Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2903/06.0TBGDM-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
OBRIGAÇÃO EXIGÍVEL
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RP201704272903/06.0TBGDM-A.P1
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 767, FLS.14-23)
Área Temática: .
Sumário: I - Obrigação exigível, na acção executiva, é aquela que está vencida – ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
II - A exigibilidade da obrigação é um pressuposto ou condição relativa à execução, dado que se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação.
III - A inexigibilidade da obrigação constitui fundamento de oposição a execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução.
IV - A perda do benefício do prazo, a que se reporta o art.º 781.º do C.Civil, traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário do prazo estipulado, todavia não é extensivo aos garantes da obrigação, nos termos do art.º 782.º do C.Civil.
V - Tendo as partes contratualmente estipulando um regime idêntico ao previsto no art.º 781.º do C.Civil (imediata exigibilidade das prestações futuras no caso de incumprimento de uma delas), e não havendo qualquer estipulação expressa nesse sentido, daí não se poderá concluir, sem mais, que visaram afastar o regime previsto no art.º 782.º do C.Civil, ou seja, que os fiadores renunciaram ao benefício do prazo que a lei lhes confere.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 2903/06.0TBGDM-A.P1
Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1.ª Secção de Execução – J4
Recorrentes – E… e outro
Recorrida – B…, SA
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntas – Desemb. Ana Lucinda Cabral
Desemb. Maria do Carmo Domingues
Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I – Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que a B…, SA intentou na Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1.ª Secção de Execução, contra C… e mulher, D…, E… e F…, vieram estes últimos deduzir a presente oposição à execução pedindo a extinção da obrigação contra os mesmos instaurada, por incerteza e inexigibilidade da obrigação exequenda.
Para tanto, alegaram, em síntese, que desconhecem (e também a exequente não alegou) quais as prestações pagas desde 17.03.1999 até à data da instauração da execução (31.08. 2006) e qual o valor em falta relativamente aos valores iniciais dos empréstimos. Desconhecem ainda se o valor da quantia exequenda já contemplou a dedução de €4.000,00 pagos pelos executados/opoentes, fiadores nos contratos apresentados como títulos executivos, entre 30.01.2006 e 30.05.2006.
Mais alegaram que não se sabe se os pagamentos efectuados pelos executados/opoentes, no valor de €4.000,00, contemplavam as prestações decorrentes dos contratos de mútuo em falta e, contemplando-as, não há incumprimento que permita considerar o empréstimo vencido. O pagamento de €4.000,00 efectuado pelos executados/opoentes, foi-o no âmbito de acordo estabelecido com a exequente/ /embargada para a regularização das prestações já vencidas e não pagas, na condição, assumida e aceite pela exequente, de não accionar judicialmente os executados, tendo estes entregue €4.000,00 para regularização/amortização das rendas vencidas e não pagas dos empréstimos, sendo que no âmbito do acordo efectuado a exequente sabia que os executados iam encetar diligências para colocar à venda a fracção e lugar de garagem cujo pagamento do preço da aquisição foi efectuado pelo valor do empréstimos celebrados e titulados pelos contratos apresentados como títulos executivos, para evitar a futura constituição de mora por parte dos mutuários, e para através do valor obtido com a venda se liquidar a totalidade do empréstimo, tendo a instauração da execução com indicação à penhora da fracção e lugar de garagem inviabilizado a equacionada venda da fracção e violando o referido acordado.
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Notificada a exequente, esta, veio contestar pedindo a redução do pedido quanto ao empréstimo …./……/…/…. ao montante liquidado de €78.714,74 e a improcedência da restante oposição.
Para tanto, alegou que a obrigação dos executados está suficientemente determinada no título executivo; a questão suscitada pelos executados/opoentes é outra - a de saber se o montante peticionado corresponde ao montante em dívida.
As entregas de €4.000,00, efectuadas nos dias 30.01.2006 e 01.03.2006, já estão contempladas no valor da quantia exequenda peticionado, tendo sido aplicadas na liquidação do empréstimo n.º …./……/…/…., não se encontrando as entregas de €1.000,00 cada, efectuadas em 26 de Abril e 30 de Maio de 2006, espelhadas nas notas de débito juntas com o requerimento executivo, por erro informático. Daí que haja lugar à redução da quantia exequenda - após a aplicação da importância de €2.000,00 ao empréstimo à habitação a que respeita a escritura de compra e venda junta como documento 1 - ao montante de capital em dívida de €72.699,65, acrescido de €6.008,09 de juros de mora, contados de 05.06.17 a 06.08.29 e despesas de €7,00, num total de €78.714,74, e mantendo-se em dívida o valor peticionado no qua respeita ao empréstimo titulado pela escritura junta como documento 2.
A despeito das entregas efectuadas, o empréstimo …./……/…/…. encontra-se em dívida desde 17.06.2005 e o empréstimo …./……/…/…. desde 17.09.2005.
Não é verdade que tenha aceite a regularização do empréstimo em prestações de €1.000,00, tendo tais prestações sido fixadas em €1.500,00, que os executados/opoentes não aceitaram, sendo ainda falso que a exequente se tenha comprometido a não accionar judicialmente os executados/opoentes. Sempre a exequente referiu aos executados que não se opunha à venda do bem hipotecado desde que o seu produto chegasse para a liquidação do empréstimo.
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Foi admitida a redução do pedido exequendo, extinguindo-se, nessa parte, a execução. Foi proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação em sistema áudio dos depoimentos aí prestados, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de factos, sem reclamação.
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Por fim foi proferida sentença de onde consta: “Pelo exposto - e por referência ao valor da quantia exequenda após a redução operada pela exequente na contestação -, julgo improcedente a oposição à execução deduzida, prosseguindo a execução para o pagamento da quantia liquidada (após redução do pedido exequendo) em €86.917,00 (sem prejuízo da competente redução por força da extinção parcial do crédito que se vier a verificar quando for efectuada a entrega à exequente do montante de €51.744,76, emergente da venda do imóvel hipotecado)”
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Não se conformando com tal decisão dela vieram os executados/opoentes recorrer de apelação pedindo que a sua revogação e substituição por outra que considere a dívida exequenda inexigível aos fiadores/recorrentes, com a sua consequente absolvição do pedido.
Os apelantes juntaram aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e conclusões:
I. A dívida exequenda não é exigível aos fiadores/recorrentes já que, nos termos de acordo que celebraram com a exequente, ora recorrida, os fiadores/recorrentes pagaram os montantes correspondentes às prestações que se encontravam vencidas e não liquidadas pelos devedores.
II. Quanto a essa matéria, o Tribunal a quo considerou provado que os fiadores/ recorrentes, tendo tomando conhecimento do incumprimento contratual por parte dos devedores, estabeleceram contactos com a Direcção de Recuperação de Crédito da recorrida, com vista à regularização dos débitos relativos às prestações já vencidas e não pagas, tendo sido acordado pelas partes o pagamento de €4.000 em quatro prestações de €1.000 que, efectivamente, foram pagas entre Janeiro e Maio de 2006 - cfr. facto provado 8, pág. 5 da sentença recorrida, correspondente ao facto assente H e facto provado 9, pág. 5 da sentença recorrida, correspondente ao facto assente I.
III. Porém, o Tribunal a quo considerou que não tendo sido alegado pelas partes qual valor global das prestações devidas nos termos de tal acordo de pagamentos, não dispunha de elementos para aferir se o acordo continuava ou não a ser cumprido pelos executados/opoentes à data da instauração da execução - cfr. pág. 9 da sentença.
IV. Tal entendimento, não só não tem qualquer fundamento na prova produzida em julgamento, como está em contradição com a matéria que o Tribunal a quo considerou ter ficado provada.
V. Com efeito, na decisão sobre a matéria de facto proferida a 24.02.2015, considerou o Tribunal provado que, na reunião que teve lugar nas instalações da B… "em finais de 2005, inícios de 2006” (cfr. pág. 1 da sentença), a recorrida comunicou aos fiadores/recorrentes estarem em atraso prestações de cerca de €4.000 - cfr. pág. 2 da decisão da matéria de facto, proferida a 24.02.2015. A mesma conclusão consta, de resto, também das págs. 2 e 3 da decisão da matéria de facto e do facto assente 15 da sentença recorrida.
VI. Quanto a esta matéria o Tribunal a quo baseou-se, e bem, no depoimento da testemunha G…: "referiu [a testemunha G…] que nessa reunião foi acordado o executado liquidar as prestações que estavam vencidas e vender-se o apartamento para, com o valor da venda que se conseguisse vir a obter, se liquidar o empréstimo; referiu que na altura havia prestações vencidas de cerca de €4.000,00 e que para regularização da dívida vencida acordaram em pagar €1.000,00 mensais"- cfr. pág. 2 da decisão da matéria de facto.
VII. É, assim, inquestionável que resulta da prova produzida que o montante em dívida comunicado aos fiadores/recorrentes pela recorrida foi de €4.000. Tendo sido esse o montante efectivamente liquidado pelos recorrentes antes de iniciada a presente acção executiva - cfr. facto provado 9, pág. 5 da sentença recorrida.
VIII. Tendo considerado tais factos provados na decisão sobre a matéria de facto e, inclusivamente, estando esse entendimento subjacente ao facto assente 15 da sentença recorrida, não poderia o Tribunal a quo, depois, ignorar tal facto ao decidir sobre a exigibilidade da quantia exequenda.
IX. Acresce que ainda que os fiadores/recorrentes não tivessem expressamente alegado o valor de €4.000 na sua oposição - o que não se concede -, sempre deveria o Tribunal, por um lado, e por aplicação do princípio da aquisição processual, vertido no artigo 515.º do anterior CPC e no artigo 413.º do actual CPC, tomar em consideração todas as provas produzidas e, por outro lado, atendendo à natureza instrumental de tal facto, considerá-lo processualmente adquirido, nos termos e para os efeitos do artigo 264.º, n.º 2 do anterior CPC e artigo 5.º do actual CPC.
X. Depois da referida reunião, a recorrida nunca comunicou aos fiadores/recorrentes existirem outras quantias por liquidar - veja-se, a este propósito, que a recorrida nada alega no sentido de alguma vez ter interpelado os fiadores/recorrentes para pagamento de quaisquer montantes para além dos que foram efectivamente pagos antes de apresentada a presente acção executiva.
XI. Cabe, assim, concluir que, à data em que foi iniciada a pressente acção, inexistia qualquer incumprimento que pudesse ser assacado aos fiadores/recorrentes, razão pela qual deverá o Tribunal ad quem alterar a sentença recorrida e considerar a dívida exequenda inexigível aos fiadores/recorrentes, com sua a consequente absolvição do pedido.
XII. Em qualquer caso, e ainda que existissem novas prestações já vencidas e não pagas pelos devedores (nem comunicadas aos fiadores/recorrentes) - o que não se concede - nunca poderia o Tribunal considerar exigível a totalidade da dívida exequenda já que os fiadores/recorrentes não renunciaram ao benefício do prazo, nos termos do art.º 782.º do CC ("A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiros que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia'].
XIII. A exequente em momento algum alegou ou provou perante o Tribunal a quo que os fiadores/recorrentes tivessem alguma vez acordado com a recorrida um regime diverso do que consta do art.º 782.º do CC, em matéria de perda do benefício do prazo.
XIV. Contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo (cfr. pág. 10 da sentença recorrida), na Cláusula 16, al. d), do documento complementar do contrato referido no n.º 1) da fundamentação de facto e na Cláusula 13, al. d), do documento complementar do contrato referido no n.º 3) da fundamentação de facto da sentença recorrida as partes mais não fizeram, conforme tantas vezes sucede, do que incluir nas respectivas escrituras de compra e venda o regime legal que sempre resultaria do artigo 781.º do CC.
XV. Tal previsão das partes não visa, no entanto, afastar o regime previsto no artigo 782.º do CC e, consequentemente, que os fiadores/recorrentes renunciaram ao benefício do prazo que a lei lhes garante.
XVI. Isso mesmo tem sido confirmado pelos Tribunais Portugueses como consta, a título de exemplo, do Acórdão proferido, num caso muito semelhante ao dos presentes autos, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 03.07.2012, no processo n.º 1959/11.8T20VR-A.C1 em que se concluiu que: "Do facto de as partes terem consignado no documento complementar da escritura de mútuo, um regime idêntico ao previsto no art.º 781.º do CC, prevendo a "imediata exigibilidade de todas as responsabilidades garantidas" no caso de não realização de uma das prestações, não decorre a renúncia ao benefício do prazo por parte do fiador...".
XVII. Neste sentido, e posto que as partes não afastaram o disposto no artigo 782.º do CC, para que os fiadores/recorrentes pudessem responder ao lado dos devedores pela totalidade da dívida, teriam os mesmos de ter sido interpelados pela exequente para virem assegurar o pagamento das prestações vencidas e não pagas pelos devedores.
XVIII. Acresce que tal conclusão em nada é afectada pelo facto de os fiadores/recorrentes terem recusado o benefício de excussão prévia, declarando-se pagadores principais, nem tão pouco pelo facto de os fiadores/recorrentes terem sido citados para a execução objecto dos presentes autos.
XIX. O mesmo se diga ainda quanto ao facto de os fiadores/recorrentes terem aceite, nos termos dos referidos acordos complementares, que "o extracto da conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela B… e por ela relacionados com este empréstimo serão havidos, para todos os efeitos legais e, designadamente, para efeitos do disposto no artigo cinquenta do Código de Processo Civil como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, justificação ou reclamação judicial dos créditos que deles resultarem, em qualquer processo" - cfr. pág. 10 da sentença recorrida.
XX. Pois, contrariamente ao que parece crer o Tribunal a quo, das referidas cláusulas, que visam clarificar a natureza de título executivo do extracto de conta e do documento de débito nada se pode retirar quanto ao benefício do prazo.
XXI. Por fim, o Tribunal a quo não tem igualmente razão quando sustenta que "resultando da fundamentação de facto que o imóvel dado em garantia hipotecária do cumprimento dos contratos foi objecto de penhora e venda em execução fiscal, sempre tal determinaria a imediata exigibilidade da obrigação de reembolso dos montantes mutuados, incluindo aos fiadores, sem aplicação do regime do art.º 782.º do Cód. Civil' (cfr. pág. 10 da sentença recorrida), pois, pelas razões que anteriormente se deixaram expostas, também aqui não houve qualquer renúncia dos fiadores/recorrentes ao benefício do prazo que decorre do artigo 782.º CC.
XXII. Para além do mais, e pese embora - ao contrário do que pretende fazer crer o Tribunal a quo - a Cláusula 16, al. d), do documento complementar do contrato referido no n.º 1) da fundamentação de facto e a Cláusula 13, al. d), do documento complementar do contrato referido no n.º 3) da fundamentação de facto da sentença recorrida não se refiram à penhora, mas somente à venda do imóvel hipotecado para garantia do mútuo em causa, a verdade é que a penhora e a venda do referido imóvel, em sede do processo de execução fiscal n.º1783200301010956 instaurado pela Fazenda Nacional contra os devedores, só vieram a ocorrer muito depois de instaurado o presente processo de execução - cfr. pág. 7 da sentença recorrida, factos assentes 17 a 19.
XXIII. Neste sentido, em qualquer caso, à data da instauração da presente acção executiva contra os devedores e contra os fiadores/recorrentes não tinha ainda ocorrido a alienação a que se refere o Tribunal a quo que permitisse à exequente lançar mão do vencimento antecipado a que se refere o artigo 781.º do CC contra os devedores ou - sem conceder contra os fiadores.
XXIV. Razão pela qual deverá o Tribunal ad quem alterar a sentença recorrida e considerar a dívida exequenda inexigível aos fiadores/recorrentes, com sua a consequente absolvição do pedido.
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A exequente juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.
II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1) Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada no dia 17.02.1999, exarada a fls. 93 a 95 do Livro n.º 2-I do Cartório Notarial de Gondomar, a exequente emprestou aos executados C… e mulher D… a quantia de €80.805,26, nos termos que melhor constam do documento 1, junto ao requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido. – Al. A) dos factos assentes.
2) Tal quantia foi entregue aos executados C… e mulher D… na referida data, tendo-se estes confessado e constituído solidariamente devedores da mesma à exequente. – Al. B) dos factos assentes.
3) Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança outorgada no mesmo dia, exarada a fls. 96 a 98 do Livro n.º 2-I do Cartório Notarial de Gondomar, a exequente emprestou aos executados C… e mulher D… a quantia de €8.978,36, importância que foi entregue aos executados nessa data e de que estes se confessaram e constituíram solidariamente devedores, nos termos que melhor constam do documento 2 junto ao requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido. – Al. C) dos factos assentes.
4) Para garantia do capital mutuado, dos respectivos juros à taxa anual de 9,544%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano a título de cláusula penal, e das despesas emergentes dos contratos, os executados C… e mulher D… constituíram hipoteca a favor da exequente sobre o seguinte imóvel: fracção autónoma designada pelas letras “AH”, no 3.º andar direito e lugar de garagem na cave, sita na Rua …, freguesia de …, Gondomar, hipotecas registadas a favor da exequente pelas inscrições C-2 e C3. – Al. D) dos factos assentes.
5) Ficou acordado nas cláusulas 8.ª e 9.ª dos documentos complementares anexos às referidas escrituras que os executados deveriam amortizar o empréstimo em prestações mensais de capital e juros, a primeira no dia 17.03.99 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes. – Al. E) dos factos assentes.
6) Sucede, porém, que os executados deixaram de cumprir as obrigações emergentes dos contratos acima referidos, respectivamente, nos dias 17.01.2005 e 17.09.2005. – Al. F) dos factos assentes.
7) Os executados F… e E…, por sua vez, responsabilizaram-se como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência dos alegados empréstimos. – Al. G) dos factos assentes.
8) Após o conhecimento do incumprimento contratual por parte dos mutuários C… e D…, os embargantes estabeleceram contactos com a Direcção de Recuperação de Crédito da exequente, com vista à regularização dos débitos relativamente às prestações já vencidas e não pagas, propondo-se pagar mil euros mensais. – Al. H) dos factos assentes.
9) Os executados/opoentes, na sua qualidade de fiadores, entregaram à exequente €1.000,00 em 2006.05.30, €1.000,00 em 2006.04.26, €1.000,00 em 2006.03.01 e €1.000,00 em 2006.01.30. – Al. I) dos factos assentes.
10) Após a aplicação da importância de €2.000,00, cada uma, efectuadas nos dias 26 de Abril e 30 de Maio de 2006, o empréstimo à habitação a que respeita a escritura de compra e venda junta como documento 1 no requerimento executivo encontra-se agora reduzida ao seguinte montante: Capital - €72.699,65; Juros de 05.06.17 a 06.08.29 - €6.008,09; Despesas - €7,00; Soma - €78.714,74. – Al. J) dos factos assentes.
11) As entregas efectuadas nos dias 30.01.2006 e 01.03.2006, no valor total de €2.000,00, foram aplicadas na liquidação do empréstimo n.º …./……/…/…., respeitante ao contrato junto como documento 1 e à nota de débito junta como documento 4 no requerimento executivo. – Al. K) dos factos assentes.
12) Quanto ao contrato referido no documento 2 do requerimento executivo, encontra-se em dívida as seguintes quantias: capital - €7.635,47; Juros de 05.02.14 a 06.07.06 - €561,79; Despesas - €5,00; Soma - €8.202,26. – Al. L) dos factos assentes.
13) Os embargantes encetaram diligências no sentido de por à venda a fracção e o lugar de garagem, iniciativa que visava evitar a futura constituição em mora por parte dos mutuários, a fim de, através da venda, se pagar a totalidade do empréstimo. – Al. M) dos factos assentes.
14) Na sequência dos contactos estabelecidos referidos no n.º 8 da fundamentação de facto foi acordado com a exequente que os opoentes procederiam à entrega de €1.000,00 por mês para a regularização das prestações já vencidas, e diligenciariam pela venda da fracção nos termos referidos no n.º 13 da fundamentação de facto, para tentar evitar o seu accionamento judicial por parte da exequente. – Resposta ao n.º 1. da Base Instrutória.
15) Foi nessa conformidade que os executados/opoentes procederam ao pagamento de quatro mil euros. – Resposta ao n.º 2. da Base Instrutória.
16) A exequente instaurou a execução de que este apenso é dependência contra os executados F…, E…, C… e D…, em 31 de Agosto de 2006, tendo como títulos executivos dois contratos titulados por escritora pública:
a) - contrato datado de 17 de Fevereiro de 1999, pelo qual, além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, a exequente declarou conceder aos executados C… e D… um empréstimo da quantia de 16.200.000$00, tudo conforme consta da cópia certificada da referida escritura pública junta como documento 1 a fls. 7 a 22 dos autos de execução, que aqui se dá por reproduzida, acompanhado da nota de débito referente ao aludido contrato junta como documento 4 a fls. 43 dos autos de execução, com o valor de €81.098,32, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
b) - contrato datado de 17 de Fevereiro de 1999, pelo qual, além do mais que do mesmo consta e que aqui se dá por reproduzido, a exequente declarou conceder aos executados C… e D… um empréstimo da quantia de 1.800.000$00, tudo conforme consta da cópia certificada da referida escritura pública junta como documento 2 a fls. 23 a 35 dos autos de execução, que aqui se dá por reproduzida, acompanhado da nota de débito referente ao aludido contrato junta como documento 5 a fls. 44 dos autos de execução, com o valor de €8.202,26, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
- liquidando, no requerimento executivo, a quantia exequenda em €89.300,58:
i - €73.384,24 de capital em dívida à data da propositura da execução, acrescido de juros de mora vencidos de 2005.02.14 a 2006.07.06 de €7.667,28 e despesas de e 46,80, num total de €81.098,32, relativamente ao contrato referido na al. a);
ii - €7.635,47 de capital em dívida à data da propositura da execução, acrescido de juros de mora vencidos de 2005.02.14 a 2006.07.06 de €561,79 e despesas de €5,00, num total de €8.202,26, relativamente ao contrato referido na al. b). - Teor do requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido em tudo o mais.
17) O imóvel referido no n.º 4 da fundamentação de facto - fracção autónoma designada pelas letras “AH”, no 3.º andar direito e lugar de garagem na cave, sita na Rua …, freguesia de …, Gondomar, descrito na C.R.Predial de Gondomar, freguesia de …, sob o n.º 01424, foi penhorado na execução a que esta oposição corre por apenso em 11.09.2007, incindido penhora anterior - registada pela Ap. 63 de 2007.03.21 - sobre o referido imóvel, em execução instaurada pela Fazenda Nacional, tendo, em consequência, sido - por despacho datado de 17.07.2008 - sustada a execução quanto ao imóvel penhorado, por sobre o mesmo incidir penhora anterior, tudo conforme consta de fls. 81 e de fls. 83 dos autos de execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
18) O imóvel hipotecado à exequente e penhorado nos autos de execução, referido no n.º 4 da fundamentação de facto, foi objecto de venda no âmbito do processo de execução fiscal n.º 1783200301010956 instaurado pela Fazenda Nacional contra C…, tendo aí sido proferida a sentença datada de 29.06.2013 que graduou em primeiro lugar o crédito de €102.451,88, aí reclamado pela aqui exequente B…, SA, garantido pelas hipotecas registadas a seu favor sobre o referido imóvel, tudo conforme consta da cópia da referida sentença, junta a fls. 202 a 212 do apenso de oposição à execução, que aqui se dá por reproduzida.
19) No âmbito desse processo de execução fiscal foi efectuada a liquidação do julgado, tendo sido atribuído à aqui exequente B…, SA, o montante de €51.744,76, não tendo sido, até à data da realização do julgamento, efectuada a aplicação/entrega do valor em causa à exequente, devido a constrangimentos informáticos, nos termos das informações prestadas pelos serviços de finanças juntas aos autos de oposição à execução em 8 de Abril de 2014 e em 09.07.2014, conforme consta de fls. 221 e de fls. 226 do apenso de oposição à execução.

III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações dos apelantes são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da alegada inexigibilidade da dívida exequenda.
2.ª - Da alegada não renúncia ao benefício do prazo.
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Conforme resulta dos autos, a exequente B… demandou, por via da execução de este é um apenso, os executados para haver deles a quantia total de €89.300,58 (sendo €81.098,32, em virtude do incumprimento do contrato celebrado no dia 17.02.1999, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada, exarada no Cartório Notarial de Gondomar, pelo qual a exequente emprestou aos executados C… e mulher D… a quantia de €80.805,26, nos termos que melhor constam do documento n.º1, junto ao requerimento executivo e, €8.202,26, em virtude do incumprimento do contrato celebrado também no dia 17.02.1999, por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança outorgada no mesmo Cartório Notarial de Gondomar, e pelo qual a exequente emprestou aos executados C… e mulher D… a quantia de €8.978,36, nos termos que melhor constam do documento n.º2 junto ao requerimento executivo).
Os co-executados F… e E…, ora opoentes/apelante, responsabilizaram-se como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência dos alegados empréstimos.
A exequente veio a reduzir o pedido exequendo, quanto ao montante em dívida emergente do incumprimento do contrato celebrado no dia 17.02.1999, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada, exarada no Cartório Notarial de Gondomar, pelo qual a exequente emprestou aos executados C… e mulher D… a quantia de €80.805,26, nos termos que melhor constam do documento n.º1, junto ao requerimento executivo, ao montante €78.714,74, por força da imputação no mesmo da quantia de €4.000,00 que os co-executados/opoentes/apelantes alegaram ter entregue e que a exequente aceitou ter recebido.
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1.ªquestão – Da alegada inexigibilidade da dívida exequenda.
Como é sabido a finalidade da acção executiva é o de exigir e obter coercivamente o cumprimento de uma obrigação, que se pressupõe incumprida. A execução tem necessariamente de basear-se num documento, o título executivo, que determina o seu fim ou limites, nos termos do art.º 10.º n.ºs 5 e 6 do C.P.Civil, sendo por ele que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor.
A oposição do executado visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva, cfr. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, pág. 141.
Nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 703.º do C.P.Civil, podem servir de base à execução os documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
Verifica-se assim que a exequibilidade destes títulos depende da verificação de um requisito formal – serem documentos exarados ou autenticados por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal – e de um requisito substantivo – importarem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
No caso dos autos, os títulos executivos são duas escrituras públicas, denominadas de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” e de “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, pela qual os executados C… e mulher, D…, se confessaram e constituído solidariamente devedores das mesmas à ora exequente.
Por seu turno, os executados F… e E…, responsabilizaram-se como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência dos alegados empréstimos.
Da matéria de facto provada nos autos resulta que:
- ficou acordado nas cláusulas 8.ª e 9.ª dos documentos complementares anexos às referidas escrituras públicas que os executados/mutuários deveriam amortizar os empréstimos em prestações mensais de capital e juros, a primeira no dia 17.03.99 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
- os executados/mutuários deixaram de cumprir as obrigações emergentes dos contratos referidos, respectivamente, nos dias 17.01.2005 e 17.09.2005.
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A oposição à execução quando esta tenha como título executivo, um dos referidos na al. b) do n.º 1 do art.º 703.º do C.P.Civil, pode ter por fundamento os que se encontram especificados no art.º 728.º do C.P.Civil, na parte em que sejam aplicáveis, bem como quaisquer outros que licitamente poderiam ser deduzidos como defesa no processo de declaração, cfr. art.º 730.º C.P.Civil.
Daí que se aponte ao processo de oposição à execução o facto de o mesmo se destinar a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que, em processo declarativo, constituiriam matéria de excepção.
A oposição à execução introduz no processo executivo uma fase declarativa, autónoma e própria, com a particularidade do opoente, devedor presumido da dívida exequenda, ter de afirmar e demonstrar factos impugnativos (impeditivos, modificativos ou extintivos) da própria exequibilidade do título executivo, da inexistência de causa debendi ou do direito do exequente, ou factos que, em processo normal, constituiriam matéria de excepção, os quais seriam afirmados e provados pelo réu, de harmonia com o disposto no art.º 342.º n.º 2 do C.Civil.
E conforme escreve Amâncio Ferreira, in “Processo de Execução”, pág. 152: “Não sendo o título executivo uma sentença, o executado está perante o requerimento do exequente na mesma posição em que estaria perante a petição inicial da correspondente acção declarativa”.
No caso dos autos estamos perante uma oposição à execução, tratando-se de uma execução para pagamento de quantia certa que tem como títulos executivos duas escrituras públicas de reconhecimento e confissão de dívida por parte dos executados/opoentes perante a exequente, alegadamente decorrente de dois empréstimos (mútuos) havido entre esta e os executados C… e mulher, D…, e para garantia de cujo cumprimento os executados/opoentes, ora apelantes, se responsabilizaram como fiadores e principais pagadores por tudo quanto viesse a ser devido à exequente em consequência dos alegados empréstimos.
In casu”, os opoentes invocam, como fundamento da sua oposição, a inexigibilidade da obrigação exequenda, previsto na al. e) do art.º 729.º do C.P.Civil.
Sendo certo que a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação ao devedor, nos termos do art.º 777.º n.º1 do C.Civil, ela é inexigível, por exemplo quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva que ainda se não verificou, cfr. art.º 270.º do C.Civil e 715.º nº1 do C.P.Civil.
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Defendem os apelantes que dívida exequenda não lhe é exigível, como fiadores, já que, nos termos de acordo que celebraram com a exequente, pagaram os montantes correspondentes às prestações que se encontravam vencidas e não liquidadas pelos devedores mutuários.
Vejamos.
Está provado nos autos que:
- após terem tido conhecimento do incumprimento contratual por parte dos executados/mutuários, os embargantes/apelantes estabeleceram contactos com a Direcção de Recuperação de Crédito da exequente, com vista à regularização dos débitos relativamente às prestações já vencidas e não pagas, propondo-se pagar mil euros mensais.
- na sequência desses contactos foi acordado com a exequente que os opoentes procederiam à entrega de €1.000,00 por mês, para a regularização das prestações já vencidas, e diligenciariam pela venda da fracção, para tentar evitar o seu accionamento judicial por parte da exequente.
- Os embargantes encetaram diligências no sentido de por à venda a fracção e o lugar de garagem, iniciativa que visava evitar a futura constituição em mora por parte dos mutuários, a fim de, através da venda, se pagar a totalidade do empréstimo.
- foi nessa conformidade que os executados/opoentes/apelantes procederam ao pagamento de €4.000,00, tendo, na sua qualidade de fiadores, entregado à exequente €1.000,00, em 2006.05.30; €1.000,00 em 2006.04.26; €1.000,00 em 2006.03.01 e €1.000,00 em 2006.01.30.
- após a aplicação da importância de €2.000,00, cada uma, efectuadas nos dias 26 de Abril e 30 de Maio de 2006, o empréstimo à habitação a que respeita a escritura de compra e venda junta como documento n.º1 no requerimento executivo, encontra-se agora reduzida ao seguinte montante: Capital - €72.699,65; Juros de 05.06.17 a 06.08.29 - €6.008,09; Despesas - €7,00; Soma - €78.714,74.
- as entregas efectuadas nos dias 30.01.2006 e 01.03.2006, no valor total de €2.000,00, foram aplicadas na liquidação do empréstimo n.º …./……/…/…., respeitante ao contrato junto como documento n.º1 e à nota de débito junta como documento n.º4 no requerimento executivo.
- quanto ao contrato referido no documento 2 do requerimento executivo, encontra-se em dívida as seguintes quantias: capital - €7.635,47; Juros de 05.02.14 a 06.07.06 - €561,79; Despesas - €5,00; Soma - €8.202,26.
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Como se sabe, a exequibilidade intrínseca refere-se à obrigação exequenda e às suas características: - a obrigação exequenda tem de apresentar certas características que justificam a execução pelo que deve, desde logo, ser exigível, art.º 713.º do C.P.Civil.
A exigibilidade da obrigação é um pressuposto ou condição relativa à execução, dado que se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação. A inexigibilidade da obrigação constitui fundamento de oposição a execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução e a caducidade de todos os efeitos nela produzidos, como, por exemplo, a penhora ou a venda executiva dos bens penhorados, cfr. art.º 732.º n.º 4 do C.P.Civil.
Obrigação exigível, na acção executiva, é aquela que está vencida – ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
O vencimento da obrigação é sempre indispensável à sua exigibilidade, mas esta pode reclamar algo mais do que esse vencimento. No plano substantivo, diversamente, a exigibilidade da obrigação não está na dependência do seu vencimento, razão que explica que obrigações puras sejam exigíveis antes de estarem vencidas, cfr. art.º 777.º n.º1 do C.Civil. Por seu turno, nas obrigações a prazo, a obrigação exequenda não é exigível se a fixação desse prazo couber ao credor e este não o estabeleceu, neste caso, a obrigação exequenda só é exigível depois de o Tribunal o determinar, cfr. art.º 777.º n.º 3 do C. Civil. Se a obrigação for pura, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento, mas a obrigação não se considera vencida sem a interpelação do devedor, cfr. art.º 777,º n.º 1 do C.Civil. A citação do executado para o cumprimento da obrigação vale como interpelação do devedor, embora o exequente fique responsável pelas custas da execução se o executado cumprir a obrigação no prazo em que ainda o pode fazer, cfr. art.º 535.º n.ºs 1 e 2, al. b), do C.P.Civil.
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Do complexo fáctico que acima, deixámos consignado, pode concluir-se os executados/fiadores, ora apelantes, não lograram fazer prova do que haviam invocado, ou seja, que em virtude do acordo de pagamento de €1.000,00 mensais para amortização das prestações vencidas e não pagas pelos executados/mutuários, a exequente, em contrapartida, se havia obrigado a não os demandar judicialmente.
Por outro lado, também nem sequer alegaram, os executados/fiadores ora apelantes, qual era o montante das prestações vencidas e não pagas pelos executados/mutuários, à ocasião em que firmaram com a exequente o supra referido acordo de pagamento de €1.000,00 mensais para amortização da dívida.
Pelo que, como bem se afirmou em 1.ª instância, só se sabendo qual era então o valor global das prestações vencidas e não pagas e em dívida pelos executados/mutuários “poderia o tribunal aferir se o acordo continuava ou não a ser cumprido pelos executados/opoentes à data da instauração da execução”, ou seja, a omissão de tal alegação “inviabiliza a formação de qualquer juízo quanto à existência de um acordo celebrado com os executados/fiadores, posterior ao incumprimento (pelos executados/ mutuários) das obrigações decorrentes dos contratos que constituem título executivo, cujo cumprimento impedisse a instauração da execução”.
In casu”, dúvidas não restam de que a dívida exequenda se encontra vencida, daí ser exigível.
Improcedem as respectivas conclusões dos apelantes.
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2.ªquestão - Da alegada não renúncia ao benefício do prazo.
Insistem de novo os executados/fiadores, ora apelantes, que não lhes é exigível o pagamento da totalidade do empréstimo, uma vez que face ao regime do art.º 782.º do C. Civil, não perderam o benefício do prazo.
Vejamos.
Está assente nos autos que:
- ficou acordado nas cláusulas 8.ª e 9.ª dos documentos complementares anexos às referidas escrituras públicas que os executados/mutuários deveriam amortizar os empréstimos em prestações mensais de capital e juros, a primeira no dia 17.03.99 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
- os executados/mutuários deixaram de cumprir as obrigações emergentes dos contratos referidos, respectivamente, nos dias 17.01.2005 e 17.09.2005.
- do teor dos documentos complementares anexos às referidas escrituras, sob a epígrafe “Direitos do credor” ficou estipulado entre as partes, incluindo os executados/fiadores, ora apelantes, nas suas cláusulas 16.ª d) e 13.ª d) que “À credora fica reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato”.
- desses mesmos documentos complementares, e da suas cláusulas 17.ª e 14.ª, sob a epígrafe “Extracto de conta e aos documentos de débito”, também aceites pelos executados/fiadores, ora apelantes, consta que “Fica convencionado que o extracto da conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela B… e por ela relacionados com este empréstimo serão havidos, para todos os efeitos legais e, designadamente, para efeitos do disposto no artigo cinquenta do Código de Processo Civil como documentos suficientes para prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, justificação ou reclamação judicial dos créditos que deles resultarem, em qualquer processo”.
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Como se sabe, a fiança concretiza-se no facto de um terceiro assegurar com o seu património o cumprimento de obrigação alheia, ficando pessoalmente obrigado perante o respectivo credor, cfr. art.º 627.º n.º1 do C.Civil. Tal responsabilização abrange, em princípio, todo o património do fiador, embora possa limitar-se a alguns dos bens que o integram, desde que tal redução seja convencionada nos termos do art.º 602.º do C. Civil.
Decorre do disposto no art.º 634.º do C.Civil, que “a fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”, de onde se conclui que a responsabilidade do fiador, salvo estipulação em contrário, cfr. art.º 631.º n.º 1 do C.Civil, se molda pela do devedor principal e abrange tudo aquilo a que ele está obrigado, não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo, cfr. art.º 798.º do C.Civil, ou a pena convencional que porventura se haja estabelecido, cfr. art.º 810.º do C.Civil.
A Doutrina costuma apontar como características fundamentais deste instituto, a acessoriedade e a subsidiariedade.
Como refere Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, pág. 893, a acessoriedade, expressamente prevista no n.º 2 do art.º 627.º do C.Civil, tem as seguintes consequências essenciais:
i) a fiança está submetida à forma exigida para a dívida principal, cfr. art.º 628.º n.º 1 do C.Civil;
ii) a fiança não pode exceder a dívida principal, podendo, no entanto, ficar aquém desta; iii) caso exceda a dívida principal, a fiança não será nula, mas apenas redutível de acordo com a dívida afiançada, cfr. art.º 631.º n.ºs 1 e 2 do C.Civil;
iv) a nulidade ou anulabilidade da dívida principal provoca a invalidade da fiança;
v) se estabelecida para garantia de obrigações condicionais, cfr. art.º 628.º n.º 2 do C.Civil, constitui-se na dependência da mesma condição à qual se submete a obrigação que garante;
vi) extinta a dívida principal, fica extinta a fiança, cfr. art.º 651.º do C.Civil;
vii) o carácter civil ou comercial da fiança depende da natureza da obrigação principal.
Quanto à subsidiariedade, concretiza-se no chamado benefício de excussão, traduzido no direito que assiste ao fiador, de recusar o cumprimento, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal, cfr. art.º 638.º do C.Civil, sendo tal benefício renunciável, nos termos do n.º 1 do art.º 640.º do C.Civil.
Como vimos, preceitua o art.º 634.º do C.Civil que “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”.
Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao referido normativo, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 652, referem que as duas obrigações – a do devedor e a do fiador – embora distintas, têm o mesmo conteúdo. E mais referem ainda que “O artigo 782.º, quanto às obrigações a prazo, estabelece um princípio que é extensivo aos co-obrigados do devedor e a terceiros que tenham constituído qualquer garantia a favor do crédito. Não lhes pode ser imposta a perda do benefício do prazo (cfr. art.ºs 780.º e 781.º), o que traduz um desvio da regra do artigo 634.”.
Preceitua o art.º 782.º do C.Civil, sob a epígrafe “Perda do benefício do prazo em relação aos co-obrigados e terceiros”, chamado à colação pelos apelantes, que: -“A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”. Este preceito, tal como se afirma na decisão recorrida, vem na sequência do previsto no art.º 781.º do C.Civil, onde sob a epígrafe de “Dívida liquidável em prestações”, se preceitua que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.
Em anotação às referidas disposições legais, referem Pires de Lima e Antunes Varela, in obra citada, Vol. II, pág. 29, que “A perda do benefício do prazo também não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos”.
Ou, como refere Mário Júlio de Almeida Costa, in obra citada, pág. 1014, “a perda do benefício do prazo traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário exclusivo ou conjunto do prazo estipulado, não sendo extensiva aos garantes da obrigação, nos precisos termos do artigo 782.º do Código Civil” e depois conclui que: “A lei abrange nesta excepção mesmo os co-obrigados solidários, o que logo decorre do regime de solidariedade, máxime a respeito dos meios de defesa pessoais. Assim como, quanto à exclusão da eficácia da perda do benefício do prazo relativamente a terceiro que haja garantido o crédito, se não distingue entre garantias reais e pessoais”.
Assim sendo, em princípio, aos opoentes/fiadores não é extensiva a perda do benefício do prazo, face ao disposto no art.º 782.º do C.Civil.
Todavia, de acordo com o entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, tal norma tem natureza supletiva, vigorando nesta matéria o princípio da liberdade contratual genericamente enunciado no art.º 405.º do C.Civil. E de harmonia com tal princípio, a regra prevista no art.º 782.º, que prevê a inaplicabilidade da perda do benefício do prazo (designadamente) aos fiadores, considera-se afastada sempre que as partes convencionem expressamente de modo diverso, cfr. Ac. do STJ de 10.05.2007, in www.dgsi.pt.
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Vejamos, pois, se das declarações consignadas nos documentos complementares às escrituras públicas em apreço e que tudo constitui os títulos executivos dados à execução, os ora opoentes/fiadores, ora apelantes renunciaram ao benefício do prazo que o art.º 782.º do C.Civil lhes confere.
In casu” vendo do teor do acordado entre as partes, incluindo os executados/fiadores, ora apelantes, e constante das cláusulas 16.ª d) e 13.ª d) dos documentos complementares às referidas escrituras públicas dadas à execução, delas consta que:
- sob a epígrafe “Direitos do credor” - “À credora fica reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado for alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato”.
Ora, uma vez que a exequente não terá feito, pelo menos não alegou em sede de requerimento executivo, qualquer interpelação admonitória aos executados/fiadores, ora apelantes, para pagamento da quantia exequenda, o direito ao benefício do prazo invocado por estes só se encontrará afastado se dos títulos dados à execução constar a expressa renúncia por parte dos mesmos. Sendo certo que essa interpelação era necessária, uma vez que daria aos executados/fiadores, ora apelantes, a possibilidade de, para além de pagarem as prestações vencidas (pelas quais eram imediatamente responsáveis), assumirem a posição dos devedores principais, pagando as prestações que se fossem vencendo.
Como se refere no Ac. do STJ, de 19.06.1995, in CJ/STJ, Ano III, 1995, Tomo II, pág. 132 “Ainda que se admita como exacta a interpretação do art.º 781.º do C.Civil de que ‘vencimento imediato’ das prestações posteriores de uma dívida pelo não pagamento de uma delas, significa a ‘exigibilidade imediata’ que não dispensa a interpelação do devedor, o certo é que, como aquela regra não é imperativa, o posterior acordo das partes pode alterar o regime legal decorrente dessa interpretação”.
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Retornando ao caso dos autos, e como resulta do acima exposto, nada estipulando as partes sobre o vencimento das obrigações exequendas, ou seja, dívidas liquidáveis em prestações, sempre seria supletivamente aplicável o regime previsto no art.º 781.º do C.Civil, ou seja, a falta de cumprimento de uma delas importaria o vencimento de todas.
Do teor das supra referidas cláusulas contratuais resulta que as partes, se limitaram a aceitar o regime previsto no art.º 781.º do C.Civil, ou seja, contrariamente ao que foi o entendimento da 1.ª instância, o vencimento imediato das prestações subsequentes (considerar o empréstimo vencido), ou seja, a imediata exigibilidade de todas (vencidas e futuras) as quantias em dívida, se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato.
Ora, tendo as partes estipulando um regime idêntico ao previsto no art.º 781.º do C.Civil (imediata exigibilidade das prestações futuras no caso de incumprimento de uma delas), daí não se poderá concluir, sem mais, que visaram afastar o regime previsto no art.º 782.º do C.Civil, ou seja, que os fiadores renunciaram ao benefício do prazo que a lei lhes confere.
E não havendo qualquer estipulação expressa nesse sentido, só nos resta concluir que não foi afastado o regime legal previsto no art.º 782.º do C.Civil, não se estendendo aos fiadores a perda do benefício do prazo, na execução de que este é um apenso, pelo que os executados/fiadores, ora opoentes, apenas podem responder pelas prestações vencidas.
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Finalmente sempre se dirá que está assente nos autos que:
- o imóvel dado de hipoteca pelos executados/mutuários para garantia do capital mutuado, dos respectivos juros à taxa anual de 9,544%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano a título de cláusula penal, e das despesas emergentes dos referidos contratos - fracção autónoma designada pelas letras “AH”, no 3.º andar direito e lugar de garagem na cave, sita na Rua …, freguesia de …, Gondomar, descrito na C.R.Predial de Gondomar, freguesia de …, sob o n.º 01424, - foi penhorado nos autos de execução de que este é um apenso em 11.09.2007.
- sobre o mesmo imóvel incindia penhora anterior - registada pela Ap. 63 de 2007.03.21, realizada em execução instaurada pela Fazenda Nacional.
- por tal facto, a execução de que este é um apenso, foi por despacho de 17.07.2008, sustada quanto ao dito imóvel.
- esse imóvel foi posteriormente objecto de venda no âmbito do referido processo de execução fiscal n.º 1783200301010956 instaurado pela Fazenda Nacional contra C….
- por sentença de 29.06.2013, o crédito de €102.451,88, aí reclamado pela aqui exequente B…, SA, garantido pelas hipotecas registadas a seu favor sobre o referido imóvel, foi graduado em primeiro lugar.
- em consequência, no âmbito desse processo de execução fiscal foi atribuído à reclamante B…, SA, o montante de €51.744,76.
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Desta factologia resulta que o imóvel hipotecado foi efectivamente vendido, todavia tal facto ocorreu manifestamente em data posterior à da instauração da execução de que este é um apenso. Pelo que tal facto é irrelevante para a decisão da pretensão dos executados/fiadores/opoentes, ora apelantes.
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Logo, somos de concluir que à data da instauração da execução de que este é um apenso, considerando que não houve qualquer estipulação expressa no sentido de ser afastado o regime legal previsto no art.º 782.º do C.Civil, e não havido qualquer interpelação admonitória da exequente aos executados/fiadores, ora apelantes, para pagamento da quantia exequenda, esta mostra-se inexigível quanto a estes, pelo que, na procedência da oposição, há que julgar extinta contra os mesmos a respectiva execução.
Procedem as respectivas conclusões dos apelantes.

Sumário – I - Obrigação exigível, na acção executiva, é aquela que está vencida – ou que se vence com a citação do executado e em relação à qual o credor não se encontra em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação.
II - A exigibilidade da obrigação é um pressuposto ou condição relativa à execução, dado que se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coactiva da prestação.
III - A inexigibilidade da obrigação constitui fundamento de oposição a execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução.
IV- A perda do benefício do prazo, a que se reporta o art.º 781.º do C.Civil, traduz-se no facto de a lei consentir que em determinadas circunstâncias o credor possa exigir antecipadamente o cumprimento da obrigação, apesar de o devedor ser beneficiário do prazo estipulado, todavia não é extensivo aos garantes da obrigação, nos termos do art.º 782.º do C.Civil.
V - Tendo as partes contratualmente estipulando um regime idêntico ao previsto no art.º 781.º do C.Civil (imediata exigibilidade das prestações futuras no caso de incumprimento de uma delas), e não havendo qualquer estipulação expressa nesse sentido, daí não se poderá concluir, sem mais, que visaram afastar o regime previsto no art.º 782.º do C.Civil, ou seja, que os fiadores renunciaram ao benefício do prazo que a lei lhes confere.

IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação procedente e em revogar a decisão recorrida, julgando a presente oposição à execução procedente, por provada e em consequência julga-se extinta a excução contra os executados/fiadores.
Custas pela apelada.

Porto, 2017.04.27
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues