Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0631569
Nº Convencional: JTRP00039040
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: ALIMENTOS
Nº do Documento: RP200604060631569
Data do Acordão: 04/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 665 - FLS. 148.
Área Temática: .
Sumário: I- O direito a alimentos é um direito actual, não podendo aplicar-se ao passado, atentas as regras nemo alitur in praeteritum e in praeteritum non vivitur - ou de que os “aliments ne s`arréragent pás”.
II- Como tal, os alimentos só são devidos a contar da data da constituição em mora do obrigado ou do pedido judicial, factos idóneos para dar conhecimento ao obrigado da exigência do alimentando (ut artº 2006º Cód. Civil).
III- De resto, não tendo nenhum tribunal sido chamado a pronunciar-se viavelmente sobre um pedido de alimentos após ponderação dos legais requisitos, não é possível condenar o Réu (um dos progenitores) em alimentos face ao contido no art. 2004 do c. Civil,
IV- Uma coisa é a exigibilidade da obrigação de alimentos e outra - bem diferente-- o nascimento dessa obrigação.
V- Também não é possível exigir-se alimentos do passado com base no instituto do enriquecimento sem causa, quer porque o enriquecimento tem de ser actual, quer atento o carácter ou natureza subsidiária deste instituto o (ut artº 474º CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No ….º Juízo do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, B……, residente na Rua ….., …, ….., Póvoa de Varzim, intentou acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra C….., residente na Rua …., .., …., Póvoa de Varzim.

Pede:
Que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 22.634,94 euros (4.537.900$00).

Alega:
Que em 27 de Novembro de 1976 nasceu D……, que foi registado na Conservatória do Registo Civil apenas como filho de B……., aqui autora.
Não existiu perfilhação pelo pretenso pai, pelo que foi intentada “Acção Oficiosa para Averiguação de Paternidade” contra o aqui réu D….. .
Na altura aludida não logrou o filho da autora o reconhecimento da paternidade.
O filho da autora propôs no Tribunal de Círculo de Vila do Conde “Acção Ordinária de Averiguação de Paternidade” contra o seu pretenso pai e aqui réu, tendo o processo corrido os seus termos até que por decisão de 21 de Dezembro de 2001, já transitada em julgado, foi declarado que o filho da autora D…… era filho do réu C…… .
Por averbamento ao assento de nascimento do filho de ambos foi declarada a paternidade do autor.
Desde o nascimento do filho da autora e réu em 1976 até à idade de 18 anos deste, o réu C……. não contribuiu com qualquer quantia ou valor de outra natureza para o sustento de seu filho.
Assim, o incumprimento do réu - por não ter pago a sua parte nas aludidas despesas com alimentos do filho de ambos -- enriqueceu ilegitimamente o seu património à custa do património da autora, que o viu empobrecer em 22.634,94 euros (4.537.900$00).

Regularmente citado o réu invocou a ineptidão da petição inicial, alegando ainda que os alimentos apenas são devidos desde a propositura da acção e têm de corresponder às necessidades do alimentando e às possibilidades do obrigado, no momento. E como nenhuma acção foi posta, não tem a autora direito ao peticionado, pelo que conclui pela improcedência da acção.

Replicou a autora alegando que não vem pedir alimentos, mas antes o valor que cabia ao réu prestar atenta a paternidade entretanto reconhecida e que só a autora prestou ao longo de todo o crescimento do filho de ambos, com a sua alimentação, educação, etc.

Realizou-se audiência preliminar no decurso da qual se elaborou o despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as excepções invocadas .
Procedeu-se à selecção dos factos considerados assentes e dos controvertidos, que passaram a integrar a base instrutória.
Feitas todas as diligências probatórias, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, cumprindo-se todos os trâmites legais.
Finda a produção da prova, o Tribunal respondeu à matéria da base instrutória em conformidade e com a fundamentação constante do despacho de fls. 69 a 71, o qual não foi objecto de qualquer reclamação.
As partes apresentaram alegações nos termos do disposto no art. 657º do Código de Processo Civil.

Foi proferida sentença, julgando-se a acção parcialmente procedente e condenando-se o réu a pagar à autora a quantia de 5.523,18 euros.

Inconformado com o sentenciado, veio o réu recorrer apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES:
“a) O princípio "In praeteritum non vivitur" informador do preceito do art. 2006 do C. Civil mantém-se intocável.
b) Os alimentos são devidos desde a propositura da acção.
c) Inexistindo acção interposta nem acordo, o Réu de nada era devedor, sendo certo que se alguém prestou em vez do Réu, prestou em vez de quem não devia, não deve e nunca deveu.
d) De resto, impossível era condenar o Réu em alimentos face ao contido no art. 2004 do c. Civil, já que nenhum tribunal foi chamado a pronunciar-se viavelmente após ponderação dos legais requisitos.
e) Violados, pois, por erro de interpretação e aplicação os art.s 2004 e 2006 do C. Civil.
f) A sentença recorrida não se pronunciou sobre as excepções suscitadas, achando-se assim, ferida de nulidade nos termos da alínea d) do n° 1 do art. 668 do C. P. Civil.
g) Apenas ficou apurado que a A. proporcionou, doando, ao filho os meios e quantias constantes das respostas à Base Instrutória .
h) Violado, pois, o disposto no art. 473 e seg.s do C. Civil.

Termos em que dando-se provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva o Réu dos pedidos,
Se Fará Inteira Justiça”.

Contra-alegou a autora/apelada, sustentando a improcedência da apelação.

Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

As questões a resolver são as seguintes:
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia ( al. d) do nº 1 do artº 668º CPC);
- Se pode o réu ser condenado a pagar metade das despesas prestadas pela autora com o filho de ambos -- que esteve a cargo dela desde o nascimento até à maioridade - sem ter havido acção judicial com decisão a condenar o aludido progenitor na prestação de alimentos ao filho, ou ocorrido acordo de ambos os progenitores para o efeito;
- Se o direito da autora ao pagamento pelo réu de metade das aludidas despesas que teve com o filho de ambos pode basear-se no instituto do enriquecimento sem causa.

II. 2. FACTOS PROVADOS:

No Tribunal a quo deram-se como provados os seguintes factos:
1. Em 27 de Novembro de 1976 nasceu D……., que foi registado na Conservatória do Registo Civil apenas como filho de B……, aqui autora.
2. Não existiu perfilhação pelo pretenso pai, pelo que foi intentada “Acção Oficiosa para Averiguação de Paternidade” contra o aqui réu C….. .
3. Na altura aludida em 2) não logrou o filho da autora o reconhecimento da paternidade.
4. O filho da autora propôs no Tribunal de Círculo de Vila do Conde “Acção Ordinária de Averiguação de Paternidade” contra o seu pretenso pai e aqui réu, tendo o processo corrido os seus termos até que por decisão de 21 de Dezembro de 2001, já transitada em julgado, foi declarado que o filho da autora D…… era filho do réu C….. .
5. Por averbamento ao assento de nascimento do filho de ambos foi declarada a paternidade do autor.
6. Desde o nascimento do filho da autora e réu em 1976 até à idade de 18 anos deste, o réu C….. não contribuiu com qualquer quantia ou valor de outra natureza para o sustento de seu filho.
7. Durante os 18 anos da menoridade do filho da autora e réu, aquela gastou com a alimentação do filho o valor de 15,00 euros mensais até aquele atingir 6 anos de idade;
8. No ensino básico, com o aumento das despesas em livros, roupa e outras necessidades, a autora gastou com o seu filho o valor de 30,00 euros;
9. O filho da autora e réu foi sujeito e uma intervenção cirúrgica no Hospital de S. João do Porto, quando tinha cerca de quatro anos de idade;
10. O filho da autora e réu aos 10 anos de idade foi matriculado no Ciclo e as despesas de livros e de roupas aumentaram, tendo a autora gasto 50,00 euros;
11. Aos 12 anos de idade, e terminado o ciclo, o filho da autora matriculou-se para continuar os estudos até aos 18 anos, tendo a autora despendido nesses 6 anos uma média de 80,00 euros mensais;
12. No 11° e 12° anos de escolaridade o filho da autora e réu teve também explicações de matemática e teve de pagar 39,90 euros mensais, durante 18 meses.
13. Durante os estudos no ciclo e depois até ao 12° ano incluído, o filho de autora e réu transportava-se de Beiriz à Escola com um passe cujo preço foi de 4,98 mensais, e almoçava na cantina da Escola pelo preço de 0,34 euros diários.
14. O passe aludido em 13) foi adquirido durante 9 meses e pelo período de 8 anos.
15. E as despesas na cantina referidas em 13) foram pagas durante 5 dias na semana, durante 9 meses e pelo período de 8 anos.”


III. O DIREITO:

O apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a bondade da relação dos factos dada como assente na primeira instância.
Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não alveja razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC).

Apreciemos, então, as questões suscitadas nas conclusões das alegações do apelante.

Primeira questão: nulidade da sentença por omissão de pronúncia (al. d) do nº 1 do artº 668º CPC):

Entende o apelante que a sentença é nula pelo facto de não se ter pronunciado sobre a matéria de excepção vertida na contestação, qual seja, de que não lhe são exigíveis alimentos face ao disposto nos artsº 2004º e 2006º do CC.

É um facto que o autor alegou matéria tendente à demonstração da inviabilização da pretensão da autora - bem como alegou a ineptidão da petição inicial.
No entanto, sobre isso já se pronunciou o tribunal a quo no despacho saneador, como claramente se vê a fls. 37 a 39.
Ali foram julgadas improcedentes as invocadas excepções (“de ineptidão e prescrição”) e se entendeu deixar prosseguir a acção para aferir da viabilidade da pretensão da autora com base no instituto do enriquecimento sem causa. Veja-se que ali se escreveu ( fls. 39) que “a autora não pretende pedir alimentos para o filho ou para si, mas antes exigir do réu, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, o valor que lhe cabia prestar ao filho para o seu sustento e que nunca prestou,…”.
Assim foi configurado o pedido e a causa de pedir e foi nessa baliza que a acção prosseguiu.
Assim sendo, logo resulta que na sentença foram apreciadas as questões suscitadas, que se reduzem, afinal, em saber se a autora pode exigir do réu (ex-marido) o pagamento de metade do que despendeu com o “sustento” do filho de ambos até este atingir a maioridade.

Lembra-se, no entanto, ao apelante que, como expende o Cons. Rodrigues Bastos (in "NOTAS ao CPC , Vol. III, 3ª Ed., págs. 195), “. ."A nulidade prevista na al. d) do nº 1 está directamente relacionada com o comando que se contém no nº2 do artº 660º servindo de cominação ao seu desrespeito ... É a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre «questões» a decidir e «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença".
Isto é, a omissão de pronúncia existe apenas e quando o juiz não considere as questões postas ao tribunal e já não no referente aos fundamentos (argumentos) de facto e de direito produzidos pelas partes em sustentação do seu ponto de vista (ver., ainda, entre outros, os Acs. do STJ, Bol. M.J., 263º-187, 371º-374, 391º-565, 425º-450).
“Questões para efeito do disposto no nº 2 do artº 660º do CPC são, em primeiro lugar, as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, excepções, reconvenção)”- Prof. Alberto dos Reis, in C.P.C. Anotado, V, 143.
Ora, como vimos, as excepções suscitadas pelo ora apelante na sua douta contestação foram apreciadas no despacho saneador e ali se deixaram prosseguir os autos para apreciação da questão central aqui trazida pela autora/apelada e supra explicitada. E tal questão foi apreciada e decidida na sentença. Se bem ou mal, é o que neste recurso iremos apreciar - o que nada tem a ver com eventual nulidade de sentença.

Improcede esta primeira questão.

Segunda questão: se pode o réu ser condenado a pagar metade das despesas prestadas pela autora com o filho de ambos -- que esteve a cargo dela desde o nascimento até à maioridade - sem ter havido acção judicial com decisão a condenar o aludido progenitor na prestação de alimentos ao filho, ou ocorrido acordo de ambos os progenitores para o efeito:

É, sem dúvida, uma questão interessante, a qual - e adiantando desde já solução - cremos merecer resposta negativa.

É certo que a autora vem deduzir a sua pretensão sob a veste da figura do enriquecimento sem causa.
Mas - tendo presente, designadamente, o estatuído no artº 664º CPC - bem se vê que, no fundo, o que a autora vem peticionar é o pagamento pelo ex-marido de metade do que despendeu (no passado) com o filho (então menor) de ambos em alimentos.
Que assim é, basta ler com atenção a petição inicial. É que logo no artº 25º a autora diz: “Todas as despesas com alimentos do filho de ambos foram suportadas pela autora…”.
Só que tal pretensão não tem viabilidade legal, salvo o devido respeito, como se passa a demonstrar.

É certo que no que tange aos “deveres de pais e filhos”, resulta do artº 1874º, nº 1 do Código Civil que “1. Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência. 2.O dever de assistência compreende a obrigação de prestar e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”.
E é igualmente certo que a obrigação de prestar alimentos a filhos menores recai sobre ambos os progenitores e não apenas sobre aquele a cuja guarda os filhos não ficam, pois o art. 1874° do Código Civil refere-se aos deveres de auxílio e assistência entre pais e filhos sem distinguir se eles estão ou não confiados à guarda e cuidados de um ou de outros dos progenitores.
O que também resulta do disposto no art. 1878º do Código Civil - inserido nos princípios gerais do poder paternal--, ao dispor que “Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação …” - devendo interpretar-se a expressão «sustento» como abrangendo não só a alimentação, mas ainda as despesas com a assistência médica e medicamentosa, deslocações divertimentos e outras inerentes à satisfação das necessidades da vida quotidiana, correspondentes à condição social do alimentado.

No entanto, acontece que na nossa lei substantiva civil há normas que regem a matéria dos alimentos. E assim sendo, é a essas normas específicas que devemos recorrer em primeira mão para aferir da viabilidade da pretensão da autora ao pagamento pelo pai do D….. - seu ex-marido - de uma quantia pecuniária correspondente a metade do que aquela despendeu com o “sustento, habitação e vestuário”, “instrução e educação” do filho de ambos (ut artº 2003 CC), que durante toda a menoridade esteve sob o encargo dela.

De entre tais normas temos as seguintes, do Código Civil:

ARTIGO 2004º
“(Medida dos alimentos)
1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.”

ARTIGO 2006º
“(Desde quando são devidos)
Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora, sem prejuízo no disposto no artigo 2273º.”

ARTIGO 2007º
“(Alimentos provisórios)
1. Enquanto se não fixarem definitivamente os alimentos, pode o tribunal, a requerimento do alimentando, ou oficiosamente se este for menor, conceder alimentos provisórios, que serão taxados segundo o seu prudente arbítrio.
2. Não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos.”

ARTIGO 2009º
“(Pessoas obrigadas a alimentos)
1. Estão vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada:
(….)
c) Os ascendentes;”
(Redacção do Dec.-Lei 496/77, de 25-11)

ARTIGO 2012º
“(Alteração dos alimentos fixados)
Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas serem obrigadas a prestá-los.”

ARTIGO 2013º
“(Cessação da obrigação alimentar)
(….)
b) Quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles;
(….)”.


Da conjugação destes preceitos legais e considerando a interpretação que lhe vem dado a doutrina e jurisprudência, cremos resultar claro que a pretensão da autora não tem viabilidade.

Com efeito, parece para nós evidente que - e repete-se que, não obstante a autora invocar o instituto do enriquecimento sem causa, o que pretende é o pagamento dos alimentos que o pai do D….. deixou de lhe dar, durante a menoridade do filho - apenas podem ser pedidos alimentos para o futuro e não retroactivamente. Só havendo uma acção instaurada para o efeito em que o tribunal fixe os alimentos, ou, então, havendo acordo dos interessados nesse sentido (ut artº 2012º CC) é que os alimentos podem ser exigidos.
Aliás, se não houver essa acção nem, sequer, há interesse em apreciar, em termos de actualidade, da necessidade de alimentos por parte do peticionante, tal como das possibilidades do obrigado os prestar.

Resulta, de facto, do artº 2006º do CC que os alimentos só podem ser peticionados para o futuro: desde o pedido judicial ou de constituição em mora.
E a explicação vem dada, da forma sábia a que nos habituou, pelo Prof. Vaz Serra, in Boletim, nº 108, a pág. 155, onde se explica que tal assim deve ser para evitar um dispêndio demasiado gravoso, não previsto por parte do vinculado à prestação, por ter decorrido dilatado lapso de tempo entre o momento do nascimento do respectivo direito, pela verificação dos requisitos legais, e aquele em que a obrigação surge para o alimentante com o pedido da prestação, coisa que poderia ter lavado este, o obrigado, a dissipar livremente seus rendimentos na persuasão de que lhe não seriam pedidos alimentos por desnecessidade ou renúncia à sua exigência, renúncia permitida porque irrenunciável é apenas o próprio direito a alimentos como se infere do disposto no artigo 2008º do CC.

Por outro lado, não pode deixar de se ter em consideração que só na altura em que sejam pedidos alimentos é que se pode avaliar se há, ou não, direito a eles, pois que, devendo os alimentos ser proporcionados aos meios de quem houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los e outrossim à possibilidade de alimentado prover à sua subsistência (uit artº 2004º CC), só quando forem pedidos se apreciarão aqueles requisitos ou pressupostos. E, naturalmente, que se nem, sequer, podem ser apreciados actualmente por não ter sido pedida a prestação alimentícia, muito menos o poderão ser relativamente a anos…. passados!
Só nas circunstâncias concretas momentâneas se terá de atentar para a fixação dos alimentos.
Com efeito, da mesma forma que não é possível fixar alimentos numa visão de antecipação, pois tal decisão não teria relevância projectada no momento em que se viesse efectivamente a peticionar os alimentos, também não parece ser possível determinar-se do direito aos mesmos relativamente ao passado - sem serem peticionados e relativamente a um período em que se não apreciou das necessidades de quem os receberia e das possibilidades de quem os haveria de prestar. Aliás, pode ter ocorrido situação que justificava a cessação dos alimentos que eventualmente tivessem sido fixados, designadamente por ausência de possibilidade de os prestar (artº 2013º-1-b)) e pela situação prevista na parte final do artº 2019º , ambos do CC, o que tudo não passa, naturalmente, de meras hipóteses de raciocínio, ou meras conjecturas.

No sentido do exposto, pode ver-se o Ac. da Rel. de Coimbra, de 21.10.1986, Col. Jur., Ano XI, Tomo 4, a pág. 89: “Os alimentos são devidos desde a propositura da acção, pois que nessa altura é que qualquer deles sabe que é chamado à sua condição de pai, à sua obrigação de sustento (para futuro), e que a acção apenas se destina a quantificar e especificar a contribuição de cada um”.
Como bem ali se escreveu, “o que se tem questionado é o saber se um pai (ou outro qualquer obrigado) deve ser responsabilizado por alimentos ab initio da razão legal que leva a essa obrigação, ou apenas a partir do momento em que os alimentos sejam pedidos. Ora, considerou-se que « constituiria uma violência que o credor dos alimentos pudesse exigi-los para o passado, com o que poderia, acaso, forçar o obrigado a dificuldades económicas inesperadas», e que «só a propositura da acção contra o obrigado, a mora deste, são factos que lhe dão a conhecer a vontade do titular de exigir alimentos» (Abel Pereira Delgado, Do divórcio, pág. 218)”.
É assim, de facto.
É que - independentemente de a paternidade do D……. ter sido reconhecida já em idade adiantada dele--, a verdade é que só com a declaração judicial de paternidade do menor e com o pedido de fixação de alimentos é que o apelante ficava a saber que tinha de assumir as suas obrigações de pai, designadamente - para o que ora importa - de contribuição para o sustento do filho, para o futuro, sendo certo que a acção a pedir os alimentos apenas e só se destinaria a quantificar e a especificar a sua contribuição nesses alimentos - o que seria apreciado atendendo aos meios do apelante e às necessidades do filho (bem assim às possibilidades de o alimentando prover à sua própria subsistência, ut arts. 2004º, nº2 e 1879º, do CC), mas as existentes nesse momento.

Com efeito, os alimentos têm, necessariamente, a característica da actualidade, isto é, têm de corresponder às necessidades do alimentando e às possibilidades do obrigado, no momento.
Por isso, não faz sentido atribuir alimentos “do passado”, como o não faz o pagamento antecipado dos alimentos - que, portanto, é inoperante, pois muito bem pode acontecer que o alimentando dissipe o que antecipadamente recebeu e, se posteriormente carecer de alimentos, então, nada obsta a que os peça e que o obrigado tenha de lhos prestar de novo, de harmonia com as suas possibilidades e com as necessidades daquele, nesse momento (cfr. Moitinho de Almeida, Os Alimentos no Código Civil de 1966, na ROA, 1968, 125).

Assim, portanto, não vemos como condenar o réu/apelante a prestar alimentos relativamente a anos passados, quando se desconhece - não vem, sequer, alegado -, designadamente, qual a sua situação financeira nesse passado e qual a situação do alimentando e da autora.
Como bem se escreveu no Ac. da Rel. de Évora, de 18.12.1990, Bol. M.J., 402º-690, “nada se sabendo, de concreto e preciso, sobre a situação patrimonial de quem está constituído na obrigação legal de prestar alimentos a filhos menores (…) não deve tal pessoa ser condenada a pagar alguma pensão alimentícia”.

Está aqui em causa o princípio de que in praeteritum non vivitur, admitido já no direito comum e consagrado no citado artº 2006º e que, segundo a RLJ ano 93º, tem a seguinte justificação: “aquele que é por lei obrigado a prestar alimentos, mas a quem eles não são pedidos, pode supor que o titular do direito aos alimentos prescinde ou não carece deles e gastar, por conseguinte, na satisfação das suas próprias necessidades, todos os seus réditos. Seria, pois, violento que o credor dos alimentos pudesse exigi-los para o passado, com o que poderia acaso forçar o obrigado a dificuldades económicas inesperadas e porventura à impossibilidade de cuidar da sua própria sustentação”.
Assim, também, escreveu o Prof. Vaz Serra, no Bol. M.J., Ano 108º, a págs. 155 ss :
“Com efeito, seria violento para o obrigado que este devesse prestar alimentos para um tempo em que o alimentando não manifestara ainda a vontade de os receber e durante o qual, por isso, o obrigado não contava com ter de os satisfazer e podia, deste modo, ter dissipado livremente os seus rendimentos. Tal a razão de ser das máximas tradicionais in praeteritum non vivitur e nemo alitur in praeteritum”.
Por isso, conclui que os alimentos só são devidos “a contar da data da constituição em mora do obrigado ou do pedido judicial, factos idóneos para dar conhecimento ao obrigado da exigência do alimentando”.

Aliás, mesmo que tivessem sido exigidos alimentos ao réu, este podia recusá-los por impossibilidade de os prestar relativamente aos alimentos atrasados, desde que tal impossibilidade se desse já na data da constituição em mora (ver Kipp-Wolff, § 97, nota 75, citado Vaz Serra, ob. cit., a pág. 157).
Só que, como vimos, não foram nunca, sequer, exigidos quaisquer alimentos ao réu/apelante e desconhece-se, de todo, se estava, ou não, impossibilitado de os prestar no período de tempo a que se reporta a autora na petição inicial.

De Ruggiero e Maroi, Inst. Dir. Privato, 8ª ed., I, 250, sustentam que, se o alimentando teve de contrair dívidas para se sustentar, tem o obrigado que relevá-lo delas e pode ser responsável pelos danos causados pelo facto de não ter cumprido a tempo, quando soubesse da necessidade do titular e injustificadamente tivesse recusado prestar os alimentos.
Não vêm, porém, in casu alegadas tais dívidas por banda do alimentando, ou da autora - a cargo de quem aquele ficou durante a sua menoridade - e nunca se pode dizer que o réu incumpriu a tempo a sua obrigação de prestar alimentos, não só porque só em 2001 foi declarado pai do D….., como também porque não vem alegado, sequer, que, em qualquer momento, lhe tivessem sido exigidos alimentos, muito menos que tivesse recusado a prestá-los.

No sentido de que o direito a alimentos é um direito actual, não podendo aplicar-se ao passado [Há que, neste particular, relacionar o disposto no artº 1676º, nº2 com a regra ínsita no artº 2006º, ambos do CC - sem esquecer o princípio da não compensabilidade por parte do devedor de alimentos, mesmo relativamente às prestações já vencidas ( artº 2008º/2, idem), pelas regras nemo alitur in praeteritum e in praeteritum non vivitur - ou de que os aliments ne s`arréragent pas, do direito francês e belga) pode ver-se, ainda, Silva e Sousa & João Cóias, Lai do Divórcio anotada, pp. 125 e 126.
Vingou, assim, na nossa lei substantiva civil o princípio que já vinham defendendo Francisco José Medeiros: Dos Alimentos ( in Ver. Leg. e Jur., 1, 99) e J. C. Oliveira e Cruz: Dos alimentos no direito de família, pág. 316.

Diga-se, ainda, que mesmo que a autora alegasse e provasse que o réu estava obrigado a prestar os alimentos (do passado) a que se refere na petição inicial, sempre «a prova das possibilidades do obrigado incumbia ao alimentando, na sua qualidade de autor” (Vaz Serra, BMJ 108º, 107 e 108) - sendo certo, porém, que «se o réu se defender argumentando com a falta de possibilidades, já nos encontramos perante uma excepção, cuja prova incumbe ao réu (Vaz Serra, loc. cit., 120 e 122)»- Moitinho de Almeida, ob. cit., 101.
Tal alegação e prova também as não fez a autora.

A respeito do artº 2006º do CC, escreveu, também, o Prof. Pereira Coelho: «Esta disposição resolve no sentido da primeira orientação a questão de saber quando nasce o direito a alimentos (ou a correlativa obrigação de os prestar): só quando os alimentos são pedidos ou, já antes disso, quando estão cumpridos os respectivos pressupostos, ou seja, quando surgem a necessidade deles e a possibilidade de os prestar? A 1ª orientação referida, costuma exprimir-se no princípio de que não são devidos alimentos quanto ao passado (nemo alitur in praeteritum; in praeteritum non vivitur)».

Impõe-se, aliás, aqui que fazer a distinção entre exigibilidade da obrigação de alimentos e nascimento da obrigação de alimentos (legais).
Os alimentos são exigíveis (ou devidos) em função da fonte dessa exigibilidade.
Assim, tendo já sido definitivamente fixados pelo tribunal ou por acordo entre devedor e credor - ou, ainda, por acordo entre pais, homologado pelo tribunal ( arts. 1775º, nº3 e 1776º, nº2 do CC e 1419º, nº1, al. d) e 1407º do CPC)--, são as prestações periódicas (com trato sucessivo) exigíveis desde o momento em que o credor exija a realização da prestação, já acertada ou fixada.
Não tendo sido fixados, quer judicialmente, quer extrajudicialmente, a exigibilidade ocorre com a data da propositura da própria providência de alimentos provisórios (ut artº 2007º, nº1, idem), ou melhor, nos termos do disposto no artº 401º, nº1 CPC). E não tendo havido a aludida providência cautelar, os alimentos apenas são exigíveis nos termos do citado artº 2006º, 1ª parte, CC, (no seu montante serão computadas as quantias apuradas desde a data da propositura da acção).
Coisa diferente é o nascimento da obrigação de alimentos. Tal ocorre no momento em que se verifica a necessidade do carecido, podendo ser desde essa data judicialmente exigível.
Isto é, apesar do nascimento da obrigação de alimentos ocorrer logo com a necessidade dos mesmos, há, porém, hoc sensu, um termo (legal ou impróprio) inicial dos alimentos, melhor, da sua exigibilidade, o qual, em absoluto, determina a produção de efeitos daquela obrigação não autónoma - e não autónoma porque pressupõe um vínculo jurídico, ex lege, pré-existente: tratando-se de alimentos devidos a menores, desde a data em que a filiação fora estabelecida e, por via disso, a relação de parentesco.
Assim se vê que o obrigado a alimentos - obrigação que, como vimos, ocorre logo com a própria necessidade do carecido - só com a acção de alimentos (ou a acção de regulação de exercício do poder paternal em que sejam pedidos alimentos) fica avisado da existência de uma situação de necessidade por banda do autor e da sua vontade em recebê-los. Só então o obrigado fica—portanto, desde o momento da propositura da acção - responsável pelo pagamento (sendo o montante fixado com o trânsito em julgado -- tirando o regime dos alimentos provisórios), não obstante já pudessem ser judicialmente exigíveis há mais tempo, dada a pré-existência de uma situação de necessidade.

Aliás, os Profs. Pires de Lima e A. Varela, Cód. Civ. Anotado, vol. V, pág. 586, anotação 2 e 3 do artº 2006º, parecem mesmo perfilhar o entendimento de que a obrigação de alimentos só existe desde a propositura da acção, mesmo, portanto, que a situação de necessidade se reporte a época anterior.
Cremos, porém, que o melhor entendimento é o de que a obrigação de alimentos nasce com a necessidade do carecido, sendo, porém, apenas exigíveis, nos termos supra sufragados.
Trata-se, como vimos, de distinguir entre a exigibilidade da obrigação de alimentos e o nascimento dessa mesma obrigação.

O que no caso sub judice sempre significa que a acção não nunca podia proceder. É que, mesmo aceitando que a obrigação de alimentos nasceu com a situação de carência do D……, nunca seriam devidos os alimentos porque… não peticionados. Seria na acção em que fossem pedidos que se iria apreciar da verificação daquela mesma situação de carência, pelo que sempre estaria vedada a possibilidade de deferimento da pretensão da autora dada a ausência - por falta da sua apreciação - designadamente, desse pressuposto para a concessão da prestação alimentícia.
Aliás, como vimos também, a obrigação de alimentos para produzir efeitos, sendo, como é, um obrigação não autónoma, pressupõe um vínculo jurídico, ex lege, pré-existente: a constituição da filiação, sendo-- tratando-se de alimentos devidos a menores-- desde a data em que a filiação fora estabelecida e, por via disso, a relação de parentesco, que se pode falar naquela obrigação.
E, como vem provado, tal relação de filiação apenas muito recentemente ocorreu - parece que até já depois de o D….. atingir a maioridade (cfr. docs. de fls. 6 a 10).

Poder-se-ia pensar aqui na possibilidade dum direito da autora, não a exigir os alimentos passados - inexigíveis, pelo que se disse supra--, mas a uma indemnização pelos desgostos, vexames e sofrimentos físicos e morais eventualmente ocorridos pelo facto de ter prestado sozinha os indispensáveis cuidados para com o filho (então) menor, desacompanhado da pessoa do outro progenitor [A reconstituição natural sempre estaria posta de parte, pois o cumprimento voluntário é, hoje , impossível do ponto de vista material, relativamente aos cuidados que foram prestados aos filhos menores no passado, nos bens próprios de que teve de desfazer-se para custear as despesas da vida familiar.
Não cremos que tal direito lhe assista: primeiro porque extravasa do âmbito do pedido; segundo, porque nunca foram peticionados alimentos ao réu, e, como tal, está arredada, agora, a possibilidade de apreciação de tal direito aos alimentos (retroactivamente), dado que os respectivos pressupostos - designadamente as possibilidades do devedor (ora réu)-- devem, como vimoc, ser apreciados no momento respectivo.

A respeito da prescrição do direito aos alimentos, diga-se, apenas, que rege o artº 310º, al. f) do CC.
Ora, tratando-se de prazo apenas aplicável “em relação aos montantes já fixados [Tb., Eduardo dos Santos, Direito da família, 2ª ed. (…), pág. 644] -- e, portanto, já exigíveis e vencidos (artº 306º/1)--, convencional ou judicialmente e não já em relação às necessidades já existentes e sentidas, mas cuja satisfação ainda não tenha sido judicialmente requerida, dado o alcance genérico da regra in praeteritum non vivitur” (Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (devidos a menores), Coimbra Editora, 2000, pág. 175), a questão não se põe aqui, dada, como vimos, a não exigibilidade dos alimentos ao réu/apelante, porque… não peticionados, logo não exigíveis.

Não assiste, portanto, direito à autora/apelada ao montante que peticiona relativo à “parte do réu” nas “… despesas com alimentos do filho de ambos”, que só a autora suportou ( arts.25º e 26º do petitório inicial).

Procede, assim, esta questão suscitada pelo apelante.

Terceira questão: se o direito da autora ao pagamento pelo réu de metade das aludidas despesas que teve com o filho de ambos pode basear-se no instituto do enriquecimento sem causa:

De novo não tem razão, salvo o devido respeito.
Vejamos.

Como é evidente, uma das condições de actuação do princípio do não locupletamento é a existência de um enriquecimento, que o mesmo é dizer, na expressão de Rouast (Revue Trimestrielle, 1922, p. 51), um benefício apreciável em dinheiro de que uma pessoa se encontra presentemente em gozo.
Ou seja, o enriquecimento tem de ser actual.[Neste sentido, Planiol Ripert, Traité de Planiol, VII. Nn 753 e 765; Vaz Serra, Bol.M.J., 82º, p. 220; Valle Ferreira, Enriqeucimento sem causa, p. 133]
Ora, não se pode afirmar que a pensão alimentícia ao D……, porque relativa ao passado - e até um passado já distante--, mesmo que o réu estivesse obrigado a prestá-la e não o tivesse feito, tenha enriquecido o réu: primeiro, porque se desconhece se este tinha ( à data) possibilidades de a prestar; segundo, porque, mesmo que o tivesse, já teria gasto o respectivo montante.
Assim, portanto, não se mostrando haver um enriquecimento actual - prova a fazer pela autora/apelada--, não pode falar-se em enriquecimento sem causa.

Por outro lado, perante o dito supra a respeito da segunda questão suscitada nas alegações do apelante, nunca haveria lugar ao enriquecimento sem causa, pela simples razão de que este instituto tem natureza ou carácter subsidiário ( ut artº 474º CC).
Ou seja, tal princípio do enriquecimento sem causa não pode ser exercido quando à hipótese corresponde qualquer acção apropriada, ou seja, baseada em alguma fonte de obrigação, designadamente disposições legais ou princípios doutrinais.
Ora, como vimos, a lei prevê acção própria para exigir alimentos do progenitor, pelo que é por esta via que os mesmos devem ser peticionados do obrigado. Se tal meio não é ou foi usado, sibi imputet.
Por outro lado - ainda dentro do mesmo princípio da subsidiariedade do enriquecimento--, é a própria lei a negar o direito à “restituição”. É que, tratando-se de exigir alimentos do passado, já vimos que não há lugar aos mesmos.
Ora, se não tem a autora direito aos alimentos do passado, obviamente que não é possível fazer renascer esse “direito” com base no enriquecimento sem causa. Só haveria enriquecimento sem causa se houvesse direito do (alegado) “empobrecido” (a autora) sobre o (alegado) “enriquecido”(o réu)!
Se a autora não tem direito de crédito sobre o réu, nos termos demonstrados supra, obviamente que não faz sentido apelar-se ao enriquecimento sem causa - até porque, como igualmente vimos, esse direito de crédito nunca se fundaria no enriquecimento sem causa, dada a subsidiariedade desta fonte de obrigações.

A conditio indebit, ou a acção de repetir o que indevidamente se pagou e que compete àquele que, por erro, pagou o que não devia, contra quem ignorantemente recebeu a paga, é precisamente aquilo a que hoje se chama a restituição do indevido.
E aquilo a que hoje chamamos enriquecimento do indevido, mais não é do que, aperfeiçoada pelo labor dos juristas em séculos de estudo, meditação e especulação crítica, a «contitio sine causa» do direito justinianeu [Ver L. Moitinho de Almeida: do não locupletamento à custa alheia, pp. 11, 12, 13, 28 e 29].

Ora, nem a autora entregou ou pagou o que quer que fosse ao réu, indevidamente, nem este se apropriou de algo que estivesse obrigado a entregar àquela e não tenha entregue [Ver ROA, ano 28º ( 1968), a pág. 107] -- em termos de ser exigível a obrigação.

Assim procede esta questão quesitada pelo apelante.

CONCLUINDO :
- O direito a alimentos é um direito actual, não podendo aplicar-se ao passado, atentas as regras nemo alitur in praeteritum e in praeteritum non vivitur - ou de que os “aliments ne s`arréragent pás”.
- Como tal, os alimentos só são devidos a contar da data da constituição em mora do obrigado ou do pedido judicial, factos idóneos para dar conhecimento ao obrigado da exigência do alimentando (ut artº 2006º Cód. Civil).
- De resto, não tendo nenhum tribunal sido chamado a pronunciar-se viavelmente sobre um pedido de alimentos após ponderação dos legais requisitos, não é possível condenar o Réu (um dos progenitores) em alimentos face ao contido no art. 2004 do c. Civil,
- Uma coisa é a exigibilidade da obrigação de alimentos e outra - bem diferente-- o nascimento dessa obrigação.
- Também não é possível exigir-se alimentos do passado com base no instituto do enriquecimento sem causa, quer porque o enriquecimento tem de ser actual, quer atento o carácter ou natureza subsidiária deste instituto o (ut artº 474º CC).
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IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e absolvendo o réu do pedido.

Custas, em ambas as instâncias, a cargo da autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.

Porto, 06 de Abril de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves