Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2344/12.0TBVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
REAPRECIAÇÃO INÓCUA
REPRESENTAÇÃO DE SOCIEDADE
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA
Nº do Documento: RP201405192344/12.0TBVNG-A.P1
Data do Acordão: 05/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Área Temática: .
Sumário: I- Uma manifestação genérica de inconformismo contra a generalidade da decisão da matéria de facto, sem uma concretização mínima da matéria que os recorrentes consideram incorrectamente julgada, não observa o ónus prescrito na alínea a), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil.
II- A reapreciação da decisão da matéria de facto visa obter um sustentáculo fáctico para uma certa solução para uma dada questão de direito, pelo que se a matéria de facto cuja reapreciação se requer é inócua à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de actos inúteis.
III- O artigo 163º do Código Civil não é aplicável a uma sociedade por quotas em virtude de no Código das Sociedades Comerciais existirem previsões legais que disciplinam a questão da representação e ainda porque, em todo o caso, a inexistirem essas previsões, sempre seriam aplicáveis subsidiariamente as regras do Código Civil que disciplinam o contrato de sociedade, ex vi artigo 2º do Código das Sociedades Comerciais.
IV- A declaração confessória tem que ser inequívoca (artigo 357º, nº 1, do Código Civil), não podendo como tal ser relevada a declaração contida em articulado que logo de seguida é negada por afirmação com ela contraditória.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 2344/12.0TBVNG-A.P1



Sumário do acórdão proferido no processo nº 2344/12.0TBVNG-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
1. Uma manifestação genérica de inconformismo contra a generalidade da decisão da matéria de facto, sem uma concretização mínima da matéria que os recorrentes consideram incorrectamente julgada, não observa o ónus prescrito na alínea a), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil.
2. A reapreciação da decisão da matéria de facto visa obter um sustentáculo fáctico para uma certa solução para uma dada questão de direito, pelo que se a matéria de facto cuja reapreciação se requer é inócua à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de actos inúteis.
3. O artigo 163º do Código Civil não é aplicável a uma sociedade por quotas em virtude de no Código das Sociedades Comerciais existirem previsões legais que disciplinam a questão da representação e ainda porque, em todo o caso, a inexistirem essas previsões, sempre seriam aplicáveis subsidiariamente as regras do Código Civil que disciplinam o contrato de sociedade, ex vi artigo 2º do Código das Sociedades Comerciais.
4. A declaração confessória tem que ser inequívoca (artigo 357º, nº 1, do Código Civil), não podendo como tal ser relevada a declaração contida em articulado que logo de seguida é negada por afirmação com ela contraditória.
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Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
A 29 de Maio de 2012, por apenso à acção executiva sob forma comum, para pagamento de quantia certa, com o nº 2344/12.0TBVNG, pendente no Juízo de Execução de Vila Nova de Gaia, instaurada por B........ e C........ contra D........, veio este deduzir oposição à acção executiva e à penhora pugnando pela extinção da acção executiva e pela não efectivação da penhora.
O opoente fundamenta a oposição à acção executiva na alegação de inexistência de título executivo e na excepção de não cumprimento em virtude da obtenção do alvará a que estava condicionado o pagamento da quantia peticionada pelos exequentes depender destes diligenciarem e suportarem os custos inerentes ao referido alvará, o que não se verificou, tendo o alvará sido obtido às custas do opoente e da sócia do opoente, com o dispêndio global de € 54.452,59, pelo que o executado ainda é credor dos exequentes.
No que respeita a oposição à penhora, o opoente alega que foi penhorada uma conta bancária no banco E........, entidade bancária em que o opoente não tem qualquer conta.
A oposição foi liminarmente recebida, declarando-se suspensa a acção executiva e efectuando-se a notificação dos exequentes para, querendo, deduzir contestação.
Os exequentes ofereceram contestação pugnando pela inverificação da alegada inexistência de título executivo, bem como da invocada excepção de não cumprimento, afirmando que tendo cessado os poderes de representação da sociedade “F........ Quente e Pastelaria, Lda.” por parte dos exequentes com a celebração da escritura pública de 04 de Abril de 2001, deixaram estes de poder representar aquela sociedade e assim impulsionar o processo de concessão de alvará em nome da mesma, que as despesas alegadamente efectuadas pelo opoente foram efectivamente suportadas pela sociedade “F........ Quente e Pastelaria, Lda.”, que algumas dessas despesas não são essenciais à obtenção do alvará, devendo o opoente ser condenado como litigante de má fé ao pagamento de indemnização nunca inferior aos honorários e despesas da mandatária dos exequentes na oposição à acção executiva.
O opoente pronunciou-se sobre a sua alegada litigância de má fé suscitada pelos exequentes, pugnando pela inverificação dessa litigância e suscitando por sua vez a litigância de má fé dos exequentes pedindo a condenação destes em multa condigna e indemnização consistente no reembolso das despesas a que obrigou o executado, incluindo nestas os honorários da sua mandatária.
Dispensou-se a realização de audiência preliminar, fixou-se o valor da acção no montante de € 27.431,73, proferiu-se despacho saneador julgando-se improcedente a excepção de inexistência do título executivo invocada pelo opoente, abstendo-se o tribunal a quo de proceder à condensação da factualidade pertinente, a pretexto da sua selecção ser simples.
As partes ofereceram as suas provas, requerendo todas a gravação da audiência.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento já após 01 de Setembro de 2013, respondendo-se a parte da matéria vertida na oposição à acção executiva.
Seguidamente, a 02 de Dezembro de 2013, proferiu-se sentença que julgou procedente a oposição à acção executiva e improcedente a oposição à penhora, julgando-se improcedentes os pedidos de condenação como litigantes de má fé, de cada uma das partes.
A 23 de Janeiro de 2014, inconformados com a sentença, B........ e C........ interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:
A – Violou a decisão recorrida a disposição do artº 271º do CC, ao não atribuir a um documento autêntico força probatória plena.
B – Violou a decisão recorrida o disposto no artº 163º do CC ao considerar poderem ser praticados actos em representação de sociedade comercial por quem não exerça respectiva gerência.
C - Violou, ainda, disposições 352º a 361º do CC, ao não considerar admitido pelo Oponente, em 37 do seu articulado, a existência do direito dos Recorrentes à quantia exequenda.
D - Nenhum dos documentos 1 a 5 juntos comprovam a realização pela sociedade de qualquer pagamento, por não constituírem recibo ou comprovativo de transferência.
E - O documento 5 apresentado configura uma duplicação do documento 2 e não pode ser dado como provado.
F - Nenhum dos documentos juntos comprovam a realização de despesas que possam ser conexionadas com as que a obtenção de Alvará de funcionamento implicariam.
G - A saber, nenhum desses documentos refere despesas com isolamentos acústicos, Instalação de decantadores de gordura ou com a remodelação dos sanitários.
H - Também o documento, procº 329/00 da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia não foi devidamente avaliado para efeitos de consideração sobre quem requereu o Alvará, em que qualidade, em representação de quem, bem como quem suportou respectivos encargos.
I - Da análise do mesmo resulta ter o alvará sido requerido em nome de uma sociedade pelos respectivos representantes, em cada altura da sua tramitação e de terem respectivas despesas sido sempre suportadas pela sociedade beneficiária do mesmo.
J - Também do conteúdo dos depoimentos produzidos e transcritos, como em motivação se expande, resulta provada a existência de um acordo de pagamento de 23.335,00 euros aos Recorrentes, na altura em que o alvará fosse emitido.
L - É assim porque as duas primeiras testemunhas o referem;
M - Porque a terceira testemunha o ignora ou somente «ficou com a ideia»;
N - E porque a quarta testemunha, com plena razão de ciência, o circunstancializa: havia um preço a pagar a Recorrentes de 98.335,00 euros; houve um pagamento de 50.000,00 euros e um desconto para obtenção do alvará e realização de obras, bem como pela antecipação do capital de 25.000,00 euros e os restantes 23.335,00 euros seriam pagos aquando da emissão do alvará de funcionamento da sociedade e somente no caso de este ser emitido.
O opoente contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso de apelação interposto pelos exequentes.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos[1]), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da reapreciação da matéria de facto;
2.2 Da violação dos artigos 371º[2], 163º e 352º a 361º, todos do Código Civil.
3. Fundamentos
3.1 Da reapreciação da matéria de facto
Os recorrentes alegam nas conclusões do recurso identificadas sob as alíneas D a N, o seguinte:
D - Nenhum dos documentos 1 a 5 juntos comprovam a realização pela sociedade de qualquer pagamento, por não constituírem recibo ou comprovativo de transferência.
E - O documento 5 apresentado configura uma duplicação do documento 2 e não pode ser dado como provado.
F - Nenhum dos documentos juntos comprovam a realização de despesas que possam ser conexionadas com as que a obtenção de Alvará de funcionamento implicariam.
G - A saber, nenhum desses documentos refere despesas com isolamentos acústicos, Instalação de decantadores de gordura ou com a remodelação dos sanitários.
H - Também o documento, procº 329/00 da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia não foi devidamente avaliado para efeitos de consideração sobre quem requereu o Alvará, em que qualidade, em representação de quem, bem como quem suportou respectivos encargos.
I - Da análise do mesmo resulta ter o alvará sido requerido em nome de uma sociedade pelos respectivos representantes, em cada altura da sua tramitação e de terem respectivas despesas sido sempre suportadas pela sociedade beneficiária do mesmo.
J - Também do conteúdo dos depoimentos produzidos e transcritos, como em motivação se expande, resulta provada a existência de um acordo de pagamento de 23.335,00 euros aos Recorrentes, na altura em que o alvará fosse emitido.
L - É assim porque as duas primeiras testemunhas o referem;
M - Porque a terceira testemunha o ignora ou somente «ficou com a ideia»;
N - E porque a quarta testemunha, com plena razão de ciência, o circunstancializa: havia um preço a pagar a Recorrentes de 98.335,00 euros; houve um pagamento de 50.000,00 euros e um desconto para obtenção do alvará e realização de obras, bem como pela antecipação do capital de 25.000,00 euros e os restantes 23.335,00 euros seriam pagos aquando da emissão do alvará de funcionamento da sociedade e somente no caso de este ser emitido.
Face ao conteúdo das conclusões do recurso que antes se reproduziram e tendo ainda em atenção que no corpo das alegações de recurso, em ordem a identificar o objecto da impugnação da matéria de facto, apenas se refere no ponto 31 que a factualidade dada como provada não deve assim ser considerada, importa determinar se os recorrentes observaram minimamente os ónus que impendem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto.
Nos termos do disposto no nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, que significativamente tem como epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, “[q]uando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
d) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).
É já um lugar comum a afirmação de que os ónus impostos ao recorrente que pretende sindicar o julgamento da matéria de facto visam combater uma indiscriminada e vaga manifestação contra o julgamento de facto, obrigando o recorrente a uma tomada de posição precisa quanto aos pontos de facto que entende mal julgados, à decisão que na sua óptica deveria ter sido adoptada relativamente a cada um desses pontos e ainda à indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da tomada[3]. Além disso, esses ónus processuais ajustam-se ao figurino paradigmático dos recursos no nosso sistema processual enquanto recursos de revisão ou de reponderação[4].
Salvo melhor opinião, o que será absolutamente necessário para que o recurso relativo à matéria de facto possa ser apreciado é que os pontos do julgamento da matéria de facto postos em crise, bem como as razões da discordância do recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto se compreendam, de forma inequívoca. Nalgumas situações, deverá convidar-se o recorrente a proceder aos necessários aperfeiçoamentos, desde que tal não implique a apresentação de novas alegações[5].
Importa ainda referir que no caso de impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de primeira instância, embora o Tribunal da Relação deva apreciar a matéria impugnada efectuando uma apreciação autónoma da prova produzida, no sentido de que o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes a apreciação e valoração da prova produzida, labor que contudo se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto. Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento[6]. Se assim não fosse, a impugnação da matéria de facto não constituiria um verdadeiro recurso, como sucede no nosso direito constituído, mas antes um meio processual de provocar uma repetição, ainda que parcial, do julgamento da matéria de facto.
Expostas estas notas gerais sobre alguns dos ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, é tempo de nos debruçarmos sobre o caso concreto.
A nosso ver, no caso em análise, importa apurar se os recorrentes identificaram, de forma directa ou indirecta, mas de forma inequívoca, os pontos de facto que consideram incorrectamente julgados.
As conclusões das alegações que incidem sobre questões de facto, acima reproduzidas, ostensivamente, não contêm qualquer identificação da matéria de facto impugnada. Apenas no corpo das alegações, no ponto 31, se refere, genericamente, que com base nos depoimentos testemunhais, deve a factualidade dada como provada ser julgada não provada. É esta referenciação bastante para observar o ónus imposto pela alínea a), do nº 1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil?
A nosso ver, a indicação constante do ponto 31 do corpo das alegações de recurso é claramente genérica e em si mesma contraditória com alguns dos fundamentos do recurso, pois que, a ser relevada, levaria a que se reapreciasse matéria de facto plenamente provada. Trata-se de uma manifestação genérica de inconformismo contra a generalidade da decisão da matéria de facto, sem uma concretização mínima da matéria que os recorrentes consideram incorrectamente julgada, sendo notório que os recorrentes apenas pretendem que o tribunal de recurso proceda a novo julgamento do caso, com base na totalidade das provas que foram produzidas nos autos, para tanto transcrevendo a totalidade dos depoimentos que foram produzidos na audiência de discussão e julgamento[7].
Ora, a impugnação da decisão da matéria de facto, ainda que possa abarcar a totalidade da decisão da matéria de facto, requer, antes de mais, a identificação inequívoca da factualidade que se pretende impugnar, assim se delimitando o objecto da reapreciação por parte do tribunal ad quem, não sendo admissível uma referência genérica, como aquela que foi efectuada pelos recorrentes e que, inclusivamente, a ser tomada à letra levaria à impugnação dos próprios factos alegados pelos recorrentes, no requerimento inicial executivo.
A falta de indicação dos concretos pontos de facto que os recorrentes consideram incorrectamente julgados é no caso concreto insuprível porquanto essa especificação não é feita no corpo das alegações e apenas podem ser aperfeiçoadas as conclusões das alegações, no pressuposto que as alegações contêm aquilo que ali faltou. Verificando-se a inobservância do ónus imposto na alínea a), do nº 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil quer no corpo das alegações, quer nas conclusões das alegações, esse défice não é passível de ser suprido, devendo a impugnação da decisão da matéria de facto ser rejeitada, nos termos previstos no nº 1, do citado artigo.
Porém, no caso em apreço, embora não haja uma indicação directa da matéria impugnada, quanto a parte dela existe uma indicação indirecta que permite, inequivocamente, identificar como objecto da pretensão de reapreciação dos recorrentes a matéria referente às despesas realizadas para obtenção do alvará e que consta do ponto 18 dos fundamentos de facto da sentença recorrida.
A questão que se coloca é a seguinte: é esta matéria juridicamente relevante, qualquer que seja a decisão que sobre a mesma venha a ser proferida à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito a solucionar?
Na perspectiva dos recorrentes a relevância desta matéria resulta do recorrido ter confessado ser devedor aos exequentes da quantia exequenda, tanto assim que pretendeu compensá-la com as despesas que alegadamente efectuou para obter o alvará de utilização (artigo 37º da petição de embargos).
Na nossa perspectiva, há aqui uma falácia dos recorrentes, desde logo porque de acordo com a alegação do recorrido pretender-se-ia uma compensação da quantia exequenda com despesas efectuadas pelo opoente e pela sócia do opoente, e não com despesas efectuadas pela sociedade a quem respeitava o alvará de utilização (num tal cenário faltaria a reciprocidade dos créditos indispensável para que a compensação pudesse operar), como veio, a final, a ficar provado, em certa medida em consonância com aquilo que foi alegado pelos ora recorrentes na contestação à oposição.
Porém, depois do que alegou nos artigos 35 a 37 e 43 da oposição e que aparentemente envolveriam um reconhecimento da pretensão exequenda, o recorrido alegou matéria que implica o não reconhecimento dessa mesma pretensão (vejam-se os artigos 39 a 42 da oposição).
Ora, como é sabido, a declaração confessória tem que ser inequívoca (artigo 357º, nº 1, do Código Civil) e no quadro que se vem de delinear, a posição assumida pelo opoente na petição de oposição tem elementos contraditórios que obstam a que se possa concluir que essa peça processual envolve o inequívoco reconhecimento da pretensão exequenda.
A pretensão de reapreciação do ponto 18 dos fundamentos de facto da sentença recorrida só se justificaria se acaso se pudesse afirmar, como afirmam os recorrentes, que o executado confessa a pretensão exequenda. Não sendo esse o caso, pelo que antes se expôs e porque em qualquer caso a matéria contida no referido ponto dos fundamentos de facto é por si inidónea para servir de base a uma extinção por compensação parcial da pretensão exequenda, conclui-se que a reapreciação dessa matéria de facto é inócua, à luz das diversas soluções plausíveis das várias questões de direito. Por isso, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava antes da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e a que corresponde actualmente o artigo 130º do vigente Código de Processo Civil, aprovado pela lei que antes se citou).
Assim, face ao exposto, indefere-se a reapreciação do ponto 18 dos fundamentos de facto da sentença recorrida e, no mais, ao abrigo do disposto no artigo 640º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelos recorrentes, mantendo-se intocada a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo.
3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida que não foram eficazmente impugnados e que se mantêm porquanto não se divisa qualquer fundamento legal para a sua alteração oficiosa
3.2.1
Por escritura de 04-04-2001 realizada no Cartório Notarial de Esposende, denominada de “Cessão de Quotas e Alteração Parcial de Pacto” em que tiveram intervenção como primeiros outorgantes os exequentes B........ e mulher C........ e como segundos outorgantes o aqui Oponente D........ e mulher G........, os primeiros começaram por declarar serem [os como segunda outorgante H........ e como terceiros outorgantes os exequentes B........ e mulher C........, estes últimos começaram por declarar serem[8]] “os actuais e únicos sócios da sociedade comercial por quotas “F….. Quente e Pastelaria, Limitada” …, sendo o capital social, integralmente realizado em dinheiro, de cento e trinta e sete mil euros, dividido em duas quotas iguais de sessenta e oito mil e quinhentos euros, pertencendo uma a cada um dos sócios B........ e C.........
3.2.2
Mais declararam fazer as seguintes cessões de quotas (que os segundos outorgantes declaram aceitar):
“A) Cedem ao segundo outorgante D........, a quota com o valor nominal de sessenta e oito mil e quinhentos euros, de que é titular o outorgante marido, pelo preço de OITENTA E UM MIL EUROS, equivalente a dezasseis milhões duzentos e trinta e nove mil e quarenta e dois escudos; e
B) Cedem à segunda outorgante G........, pelo preço de OITENTA E UM MIL EUROS, equivalente a dezasseis milhões duzentos e trinta e nove mil e quarenta e dois escudos, a quota com o valor nominal de sessenta e oito mil e quinhentos euros, de que é titular a outorgante mulher.
3.2.3
Referem ainda “que, neste acto receberam dos cessionários a importância de VINTE E CINCO MIL EUROS, equivalente a cinco milhões vinte e dois mil e setenta e quatro escudos, de que dão a competente quitação” e “que a restante importância em dívida de CENTO E TRINTA E SEIS MIL NOVECENTOS E CINQUENTA EUROS, equivalente a vinte e sete milhões quatrocentos e cinquenta e seis mil e dez escudos, deverá ser paga da seguinte forma:
- Em cento e dez prestações mensais e iguais no valor de mil e duzentos e quarenta e cinco euros, equivalente a duzentos e quarenta e nove mil e seiscentos escudos, que se encontram representadas por igual número de letras, vencendo-se a primeira no próximo dia três de Maio e as restantes em igual dia dos meses subsequentes.
- Que estas cessões são feitas com todos os direitos e inerentes obrigações, e com renúncia dos cedentes à gerência da sociedade.
- Que os cedentes reservam o direito de propriedade das referidas quotas, até integral pagamento do preço”.
3.2.4
Por escritura de 04-02-2004 realizada no Primeiro Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, denominada de “Cessão de Quota, Revogação de Reserva de Propriedade e Alteração Parcial de Pacto” em que tiveram intervenção como primeiros outorgantes o aqui Oponente D........ e mulher G........, como segunda outorgante H........ e como terceiros outorgantes os exequentes B........ e mulher C........, estes últimos começaram por declarar “que, pela presente escritura, revogam a cláusula de reserva de propriedade que a seu favor recai sobre a totalidade das quotas na sociedade “F….. Quente e Pastelaria, Lda.” que adiante vai identificar, autorizando consequentemente o seu cancelamento na respectiva Conservatória do Registo Comercial, em virtude de neste acto receberam a restante parte do preço ainda em dívida, das cessões de quotas que efectuaram, como se vê pelas quotas três e quatro, objecto de registo comercial”.
3.2.5
Em seguida, os primeiros outorgantes declararam “que são os únicos e actuais sócios da sociedade comercial por quotas “F…. Quente e Pastelaria, Lda.” …, sendo o capital social, integralmente realizado em dinheiro, de cento e trinta e sete mil euros, dividido em duas quotas iguais de sessenta e oito mil e quinhentos euros, pertencendo uma a cada um dos sócios D........ e G........”.
3.2.6
Mais declarando “que, pela presente escritura, cedem à segunda outorgante H........, que declara aceitar tal cessão, aquela quota de sessenta e oito mil e quinhentos euros, de que é titular a outorgante mulher” e “que a cessão é feita pelo preço de oitenta a um mil euros, com todos os direitos e inerentes obrigações.
3.2.7
Os terceiros outorgantes os exequentes B........ e mulher C........ declararam “que já receberam o preço em dívida relativamente às cessões de quotas que haviam efectuado”, declarando todos os outorgantes que “Logo que seja concedido à sociedade “F….. Quente e Pastelaria, Lda.” o alvará para a actividade de cafetaria, pastelaria e pão quente com fabrico próprio, os sócios D........ e H........, ficam obrigados a pagar aos terceiros outorgantes B........ e mulher C........ a importância de vinte e três mil trezentos e trinta e cinco euros”.
3.2.8
No âmbito do Proc. nº 329/00, e na sequência de despacho de 16-10-2007, foi emitido o Alvará de Utilização nº 575/07 que titula a autorização de utilização da fracção autónoma “A” do edifício sito em …., Nº …., da freguesia de VILAR DO PARAISO, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o nº 823 a que corresponde o alvará de licença de obras de alteração n.º 253/07, emitido em 2007/02/26, a favor de F….. QUENTE E PASTELARIA, LDA., registado na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia em 2007/10/25.
3.2.9
Por notificação judicial avulsa datada de 09-11-2011, os exequentes interpelaram o executado D........ e H........ para cumprirem a obrigação assumida nos termos id. em 4. no prazo máximo de 30 dias, sendo que tal interpelação apenas foi concretizada em relação ao executado D........ em 22-11-2011.
3.2.10
Os exequentes quando autorizaram o cancelamento da reserva de propriedade, porque receberam o restante preço, que detinham na referida sociedade, acordaram com o executado e a sua sócia H........, que, logo que fosse concedido o alvará ao estabelecimento comercial que a sociedade explorava, o executado e a sua sócia lhes pagaria € 23.335,00.
3.2.11
Mas quem ficou obrigado a obter o alvará eram os exequentes e não o executado e sua sócia.
3.2.12
Na escritura de cessão de quota e revogação de reserva de propriedade realizada no dia 4 de Fevereiro de 2004, todos os outorgantes D........ e mulher G........, H........ decla[ra]ram que:
“Logo que seja concedido à sociedade “F….. Quente e Pastelaria, Lda.” o alvará para a actividade de cafetaria, pastelaria e pão quente com fabrico próprio, os sócios D........ e H........, ficam obrigados a pagar aos terceiros outorgantes B........ e mulher C........ a importância de vinte e três mil trezentos e trinta e cinco euros”.
3.2.13
Os exequentes sempre fizeram crer ao executado e sua sócia H….. que estavam a diligenciar no sentido de obter o alvará, a expensas dos exequentes, e que o mesmo estaria prestes a ser concedido.
3.2.14
Mas nunca mais os exequentes praticaram qualquer acto nesse sentido.
3.2.15
Meses após meses, e sem que os exequentes nada informassem o executado e a sua sócia, estes ficaram a saber que aqueles, afinal, nada fizeram, e o processo foi arquivado por falta de elementos que os exequentes não forneceram à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia.
3.2.16
O pedido de licenciamento requerido pelos exequentes datava do ano de 2000 - proc. nº 329/00.
3.2.17
Os exequentes não lhes entregavam o alvará.
3.2.18
Para obtenção do Alvará foi necessário a sociedade “F….. Quente, Pastelaria, Ldª” despender as seguintes quantias: € 9.453,00, € 2.930,00, 1.443,93, € 1.259,89, € 2.930,27.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da violação dos artigos 371º, 163º e 352º a 361º, todos do Código Civil
Os recorrentes pugnam pela revogação da decisão recorrida imputando-lhe a violação dos artigos 371º, 163º e 352º a 361º, todos do Código Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
Os recorrentes afirmam que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 371º do Código Civil, em virtude de não ter atribuído força probatória plena a um documento autêntico, no caso, se bem interpretamos esta alegação dos recorrentes, o título exequendo, ou seja, a escritura pública celebrada a 04 de Fevereiro de 2004, no Primeiro Cartório Notarial da Póvoa de Varzim.
Ora, basta ler a fundamentação de facto da sentença recorrida, para verificar que esta imputação dos recorrentes não corresponde à realidade.
A sentença recorrida reconheceu ao título exequendo força probatória plena nos termos previstos no nº 1, do artigo 371º do Código Civil e porque assim procedeu consignou na factualidade provada os factos exarados sob o nº 3.2.4 a 3.2.7 dos fundamentos de facto deste acórdão.
A questão que se poderia colocar e que os recorrentes não colocaram, era a da admissibilidade de prova testemunhal para prova de cláusulas adicionais, nos termos previstos no nº 1, do artigo 394º do Código Civil, questão que a proceder, poderia inviabilizar praticamente a demonstração probatória de parte da factualidade alegada pelo opoente para fundamentar a oposição à execução.
Deste modo, conclui-se que a sentença sob censura não violou o artigo 371º do Código Civil.
Os recorrentes afirmam que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 163º do Código Civil por considerar que podem ser praticados actos em representação de sociedade comercial por quem não exerça a respectiva gerência.
Na nossa perspectiva há aqui um equívoco dos recorrentes porquanto em lado algum consta na decisão recorrida a afirmação de que podem ser praticados actos em representação de sociedade comercial por quem não exerça a respectiva gerência.
Na verdade, na decisão sob censura, no que esta questão respeita apenas se afirmou que a “falta de legitimidade invocada pelos ora recorrentes não passa de uma falsa questão, pois que poderia ser facilmente ultrapassada, não se podendo olvidar que está em causa um procedimento que, supostamente, estaria quase concluído”. Esta afirmação da decisão recorrida é, aliás, de todo pertinente, bastando para tanto atentar no que dispõe o nº 6, do artigo 252º do Código das Sociedades Comerciais: “O disposto nos números anteriores não exclui a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.
Assim, pelo que precede, conclui-se que a decisão recorrida não violou o disposto no artigo 163º do Código Civil, desde logo, porque tal normativo é inaplicável à hipótese dos autos, por existir previsão legal expressa sobre a representação da sociedade por quotas no seio do Código das Sociedades Comerciais e, ainda que assim não fosse, porque nessa eventualidade, seriam aplicáveis as regras que disciplinam as sociedades civis, ex vi artigo 2º do Código das Sociedades Comerciais e não as regras que disciplinam as pessoas colectivas.
Apreciemos agora se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 352º a 361º do Código Civil.
Quando apreciámos a relevância da matéria vertida no ponto 18 dos fundamentos de facto da sentença sob censura para aferirmos da necessidade da sua reapreciação, logo se adiantou e aqui se repete “que depois do que alegou nos artigos 35 a 37 e 43 da oposição e que aparentemente envolveriam um reconhecimento da pretensão exequenda, o recorrido alegou matéria que implica o não reconhecimento dessa mesma pretensão (vejam-se os artigos 39 a 42 da oposição).
Ora, como é sabido, a declaração confessória tem que ser inequívoca (artigo 357º, nº 1, do Código Civil) e no quadro que se vem de delinear, a posição assumida pelo opoente na petição de oposição tem elementos contraditórios que obstam a que se possa concluir que essa peça processual envolve o inequívoco reconhecimento da pretensão exequenda.
Por isso, conclui-se que a sentença sob censura não violou as regras de direito civil que disciplinam a confissão e constantes dos artigos 352º a 361º, todos do Código Civil.
Pelo exposto, improcede o recurso de apelação interposto por B........ e C........, respondendo estes pelas custas respectivas, ex vi artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
5. Dispositivo
Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por B........ e C........ e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida proferida a 02 de Dezembro de 2013, nos segmentos impugnados.
Custas a cargo dos recorrentes, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de dezasseis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 19 de Maio de 2014
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
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[1] Uma vez que a decisão recorrida data de 02 de Dezembro de 2013 e foi proferida em processo instaurado após 01 de Janeiro de 2008, aplicando-se por maioria de razão o disposto no artigo 7º, nº 1, da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, é aplicável ao presente recurso o Código de Processo Civil aprovado pela lei que se acaba de citar.
[2] Na conclusão A os recorrentes invocam a violação do artigo 271º do Código Civil. Porém, atentando no conteúdo das alegações, especialmente ao ponto 5, parece não subsistirem dúvidas que a citação do artigo 271º do Código Civil, resultou de mero lapso, pretendendo efectivamente aludir-se ao artigo 371º do Código Civil.
[3] Repare-se que a lei não indica em que segmento das alegações devem ser observados os referidos ónus. Na nossa perspectiva, essas especificações devem decorrer quer do corpo das alegações propriamente ditas, local onde de modo desenvolvido se exporão os pontos de facto impugnados, a proposta de decisão, bem como as razões dessa impugnação, quer das conclusões das alegações, segmento do recurso que de forma resumida, precisa e incisiva delimitará o objecto do recurso. Dada a função das conclusões das alegações, a indicação dos pontos de facto impugnados é o que aí se nos afigura imprescindível.
[4] Sobre esta classificação veja-se, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora 2009, Armindo Ribeiro Mendes, páginas 50 a 51.
[5] Neste sentido, que nos parece mais conforme com as exigências de prevalência do fundo sobre a forma visadas pela Reforma do Processo Civil operada pelo decreto-lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro e pelo decreto-lei nº 180/96, de 25 de Setembro, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09 de Outubro de 2008, relatado pela Sra. Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, no processo nº 07B3011 (em sentido oposto, dando conta da posição maioritária do Supremo Tribunal de Justiça no mesmo sentido, veja-se o acórdão de 09 de Fevereiro de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, no processo nº 1858/06.5TBMFR.L1.S1). Esta interpretação é também a que conduz a uma congruência dos poderes de actuação do tribunal em primeira e em segunda instância, evitando-se o contubérnio de um processo civil em primeira instância que dá prevalência ao fundo sobre a forma com um outro processo civil em segunda instância hiperformalista que se desinteressa pela finalidade última que corresponde à instrumentalidade do processo e que é a resolução substancial do litígio que opõe as partes. Nos recursos a que se aplique o regime introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, como é o caso do recurso objecto destes autos, face à estatuição de imediata rejeição do recurso sobre a matéria de facto no caso de inobservância do disposto no nº 2, alínea a), do artigo 640º, do Código de Processo Civil, este procedimento não será viável. Ainda assim, mesmo neste novo regime, cremos que nos casos de recurso que vise impugnação da matéria de facto, quando se detectem vícios nas conclusões do recurso, no que respeita essa impugnação, será viável o aperfeiçoamento das conclusões por força do disposto no artigo 639º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicado por analogia. Além disso, é de questionar a conformidade constitucional da estatuição de imediata rejeição do recurso que vise a impugnação da matéria de facto nos termos previstos na alínea a), do nº 2, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, por poder configurar-se como um ónus excessivo e desproporcionado atentatório do direito fundamental de acesso ao direito (sobre esta questão veja-se com pertinência, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora 2010, 2ª edição Jorge Miranda e Rui Medeiros, páginas 439 e 440).
[6] Sobre esta questão veja-se, António Santos Abrantes Geraldes in Julgar, nº 4, Janeiro/Abril 2008, Reforma dos Recursos em Processo Civil, páginas 74 a 76. Porém, bastará a detecção de um erro de julgamento, não tendo que se constatar um erro notório na apreciação e valoração da prova (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2010, proferido no processo nº 241/05.4TTSNT.L1.S1, acessível no site da DGSI).
[7] Repare-se que os recorrentes expõem os fundamentos do recurso ao longo de sete páginas e meia e oferecem uma transcrição, alegadamente integral, dos depoimentos produzidos em audiência composta de setenta e oito páginas.
[8] Este segmento entre parênteses recto e a negrito, além de envolver repetições incompreensíveis é em si mesmo dificilmente explicável, parecendo dever-se a simples lapso do tribunal a quo, atento o conteúdo do documento autêntico junto de folhas 26 verso a 28 verso.