Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANABELA MIRANDA | ||
| Descritores: | DIREITO À INFORMAÇÃO SOCIEDADE POR QUOTAS PROVA POR DOCUMENTOS | ||
| Nº do Documento: | RP2023091261\5/22.6R8STS.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/12/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O direito à informação (lato sensu) do sócio desdobra-se no direito à informação stricto sensu, que versa especificamente sobre actos ou factos de gestão da sociedade e no direito de consulta dos registos documentais, susceptíveis de reflectir o desenvolvimento da sua actividade em diversas áreas. II - Compete ao sócio alegar e provar factos concretos que revelem ter a sociedade, através dos seus legais representantes, recusado ilicitamente prestar informações ou/e o recebimento de informação presumivelmente falsa, insuficiente ou incompleta. III - A sócia que, ao invés de consultar os documentos existentes na sede social, pretende que lhe sejam enviados numerosos e diversos elementos documentais, não tem fundamento legal para requerer inquérito judicial à sociedade por quotas na hipótese do seu pedido não ter sido satisfeito. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 615/22.6T8STS.P1 Relatora: Anabela Andrade Miranda Adjunto: João Diogo Rodrigues Adjunta: Maria da Graça Mira * Sumário……………………… ……………………… ……………………… * Acordam no Tribunal da Relação do PortoI—RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ... ..., Guimarães, requereu se proceda a inquérito judicial à sociedade “A..., Lda.”, com sede na Av.ª ..., ... ..., Santo Tirso, com fundamento, em resumo, na circunstância de se encontrar impedida de exercer vários dos seus direitos de sócia da aludida sociedade, designadamente na recusa de permissão de consulta para exame dos documentos da sociedade referentes a vários exercícios sociais, pois desde 2017 que não é convocada para a realização de qualquer assembleia de sócios, desconhecendo a requerente os eventuais negócios celebrados em nome da sociedade requerida, quais os custos e proveitos decorrentes da actividade social, já que desconhece em absoluto as contas referentes aos exercícios de 2017 a 2021. Mais alegou saber que a sociedade seria titular de imóveis, os quais se encontrariam arrendados, mas que a este respeito nenhuma informação actualizada detém, sendo que pelo menos desde 2017 que não é distribuído qualquer lucro à requerente, tendo esta em 31 de janeiro de 2022 enviado carta registada com aviso de recepção à gerência da “A...”, nos termos e para os efeitos do art.º 181.º do CSC, solicitando diversas informações, as quais, até à data da presente demanda. não vieram a ser prestadas. Solicitou, assim, a apreciação judicial da recusa ou omissão por banda dos gerentes da requerida na prestação de informações à requerente, e a tomada imediata de providências de natureza cautelar, a efectuar sem audiência prévia, entre as quais, recolha da informação referente a cada um dos exercícios de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021; relatório de gestão dos exercícios de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, e contas dos mesmos exercícios com respectivos anexos, demais documentos de prestação de contas, demonstração de resultados, demonstrações financeiras, de resultados e balancete analíticos; cópia de todas as convocatórias de assembleias gerais respeitantes aos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021; cópia integral do livro de actas; listagem de imóveis próprios, e relação de aquisições e alienações ocorridas nos exercícios de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, e o demais consignado no art.º 21.º do requerimento inicial junto as autos, que aqui se dá por reproduzido. * Requereu a adopção de providências de natureza cautelar, o que veio a ser indeferido liminarmente pelo tribunal, por despacho de 24.03.2022, transitado em julgado.* Os Requeridos “A..., Lda.”, BB e CC contestaram negando que a Requerente tenha deixado de ser convocada para assembleias gerais e que lhe tenha sido alguma vez denegado o acesso à consulta de documentos da sociedade, ao que acresce o facto de ser do conhecimento de todos que a sociedade detém apenas um imóvel. Alegaram que as assembleias gerais sempre foram convocadas, ao longo dos anos, de forma informal, dada a relação familiar existente entre os sócios, e que a Requerente nunca se opôs a tal circunstancialismo, ao que acresce que toda a informação que lhes foi solicitada por carta registada com aviso de recepção datada de 31.01.2022, parte dela era já do conhecimento do seu conhecimento e a demais referenciada veio a ser efectivamente prestada, o que foi feito aquando da realização da assembleia designada para o dia 30.03.2022, que veio a ter lugar.Terminam solicitando que a acção seja julgada totalmente improcedente, e ser a Requerente condenada como litigante de má fé em multa e indemnização nunca inferior a € 5.000,00. * Proferiu-se sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, decidiu:.indeferir o pedido de realização de inquérito judicial à requerida “A..., Lda.”; .indeferir o pedido de litigância de má-fé e indemnização peticionado pelos requeridos. * Inconformada com a sentença, a Requerente interpôs recurso finalizando com as seguintesConclusões 1ª-A Recorrente, enquanto sócia da sociedade Recorrida, mantém o inalienável direito à informação, conforme o preceituado nos artigos 21º n.º 1 al. c) e 214º do Código das Sociedades Comerciais. 2ª-Conforme se encontra provado, designadamente sob as alíneas a) e d), a Recorrente solicitou a prestação de várias informações, designadamente por carta registada com aviso de recepção, sendo que, até à data da interposição da presente acção, ainda não haviam sido prestados a integralidade dos elementos solicitados. 3ª-Na data da interposição do presente processo, a Recorrente estava objectivamente impedida de aceder à informação cujo direito a Lei expressamente lhe reconhece e concede, pelo que outra alternativa não lhe restou que não fosse o irremediável recurso à via judicial, o que fez através da interposição do presente processo de inquérito judicial, ao abrigo do disposto no artigo 216º do Código das Sociedades Comerciais e artigo 1048º do Cód. Proc. Civil. 3ª-Ora, os presentes autos foram intentados em 2 de Março de 2022, ou seja, mais de 1 (um) mês após o envio da carta, pela Recorrente aos Recorridos, a solicitar várias informações, designadamente as constantes da alínea c) dos factos dados como provados, sendo que, até à data da interposição da presente acção, não lhes foram prestadas todas as informações solicitados pela Recorrente. 4ª-Dos documentos que a Recorrente solicitou, e após a análise dos balancetes fornecidos pela Recorrida (repete-se, já após a interposição do presente processo) verificou-se que a Sociedade “B..., S.G.P.S., S.A.”, da qual os Recorridos são acionistas, é devedora da sociedade Recorrida no montante de € 368.819,05 (tal valor consta dos montantes a receber pela sociedade Recorrida). 5ª-A Recorrida juntou aos autos dois contratos de cessão de créditos, um celebrado em 30 de Dezembro de 2009, em que a Recorrente terá sido outorgante, e outro celebrado em 30 de Setembro de 2004, em que terão sido apenas outorgantes as sociedades “A...”, aqui Requerida, e a sociedade “B...”. 6ª-O contrato celebrado em 30 de Dezembro de 2009 foi outorgado, também, pela Recorrente, a qual, atentas as relações familiares de confiança existentes, assinava a documentação que lhe era apresentada pelo seus tios (tal resulta dos factos dados como provados), sem sequer a questionar. 7ª-Analisado o teor do referido contrato, constata-se que o alegado crédito sobre os sócios foi cedido à sociedade “B...” pelo valor de 302.552,17 (trezentos e dois mil quinhentos e cinquenta e dois euros e dezassete cêntimos), quantia esta que deveria ter sido paga em 6 (seis) prestações semestrais e sucessivas no valor de € 50.425,36 (cinquenta mil quatrocentos e vinte e cinco euros e trinta e seis cêntimos), vencendo-se a primeira decorridos 6 (seis) meses sobre a data da assinatura do contrato, isto é, 30 de Junho de 2010. 8ª-Analisado o teor do balancete geral acumulado de 2021, junto com a contestação (fls. 36 verso), constata-se que do mesmo consta que a referida sociedade “B...” é devedora à sociedade aqui Recorrida da quantia global de € 368.819,05 (trezentos e sessenta e oito mil oitocentos e dezanove euros e cinco cêntimos), dívida esta reconhecida pela própria Recorrida – vide artigo 32 do requerimento com a referência citius 42189630. 9ª-Não só a dívida da “B...” não foi cobrada pela Recorrida, não obstante se encontrar vencida há mais de 12 (doze) anos (!), como a Recorrida não se dignou explicar os motivos para a sua não cobrança. 10ª-O mesmo valendo para a dívida a que alude o contrato datado de 30 de Setembro de 2004, sendo certo que os gerentes da Recorrida, BB e CC são, também, os Administradores da B.... 11ª-Cabendo ao Tribunal, nos termos do disposto pelos artigos 6º n.º 1 e 411º ordenar oficiosamente a junção aos autos das certidões comerciais comprovativos dessas relações societárias. 12ª-Tal dívida respeitará, a uma cessão de um crédito que a sociedade Recorrida alegadamente detinha sobre o sócio DD, pai da Recorrente, falecido em Outubro de 2004 (curiosamente apenas 1 mês depois da data aposta no documento em resposta, designadamente Setembro de 2004), sendo certo que o mesmo não intervém no contrato, donde resulta a sua ineficácia, salvo se tiver sido por outra forma comunicada, nos termos do disposto pelo artigo 583º do C.C., o que não consta no processo. 13ª - De tal contrato consta que o preço da alegada cessão foi de € 66.266,88 (sessenta e seis mil duzentos e sessenta e seis euros e oitenta e oito cêntimos), a ser pago em 4 (quatro) prestações semestrais iguais e sucessivas no valor de € 16.566,72 (dezasseis mil quinhentos e sessenta e seis euros e setenta e dois cêntimos), vencendo-se a primeira decorridos 6 (seis) meses sobre a data da assinatura do contrato, isto é, 30 de Março de 2005. 14ª-Dívida esta que está vencida há mais de 17 (dezassete anos), sendo que, à semelhança da referida no contrato celebrado em 2009, não foi cobrada, nem instaurado qualquer procedimento judicial para o efeito até à presente data, tal como, de resto, a Recorrida confessa em 32 do requerimento junto com a referência citius 42189630. 15ª-Do teor de tais documentos resulta a existência de créditos da Recorrida sobre a “B...” que não foram sujeitos a qualquer iniciativa judicial de cobrança até à presente data. 16ª-Situação esta que integra a violação dos deveres cuidado e de diligência de um gestor criterioso, bem como de lealdade, previstos pelo artigo 64º do C.S.C. 17ª-Se atentarmos nos valores constantes do balanço da sociedade Recorrida, como sendo o valor da dívida da B... - €368.819,05 (tal valor consta dos montantes a receber pela sociedade Recorrida, valor este que representa 52% do valor do activo da sociedade!! 18ª - Com a sua conduta de total inércia e complacência no que respeita à cobrança deste crédito (de uma sociedade que, repete-se, os Recorridos são accionistas e Administradores), os Recorridos estão a privar a sociedade Recorrido de avultados fundos, os quais poderiam ingressar nas reservas ou, até, ser distribuído pelos sócios a título de lucros. 19ª-É um dado inquestionável e objectivo que os Recorridos estão a prejudicar os interesses patrimoniais da sociedade Recorrida. 20ª-Assim, impõe-se uma alteração à matéria de facto dada como não provada, por forma a que sejam eliminados o facto n.º 2, 3 e 4 e tais factos passem a constar dos factos dados como provados: “2) Os requeridos, por força de inércia de iniciativa judicial de cobrança de valores devidos à sociedade A..., tenham actuado prejudicando os interesses desta mesma sociedade” 3) A requerente permanece na ignorância acerca de assuntos societários da sociedade requerida; 4) “Os requeridos, por força de inércia de iniciativa judicial de cobrança de valores devidos à sociedade A..., tenham actuado prejudicando os interesses desta mesma sociedade. 21ª-Existem fundadas suspeitas de que a informação que a Recorrida entregou à Recorrente não seja verdadeira, mais a mais, quando, sendo os Recorridos igualmente accionistas e Administradores da Sociedade B..., podem facilmente manobrar as contas das sociedades. 22ª-E é por essa exata razão (o de só agora ter conhecimento de dívidas de sociedades das quais os Recorridos são os beneficiários efectivos) que a Recorrente entende que a informação que lhe foi prestada é presumivelmente falsa e incompleta, pelo que outra alternativa não lhe resta que não seja a da realização do presente inquérito judicial à sociedade Recorrida para apuramento de todas estas vicissitudes. 23ª-Os gerentes da sociedade, aqui Recorridos, prestaram informações incompletas e, pior ainda, existindo fundadas suspeitas de não serem verdadeiras. 25ª-Dos documentos juntos pela Recorrida no decurso, e apenas no decurso, do presente inquérito, foram revelados indícios de factos que importam conhecer e apurar em toda a sua plenitude. 26ª-Com efeito, tais indícios podem pôr em causa o cumprimento dos deveres de lealdade dos gerentes para com a sociedade Recorrida e para com os seus sócios, em particular, para com a sócia aqui Recorrente, bem como os deveres de cuidado e diligência que um gestor criterioso deve possuir. 27ª-O que pode integrar, até, causa de destituição de gerentes e levar à sua responsabilização, por todos os eventuais prejuízos que se venham a apurar. 26ª-Cumpria ao Tribunal recorrido ordenar a junção aos autos dos documentos comprovativos do alegado crédito que a Recorrida se arrogava, bem como do comprovativo da efectiva cessão de créditos, uma vez que o processo de inquérito é um processo de jurisdição voluntária, em que o Tribunal não está vinculado a critérios de estrita legalidade, cumprindo-lhe conhecer de tudo o que importe para a descoberta da verdade material. 27ª-A conduta dos Recorridos dá boa nota da escassez e falta de transparência da informação que a gerência da sociedade Recorrida, por sinal tios da Recorrente, se dignam prestar-lhe. 28ª - A distribuição de reservas efectuada foi feita na exacta e estrita medida dos interesses dos sócios Recorridos, pois o valor a distribuir a cada um dos sócios é o exacto montante, ao cêntimo, que a Recorrida BB devia à sociedade Recorrida - € 130.186,16. 29ª - Não obstante a sociedade Recorrida ainda dispor nos seus fundos da quantia de € 130.186,16 para ser distribuída, a verdade é que os gerentes Recorridos decidiram distribuir apenas e só o exacto montante do qual a sócia BB era devedora. 30ª-A realização de um inquérito judicial à sociedade Recorrida reputa-se essencial e determinante, uma vez se pretende apurar em que medida é que a informação prestada pelos gerentes é falsa ou incompleta. 31ª -Estão reunidos os pressupostos, de facto e de direito, que justificam quer o recurso ao presente processo de inquérito judicial, quer a determinação do mesmo. 32ª-Atenta a documentação junta aos autos pela Recorrida, revela-se absolutamente pertinente e necessário a realização do presente inquérito para apuramento da factualidade requerida como medida cautelar e que, apenas nessa fase inicial, foi indeferida pelo Tribunal “a quo”. 33ª-Sendo que o processo de inquérito é uma reacção que pode envolver destituição e responsabilidade de gerentes e, até, a dissolução da sociedade. 34ª-Pelo que se revela pertinente a realização de inquérito para apuramento de toda esta factualidade, incluindo a apreciação do exercício da gerência. 35ª-Caso se entenda que não subsiste fundamento para a realização de um inquérito à sociedade Recorrida, o que não se concede, jamais sentença nunca poderia determinar, sem mais, a improcedência da acção, mas sim a sua inutilidade superveniente da lide. 36ª-Uma vez que todos os elementos solicitados pela Recorrente na carta que dirigiu aos Recorridos a pedir informações, foram prestados após a interposição do presente processo de inquérito. 37ª-Pelo que, à data da interposição do presente processo, inexistia qualquer informação prestada à Recorrente. 38ª-A considerar-se que a informação foi cabalmente prestada, então sempre haveria lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto pelo artigo 277º alínea e) do C.P.C., situação, esta, que tem influência, desde logo, no que respeita à responsabilidade pelo pagamento das custas. * Os Requeridos apresentaram resposta concluindo nos seguintes termos:A) Na motivação a Apelante impugna um Despacho proferido pelo Tribunal a quo, afirmando-se tratar-se de um Despacho interlocutório. B) Este Despacho foi proferido em sede de audiência de discussão e julgamento aos 23.11.2022 e tem o seguinte teor: “No mais, o Tribunal procedeu, também, à análise e leitura do exercício do contraditório por parte da autora aos documentos juntos no requerimento em 10-05-2022, referência 42189630, sendo que quanto ao aí requerido, por exposição dada entrada aos 16-11-2022, referência 43898115, o Tribunal indefere qualquer notificação da requerida nos termos solicitados, uma vez que nesta fase inicial em que nos encontramos não cabe aqui proceder a mais investigação a esse respeito, dado que com tal pretensão pretende a aqui autora colocar em causa concretamente este ou aquele determinado negócio, bem como esta ou aquela determinada opção adotada pela gestão da sociedade requerida, o que obviamente não é cabível nesta fase dos autos.” C) Se a autora com o seu requerimento enviado via citius com a referência citius 43898115 datado de 16.11.2022 e sobre o qual incidiu o Despacho em questão, pretendia fazer a prova de algum facto constitutivo do seu direito, estando em causa o requerimento probatório, o despacho que indeferiu esse meio de prova é, apenas, passível de apelação autónoma, nos termos da al. d) do nº 2 do art.º 644º do CPC. D)Como decorre do art.º 638º nº 1 do CPC, o prazo para recorrer é de 30 dias, contados a partir da notificação da decisão. E) Ora, como a autora só interpôs o recurso em 13.02.2023, manifestamente que o fez extemporaneamente. F) Tratando-se de um prazo perentório, extinguiu-se o direito de interpor recurso (art.º 139º nº 3 do CPC) do aludido Despacho. G) De resto, o Douto Despacho não merece qualquer censura atentas as regras processuais do Processo especial do Inquérito Judicial e atenta a causa de pedir alegada na petição inicial. Inadmissibilidade da Impugnação da Decisão da Matéria de Facto não provada: H)A Autora, embora não o diga expressamente, como estava obrigada, impugna a Decisão da Matéria de Facto Não Provada sobre os pontos 2., 3., e 4. I) Na impugnação da decisão matéria de facto o artigo 640º do C.P.C. exige que o recorrente especifique, sob pena de rejeição, “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”. J) A Apelante na motivação e nas conclusões não específica quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impõe uma decisão diversa sobre aqueles pontos. K) Não devendo, assim, ser admitido recurso da decisão sobre a matéria de facto dada como não provada, uma vez que a recorrente não deu cumprimento ao disposto no nº1 alínea b) do artigo 640º do C.P.C. L) Sempre, sem prescindir e com o devido respeito os contratos (antigos) sobre os quais a autora Apelante tece considerações e formula as conclusões que entende, não são suficientes para alterar a matéria de facto não provada. M) Os documentos em causa eram já do conhecimento da autora há muito tempo, pois, subscreve um dos contratos, sendo que os mesmos estão espelhados nas contas da sociedade desde 2008, sem aposição da autora, tendo esta sempre aprovado as contas da sociedade durante vários anos - conforme se pode verificar através das atas junta aos autos. N)Lendo e relendo a motivação e as conclusões do recurso de apelação, confessamos que temos dificuldades em descortinar quais os reais motivos invocados pela recorrente para ser revogada a Douta Sentença, na medida em que parece mais que estamos perante uma nova ação judicial – com uma nova causa de pedir, onde são invocados e alegados novos factos e até um novo pedido. O)A Apelante também não impugna os factos dados como provados que levaram a que o Tribunal julgasse a ação improcedente, isto é, que não ocorreu recusa ilícita por parte do requeridos em prestar a informação solicitada à autora. P)E uma vez que a autora não logrou provar a recusa ilícita por parte dos réus em prestar quaisquer informações, nunca haveria motivos para se proceder a inquérito. Q) O presente recurso apoiando-se no facto de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária invoca questões novas – violação do dever de lealdade, má gerência e destituição de gerentes – factos não vertidos na petição inicial e sobre os quais não foi produzida qualquer prova. R) Se a autora pretende documentação e informações acerca da vida da sociedade terá de a solicitar aos órgãos de gestão – não pode pretender que o Tribunal o faça. S) O constante da motivação são meras considerações e conclusões que apenas existem no imaginário da autora. T) Devendo o presente recurso de Apelação ser julgado improcedente, mantendo-se Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, fazendo-se assim, justiça. * Questões préviasDa Admissibilidade do recurso interposto de decisão interlocutória Em sede de audiência, realizada em 23.11.2022, foi proferido o seguinte despacho: “No mais, o Tribunal procedeu, também, à análise e leitura do exercício do contraditório por parte da autora aos documentos juntos no requerimento em 10-05-2022, referência 42189630, sendo que quanto ao aí requerido, por exposição dada entrada aos 16-11-2022, referência 43898115, o Tribunal indefere qualquer notificação da requerida nos termos solicitados, uma vez que nesta fase inicial em que nos encontramos não cabe aqui proceder a mais investigação a esse respeito, dado que com tal pretensão pretende a aqui autora colocar em causa concretamente este ou aquele determinado negócio, bem como esta ou aquela determinada opção adotada pela gestão da sociedade requerida, o que obviamente não é cabível nesta fase dos autos.” Os Requeridos alertaram para a inadmissibilidade da impugnação desta decisão por não ter obedecido ao prazo legal, apenas, passível de apelação autónoma, nos termos da al. d) do nº 2 do art.º 644º do CPC. Cumpre decidir. Para além de caber recurso, verificados determinados pressupostos, da decisão final, a lei processual admite a impugnação, como recurso de apelação autónoma, além do mais, do despacho de admissão ou rejeição de meio de prova (cfr. art.º 644.º, n.º 2, al. d) do CPC). O prazo normal do recurso é de 30 dias, porém, reduz-se para 15 dias nos casos urgentes e justamente nos casos previstos no mencionado art.º 644.º, n.º 2 do CPC ex vi art. 638.º n.º 1 do C.P.Civil. Tendo a Recorrente impugnado o despacho que indeferiu os meios de prova por si requeridos tão-só no recurso da decisão final, conclui-se que não foi observado o prazo legal, razão pela qual não será objecto de apreciação. * Da Impugnação da Decisão da Matéria de Facto não provadaNos termos do artº. 662º. do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. A possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova revisitados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo. Se a decisão do julgador está devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.[1] A Requerente pretende que seja alterada a decisão proferida sobre os factos dados como não provados nos pontos 2, 3 e 4: “2) Os requeridos, por força de inércia de iniciativa judicial de cobrança de valores devidos à sociedade A..., tenham actuado prejudicando os interesses desta mesma sociedade” 3) A requerente permanece na ignorância acerca de assuntos societários da sociedade requerida; 4) “Os requeridos, por força de inércia de iniciativa judicial de cobrança de valores devidos à sociedade A..., tenham actuado prejudicando os interesses desta mesma sociedade. Para tanto, baseou-se exclusivamente em documentos (contratos) que, na sua opinião, deviam ter conduzido a uma decisão inversa. A factualidade inserta nos pontos 2) e 4) não tem utilidade para decidir a questão de saber se ocorreu recusa ilegítima em prestar informações à Requerente, fundamento do presente processo de inquérito judicial. Na verdade, essa matéria poderá ser alegada numa acção com um objecto diferente do presente processo, destinada a responsabilizar os gerentes da sociedade, não sendo esta a sede própria para esse efeito. O ponto 3) contém uma mera conclusão a extrair de factos concretos. No entanto, sempre se dirá que tal conclusão foi contrariada pelos meios de prova produzidos, resultando o oposto nomeadamente da alínea g) dos factos provados na qual se consignou que “Grande parte da documentação/informação solicitada era já do conhecimento da autora, após convocatória para a Assembleia Geral do corrente ano (2022)”. Assim sendo, mantém-se a decisão em causa. * II—Delimitação do Objecto do Recurso A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se a sociedade Requerida, através dos seus legais representantes, recusou ilicitamente à sócia o direito de obter informação sobre a respectiva gestão. * III—FUNDAMENTAÇÃOFACTOS PROVADOS (elencados na sentença) a)-A requerida “A..., Lda.” é uma sociedade comercial por quotas com sede na Av.ª ..., ... ..., Santo Tirso, com objecto comercial consistente em construção civil, bem como a urbanização, projecção e edificação de prédios urbanos e seu acabamento, a aquisição e alienação de imóveis, seus loteamentos e venda de terreno, tem como capital social € 260.000,00, e como sócios BB (quota de € 85.000,00), AA (quota de € 85.000,00) e CC (duas quotas, uma de € 35.120,21 e outra de € 49.879,79), sendo seus gerentes os sócios CC e BB; b)-A requerente sabe que a sociedade requerida é detentora de imóvel, que se encontrava arrendado e que era gerador de proveitos para a sociedade; c)-Por carta registada com aviso de recepção datada de 31.01.2022, a requerente solicitou aos requeridos, nos termos do art.º 181.º do CSC, o envio por escrito da seguinte documentação: . relatório de gestão do exercício de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, as contas dos mesmos exercícios com respectivos anexos, demais documentos de prestação de contas, incluindo, mas sem limitar demonstrações de resultados, demonstrações financeiras, balanço, anexo ao balanço e à demonstração de resultados, balancete analítico; . cópia de todas as convocatórias de assembleias gerais respeitantes aos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021; . cópia integral do livro de actas; . listagem de imobilizado a 31.12.2017, 31.12.2018, 31.12. 2019, 31.12.2020 e 31.12.2021; . listagem de imóveis próprios, acompanhadas das respectivas certidões matriciais; . relação de aquisições e alienações ocorridas nos exercícios de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021; . listagem de existências a 31.12.2017, a 31.12.2018, 31.12.2019, a 31.12.2020 e 31.12.2021; . resumo das facturas vencidas e não pagas a fornecedores e outros credores à data de 31.12.2017, a 31.12.2018, a 31.12.2019, 31.12.2020, e 31.12.2021; . cópia das declarações de IVA, IRS, e Segurança Social, dos exercícios de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, bem como certidão da existência de dívidas à AT e à Segurança Social; . cópia da folha de caixa a 31.12.2017, 31.12.2018, 31.12.2019, 31.12.2020 e 31.12.2021; . cópia das conciliações bancárias dos depósitos à ordem referentes a 31.12.2017, 31.12.2018, a 31.12.2019, a 31.12.2020 e 31.12.2021; . cópia dos extractos bancários dos últimos 36 meses; . montantes globais das remunerações pagas, relativamente a cada um dos últimos três anos, aos membros dos órgãos sociais, tudo como flui do teor de fls. 13 e 14 dos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; d)-Até à data em que deu entrada em juízo a presente demanda, é dizer 02.03.2022, ainda não haviam sido prestados à requerente a integralidade dos elementos solicitados em c); e)-A autora foi sendo sempre convocada, ao longo dos anos, de forma informal, verbalmente ou por interposta pessoa, sem qualquer oposição da sua parte, o que ocorria atentas as relações familiares existentes, sendo a autora sobrinha dos requeridos e neta do sócio EE, bem como devido ao facto de o seu ex-marido ter prestado serviços de Director-Geral para as empresas da família; f)-Na missiva aludida em c) não foi fixado qualquer prazo para prestação das informações solicitadas, em razão do que, estando prevista data para a realização da Assembleia Geral da aprovação das contas no ano de 2021, entenderam os sócios gerentes da sociedade requerida prestar as informações por altura da data da dita Assembleia, assim permitindo analisar as contas do ano de 2021 que na data da recepção da carta ainda não estavam prontas; g)-Grande parte da documentação/informação solicitada era já do conhecimento da autora, após convocatória para a Assembleia Geral do corrente ano (2022); h)-A documentação do exercício do ano de 2021 foi analisada por representante da autora que se deslocou à sede da sociedade; i)-Conforme acta número sessenta, no dia 23 de março de 2022, pelas 15h e 20 m, na sede social da sociedade comercial por quotas denominada “A..., Lda.”, sita na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Santo Tirso, reuniram em assembleia geral os sócios BB, CC, AA (assessorada pela Dr.ª FF, advogada), EE (representado pela Dr.ª GG, advogada), HH, tendo tal assembleia (precedida de convocatória) tido a seguinte ordem de trabalhos: (1) discussão e aprovação do Relatório de Gestão e contas do exercício de 2021; (2) apresentação e discussão do Relatório e contas dos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, a pedido da sócia AA; (3) Apresentação e deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados constante do Relatório de Gestão; (4) Apresentação e deliberação sobre a proposta de distribuição de Reservas Livres pelos sócios, no montante de € 553.070,69, tudo como flui do teor do documento junto a fls. 33 verso a fls. 36, que aqui se dá por integralmente reproduzido; j)-Na acta aludida na alínea anterior, mais ficou consignado que a sócia AA pediu a palavra e passou a ler a sua declaração de voto, mencionando que ainda não havia recebido as informações solicitadas pela missiva que havia enviado, e que nesse seguimento, ao desconhecer, em absoluto, o funcionamento da sociedade, suas contas e seus proveitos e custos, se abstinha na votação do ponto um da ordem de trabalhos, sendo que quanto ao ponto dois dessa mesma ordem de trabalhos, foi consignado que foi apresentada e entregue toda a documentação dos anos de 2017, 2018, 2019, e 2020 à sócia AA, a qual será rubricada pela Dr.ª FF e anexa à presente acta, tendo a sócia AA pedido novamente a palavra e referido que a assembleia geral não era o local apropriado para a apresentação e discussão de relatórios e contas que já foram alegadamente aprovados em assembleia geral anterior, mais fazendo questão de repetir que não era convocada para uma assembleia geral desde 2018 e que desde esta data que não lhe tem sido facultada a informação mais elementar da empresa, desconhecendo se os relatórios e contas dos anos de 2018 até ao presente são o espelho da efectiva actividade da empresa; l)-Mais consta, da acta mencionada em i), que quanto ao ponto quatro da ordem de trabalhos, foi proposto pelo presidente da mesa fazer a distribuição de reservas livres conforme folha anexa à acta, tendo a sócia AA, após ter pedido a palavra, referido que o montante de reservas livres será de € 685.275,21, não entendendo, assim, a razão de ser para a distribuição do montante de € 553.070,69, na medida em que não se consegue descortinar face aos valores acabados de referir, qual a justificação, o racional económico ou financeiro, para a tomada desta deliberação, e que pela consulta que havia realizado havia constatado que teriam sido já distribuídos dividendos pelos outros sócios em violação do princípio da igualdade de tratamento dos sócios, assim exigindo esclarecimento a tal respeito, tendo a sócia BB tomada a palavra e dito, em resposta às questões colocadas, que nunca existiram distribuições de dividendos, assim ficando prejudicadas todas as demais questões a tal respeito suscitadas, sendo que colocada à votação tal ponto quatro, foi o mesmo aprovado com os votos favoráveis dos sócios BB, CC, EE e HH, e com a abstenção da sócia AA, tendo sido entregues os respectivos cheques aos aludidos sócios, a titular os dividendos; m)-A aquisição, por compra, de Edifício de rés do chão, para armazém com 1100 m2 e logradouro com 110 m2, artigo ...; edifício de rés do chão, para armazém com 1100 m2 e logradouro com 120 m2, artigo ..., e edifício de rés do chão com 900 m2 e logradouro com 590 m2, artigo ..., a confrontar do norte com arruamento de nome a designar, a sul com arruamento C, a nascente com lote ..., e a poente com II, encontra-se registada a favor da sociedade requerida desde 06.03.1989 (cfr. documentos de fls. 79 a 81 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido); n)-A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu aos 09.02.2022, declaração da qual consta que a sociedade requerida “A...” tem a situação tributária regularizada (cfr. fls. 81 verso dos autos); o)-ISS, Centro Distrital ..., declarou, aos 09.02.2022, por escrito, que a sociedade requerida tem a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social (cfr. fls. 82 dos autos); p)-Os requeridos procederam à junção aos autos das cópias das actas desde 1997 até ao ano 2022, às declarações de IRC dos exercícios de 2017 a 2021 e a recibos de prestação de serviços do TOC e atinentes comprovativos de pagamentos, conforme documentação anexa com o requerimento com a ref.ª 43892839, cujo teor aqui damos por reproduzido, para os devidos e legais efeitos; q)-Por referência à sociedade requerida, e no que tange aos exercícios de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, não houve lugar a quaisquer alienações, nem aquisição de imóveis e equipamentos naqueles exercícios, o que foi transmitido à sócia AA e é do seu conhecimento; r)-A sociedade requerida detém apenas um imóvel que se encontra arrendado, não havendo lugar a qualquer listagem de existências nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, nem quaisquer facturas vencidas e não pagas a fornecedores e outros credores às datas de 31.12.2017, 31.12.2018, 31.12.2019, 31.12.2020, 31.12.2021; s)-A sociedade requerida está isenta de IVA, assim não fazendo declarações de IVA, e como também não tem pessoal ao serviço não desconta IRS nem faz descontos para a segurança social; t)-A sociedade A... não faz movimentos de caixa, uma vez que as suas operações são de reduzido valor e escassas, efectuando todos os movimentos financeiros directamente pela conta do banco, em razão do que inexiste folha de caixa; u)-Não existem ou sequer foram processadas remunerações aos membros dos órgãos sociais nos últimos três anos; v) Por escrito datado de 30.12.2009, intitulado “Contrato de Cessão de Créditos”, em que constam como outorgantes a sociedade A..., Lda. (primeira outorgante), B... SGPS, S.A. (segunda outorgante), AA (terceira outorgante), BB (quarta outorgante), CC (quinto outorgante), fez-se consignar que a primeira outorgante – Sociedade A... – é credora dos terceira, quarta e quintos outorgantes, em comum, da quantia de € 302.552,17, cabendo a cada um respectivamente as quantias de € 100.850,72, devidamente reveladas na contabilidade da primeira e reconhecidos pelos demais outorgantes, dados por vencidos naquela data, e que, pelo aludido escrito se estipulava que a A... cedia à sociedade B... (segunda outorgante), a totalidade dos referidos créditos que detém sobre os terceira, quarta e quinto outorgantes, obrigando-se a segunda outorgante B... a pagar à primeira o respectivo preço global das cessões dos créditos no valor de € 302.552,17, através de seis prestações semestrais e sucessivas, no valor de € 50.425,36, e a última de € 50.425,37, vencendo-se a primeira seis meses após a assinatura do escrito em causa, sendo que ali constam as assinaturas apostas de EE, AA, BB e CC, e a afirmação de que os terceira, quarta e quintos outorgantes declararam aceitar a aludida cessão de créditos, tudo como flui do teor do documento junto a fls. 159 verso e 160 dos autos, que aqui se dá por reproduzido; x)-Por escrito intitulado “Contrato de Cessão de Créditos”, datado de 30 de setembro de 2004, em que figuram como outorgantes “A..., Lda.” (primeiro outorgante) e “B... SGPS, S.A.” (segundo outorgante), foi consignado que o primeiro contratante é detentor de direitos de crédito sobre DD que atingem o montante total de € 66.266,88, e que pelo presente acordo, aquele primeiro outorgante cede ao segundo os aludidos créditos pelo preço de € 66.266,88 que o segundo contratante se compromete a pagar em 4 prestações semestrais iguais e sucessivas no valor de € 16.566,72, tudo como flui do documento junto a fls. 161 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido. ** Factos não provados:Não resultou demonstrado, com interesse para a presente decisão, que: 1) Desde o ano de 2017, a requerente não tenha sido convocada para a realização de qualquer assembleia de sócios; 2) Os requeridos tenham denegado informação solicitada pela requerente, e lhe tenham vedado acesso a documentação social; 3) Por virtude do referido em 1) e 2), a requerente permaneça na ignorância acerca dos assuntos societários da sociedade requerida; 4) Os requeridos, por força de inércia de iniciativa judicial de cobrança de valores devidos à sociedade A..., tenham actuado prejudicando os interesses desta mesma sociedade; 5) A autora, através da presente demanda, vise apenas perturbações na gerência da sociedade ré. * IV-DIREITOA Requerente fundamentou o pedido de inquérito judicial à sociedade, da qual é sócia, alegando não lhe ter sido permitida a consulta, para exame, dos documentos referentes a vários exercícios sociais pois desde 2017 que não é convocada para a realização de qualquer assembleia de sócios, tendo solicitado, por escrito, diversas informações, as quais não vieram a ser prestadas até à data da demanda. A sua pretensão foi julgada improcedente por não ter ficado demonstrada a invocada recusa ou omissão ilícita de prestação de informações societárias. No recurso, a Requerente reiterou a sua posição no sentido de que, na data da interposição do presente processo, estava objectivamente impedida pela Recorrida de obter as informações que pretende, não lhe restando outra alternativa que não fosse o recurso à via judicial. Quadro Legal O direito de informação consagrado no artigo 21º, nº 1, alínea c), do Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece que “Todo o sócio tem direito: (…) a obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato”. E o artigo 214º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, aplicável às sociedades por quotas, concretiza esse direito nos seguintes termos: “Os gerentes devem prestar a qualquer sócio que o requeira informação verdadeira, completa e elucidativa sobre a gestão da sociedade e bem assim facultar-lhe na sede social a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos. A informação será dada por escrito, se assim for solicitado”. O direito de informação, que assiste ao sócio, tem sido interpretado pela doutrina e jurisprudência por forma a ser distinguido o direito à informação stricto sensu que versa especificamente sobre actos ou factos de gestão da sociedade do direito de consulta dos registos documentais que espelham o desenvolvimento da sua actividade em diversas áreas. No Acórdão proferido por esta Relação do Porto, de 17/01/2000[2], esta distinção é explicada nestes termos: “De acordo com o disposto no artigo 214º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais, o direito à informação “stricto sensu” só pode ter como objecto a “gestão da sociedade”, isto é, o sócio só pode requerer que o gerente preste informação sobre actos ou factos que se integrem na “gestão da sociedade”. (...) A “gestão da sociedade” que aí se pretende ver inserida é a que se compadece tão só com actos substantivos de gestão no com actos de mero registo dessa gestão pois, a entender-se doutro modo, ficaria sem justificação, sem interesse, e, de alguma forma, sem conteúdo o direito de consulta da respectiva escrituração, livros e documentos, já que o resultado de uma possível aos livros da escrituração, de que faz parte o “Diário Razão”, poderia ser obtido através dos gerentes ou administradores” (...) a entender-se de outra forma, (...) poderia transformar-se o gerente ou administrador em constante informador contabilístico, permitindo-se, desta forma, um constante exercício de chicana por parte dos sócios e para com os gerentes ou administradores da sociedade”. Por conseguinte, o direito à informação (lato sensu), que assiste ao sócio, desdobra-se no direito à informação stricto sensu cuja finalidade consiste na obtenção de informações sobre actos de gestão da sociedade e no direito de consulta dos documentos existentes na sede social. A informação, a consulta ou a inspecção, à luz do artigo 215.º, n.º 1 do CSC, só podem ser recusadas pelos gerentes quando for de recear que o sócio as utilize para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta e, bem assim, quando a prestação ocasionar violação de segredo imposto por lei no interesse de terceiros. No caso de recusa ilícita de prestação de informação ou de recebimento de informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, o sócio pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade. Sobre esta norma Remédio Marques[3] reconhece, citando João Labareda, que “é apenas uma das normas destinada a dotar o sócio de instrumentos de reacção à violação do direito à informação, tanto por acção como por omissão.” Os direitos sociais são sui generis[4] por resultarem da posição complexa de sócio, revestindo uns natureza patrimonial e outros, os chamados direitos de participação na vida da sociedade, não são na sua essência susceptíveis de imediata avaliação pecuniária.[5] Nesta conformidade, Pinto Furtado[6] esclarece que a posição de sócio envolve um feixe de direitos e obrigações de naturezas diferentes que se devem distinguir, para este efeito, consoante a sua natureza, em patrimoniais, por um lado, e associativos (corporativos, políticos, administrativos…) por outro. Assim, o direito de ser convocado, de estar presente, de intervir e de votar na assembleia geral são direitos atribuídos ao sócio, englobados no direito corporativo geral pois compete por igual a todos os sócios e refere-se ao direito geral de participar na administração social. [7] Especificamente sobre o direito à informação, Raúl Ventura[8], na anotação ao artigo 214.º, esclareceu que este direito “é geralmente qualificado como um direito extra-patrimonial do sócio, instrumental para o exercício de outros direitos, patrimoniais ou extra-patrimoniais.” Acrescentando, com interesse, que “o pedido de informação sobre “Gestão da sociedade” abrange os eventos que compõem a vida social. O sócio não pode pedir ao gerente nem justificação de actos praticados, nem juízos valorativos sobre eles, nem previsões, de âmbito mais ou menos vasto. (…)”[9] Para Ana Gabriela Ferreira Rocha[10] “(...) podemos definir informação como a possibilidade de acesso a quaisquer dados, de facto ou de direito, relacionados com o andamento dos negócios sociais ou a gestão da sociedade, obtidos de modo directo ou indirecto, independentemente dos meios ou instrumentos utilizados para o seu conhecimento, assim como o conteúdo ou substracto que deriva daquela possibilidade de acesso”. No plano adjectivo, o inquérito judicial à sociedade, que constitui um dos processos de jurisdição voluntária, sistematizado no capítulo sobre o exercício de direitos sociais, é regido pelo artigo 1048.º e segs. do C.P.Civil. De harmonia com o referido art. 1048.º, n.º 1 do C.P.C. o interessado que pretenda a realização de inquérito judicial à sociedade, nos casos em que a lei o permita, alega os fundamentos do pedido de inquérito, indica os pontos de facto que interesse averiguar e requer as providências que repute convenientes. O descrito quadro dogmático e legal permite-nos compreender o regime (substantivo e processual) aplicável ao exercício do direito de informação do sócio que subjaz o pedido de inquérito judicial à sociedade. Assim sendo, no âmbito de uma acção judicial, compete ao sócio alegar e provar factos concretos que revelem ter a sociedade, através dos seus legais representantes, recusado ilicitamente prestar informação ou/e o recebimento de informação presumivelmente falsa, insuficiente ou incompleta-v. art.º 342.º, n.º 1 do C.Civil. Portanto, a questão principal resume-se em saber se a Recorrente alegou e provou factos que nos habilitem a concluir que a sociedade, através dos seus legais representantes, de forma injustificada, recusou a informação devida sobre os actos praticados de gestão societária. A Requerente enviou uma carta à Requerida pedindo, sem fixar qualquer prazo, que lhe fosse enviada informação referente ao exercício, relatório de gestão dos exercícios e contas com respectivos anexos de cinco anos (2017 a 2021), documentos de prestação de contas, demonstração de resultados, demonstrações financeiras, de resultados e balancete analíticos; cópia de todas as convocatórias de assembleias gerais respeitantes aos mencionados anos, cópia integral do livro de actas, listagem de imóveis próprios, e relação de aquisições e alienações ocorridas nos exercícios desses cinco anos. Volvidos apenas cerca de 60 dias após o envio do pedido da referida extensa e numerosa documentação, a Requerente, em 02/03/2022, apresentou em juízo a pretensão que foi julgada improcedente, alegando, como já foi salientado, recusa da sociedade em prestar tais informações. Para além de ter solicitado a entrega da referida documentação, sem fixar prazo para a sua obtenção (que naturalmente exigia um esforço significativo por parte dos legais representantes da sociedade, em termos de tempo despendido na procura e impressão de numerosos documentos) não aguardou mais de 60 dias e, sem nova interpelação, deu entrada em juízo do presente processo, invocando, da parte da sociedade, recusa em lhe fornecer tais elementos. Acresce ter ficado demonstrado que a Requerente, foi sendo sempre convocada, ao longo dos anos, de forma informal, verbalmente ou por interposta pessoa, sem qualquer oposição da sua parte, o que ocorria atentas as relações familiares existentes, sendo sobrinha dos Requeridos e neta do sócio EE, bem como devido ao facto de o seu ex-marido ter prestado serviços de Director-Geral para as empresas da família. Ora, não tendo sido fixado qualquer prazo para prestação das informações solicitadas, e estando prevista data para a realização da Assembleia Geral da aprovação das contas no ano de 2021, entenderam os sócios gerentes da sociedade requerida prestar as informações por altura da data da dita Assembleia, assim permitindo analisar as contas do ano de 2021 que na data da recepção da carta ainda não estavam prontas. Por outro lado, grande parte da documentação/informação solicitada era já do conhecimento da Requerente, após convocatória para a Assembleia Geral do ano de 2022 e a documentação do exercício do ano de 2021 foi analisada por representante daquela que se deslocou à sede da sociedade. Sabemos também que o imóvel (três armazéns), pertencente à sociedade, encontra-se arrendado, situação reflectida nos exercícios de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, e não ocorreram alienações, nem aquisição de imóveis e equipamentos naqueles exercícios, o que foi transmitido à sócia e é do seu conhecimento; que não há lugar a qualquer listagem de existências nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, nem quaisquer facturas vencidas e não pagas a fornecedores e outros credores às datas de 31.12.2017, 31.12.2018, 31.12.2019, 31.12.2020, 31.12.2021; que a sociedade requerida está isenta de IVA, assim não fazendo declarações de IVA, e como também não tem pessoal ao serviço não desconta IRS nem faz descontos para a segurança social. Provou-se ainda que a sociedade não faz movimentos de caixa, uma vez que as suas operações são de reduzido valor e escassas, efectuando todos os movimentos financeiros directamente pela conta do banco, em razão do que inexiste folha de caixa, e que, de igual modo, não existem ou sequer foram processadas remunerações aos membros dos órgãos sociais nos últimos três anos. E, não podemos olvidar que em Março, mês em que a Requerente requereu ao tribunal a realização de um inquérito com fundamento na alegada recusa dos Requeridos em lhe facultar informação, os sócios reuniram-se, no dia 23, para discutirem designadamente o Relatório e contas dos exercícios de 2017, 2018, 2019 e 2020, a pedido da sócia AA. Perante o quadro factual que se apurou nos autos afigura-se-nos manifesto que, tal como foi concluído na sentença, não se verificou qualquer recusa em prestar à Recorrente as informações pretendidas, sendo que parte dessa informação já era do seu conhecimento e ia ser novamente comunicada em assembleia geral, o que determina a improcedência do pedido de realização de inquérito judicial e não a inutilidade superveniente da lide como a mesma advoga. Mesmo que tal recusa tivesse ocorrido, tem sido salientado, como acima explanámos, que a consulta de documentos, na sociedade por quotas, não deve ser pedida para ser enviada ao sócio já que se encontra disponível na sede da sociedade para consulta, sendo um meio mais eficaz e viável, contemplado na lei. Analisando um caso similar ao presente, em que também foi exigido pela sócia a prestação, por escrito, de um “conjunto muito alargado e diferenciado de informações”, o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão proferido em 19/10/2021[11], argumentou, em resumo, no sentido de que, nesta situação, não está em causa o direito à informação em sentido estrito[12] (tomada de conhecimento sobre actos substantivos e concretos de gestão) mas o direito à consulta dos documentos relativos à gestão da sociedade, que lhe competia exercer directamente na sede social. Nesse aresto esclareceu-se que “No fundo e em termos práticos, a ora requerente, sem se interessar pelo efectivo esclarecimento de qualquer questão concreta relativamente a actos ou omissões da gerência, quis apenas forçar os gerentes da sociedade - de que era igualmente sócia – a revolverem incansavelmente uma grande parte dos registos que constituem a documentação da vida societária recente, numa azáfama árdua e fastidiosa, assim os ocupando e desgastando, para lhe apresentarem depois o respectivo relato formal e pormenorizado, poupando-a desse modo a essa tarefa, sem se vislumbrar qual o acto substantivo de gestão que concretamente pretenderia inquirir, questionar, analisar, apreciar ou aprofundar.” Considerando as razões aduzidas, a sentença não merece qualquer reparo, devendo, em consequência do seu acerto jurídico, ser confirmada. * V-DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença. Custas pela Recorrente. Notifique. Porto, 12/9/2023 Anabela Miranda João Diogo Rodrigues Maria da Graça Mira _________________ [1] cfr. neste sentido Ac. Rel. Porto, de 24/03/2014 in www.dgsi.pt. [2] CJ, Ano XXV, Tomo I, págs. 184-186, citado no Ac. STJ de 19/10/2021 disponível em www.dgsi.ot. [3] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol III, Almedina, pág. 318. [4] Andrade, Manuel de, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, 1983, pág. 184, nota 1. [5] Cfr. Cunha, Paulo Olavo, Os Direitos Especiais nas Sociedades Anónimas: As acções Privilegiadas, Almedina, 1993, pág. 3. [6] Curso de Direito das Sociedades, 3.ª edição, Almedina, pág. 231. [7] Correia, Ferrer, Lições de Direito Comercial, vol. II, Sociedades Comerciais, pág. 398. [8] Sociedade por Quotas, vol. I, Almedina, 1999, 2.ª edição, pág. 282. [9] Ventura, Raúl, ob. cit., pág. 292. [10] O Direito à Informação do sócio gerente nas Sociedades por Quotas”, RDS, ano III, 2011, n.º 4, p. 1033, citada no Ac. STJ de 19/10/2021, que acompanhamos por se tratar de caso similar, disponível em www.dgsi.pt. [11] Disponível em www.dgsi.pt [12] V. Ventura, Raul, ob. cit. vol. I, 1993, págs. 283 a 286. |