Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1693/12.1T2AVR-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: BENS INDIVISOS
PENHORA
DIREITO DE REMIÇÃO
Nº do Documento: RP201604211693/12.1T2AVR-D.P1
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 58, FLS.2-8)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos do art. 743.º/2 do CPC, quando em execuções diversas forem penhorados todos os direitos sobre um bem indiviso, realiza-se uma única venda, sendo o bem vendido por inteiro, como se não fosse indiviso e as diversas execuções tivessem sido apensadas.
II - Nessa situação, o direito de remição do familiar do executado tem por objecto a totalidade do bem vendido e não apenas o quinhão indiviso do executado no bem.
III - Esta solução nada tem de excessivo ou desproporcionado pois não apenas permite incrementar o produto da venda, em benefício de credor e devedor, como permite de imediato afastar a situação de indivisão que punha em risco a conservação do bem na família que o direito de remição visa proporcionar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
Processo n.º 1693/12.1T2AVR-D.P1 [Comarca de Aveiro/Inst. Central/Aveiro/Sec. Comércio]

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
B… e C… foram declarados insolventes em processos de insolvência autónomos, o dela com o n.º 1693/12.1T2AVR, do qual emerge o presente recurso, e o dele com o n.º 2107/12.2T2AVR.
Na sequência dessas declarações foi apreendido para as respectivas massas insolventes o direito de cada insolvente à metade indivisa do imóvel de que ambos são comproprietários composto por armazém e arrumos, com área coberta de 218,50 m2 e área descoberta de 981,50 m2, sito em …, da freguesia de …, concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz urbana sob o artigo nº 1990 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis, sob o nº 2410/19890517, com o valor patrimonial de €37.479,88.
Por despacho judicial foi ordenado que o imóvel fosse vendido na sua totalidade e uma única vez no âmbito deste processo n.º 1693/12.1T2AVR, transferindo-se depois para o processo nº 2107/12.2T2AVR metade do produto da venda, equivalente à metade indivisa do insolvente C… no bem.
Realizada nessas condições a venda do imóvel à credora D…, pelo valor de €13.000,00, apresentou-se o filho menor da insolvente, E…, representado pelo seu pai F…, juntando o mandatário subscritor procuração forense outorgada por ambos os progenitores para representar o menor em juízo, no processo de insolvência da mãe, a exercer o direito de remição na venda de metade indivisa do imóvel, depositando para o efeito metade do produto da venda e requerendo no final do seu requerimento a notificação do Ministério Público para “promover o que tiver por conveniente”.
Por despacho judicial foi assinalado que apesar de o direito apreendido à ordem do processo de insolvência onde o requerimento foi apresentado corresponder à quota ideal de ½, o que foi colocado à venda nos termos do artigo 743º, nº 2, do Código de Processo Civil, em conjugação com o processo nº 2107/12.2T2AVR, foi o direito de propriedade plena sobre o imóvel, pelo que se ordenou a notificação do requerente para esclarecer se pretendia exercer o direito de remição sobre a totalidade do imóvel e depositar o equivalente à totalidade do produto da venda.
Em simultâneo foi ordenada a notificação da credora adquirente para informar se se opõe ao exercício do direito de remição relativamente a apenas metade indivisa do imóvel, ao que esta respondeu que a venda do imóvel foi feita pela totalidade pelo que apenas sobre a totalidade do mesmo deverá ser permitido o exercício da remição.
O requerente da remição respondeu insistindo que lhe seja permitido exercer o direito de remição apenas sobre metade indivisa do imóvel e que seja dado conhecimento ao Ministério Público para o que tiver por conveniente.
Obtidos esses esclarecimentos, foi proferida a seguinte decisão:
“Desconhece-se o fundamento legal, que não vem invocado, para que seja notificado o Ministério Público no âmbito destes autos, não obstante o direito de remição que se pretende exercer seja deferido a um menor, pelo que se indefere o requerido no que diz respeito a tal notificação.
[…] Nos termos do disposto no art. 842 do C.P.C., aqui aplicável, aos descendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a venda.
No caso dos autos, tendo sido apreendida nestes autos ½ indivisa do prédio (…) foi ordenada a venda da totalidade de imóvel, considerando que nos autos de insolvência do comproprietário desse imóvel, C…, (…), foi apreendida a outra ½ indivisa, sendo do produto apurado com a venda transferido o valor de 50% para aqueles autos. Assim, como já resulta do despacho proferido (…) nestes autos, “não obstante o direito apreendido à ordem deste processo referente ao imóvel descrito sob a verba nº 2 corresponda apenas à quota ideal de ½, proporção do direito de compropriedade da insolvente sobre aquele imóvel – é o imóvel (melhor dizendo, o direito de propriedade plena sobre o mesmo) que em conjugação com o processo nº 2107/12.2T2AVR (…) constitui o objeto da venda a processar nos termos do art. 743º, nº 2, do CPC (venda do imóvel com subsequente repartição do respetivo produto pelos processos de insolvência de cada um dos comproprietários”.
Assim, o requerente apenas poderá exercer o direito de remir em relação à propriedade plena do imóvel em causa, por ser esse o objecto da venda.
Considerando que o mesmo, notificado, veio dizer que não pretende exercer o seu direito de remição em relação à totalidade do imóvel, mas apenas em relação a ½ indivisa, e não sendo este direito o objecto da venda nestes autos, indefiro o pedido do requerente.”.
Do assim decidido, o requerente da remição interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I]
i) O MP deveria ter sido notificado para aferir da legalidade do afastamento do menor de exercer o seu direito de remição sobre a quota ideal ½ da verba nº2 apreendida a sua mãe e adjudicada a um credor que ainda não depositou o valor de 20% como é exigível pela lei.
ii) Deveria o mesmo ter sido notificado ao abrigo dos artº 3, 5 e 6 dos Estatutos do MP e artº 21 do CPC.
iii) Ao não tê-lo feito por omissão, incorreu a juiz «a quo» numa ilegalidade anómala que deve ser decretada com todas as legais consequências … por violação da lei.
II]
i) Ao afastar o direito de remição atribuído ao requerente menor, o despacho … violou o artº 842º do CPC por erro de interpretação e aplicação e em consequência o direito constitucional da protecção da família.
ii) Ao exigir que o menor só tivesse o direito de remição sobre a propriedade plena e não sobre a compropriedade da sua mãe, o despacho favoreceu os credores violando o princípio da igualdade consignado na lei ordinária e constitucional.
iii) O despacho deve ser revogado por douto Acórdão que reconheça ao menor E… o direito ao exercício do direito de remição consagrado no artº 842º do CPC e o direito de igualdade plasmado no artº13 da Constituição da República Portuguesa.
A recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado, formulando as seguintes conclusões:
1- Não estamos perante um caso em que o M.º P.º deva representar o menor.
2- O M.º P.º não dispõe sequer de meios que lhe permitam poder exercer o direito de remição desde logo porque não dispõe de fundos que possa destinar ao pagamento do preço em questão, condição essencial para poder exercer o direito e remição.
3- O recorrente foi declarado insolvente, pelo que não pode administrar patrimónios de terceiros, logo não pode em representação do filho menor requerer a remição já que tal equivale a um ato de administração – artigo 189.º, nº 3, do CIRE e artigos 1933.º, n.º 2, a contrario, 139.º e 156.º, e 1970.º, al. a), do CC.
4- O recorrente não se opôs à decisão de proceder à totalidade do imóvel e essa sim foi a decisão que poderia ter prejudicado o direito de remição, nos moldes pretendidos pelo recorrente.
5- O direito de remição pode ser exercido sobre parte dum imóvel mas desde que a venda/adjudicação incida também apenas sobre parte do mesmo. Isso mesmo resulta do teor do artigo 842.º do PC quando fala em “pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda”.
6- O direito de remição existe para permitir que a família conserve no seu seio um bem. Ora, se esse bem, na verdade pertencia a uma família (a dois irmãos), é vendido e só uma das partes vem exercer direito de remição e apenas sobre metade apesar de ter sido concedida a possibilidade de exercer esse direito sobre a totalidade, é evidente que o objectivo da norma não se cumpre.
7 - Acresce que o exercício de tal direito não pode prejudicar os credores.
8- O direito de remição existe para permitir que em igualdade de circunstâncias seja concedido uma espécie de direito de preferência à família. Se o exercício desse direito implica que o valor do bem seja diminuído, o que esta caso é patente, tento o facto de o comprador já ter manifestado que não lhe interessa adquirir apenas metade, não pode ser concedido tal direito nos moldes requeridos.
9- Maior cuidado o impõem as circunstâncias do presente caso em que surge a remir o pai dum menor, sendo que os pais desse menor foram declarados insolventes bem como o foi o tio/comproprietário do imóvel e até mesmo os avós paternos.
Foram dispensados os vistos.
Cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se o Ministério Público devia ser notificado do incidente de remição e, na afirmativa, qual a consequência de o não ter sido.
ii) Se o direito de remição deve ser consentido em relação apenas ao direito da mãe do requerente sobre ½ indivisa do bem.

III. Os factos:
Os factos que importam para o conhecimento do recurso são os constantes do relatório que antecede.

IV. O mérito do recurso:
i) da intervenção do Ministério Público:
O requerente do direito de remição nasceu em 17 de Junho de 2010, pelo que em 7 de Junho de 2013, quando se apresentou para exercer esse direito, era ainda menor de 2 anos de idade.
Nos termos dos artigos 122.º a 124.º do Código Civil, quem ainda não tiver completado 18 anos de idade é menor, não possuindo capacidade para o exercício de direitos e sendo essa incapacidade suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela.
Tendo pais vivos e conhecidos, o menor encontra-se, por princípio, sujeito ao poder paternal dos pais, aos quais compete, em conjunto, o exercício das responsabilidades parentais (artigo 1877.º do Código Civil). No conteúdo das responsabilidades parentais encontra-se o poder de representar os filhos no exercício de todos os direitos destes (artigos 1878º, n.º 1, e 1881.º, n.º 1, do Código Civil).
Nos termos do artigo 16.º do Código de Processo Civil os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes legais, sendo que quando o exercício das responsabilidades parentais competir a ambos os pais os menores são representados por estes em juízo.
Decorre do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, que aprovou o Estatuto do Ministério Público, que compete, especialmente, ao Ministério Público, representar os incapazes.
Decorre do artigo 5.º que o Ministério Público tem intervenção principal nos processos quando representa incapazes (alínea c) mas essa intervenção principal cessa se os respectivos representantes legais a ela se opuserem por requerimento no processo. Se não cabe ao Ministério Público a representação do incapaz mas este é interessados na causa o Ministério Público só tem intervenção acessória nos processos.
E decorre do artigo 6.º do mesmo diploma que essa intervenção acessória faculta ao Ministério Público promover o que tiver por conveniente para zelar pelos interesses que lhe estão confiados, sendo os termos da intervenção os previstos na lei de processo.
O artigo 325.º do Código de Processo Civil regula precisamente a intervenção acessória do Ministério Público nos casos em que a mesma resulta do respectivo Estatuto. O nº 1 do preceito estabelece que sempre que, nos termos da respectiva Lei Orgânica, o Ministério Público deva intervir acessoriamente na causa, lhe é oficiosamente notificada a pendência da acção, logo que a instância se considere iniciada. E o n.º 2 determina que compete ao Ministério Público, como interveniente acessório, zelar pelos interesses que lhe estão confiados, exercendo os poderes que a lei processual confere à parte acessória e promovendo o que tiver por conveniente à defesa dos interesses da parte assistida.
Aplicando esta norma não só à instância principal, à acção propriamente dita, mas igualmente às instâncias dos incidentes através dos quais, sem necessidade de instauração de uma acção principal, os menores podem exercer direitos legais, como é o caso do direito de remição, no caso, estando o menor representado pelo progenitor, parece resultar que a intervenção acessória do Ministério Público era possível e para o efeito devia ter sido feita a notificação prevista no artigo 325.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que para além de ser oficiosa foi mesmo requerida pelo progenitor do menor.
Qual a consequência da omissão dessa notificação?
Nos termos do artigo 194.º do Código de Processo Civil a falta de vista ou exame ao Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória, considera-se sanada desde que a entidade a que devia prestar assistência tenha feito valer os seus direitos no processo por intermédio do seu representante.
Por sua vez o artigo 196.º do mesmo diploma estabelece que o tribunal não conhecerá da nulidade prevista no artigo 194.º se a mesma dever considerar-se sanada.
Aplicando estas normas ao caso em apreço, uma vez que o menor foi representado pelo seu progenitor e que este se aprestou a praticar, em representação do menor, os actos necessários a fazer valer o direito de remição, não tendo resultado na falta de intervenção do Ministério Público nem a omissão de qualquer acto que pudesse fazer perigar aquele direito nem qualquer dificuldade para que o representante legal do menor praticasse aqueles actos, considera-se sanada a irregularidade cometida.
Inexiste assim fundamento para anular quaisquer actos do processo, pelo que improcede a primeira questão suscitada no recurso.

ii) do objecto do direito de remição:
O direito de remição encontra o seu fundamento legal no artigo 842.º do Código de Processo Civil. Segundo esta norma o cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e os descendentes ou ascendentes do executado têm o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda.
O direito de remição pode ser definido como o direito legal do familiar do devedor, em caso de venda coerciva de bens daquele, de se substituir ao adquirente dos bens da família que foram objecto dessa venda, pagando pelos bens o valor pelo qual eles haviam sido adjudicados ou vendidos a terceiros.
Alberto dos Reis, in Processo de execução, vol. 2.º, reimpressão, págs. 477 e 478, afirmava o seguinte: “O direito de remição é nitidamente um benefício de carácter familiar. Dá-se ao cônjuge do executado e aos descendentes e ascendentes deste o direito de adquirir para si os bens adjudicados ou vendidos, pelo preço da adjudicação ou da venda. Na sua actuação prática o direito de remição funciona como um direito de preferência: tanto por tanto os titulares desse direito são preferidos aos compradores ou adjudicatários. A família prefere aos estranhos. Porque admitiu a lei esta preferência a favor da família? A razão é clara. Quis-se proteger o património familiar; quis-se evitar que os bens saíssem para fora da família. Quando se afirma que o direito de remição se comporta como um direito de preferência, não se quer significar que o direito de remição se confunda com o direito de preferência (…); direito de remição e direito de referência são noções e conceitos nitidamente diferenciados. O artigo 914.º vinca a distinção, declarando que o direito de remição prevalece sobre o direito de preferência. O efeito prático do exercício do direito de remição é igual ao do exercício do direito de preferência; mas os dois direitos têm natureza diversa, já pela base em que assentam, já pelo fim a que visam. Diversidade de fundamento: ao passo que o direito de preferência tem por base uma relação de carácter patrimonial, direito de remição tem por base uma relação de carácter familiar. No direito de preferência a razão da titularidade é o condomínio (Cód. Civil, art. …), ou o desdobramento da propriedade (Cód. Civil, art. …); no direito de remição a razão da titularidade é o vínculo familiar criado pelo casamento ou pelo parentesco (a qualidade de cônjuge, de descendente ou de ascendente). Diversidade de fim: enquanto o direito de preferência obedece ao pensamento de transformar a propriedade comum em propriedade singular, ou de reduzir a compropriedade, ou e favorecer a passagem da propriedade imperfeita para a propriedade perfeita, o direito de remição inspira-se no propósito de defender o património familiar, de obstar a que os bens saiam da família do executado para as mãos de pessoas estranhas”.
A questão que aqui cabe decidir consiste em saber se o familiar pode ser admitido a exercer o direito de remição apenas em relação à fracção de metade indivisa do bem pertencente à devedora sua mãe ou, uma vez que este foi vendido numa única venda em virtude de a outra metade indivisa do mesmo pertencente a terceiro ter sido igualmente objecto de apreensão e venda coerciva, o direito de remir terá de ser exercido sobre a totalidade do bem.
Em princípio, pela satisfação das obrigações do devedor respondem todos os bens que integram o património do devedor mas só os bens deste; os bens de terceiros apenas respondem nos casos excepcionais em que sobre eles incida direito real de garantia do crédito ou em que sobre eles o credor haja obtido a procedência de acção de impugnação pauliana.
Assim, podem ser objecto de penhora ou apreensão para a execução coerciva e posterior venda todos os bens do devedor e só os bens do devedor; se o bem for indiviso e o devedor apenas for titular de uma quota indivisa nesse bem, apenas essa quota pode ser penhorada ou apreendida e depois vendida. Consequentemente, nessa situação, na venda ou adjudicação apenas se transmite para o adquirente a quota indivisa do devedor e por força da remição que venha a ser exercida o familiar apenas adquire, tanto por tanto, a mesma quota.
Quando o artigo 842.º do Código de Processo Civil prevê que o familiar possa remir num bem adjudicado ou vendido pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda, não está a pretender estabelecer que esse direito tem sempre como objecto a totalidade do bem.
O direito de remição não pode exceder a medida do direito do executado que foi objecto da penhora ou apreensão e venda: se o objecto deste direito é a propriedade plena e exclusiva do bem, é essa propriedade que o familiar por obter para si, substituindo-se ao adquirente mediante o pagamento do preço que este pagou; mas se o objecto deste direito é apenas uma fracção indivisa do bem, foi só isso que foi adjudicado e vendido ao terceiro e, como tal, é a fracção indivisa que o familiar pode adquirir para si através do direito de remição.
Esta situação altera-se em virtude do disposto no artigo 743.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Segundo este preceito legal, quando, em execuções diversas, sejam penhorados todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efectuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido. O que daqui resulta é que se antes da venda do direito sobre um bem indiviso vierem a ser penhorados os demais direitos sobre o bem, de modo a que fique penhorada a totalidade do bem, far-se-á uma única venda em vez de se fazerem tantas vendas quantas as fracções objecto das diversas penhoras.
A afirmação normativa que se fará uma única venda não quer dizer apenas que a venda dos diversos direitos sobre o bem indiviso penhorados se fará na mesma ocasião, no mesmo acto, para que os interessados possam logo aí manifestar a sua intenção de adquirirem todos os direitos ou apenas parte deles. Essa afirmação quer antes significar que o bem é vendido por inteiro, em resultado da aglutinação da totalidade dos direitos penhorados para efeitos da sua venda em conjunto, como se o bem não fosse indiviso e os vários processos executivos tivessem sido apensados.
Esta solução tem diversas vantagens que constituem o fim social da norma. Desde logo, a vantagem de permitir que em resultado da venda se obtenha o maior produto possível uma vez que, como é razoável que aconteça, o valor económico da totalidade e exclusividade dos direitos sobre o bem supera a mera soma dos valores económicos dos vários direitos sobre o bem, no caso de este ser indiviso, ao eliminar a indisponibilidade parcial que advém da indivisão e da existência de outros contitulares.
Esta vantagem constitui um benefício para os credores que conseguem maior produto para satisfação dos seus créditos, mas também para o próprio devedor que vê o seu património mais rentabilizado, necessitando por isso de menos património para satisfazer o direito dos credores, sendo certo que o devedor não tem o direito jurídico a que os credores vejam os seus créditos insatisfeitos, tem antes a obrigação jurídica de cumprir as suas obrigações, embora possa ter o interesse prático em evitar a perda de património.
A solução tem ainda a vantagem de eliminar a situação de indivisão e, dessa forma, contribuir para a paz jurídica e social ao impedir ou eliminar os conflitos que são próprios da situação de indivisão e que resultam das normais divergências entre os vários titulares do bem indiviso quanto ao aproveitamento, administração e/ou disposição do bem.
Sendo assim, impondo o n.º 2 do artigo 743.º do Código de Processo Civil que no caso de venda de bem indiviso em que estejam penhorados todos os direitos sobre o bem, a venda seja uma única, isto é, que se vendam em simultâneo todos os direitos como se o bem não fosse indiviso, repartindo-se depois o produto da venda pelos diversos processos onde foi feita a penhora na proporção de cada direito penhorado, tem de se entender que o familiar do executado que queira exercer o direito de remição terá de o fazer em relação a todo o bem, à totalidade dos direitos sobre o bem indiviso.
Com efeito, independentemente de possuir uma natureza e regime próprios, o direito de remição é um direito de preferência especial ou qualificado, no sentido em que funciona como uma preferência: o seu titular goza do direito potestativo de se fazer substituir ao adquirente do bem, assumindo a posição de adquirente em igualdade de condições e circunstâncias que para aquele resultavam da venda e suportando o mesmo encargo que ele iria ter de suportar para adquirir o bem.
O exercício do direito de remissão não pode importar uma substituição parcial, uma substituição pelo familiar apenas em parte do direito transmitida na venda. Desde logo, porque não foi nesse pressuposto que o comprador se apresentou à venda e se propôs adquirir o bem. A sua intenção era a de adquirir o direito que foi posto à venda e o valor que ofereceu e que foi aceite correspondia ao montante que se dispôs a pagar pela aquisição da totalidade desse direito, nada garantindo que se ele soubesse que afinal iria adquirir apenas parte do direito estivesse sequer interessado na aquisição ou disposto a oferecer um valor proporcional à fracção do direito.
A circunstância de o adquirente vir a ser preterido na aquisição do bem em resultado do exercício do direito de remição não representa qualquer prejuízo para o adquirente uma vez que este acaba por não despender o preço da coisa, ficando na mesma situação em que estaria se não se tivesse apresentado à venda. Mas já geraria prejuízo para o adquirente obrigá-lo, à revelia da sua vontade, a ficar apenas titular de parte indivisa do bem e numa situação de compropriedade, sem lhe permitir sequer reponderar o preço do bem que estava disposto a pagar pela totalidade do mesmo.
Esta solução é ainda vantajosa para o próprio familiar que exerça o direito de remição, na medida em que conduz à imediata extinção da indivisão por efeito da venda executiva. Se a indivisão subsistisse apesar da remição, o familiar confrontava-se com o outro contitular do bem, o qual podia a qualquer altura instaurar uma acção de divisão de coisa comum, havendo o risco de o familiar, por efeito dessa acção, perder o direito que com a remição pretendeu manter na família ou para evitar essa perda ter de pagar um valor superior ao valor pelo qual tinha remido o direito do familiar executado.
É precisamente esta situação que nos conduz a considerar adequada e não desproporcionada a solução do artigo 743.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e o seu reflexo sobre o direito de remição do artigo 842.º do mesmo diploma.
Sendo o direito indiviso, existe sempre a possibilidade irrenunciável de qualquer dos contitulares requerer judicialmente a divisão da coisa comum, pondo termo à indivisão e operando ou a concentração do bem num dos seus titulares, recebendo os outros o valor do seu direito, ou a sua transmissão para terceiro, repartindo os titulares indivisos entre si o produto da transmissão. Nessa situação, portanto, o exercício do direito de remição não era suficiente para assegurar que o direito sobre o bem objecto da execução coerciva se manteria na família. Daí que também não se possa afirmar que qualquer agravamento das condições em que o direito de remição pode ser exercido (designadamente ao obrigar à remição sobre mais direitos sobre o bem que os titulados pelo familiar executado) tem o efeito de impedir o fim social do direito de remição, na medida em que nessa situação este já não garantia a obtenção daquele objectivo.
Não se descura que ao ter de adquirir mais que aquilo que pertencia ao executado, o seu familiar terá de despender uma quantia superior, o que pode agravar de facto a sua situação. Todavia, esse esforço acrescido é a contrapartida da aquisição de mais direitos, não havendo desproporção entre o que o familiar terá de pagar e aquilo que irá adquirir (com a vantagem de não ter de se submeter à disputa com os demais titulares indivisos), pelo que daí não advém qualquer tratamento desigual ou desproporcionado.
Por fim, refira-se que o direito de remição pode ser exercido independentemente da natureza do bem, bastando para o efeito a relação familiar entre o executado e a pessoa que se apresenta a exercer o direito, mesmo que o bem não possua qualquer relevo para o funcionamento da família, para a sua estabilidade ou consistência. Por isso se trata de um direito com consagração legal puramente ordinária que muito embora tenha na génese a preocupação da defesa das ligações das pessoas de uma família ao respectivo património familiar não se confunde nem faz parte da essência dos direitos fundamentais relativo à vida familiar. Tanto é assim que a lei não permite ao familiar remir o bem pelo seu “justo valor” ou pelo seu “valor de mercado”, mas sim pelo “produto da venda”, num sinal claro de que primeiramente se defende o direito dos credores à satisfação do seu crédito e só depois se tutelam, na medida do razoável, os interesses dos familiares do executado.
Em suma, no caso concreto, uma vez que o familiar da insolvente não pretende exercer o direito de remição sobre a totalidade do bem indiviso vendido como um todo mas apenas sobre o quinhão indiviso da sua mãe nesse bem, o seu requerimento foi correctamente indeferido, decisão que cumpre manter e que terá como consequência a devolução ao requerente do valor que depositou para exercer o direito indeferido.
Esta conclusão dispensa a abordagem das demais objecções ao exercício do direito que a recorrida suscitou na resposta às alegações de recurso, as quais, sempre se dirá, não foram invocadas pela recorrida quando foi chamada a pronunciar-se sobre o requerimento do remidor, em cuja resposta, aliás, a recorrida disse expressamente nada ter a opor ao exercício do direito de remição sobre a totalidade do bem, pelo que representariam sempre uma questão nova suscitada em primeira mão perante esta Relação, com as inerentes dificuldades de conhecimento pelo tribunal de recurso.
Acrescentar-se-á apenas que a declaração de insolvência dos pais de filhos menores não os coloca numa situação de inibição do exercício do direito de representação dos filhos e que só os inibe do exercício da administração dos bens dos filhos sujeitos ao poder paternal se e quando a insolvência for qualificada como culposa [cf. artigos 81.º e 189.º, n.º 2, alínea b), do CIRE], situação que não vem sequer alegada.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, consequentemente, negando provimento à apelação, confirmam a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente (tabela I-B).
*
Porto, 21 de Abril de 2016.
Aristides Rodrigues de Almeida
Teles de Menezes
Mário Fernandes