Défice Funcional Temporário Total situou-se entre 24.04.2018 e 25.04.2018, sendo assim fixável num período de 2 dias.
35) O Défice Funcional Temporário Parcial situou-se entre 15.02.2018 e 23.04.2018, entre 26.04.2018 e 11.09.2018, sendo assim fixável num período de 207 dias.
36) A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total situou-se entre 15.02.2018 e 7.08.2018, sendo assim fixável num período total de 174 dias.
37) A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial situou-se entre 8.08.2018 e 11.09.2018, sendo assim fixável num período total de 35 dias.
38) O Autor, como consequência direta e necessária do acidente, sente dor à palpação da região anterior do ombro.
39) Apresenta dificuldades na manipulação de objetos com pesos superiores a 5 kg à esquerda, que serão mais acentuadas com o membro em elevação acima do plano do ombro.
40) Apresenta limitação da mobilidade articular nos movimentos de abdução (140º à esquerda, 180º no contralateral), antepulsão (160º à esquerda, 180º no contralateral) e rotação interna (60º à esquerda, 80º no contralateral), tem força muscular grau 5, mas assimétrica.
41) Sente dor à palpação do compartimento ínferolateral do joelho.
42) Apresenta dificuldades na marcha e ortostatismo prolongados (ao final de cerca de 1 hora), e a subir e descer escadas ou planos inclinados.
43) O Autor consegue ajoelhar-se, efetuar um agachamento, acelerar o passo ou correr, mas com dificuldades, porque sente dores.
44) As dores a que se alude nos factos 40º e 41º agravam-se com as mudanças climáticas.
45) O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 7 pontos.
46) As sequelas apresentadas pelo Autor são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, face às queixas dolorosas no ombro esquerdo e joelho direito e rigidez do ombro esquerdo.
47) Tais sequelas não afetam o Autor em termos de autonomia e independência.
48) Face ao atingimento intra-articular da fratura sofrida no joelho direito, a sua evolução para artrose pós-traumática futura e à necessidade de eventuais tratamentos.
49) As peças dentárias perdidas foram substituídas por implantes e coroas implanto-suportadas.
50) Contudo, apresenta fratura parcial do dente 11 alvo de intervenção por medicina dentária.
51) Apresenta, na face, cicatriz na região mentoniana, à direita da linha média, linear, com 2.5cm de comprimento, hipocrómica, visível à distância de contacto de proximidade; presença de prótese dentária no quadrante superior direito.
52) No membro superior esquerdo apresenta quatro cicatrizes de artroscopia no ombro, hipercrómicas, sem características patológicas, indolores à palpação, visíveis à distância de proximidade; dor à palpação da região anterior do ombro;
53) O dano estético permanente é fixável no grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
54) Como consequência direta das lesões, dos tratamentos a que foi submetido e das suas sequelas, o Autor sofreu e sofre dores.
55) O quantum doloris é fixável no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
56) Por causa das sequelas sofridas no ombro esquerdo e joelho direito, o Autor abandonou a prática de capoeira e diminuiu os percursos que habitualmente fazia de bicicleta.
57) A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
58) O Autor necessitará de tratamentos de Medicina Dentária, para reabilitação do dente 1.1., devendo para tal ser avaliado pela especialidade.
59) Necessitará ainda de tratamentos de fisioterapia considerando as lesões sofridas no membro inferior direito (fratura do prato tibial lateral do joelho direito com interrupção da superfície articular), devendo a periodicidade dos mesmos ser definida em consulta de Medicina Física e de Reabilitação (1 a 2 consultas anuais).
60) No ano em que ocorreu o acidente, ficou comprometido o seu acesso à Faculdade, como era seu objetivo.
61) Aquando do acidente aqui em discussão, o Autor, para além de frequentar o 12º ano de escolaridade, tinha celebrado um contrato de trabalho, com a D... (Portugal) – Markting Telefónico e Redes de Vendas, S.A. encontrando-se nesse preciso momento a decorrer o seu período experimental.
62) Nos termos do qual o Autor passaria a auferir €700,00/mês (x 14 meses), acrescido de prémio de línguas, subsídio de alimentação no valor de €6,12/dia.
63) Todavia, por motivos não concretamente apurados, o contrato cessou em 25.06.2018.
64) Antes do acidente o AA era uma pessoa saudável, alegre e bem disposta.
65) Depois do acidente, passou a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante as várias situações da vida.
66) No momento do acidente, o Autor sofreu medo e angústia, chegando inclusivamente a recear pela própria vida.
67) O Autor nasceu no dia .../.../1978.
68) A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-OF-.. achava-se transferida para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...02, válido e em vigor na data do acidente.

1.2 – Factos não provados
Dos factos tidos por relevantes para a decisão da causa, o Tribunal de que vem o recurso julgou não provados os seguintes:
a) O Autor sente, atualmente, grande pavor em andar ou atravessar a rua; e evita passar, sempre que pode, no local onde ocorreu o acidente.
b) Em consequência do acidente e das lesões por ele causadas, o Autor apresenta, atualmente, distúrbios da memória e distúrbios do sono traduzidos em insónias.
c) Apresenta ainda, atualmente, dificuldade de concentração, dificuldade de suportar ruídos e propensão para estados de grande ansiedade e acentuado agravamento do estado nervoso.
d) Atualmente, o Autor é uma pessoa abalada insegura, impaciente, agitada, com o sistema nervoso alterado e revoltada.
e) Perdendo algum do seu sentido de auto-estima, não só em virtude das várias lesões a nível psicológico, mas também em virtude da perda da sua dentição e de cicatrizes que apresenta no corpo
f) Em despesas de transportes, médicas e outras o Autor já despendeu, pelo menos, a quantia de €1.000,00.
g) O Autor teve perdas salariais no montante de €5.536,68.


2.
OS FACTOS E O DIREITO
2.1.
Da quantificação da indemnização a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial
Lembramos que a sentença sob recurso, levando em conta que o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, num total de 100, sem incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, mas implicando esforços suplementares, e com base também no juízo de equidade que formulou, concluiu pela justeza do valor de 30.000,00€, a título de indemnização por dano biológico.
No caminho fundamentador que percorreu, o Tribunal a quo concluiu assim:
[O dano biológico constitui uma lesão da integridade psicofísica, suscetível de avaliação médico-legal e de compensação, estando a integridade psicofísica tutelada diretamente no art. 25º nº 1, da Constituição (“A integridade moral e física das pessoas é inviolável”) e no art. 70º nº1, do Código Civil (cfr. Ac. da R.L. de 22.11.2016, disponível no site da dgsi).
Tal défice, podendo ou não repercutir-se diretamente no desempenho da profissão habitual, reflete-se na qualidade de vida do lesado já que, como sequela irreversível da lesão sofrida, passa a ter uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade (cfr. Ac. S.T.J. de 6.07.2004).
No Ac. do S.T.J, de 18.12.2013, decidiu-se que: “o facto das sequelas não implicarem a perda de rendimentos laborais, importa que sejam consideradas como dano patrimonial futuro, dano biológico, já que a afetação da sua potencialidade física e psicológica determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.”
Assinale-se que são os critérios do Código Civil e, consequentemente, a equidade que devem presidir na atribuição da indemnização por este dano e não os critérios da Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de junho, os quais quando muito poderão ser utilizadas como critério de orientação ou até de aferição dos resultados alcançados no âmbito do regime geral do C.C. (cfr. Ac. do S.T.J. de 14.09.2010).
Atualmente, a jurisprudência maioritária tende a integrar o dano biológico ou existencial na categoria dos danos patrimoniais, suscetível de ser indemnizável a título de danos patrimoniais futuros (cfr. Ac. do S.T.J. de 19.05.2009).
O valor da indemnização a atribuir não poderá ser apurado com exatidão, mas com recurso à equidade, nos termos do art. 566.º, n.º 3 do C.C. tendo-se em consideração fatores como as sequelas resultantes da lesão, a idade do lesado aquando da lesão, a expectativa de vida (e não a esperança de vida ativa) do lesado e o facto de o pagamento da indemnização ser efetuado de uma só vez (cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 5.03.2012, disponível no sítio da dgsi).
Para além disso, terá que se partir de um rendimento.
Porque a integridade fisicopsíquica assume igual valor para todas as pessoas, e como tal está constitucionalmente protegida, tomar-se-á por base um valor que se situe entre a remuneração mínima mensal geral à data do sinistro ou da consolidação das lesões, que neste caso coincide (de €580,00 em 2018 x 14 meses) e o da remuneração base média mensal dos trabalhadores por conta de outrem para o mesmo período (de €970,40 em 2018 x 14 meses, correspondente a €13.585,60 anuais, com uma média mensal de 1.132,13) – tudo cfr. os dados do site do Pordata.
Para esse efeito, e tendo em conta que o Autor havia sido contratado por um montante acima do salário mínimo nacional, tomar-se-á o valor médio de €1.000,00 x 14 meses (€14.000,00), acolhendo-se assim o critério proposto por Rita Mota Soares, in “O Dano Biológico Quando da Afetação Funcional não Resulte Perda da Capacidade de Ganho – O Princípio da Igualdade”, Revista Julgar, n.º 33, pág. 121 e ss.).
O primeiro pressuposto a atender é o da esperança de vida à nascença, que para os homens nascidos em 1978 se cifra, segundo dados disponibilizados pelo Pordata, em 67 anos, e, para os nascidos em 2018 (data mais recente disponível) em 78,1 anos.
No Ac. da Ac. RE de 25.05.2017 considerou-se, como data relevante para a atendibilidade da esperança de vida, a da consolidação médico-legal das lesões, que no caso ocorreu em 11 de setembro de 2018, sendo que igualmente adotaremos tal critério, ou seja, considerar-se-á a esperança de vida de 78,1 anos.
Assim, tendo o Autor nascido no dia .../.../1978, à data da consolidação médico-legal, ocorrida em 11 de setembro de 2018, e desprezando os dias, tinha 39 anos e 11 meses completos de idade, tal significa que terá, estatisticamente, uma esperança de vida de 38 anos e 2 meses (78 anos e 1 mês – 39 anos e 11 meses).
Procedendo ao cálculo, e partindo do valor de €1.000,00 obtemos (€1.00,00 x 14 = €14.000,00: 12 = €1.166,66 x 38 anos + 2 meses = €534.330,28 x 7% = €37.403,12.
Porque o capital lhe é entregue de uma só vez e é susceptível de ser rentabilizado, sofrerá uma dedução de 1/4, ou seja, de €9.350,78.
Pelo que, tudo ponderado, afigura-se-nos como justa e adequada, fixar a indemnização pelo dano biológico sofrido, na vertente de dano patrimonial futuro, em €30.000,00, por arredondamento (de €28.052,34).]
A Apelante/Ré veio defender nesta instância de recurso ser excessivo o montante de 30.000€ para ressarcimento do dano biológico da Autora, considerando suficiente para o efeito o valor de 20.000,00€.
Por sua vez, o Apelante/Autor, afirmando concordar com o valor atribuído de 30.000€ “para ressarcimento do dano biológico”, sustenta que a tal valor deverá acrescer o montante de “pelo menos 70.000€, como peticionado a título de dano patrimonial futuro”, por se tratar de “danos autónomos”.
Perscrutemos.
A indemnização do chamado dano biológico, que entendemos ser de natureza patrimonial[1], “tem como base e fundamento a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado”, como é o caso submetido à nossa apreciação, “impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual. (…). Assim, «nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal». (…) E porque assim é, importa ainda realçar, na esteira do afirmado no Acórdão do STJ, de 13.07.2017 (processo nº 3214/11.4TBVIS.C1.S1), que, neste campo, relevam apenas e tão só «as implicações de alcance económico e já não as respeitantes a outras incidências no espetro da qualidade de vida, mas sem um alcance dessa natureza»”[2].
O ajuizamento no cálculo da indemnização fundada em dano biológico deve fundar-se, em último e decisivo termo, em critérios de equidade e sem dissociação de entendimentos jurisprudenciais “minimamente uniformizados”[3].
Não deve a indemnização de tal dano “ser calculada com base nas tabelas financeiras na medida em que o sobredito défice funcional genérico não implica incapacidade parcial permanente para o exercício dessa atividade, envolvendo apenas esforços suplementares”. Assim como “não deve ser fixada com recurso às tabelas estabelecidas para efeitos de apresentação aos lesados de proposta razoável de indemnização, nos termos do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08, por estas se destinarem a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo lícita a sua sobreposição ao critério legal da equidade previsto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil. Em tais situações, a solução que vem sendo adotada pela jurisprudência do Supremo Tribunal de justiça “é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando quer as suas potencialidades de aumento de ganho quer uma expetativa de vida ativa não confinada à idade-limite para a reforma”[4].
Ora, no caso em apreço, o que, em sede de dano biológico, resulta com mais relevo da factualidade julgada provada, é que o Autor, nascido a .../.../1978, contava, à data do acidente, 39 anos de idade; quando do acidente, o Autor, para além de frequentar o 12.º ano de escolaridade, tinha celebrado um contrato de trabalho, com a D... (Portugal) – Markting Telefónico e Redes de Vendas, S.A., encontrando-se em curso o respetivo período experimental; nos termos de tal contrato, o Autor passaria a auferir €700,00/mês (x 14 meses), acrescido de prémio de línguas, subsídio de alimentação no valor de €6,12/dia; todavia, por motivos não concretamente apurados, o contrato cessou em 25.06.2018; em resultado das lesões que sofreu no acidente, apresenta as seguintes sequelas: sente dor à palpação da região anterior do ombro; apresenta dificuldades na manipulação de objetos com pesos superiores a 5 kg à esquerda, que serão mais acentuadas com o membro em elevação acima do plano do ombro; apresenta limitação da mobilidade articular nos movimentos de abdução (140º à esquerda, 180º no contralateral), antepulsão (160º à esquerda, 180º no contralateral) e rotação interna (60º à esquerda, 80º no contralateral), tem força muscular grau 5, mas assimétrica; sente dor à palpação do compartimento ínferolateral do joelho; apresenta dificuldades na marcha e ortostatismo prolongados (ao final de cerca de 1 hora), e a subir e descer escadas ou planos inclinados; o Autor consegue ajoelhar-se, efetuar um agachamento, acelerar o passo ou correr, mas com dificuldades, porque sente dores; as ditas dores agravam-se com as mudanças climáticas; ficou com um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica corresponde a 7 pontos, num total de 100, compatível com a continuação da sua atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, face às queixas dolorosas no ombro esquerdo e joelho direito e rigidez do ombro esquerdo; tais sequelas não afetam o autor em termos de autonomia e independência.
Neste quadro, tendo presente o sentido da mais recente jurisprudência do STJ na matéria, disso sendo exemplo os acórdãos já referenciados, aos quais acrescentamos o aresto de 24.02.2022[5], ponderando as diferentes realidades no respeitante aos pressupostos de base, mormente a idade do Autor à data do acidente (trinta e nove anos de idade) e o grau do défice funcional permanente, julgamos equitativo, à luz do preceituado no art. 566.º, n.º 3, do CCivil, o montante de 30.000,00€ alcançado pela 1.ª instância, a título de indemnização pelo dano biológico em questão.
Note-se que, atendendo à esperança média de vida de 78 anos, tida em conta na decisão recorrida e não questionada pela Apelante/Ré, o Autor terá pela frente 39 anos de uma vida limitada nos referidos termos. Se dividirmos 30.000,00€ por 39 anos, obtemos o montante anual de 769,23€, valor equivalente ao atual salário mensal mínimo vigente em Portugal.
Não vemos, pois, exagero algum em tal valor.
Improcede, pois, nesta parte, a pretensão da Ré/Apelante.
E que dizer quanto à pretensão do Apelante/Autor neste âmbito?
Simplesmente que é patente a sua falta de razão.
Com efeito, conforme resulta do que deixámos explanado, a atribuição da dita indemnização de 30.000,00€, com fundamento em dano biológico, assume natureza patrimonial (dano patrimonial futuro), representando compensação pela afetação física e psicológica determinante de “irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará”.
Ora, no caso dos autos, não legitimando de modo algum a factualidade apurada que se conclua no sentido de que as sequelas de que padece o Autor impliquem a perda de rendimentos laborais certos (uma vez que o défice funcional permanente na integridade físico-psíquica correspondente a 7 pontos é afinal compatível com a continuação da sua atividade profissional habitual), nada mais importa compensar ou ressarcir o Autor em tal plano.
Daí que, sem necessidade de maiores desenvolvimemntos, tenha a pretensão do Autor, traduzida no “acrescer do montante de pelo menos 70.000,00€, como peticionado a título de dano patrimonial futuro”, de improceder nesta instância de recurso.

2.2.
Da quantificação da indemnização a título de danos não patrimoniais
A Apelante/Ré não deixou de manifestar também a sua discordância com a decisão recorrida na parte respeitante à quantificação da indemnização a título de danos não patrimoniais, pugnando pela atribuição do montante de 10.000,00€, em vez do valor de 35.000,00€ determinado pela 1.ª instância.
Para chegar ao dito valor de 35.000,00€, a decisão recorrida fundamentou assim:
[No que concerne aos danos não patrimoniais preceitua o art. 496º, n.º 1 do C.C. que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Consagra-se, assim, a ressarcibilidade dos danos morais que pela sua gravidade sejam dignos de tutela jurídica. Como afirma A. Varela in op. cit., pág. 566, " a gravidade do dano há de medir-se por um padrão objetivo, e não à luz de factores subjetivos”. (...).
Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado."
Com a indemnização por danos não patrimoniais a lei visa apenas dar aos lesados uma satisfação ou uma compensação pelos danos sofridos, uma vez que estes, sendo de ordem moral, não são nunca suscetíveis de equivalente. A natureza de tais danos não permite que se os mensure, mas tão somente que se os valore, devendo o montante indemnizatório ser equitativamente fixado a partir das circunstâncias descritas no n.º 3 do art. 496º do C.C.
Na sua fixação terão que ser sopesadas a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas sofridas e internamentos, o quantum doloris, o período de doença, a situação anterior e posterior do ofendido em termos de afirmação pessoal, apresentação e auto-estima, alegria de viver – seu diferencial global –, a idade, a esperança de vida e perspetivas para o futuro, entre outras (cfr. Acórdão do STJ de 13.01.2009, Proc. nº 08A3747).
Da prova resultou que o Autor, na sequência do acidente, esteve internado dois dias. Sujeitou-se ainda a tratamentos que são consabidamente dolorosos, no que se destaca a extração de peças dentárias na manhã seguinte ao dia do acidente, a realização de tratamentos para colocação de implantes, a sujeição a uma intervenção cirúrgica, a múltiplas sessões fisioterapia, sofreu um défice temporário parcial de 207 dias, período em que viu, respetivamente, quase eliminada ou reduzida a sua autonomia para a realização dos atos da sua vida diária, familiar e social.
Continua a ver-se condicionado na sua vida diária, no que se incluiu a possibilidade para a prática de atividades de lazer, quer as que já praticava, quer naquelas em que se pudesse vir a iniciar, que naturalmente seriam fonte de prazer e de realização pessoal, o que lhe provoca desgosto e tristeza.
Sofreu dores, no momento do acidente e no decurso do seu tratamento, cujo quantum doloris foi fixado em 4 pontos numa escala de sete graus de gravidade crescente, o que se revela muito elevado.
O dano estético permanente foi fixado no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
Ficou com queixas álgicas, que permanecem.
Tais danos, porque relevantes, merecem a tutela do direito, ponderando que foi atropelado numa passadeira, motivo pelo qual foi nula a sua contribuição para o acidente, a situação económica do lesado, que viu comprometido o percurso escolar por um ano, que ficou limitado quanto à possibilidade de praticar atividades físicas, que efetivamente praticava, cujos benefícios são inquestionáveis quer ao nível mental, quer físico, no que se inclui o controlo de peso e a manutenção da saúde cardiovascular, associada a atividades profissionais do tipo sedentário, por terem sido antecipadas limitações de locomoção na sua vida que, não tendo ocorrido o evento, apenas seria expectável que ocorressem numa fase mais avançada da sua idade e das quais dificilmente se recuperará, muito pelo contrário, os danos graves ao nível psicológico sofridos].
É sem especial dificuldade que qualificamos de excessivo o valor atribuído pela 1.ª instância, desde logo porque incoerente com os padrões que têm sido seguidos pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores em tal matéria, disso sendo exemplo os arestos citados pela Apelante.
Atendendo à globalidade da pertinente materialidade apurada, mormente da especificada na decisão recorrida, subsumida aos critérios de determinação que resultam das disposições conjugadas dos arts. 496.º, n.º 1 e 566.º, n.º 3, do CCivil, e ainda à valoração que vem sendo feita pelos nossos tribunais superiores neste domínio, temos antes por equitativo o montante de 20.000,00€ como forma de compensar o Autor pelos danos não patrimoniais sofridos.
Improcede assim parcialmente a pretensão recursiva da Ré neste segmento.

2.3.
Da pretendida indemnização do montante de 1.000,00€ correspondente a alegadas despesas médicas e de transporte
Não vislumbramos razão alguma para censurar a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação da Ré no pagamento da indemnização de 1.000,00€ a título de despesas de transporte e médicas, decorrentes do acidente em causa.
Com efeito, impendendo sobre o Autor o ónus da prova da factualidade constitutiva de tal direito (cf. art. 342.º, n.º 1, do CCivil), é patente não ter logrado tal prova, como se evidencia do facto não provado descrito sob a respetiva al. f).
E o Autor não só não logrou provar o alegado montante de 1.000,00€, como não provou qualquer despesa, ainda que incerta, com transportes e despesas médicas por causa do acidente, o que inviabiliza de todo o recurso pelo tribunal a critérios de equidade para quantificar um qualquer prejuízo neste domínio, ao invés do que parece defender o Recorrente.
Improcede, pois, também nesta parte, a pretensão recursiva do Autor.

2.4.
Da pretendida indemnização do montante de 5.536,68€ a título de rendimentos perdidos pelo Autor no período de ITA
Também nesta matéria a factualidade julgada provada se apresenta manifestamente insuficiente para fundamentar o direito invocado pelo Autor.
Não obstante tenha resultado provado que “[a] Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total situou-se entre 15.02.2018 e 7.08.2018, sendo assim fixável num período total de 174 dias” (cf. ponto 36. do elenco dos factos provados), a verdade é que não resultou provada qualquer perda salarial para o Autor decorrente do dito estado, sendo certo que o contrato de trabalho que o Autor mantinha à data do acidente, então em período experimental, cessou em 25.06.2018, por motivos não concretamente apurados (cf. pontos 61. 63. do elenco dos factos provados).
E assim concluímos pela total improcedência do recurso do Autor.

2.5.
Tendo dado causa às custas do recurso que apresentou, Autor é o único responsável pelas mesmas, sem prejuízo de dispensa de pagamento de que possa beneficiar por via do instituto do apoio judiciário; no que concerne às custas do recurso interposto pela Ré, ambas as partes são responsáveis na proporção do respetivo decaimento (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 1, do RCProcessuais).


IV.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, na parcial procedência do recurso da Ré e na total improcedência do recurso do Autor, decidimos:
a) Alterar a decisão recorrida, reduzindo para 20.000,00€ (vinte mil euros) a indemnização de capital devida pela Ré ao Autor, a título de danos não patrimoniais;
b) Manter a decisão recorrida quanto ao mais;
c) Atribuir ao Apelante/Autor a responsabilidade pelas custas do recurso que interpôs, sem prejuízo da dispensa de pagamento de que possa beneficiar por via do instituto do apoio judiciário; e
d) No que concerne ao recurso interposto pela Ré, atribuir a ambas as partes a responsabilidade pelas custas, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo da dita dispensa de pagamento no respeitante ao Autor.

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Porto, 21 de novembro de 2023
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Anabela Andrade Miranda
Ana Lucinda Cabral

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[1] No mesmo sentido, a título de exemplo, Ac. STJ de 18.10.2018, relatado por HELDER ALMEIDA no processo 3643/13.9TBSTB.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Cf. Ac. STJ de 12.07.2018, relatado por ROSA TCHING no processo 1842/15.8T8STR.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Cf. Ac. STJ de 18.10.2018, cit.; Ac. do STJ de 21.04.2022, relatado por FERNANDO BATISTA no processo 96/18.9T8PVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. Ac. STJ de 14.01.2021, relatado por ROSA TCHING no processo 2545/18.7T8VNG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Relatado por MARIA DA GRAÇA TRIGO no processo 1082/19.7T8SNT.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.