Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4216/21.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: MOTORISTAS DE TRANSPORTES DE PESADOS DE MERCADORIAS
LEI MACRON
VALOR HORA
BASE DE CÁLCULO
Nº do Documento: RP202304174216/21.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC. Na dúvida sobre o propósito dos recorrentes, se porventura estes pretendiam impugnar a decisão sobre a matéria de facto, necessariamente há que entender que tal eventual pretensão deve ser liminarmente rejeitada por manifesta falta absoluta de cumprimento daquele ónus.
II - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”.
III - A Lei Macron veio fazer incidir sobre as empresas à qual se aplica, além de outras obrigações, a de proceder ao pagamento do salário mínimo interprofissional francês aos seus trabalhadores, sempre que estes exerçam a sua atividade profissional em território francês, tendo em vista combater a concorrência desleal entre empresas e entre países europeus, consagrando o Princípio Geral do Direito do Trabalho que “para trabalhador igual – salário igual”.
IV - São essas as razões que justificam que os AA., enquanto motoristas transportes de pesados de mercadorias - quando verificadas as circunstâncias indicadas na dita lei -, pelo exercício da sua atividade profissional em território francês devam receber o valor hora de € 10,52 durante a semana, e de € 23,77 nas horas suplementares, e aos fins de semana e feriados.
V - Para se saber se os AA. em contrapartida da prestação da sua actividade profissional auferem valores inferiores àqueles, isto é, se são retribuídos em montante inferior aos motoristas transportes de pesados de mercadorias franceses, importa, em termos lógicos, perceber qual a base retributiva considerada pela legislação francesa para chegar àqueles valores.
VI - A lei francesa - ao prever que os elementos do salário mínimo de referência aplicável em França incluam o salário mínimo (horário ou mensal), os acréscimos para as horas extraordinárias, bem como os acessórios de salário legal ou convencionalmente fixados – adopta um critério paralelo ao estabelecido no art.º 258.º do CT, atendendo às prestações obrigatórias por força da lei ou convencionalmente fixadas, que se caracterizam pela regularidade e periodicidade do pagamento, sendo este devido em contrapartida da prestação de trabalho.
VII - Para determinar o valor/hora do trabalho dos autores, para efeitos de atribuição da “heure Macron”, há que contemplar todas as atribuições recebidas todos os meses, mormente o vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno internacional, dias suplementares e cláusula 61.º, aliás tidas em consideração pela ré, também, para efeitos de atribuição do subsídio de Natal e subsídio de férias.
VIII - Os ditos valores têm todas as características de regularidade, periodicidade, patrimonialidade, obrigatoriedade para a ré, não se tratando de mera liberalidade desta, pressupõem uma correspectividade quanto à prestação de trabalho dos autores.
IX - A fórmula de cálculo do valor hora estabelecida na cláusula 50.º do CCT, publicado no BTE n.º 35, 15/9/2018 - actualmente Cláusula 49.ª do CCT entre as mesmas entidades, publicado no BTE n.º 45, 8/12/2019 – tem um campo de aplicação próprio e claramente definido no seu conteúdo, ao dispor “designadamente, cálculo do trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª (Regime de trabalho dos trabalhadores deslocados)”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 4216/21.8T8VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 AA, BB e CC instauraram a presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra A..., UNIPESSOAL LDA., pedindo que julgada a acção procedente seja a R. condenada a pagar-lhes o seguinte:
- ao primeiro autor o montante de € 13.626,91;
- ao segundo autor o valor de € 7.053,09;
- ao terceiro autor o valor de € 10.970,70;
- sendo todas estas quantias acrescidas de juros demora à taxa de 4%, até ao seu integral cumprimento.
Alegam, no essencial, que são motoristas de pesados de mercadorias e foram admitidos para trabalhar sob a autoridade, direção e fiscalização da Ré para exercer a categoria profissional de motorista internacional de transporte de pesados de mercadorias.
À relação laboral entre os Autores e a Ré aplica-se o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU publicado no BTE de 08/03/1980, atualizado em 2018 pelo Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS publicado no BTE n.º 53 de 15/9/2018, atualizado novamente pela revisão do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM, a FECTRANS e outros, publicado no BTE n.º 45 de 8/12/2019.
No âmbito da sua atividade enquanto motoristas internacionais de pesados ao serviço da Ré, e por determinação desta, os Autores realizaram e continuam a realizar muitas horas de trabalho em território francês.
De acordo com a intitulada “Lei Macron” - tem em vista combater a concorrência desleal entre empresas e entre Países Europeus, consagrando o Princípio Geral do Direito do Trabalho que “para trabalhador igual – salário igual” -, os motoristas de pesados de mercadorias que circulem em território francês, desde que façam uma carga ou uma descarga naquele País, ou que façam uma cabotagem, devem receber o mesmo vencimento que um motorista de pesados francês receberia no caso, aplicando-se às horas a partir do momento em que entra nas fronteiras francesas, até ao momento em que sai das mesmas.
De acordo com a “Lei Macron”, os motoristas transportes de pesados de mercadorias devem receber em território francês o valor de € 10,52 durante a semana, e de € 23,77 nas horas suplementares, e aos fins-de-semana e feriados.
De acordo com a cláusula 49.ª da CCT em vigor, BTE n.º 45 de 8 de Dezembro de 2019, (que reproduz o disposto no Art.º 271.º do Código do Trabalho), o valor da retribuição horária é calculado de acordo com a seguinte fórmula: (Remuneração base + complemento salarial + diuturnidades X 12 meses) / (Período normal de trabalho X 52 semanas).
No ano 2019, os Autores tinham como Remuneração Base € 630,00, como complemento salarial internacional € 31,50 e não tinham diuturnidades. Para determinar a retribuição horária dos Autores no ano 2019 deverá assim ser preenchida da seguinte forma: (€ 630,00 + € 31,50 X12 meses) / 2080, o que perfaz uma retribuição horária de € 3,81.
No ano 2020, os Autores tinham como Remuneração Base € 700,00, como complemento salarial internacional € 35,00 e não tinham diuturnidades. Aplicando a mesma fórmula, o valor da retribuição horária é de € 4,24.
No ano 2021, os Autores têm como Remuneração Base € 733,04, como complemento salarial internacional € 36,65 e não têm diuturnidades. Aplicando a mesma fórmula, o valor da retribuição horária é de € 4,44.
Relativamente às horas de trabalho em território francês, os Autores são credores da diferença entre a retribuição horária em cada um dos anos de 2019, 2020 e 2021 calculadas de acordo com os artigos acima, e o que deveriam ter recebido conforme determina a “Lei Macron”, que corresponde a € 10,52 durante a semana, e a € 23,77 nas horas suplementares, e aos fins- de-semana e feriados.
Apresentam quadros com indicação dos valores que lhes foram pagos pela Ré.
Concluem formulando os pedidos acima enunciados.
Realizou-se a audiência de partes, na qual estas não se conciliaram.
Regularmente notificada para o efeito, a ré apresentou contestação, contrapondo, em síntese, que a fundamentação dos AA. assenta essencialmente no modo redutor que pretendem dar ao conceito de remuneração, querendo apenas considerar a remuneração base, mais o complemento salarial para calculo do valor hora, o que é totalmente errado, já que nos valores pagos mensalmente aos autores são incluídas outras prestações regulares e periódicas que pacificamente são tidas como fazendo parte da retribuição e, como tal, com reflexo no valor hora auferido por cada um dos autores. A retribuição mensal dos autores é composta por vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno, cláusula 61 e dias suplementares, conformes recibos de vencimento juntos pelos Autores.
Quando o acervo salarial pago pela entidade empregadora ao trabalhador, tenha como componentes determinada remuneração base e certas prestações complementares, ou acessórias, ligadas a particularidades da prestação do trabalho, são consideradas no conceito de retribuição se forem percebidas como uma regularidade e periodicidade tais que criem no trabalhador uma legítima expectativa do seu recebimento, com o afastamento de qualquer carater de aleatoriedade.
O valor hora de acordo com a “Lei Macron” atribuído para 2019 foi de €10,03; para o ano de 2020, foi de 10,15€€. O valor hora da “Lei Macron” referenciado na PI pelos autores não corresponde de forma alguma ao valor real e determinado de acordo com o valor de referência do salário mínimo Francês vigente em 2019, 2020 e 2021, levando a que todos os cálculos estejam errados.
A aqui Ré, liquidou mensalmente todos os valores relativos à “Lei Macron”, sendo que este cálculo deverá ser realizado entre o valor hora atribuído de acordo aquela Lei e o valor hora auferido mensalmente pelo trabalhador. Alias, o método de cálculo está bem definido, pois nos termos do artigo 3.1 da diretiva 96/71/CE de 16 de dezembro de 1996, o artigo L. 1262-4 do Código do trabalho prevê que os elementos do salário mínimo de referência aplicável em França incluem o salário mínimo, os acréscimos para as horas extraordinárias, bem como os acessórios de salário legal ou convencionalmente fixados.
Assim, sempre que os AA. no exercício das suas funções tenham estado ao abrigo da “Lei Macron”, a Ré, sempre pagou os valores que estavam obrigados.
Conclui, pedindo que a acção seja julgada improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido dos Autores.
Findos os articulados, o Tribunal a quo não realizou audiência preliminar, tendo proferindo despacho de saneamento do processo e, na consideração da simplicidade da matéria de facto em discussão, dispensado a enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.
I.2 Subsequentemente, o Tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
Nos termos e com os fundamentos expostos decido julgar improcedentes por não provadas as pretensões dos autores AA, BB e CC, em função do que absolvo a ré “A..., Unipessoal Ld.a” dos pedidos contra ela formulados.
Custas da acção, a cargo dos autores - art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.
[..]».
I.3 Inconformados com esta sentença, os Autores interpuseram recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. As alegações apresentadas foram encerradas com as conclusões seguintes [não reproduzimos as “tabelas” referidas pelos recorrentes nas conclusões PP e RR. dada a extensão das mesmas e tendo em consideração que – enquanto meros cálculos - são irrelevantes para a determinação do objecto do recurso]:
A. Vem o presente recurso interposto da matéria de facto e de direito da douta sentença do Tribunal a Quo, na medida em que apesar de ter sido dado como provado por prova documental e confissão da Ré/Recorrida que os Autores Recorrentes trabalhavam em território francês, e ali faziam cargas, descargas ou cabotagens, tendo, portanto, direito a ser remunerados de acordo com a lei Mácron;
B. Não se conformam os Recorrentes da fórmula de cálculo utilizada para a determinação da retribuição horária, que vem incluir rúbricas que são expressamente afastadas pelo IRCT em vigor neste sector;
C. A fórmula de cálculo para a determinação da remuneração horária dos motoristas rodoviários de mercadorias encontra-se tipificada no Instrumento de Regulação Coletiva de Trabalho com Portaria de Extensão, com expressa exclusão de qualquer outro;
D. Ainda que o Tribunal a quo viesse a considerar incluir outras rúbricas que são afastadas pelo IRCT, mas que por serem pagas 13 meses por ano (nas férias e no subsídio de férias) pudesse vir a considerar para efeitos de cálculo da retribuição horária, continuaria a Recorrida em dívida para com os Recorrentes, conforme todos os cálculos que se encontram assentes por provados e confessados.
E. Neste caso, apesar de não se concordar – por ter sido afastado expressamente, só poderiam ser consideradas aquelas rúbricas que são pagas 13 vezes por ano, e nunca o trabalho suplementar.
F. Para se considerar o trabalho suplementar como fazendo parte do cálculo do valor horário, então teria aquele que ser pago (em média) também nas férias e no subsídio de férias – o que não acontecia.
G. Mas, mesmo que assim não se entendesse, e que se viesse a incluir todas as prestações pecuniárias que a sentença a quo incluiu, e mesmo que se incluísse o trabalho suplementar, continuaria a Ré/Recorrida em dívida para com os Recorrentes, conforme os cálculos que se encontram assentes, e que a seguir demonstraremos;
H. Nunca poderia a Recorrida ter sido absolvida do pedido, uma vez que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, determina o pagamento da diferença.
I. O Tribunal a Quo considerou (e bem) que os Recorrentes trabalhavam em território Francês, e que lhes era devida a diferença entre a sua retribuição horária, e aquela que decorre da Lei Macron.
J. Discorda-se do Tribunal a Quo na parte em que considera para efeitos de cálculo da retribuição horária todas as rúbricas aferidas pelos Recorrentes, incluindo o que auferiam a título de trabalho suplementar, para efeitos daquele cálculo – quando, em sentido contrário dispõe o CCTV que regulamenta este sector, afastando expressamente a inclusão daquelas.
K. Com o devido respeito – que é muito – consideramos que não andou o Tribunal a quo, ao considerar para a fórmula de cálculo do valor horário, quer o que se encontra expressamente afastado pelo IRCT, quer o valor pago a título de trabalho suplementar.
L. E, mesmo que se considerasse o que foi proferido pela douta sentença em crise, continuariam credores os Recorrentes, pois a Recorrida pagou sempre um valor inferior para efeitos da Lei Macron,
M. Razão pela qual nunca poderia a Recorrida ter sido absolvida do pedido, mas sim condenada a pagar a diferença do que pagou, para o cálculo que o Tribunal a quo entendeu dever-se fazer.
Senão vejamos,
I- A Lei Macron
N. O Tribunal a quo deu como provado, por assente, que os Recorrentes sendo motoristas de pesados de mercadorias por conta e direção da Recorrida, faziam horas de trabalho em território francês, que se enquadram no pressuposto para o recebimento de acordo com a Lei Macron – “Cumpre referir que a ré não coloca em causa a realização de trabalho, por parte dos autores em França suscetível de ser abrangido pela denominada “Lei Macron” nem o número dessas horas mas, tão somente, a forma como pretendem os autores seja determinado o valor/hora.” – Página 16, último parágrafo da Sentença.
O. Estas horas encontram-se assentes, por confissão da Recorrida, e são as que constam do Petitório, da Contestação, e da douta Sentença.
P. Encontra-se demonstrado – e confirmado pela Sentença – “Por aplicação da “Lei Macron”, os motoristas transportes de pesados de mercadorias devem receber em território francês o valor de € 10,52 durante a semana, e de € 23,77 nas horas suplementares, e aos fins de semana e feriados, também não existindo qualquer divergência de entendimento entre os autores e a ré quanto a estes valores.” – Páginas 19 e 20 da douta Sentença.
Q. A fórmula de cálculo para a determinação do valor horário, é que se encontra – em nosso entendimento – desconforme,
R. e mesmo que assim não se entendesse, e considerando a fórmula de cálculo do Tribunal a quo, continuariam os Recorrentes a ser credores.
II- Determinação do valor horário
a. Determinação da retribuição horária de acordo com o IRCT;
S. Ao sector onde se insere a relação laboral entre os Recorrentes e a Recorrida aplica-se o CCTV outorgado entre a FESTRU, atual FECTRANS, e a ANTRAM, publicado no BTE 1a série, nº 9, de 8/3/80, com as sucessivas atualizações de que foi objeto (cfr. Boletim do Trabalho e Emprego, n.º12, de 29 de março de 1981, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 16, de 29 de abril de 1982, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º18, de 15 de maio de 1983, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 18, de 15 de maio de 1986, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 18, de 15 de maio de 1988, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 1988, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 1989, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 19, de 22 de maio de 1990, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 18, de 15 de maio de 1991, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 25, de 8 de julho de 1992, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29 de junho de 1994, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 1996, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, de 15 de agosto de 1997 e Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 32, de 29 agosto de 1998, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 34, de setembro 2018 e Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 45, de 8 Dezembro de 2019), todos eles objeto de portarias de extensão que alargam a obrigatoriedade do cumprimento daqueles a todas as empresas de transporte rodoviário de mercadorias, associadas ou não das associações que outorgaram aqueles contratos, assim como a todos os trabalhadores com as categorias profissionais descritas nos mesmos, filiados ou não nas Associações Sindicais outorgantes.
T. Relativamente ao período de tempo discutido nos autos, aplica-se o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS publicado no BTE n.º 53 de 15/9/2018, atualizado pelo CCTV celebrado entre a ANTRAM, a FECTRANS e outros, publicado no BTE n.º 45 de 8/12/2019, ambos objeto de portaria de extensão.
U. Nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM, a FECTRANS e outros, publicado no BTE n.º 35, 15/9/2018, cláusula 50, dispõe a cláusula 50.a que “Com expressa exclusão do disposto na cláusula 51.a do CCTV, para todos os outros efeitos, designadamente, cálculo do trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.a (Regime de trabalho dos trabalhadores deslocados), o cálculo do valor hora é sempre efetuado de acordo com a seguinte fórmula: (Retribuição base + Complemento salarial da cláusula 45.a + Diuturnidades) x 12 Período normal de trabalho semanal x 52.”
V. Isto significa que para efeitos de determinação da retribuição horária, foi afastado expressamente as restantes cláusulas que são devidas aos motoristas por força do seu trabalho, ou seja, afastou-se expressamente a inclusão da cláusula 61.ª, do prémio TIR, do subsídio noturno, entre outras.
W. E, afastou-se expressamente – com acordo de ambas as partes outorgantes do CCTV – porque assim interessava às Entidades Patronais, para efeitos de cálculo de trabalho suplementar.
X. Ora, a ser assim, e salvo melhor opinião, não se pode para uns efeitos determinar- se o valor horário excluído as restantes cláusulas de expressão pecuniária, e para outro efeito incluí-las – resultando sempre de um benefício da Entidade Empregadora.
Y. Ao determinar-se o valor horário de acordo com o CCTV, ou seja, com a exclusão das restantes cláusulas, resulta que os Recorrentes no ano 2019 auferiam € 3,81 (€ 630,00 + € 31,50 X 12 meses) / 2080; no ano 2020 auferiam € 4,24 (€ 700,00 + € 35,00 X 12 meses) / 2080, e no ano 2021 auferiam € 4,44 (€ 733,04 + € 36,65 X 12 meses) / 2080.
Z. Tendo sido assente que as horas realizadas pelos Recorrentes são aquelas que constam do Petitório, então, s.m.o., deveria o Tribunal a Quo ter condenada a Recorrida no pagamento do valor peticionado, tendo em conta a fórmula de cálculo prescrita por IRCT.
b. Determinação da retribuição horária com as cláusulas, mas sem o trabalho suplementar;
AA. Caso assim não se entendesse, porque se deva considerar para efeitos de retribuição horária as restantes cláusulas de expressão pecuniária que são devidas todos os meses aos motoristas, incluindo nas férias e subsídio de férias, então,
BB. nunca podia ter sido tido em conta o valor auferido a título de trabalho suplementar.
CC. Em primeiro lugar porque o pagamento do trabalho suplementar é fruto de um número de horas extra realizadas pelos trabalhadores, e ao incluir aquelas horas como fazendo parte da retribuição horária, inviabiliza a equação utilizada para o efeito.
DD. Veja-se que a equação é [(Retribuição X 12 meses) / (período normal de trabalho X número de semanas)], o que significa que o cálculo da última parte da equação nunca seria igual (40 horas x 52 semanas), mas sim (o número de horas semanais acrescido do trabalho suplementar x 52 semanas), o que resultaria num valor horário não muito diferente daquele a que acima se identificou.
EE. Por outro lado, para efeitos de comparação com a Lei Macron, utiliza-se o valor da hora normal em França, quer nos dias úteis, quer aos fins de semana e feriados, e não o valor da hora de trabalho extraordinário naquele País – valor esse que é muito superior ao que é pago em Portugal.
FF. Por último, teria algum fundamento o que foi alegado pela Recorrida (incluir o trabalho suplementar pago), e aceite pelo Tribunal a Quo, se, aquele trabalho suplementar fosse pago em termos médios também nas férias e no subsídio de férias, ou seja 13 vezes por ano – o que não era o caso.
GG. Razão pela qual, e mesmo que venha a dar-se provimento à inclusão das cláusulas que foram afastadas por CCTV para aquele cálculo, nunca poderá ser incluído o valor pago a título de trabalho suplementar.
HH. Ao determinar-se o valor horário de acordo com a inclusão das cláusulas de expressão pecuniária auferidas pelos Recorrentes (apesar de expressamente afastadas pelo CCTV), mas sendo excluído o valor pago a título de trabalho suplementar, então, os Recorrentes no ano 2019 auferiam € 6,71 ((630,00€+31,50€+130,00€+66,15€+305,94€) x 12 / 2080); no ano 2020 auferiam € 7,46 ((700+35+135+352,8+70) x 12 / 2080), e no ano 2021 auferiam € 7,77 ((733,04+36,65+135+369,45+73,3) x 12/2080).
II. Resultando que o valor transferido para os Recorrentes a título de compensação pelo trabalho realizado no território francês, é muito inferior ao que deveria ter sido transferido, como a seguir veremos.
c. Determinação da retribuição horária com as cláusulas, e com o trabalho suplementar;
JJ. Mesmo que este Venerando Tribunal venha a dar razão à fórmula de cálculo para a determinação do valor horário incluindo o trabalho suplementar (o que muito sinceramente não se compreende), ainda assim, as transferências realizadas pela Recorrida para os Recorrentes seriam inferiores ao que decorre da aplicação da Lei Macron às horas que estão reconhecidas como tendo sido trabalhadas em território francês.
KK. A própria Recorrida transcreveu o valor determinado como valor hora (que foi aceite pela douta sentença em crise), e duma simples equação, verifica-se continuar em dívida para com os Recorrentes.
LL. Razão pela qual, nunca a sentença poderia ter sido a absolvição da Recorrida, mas sim a condenação do pagamento da diferença.
III. VALOR EM DÍVIDA
d. Determinação da retribuição horária de acordo com o IRCT;
MM. Se for considerado pelo Venerando Tribunal que a fórmula de cálculo para a determinação do valor horário é aquele que resulta do IRCT, então, deverá a sentença recorrida ser revogada, e em substituição deverá a Recorrida ser condenada a pagar
a. Ao Primeiro Recorrente € 12.987,91 (doze mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e um cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
b. Ao Segundo Recorrente € 6.737,25 (seis mil setecentos e trinta e sete euros e vinte e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
c. Ao Terceiro Recorrente € 10.330,19 (dez mil trezentos e trinta euros e dezanove cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
NN. Tudo conforme consta da Petição Inicial, e da documentação junta.
e. Determinação da retribuição horária com as cláusulas, mas sem o trabalho suplementar;
OO. Se o Venerando Tribunal entender que apesar de afastado por IRCT, deverá ter-se em conta as restantes cláusulas de expressão pecuniária, com exceção do trabalho suplementar, então deverá a Recorrida ser condenada a pagar:
a. Ao Primeiro Recorrente, € 6.912,15 (seis mil novecentos e doze euros e quinze cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
b. Ao Segundo Recorrente, € 3.397,48 (três mil trezentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
c. Ao Terceiro Recorrente € 4.841,91(quatro mil oitocentos e quarenta e um euros e noventa e um cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
PP. Tudo conforme se verifica pela tabela abaixo,
[não reproduzida pelas razões acima referidas]
f. Determinação da retribuição horária com as cláusulas, com o trabalho suplementar;
QQ. E mesmo que este Venerando Tribunal dê total provimento à Sentença em crise, considerando que para efeitos de determinação do valor hora se deva incluir também o auferido a título de trabalho suplementar, (o que não se compreenderia), ainda assim, continuaria a Recorrida em dívida, devendo ser condenada a pagar:
a. Ao Primeiro Recorrente, € 3.888,63 (três mil oitocentos e oitenta e oito euros e sessenta e três cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
b. Ao Segundo Recorrente, € 2.399,05 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
c. Ao Terceiro Recorrente € 2.221,10 (Dois mil duzentos e vinte e um euros e dez cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
RR. Tudo conforme se verifica pela tabela abaixo,
[não reproduzida pelas razões acima referidas]
Razão pela qual,
Revogando a sentença em crise, e condenando a Recorrida no pagamento da diferença das horas Macron conforme peticionado no Requerimento Inicial, porque a fórmula de cálculo para a determinação do valor hora é aquele que decorre do IRCT, tendo sido afastado expressamente qualquer outra fórmula de cálculo,
Ou,
Revogando a sentença em crise, e condenando a Recorrida no pagamento da diferença das horas Macron, incluído na fórmula de cálculo as rúbricas que apesar de afastadas pelo IRCT devam ser tidas em conta para aquela fórmula, com exceção do Trabalho suplementar,
Ou,
Mantendo a sentença em crise (com o cálculo do trabalho suplementar), mas condenando a Recorrida no pagamento da diferença das horas Macron que deviam ter sido transferidas e não foram.
I.4 A Ré não contra-alegou.
I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto nesta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da procedência do recurso, na consideração. No essencial, do seguinte:
- «[..]
Nos termos do art.º 3º, n.º 3, al. j) do Cód. Trabalho, as normas legais reguladoras do contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem à forma de cumprimento e garantia da retribuição.
No CCTV aplicável às relações de trabalho entre os autores e a ré (CCTV outorgado entre a FESTRU, actual FECTRANS, e a ANTRAM, publicado no BTE 1a série, no 9, de 8/3/80, com as sucessivas actualizações de que foi objecto) prevê-se a forma de cálculo do valor da retribuição horária, com benefício para os trabalhadores.
Por outro lado, está assente que estão os trabalhadores têm direito a receber as quantias a que tem direito ao abrigo da chamada “Lei Macron” por prestarem trabalho em França, bem como as horas de trabalho efectivamente prestado.
Assim, no cálculo do valor da retribuição horária deveria tomar-se em conta o disposto no CCTV aplicável, na medida em que se mostra mais favorável aos trabalhadores/Autores.
Nestes termos, entende-se que o recurso dos autores merece provimento.».
I.6 Cumpriram-se os vistos legais e foi determinado que o processo fosse submetido à conferência para julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pelos recorrentes consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao entender que “nada há a apontar à forma como a ré determinou o valor/hora do trabalho dos autores, para efeitos de atribuição da “heure Macron”, contemplando todas as atribuições recebidas pelos autores todos os meses, mormente o vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno internacional, dias suplementares e cláusula 61.º, aliás tidas em consideração pela ré, também, para efeitos de atribuição do subsídio de Natal e subsídio de férias, como resulta claramente dos recibos de vencimento juntos aos autos pelos próprios autores”, em consequência concluindo pela improcedência da pretensão daqueles e absolvendo a Ré dos pedidos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo Tribunal a quo não foi objecto de impugnação, nem há lugar a qualquer alteração oficiosa da matéria de facto por este Tribunal de recurso. Assim, nos termos do disposto no n.º6, do art.º 663.º, do CPC, remete-se “para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria”.
II.2 Questão prévia: pretendem os recorrentes impugnar a decisão sobre a matéria de facto?
No início da conclusão A lê-se o seguinte: “Vem o presente recurso interposto da matéria de facto e de direito da douta sentença do Tribunal a Quo, [..]”.
Esta conclusão reproduz literalmente a introdução inicial do requerimento recursivo, onde sob o título “I- OBJETO DO RECURSO”, os recorrentes começam por dizer “Vem o presente recurso interposto da matéria de facto e de direito da douta sentença do Tribunal a Quo [..).
Sucede que, se aparentemente os recorrentes anunciam o propósito de impugnar a matéria de facto, depois nada concretizam para o fazer, não se encontrando quer nas alegações quer nas conclusões qualquer alegação que minimamente suscite em termos concretos a discordância quanto a qualquer um dos pontos da matéria de facto.
Como é sabido, pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Ora, nada disso se encontra nas alegações, nem nas conclusões.
Por conseguinte, na dúvida sobre o propósito dos recorrentes, se porventura estes pretendiam impugnar a decisão sobre a matéria de facto, necessariamente há que entender que tal eventual pretensão deve ser liminarmente rejeitada por manifesta falta absoluta de cumprimento dos ónus de impugnação estabelecidos no art.º 640.º do CPC.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Os recorrentes insurgem-se contra o decidido, defendendo que o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, ao ter concluído que “nada há a apontar à forma como a ré determinou o valor/hora do trabalho dos autores, para efeitos de atribuição da “heure Macron”, contemplando todas as atribuições recebidas pelos autores todos os meses, mormente o vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno internacional, dias suplementares e cláusula 61.º, aliás tidas em consideração pela ré, também, para efeitos de atribuição do subsídio de Natal e subsídio de férias, como resulta claramente dos recibos de vencimento juntos aos autos pelos próprios autores”.
A fundamentação da sentença recorrida é a seguinte:
À relação de trabalho entre os autores e a ré aplica-se o CCTV outorgado entre a FESTRU, actual FECTRANS, e a ANTRAM, publicado no BTE 1a série, nº 9, de 8/3/80, com as sucessivas actualizações de que foi objecto (cfr. Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 12, de 29 de março de 1981, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 16, de 29 de abril de 1982, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 18, de 15 de maio de 1983, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 18, de 15 de maio de 1986, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 18, de 15 de maio de 1988, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º20, de 29 de maio de 1988, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 1989, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 19, de 22 de maio de 1990, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º18, de 15 de maio de 1991, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 25, de 8 de julho de 1992, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29 de junho de 1994, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 20, de 29 de maio de 1996, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 30, de 15 de agosto de 1997 e Boletim do Trabalho e Emprego, n.º32, de 29 agosto de 1998, Boletim do Trabalho e Emprego, n.º34, de setembro 2018 e Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 45, de 8 Dezembro de 2019), todos eles objeto de portarias de extensão que alargam a obrigatoriedade do cumprimento daqueles a todas as empresas de transporte rodoviário de mercadorias, associadas ou não das associações que outorgaram aqueles contratos, assim como a todos os trabalhadores com as categorias profissionais descritas nos mesmos, filiados ou não nas Associações Sindicais outorgantes.
Nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM, a FECTRANS e outros, publicado no BTE n.º 35, 15/9/2018, cláusula 50, “Com expressa exclusão do disposto na cláusula 51.ª do CCTV, para todos os outros efeitos, designadamente, cálculo do trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª (Regime de trabalho dos trabalhadores deslocados), o cálculo do valor hora é sempre efetuado de acordo com a seguinte fórmula: (Retribuição base + Complementos salariais (cláusula 45.ª) + Diuturnidades) x 12 Período normal de trabalho semanal x 52 (que reproduz o disposto no Art.º 271.o do Código do Trabalho)”,
Já no artigo 271.º do C.T. prescreve-se que
“1 - O valor da retribuição horária é calculado segundo a seguinte fórmula:
(Rm x 12):(52 x n)
2 - Para efeito do número anterior, Rm é o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal, definido em termos médios em caso de adaptabilidade.”
Entretanto, em 1 de Julho de 2016 entrou em vigor em França o decreto N.º 2016-418, de 7/4, tendo por objecto a “adaptation de certaines dispositions du code du travail applicables aux entreprises établies hors de France détachant des salariés roulants ou navigants sur le territoire français pour tenir compte des spécificités du secteur des transports”, com vista à “.. l'application des dispositions du chapitre unique du titre III du livre III de la première partie législative du code des transports, telles qu'issues de l'article 281 de la loi n° 2015-990 du 6 août 2015 pour la croissance, l'activité et l'égalité des chances économiques.”.
Aquele decreto apenas se aplica às empresas não residentes em território francês:
i) que deslocam motoristas para a França para realização de operações de transporte com origem ou destino em França;
ii) ou com operações de cabotagem nesse país.
Só essas empresas ficaram sujeitas, designadamente, à obrigação do pagamento do salário mínimo interprofissional francês aos seus trabalhadores deslocados decorrente da conjugação daqueles diplomas legais.
Como bem referem os autores na sua P.I., a mencionada “Lei Macron” tem em vista combater a concorrência desleal entre empresas e entre países europeus, consagrando o Princípio Geral do Direito do Trabalho que “para trabalhador igual – salário igual”.
Por aplicação da “Lei Macron”, os motoristas transportes de pesados de mercadorias devem receber em território francês o valor de € 10,52 durante a semana, e de € 23,77 nas horas suplementares, e aos fins de semana e feriados, também não existindo qualquer divergência de entendimento entre os autores e a ré quanto a estes valores.
Note-se que no caso dos autos, embora os autores tenham formulado, no art. 12.º da P.I., corretamente, as premissas de aplicação da “Lei Macron”, em termos gerais, depois acabam por alegar que realizaram “horas” de trabalho em território francês, não concretizando se se deslocavam a França para realização de operações de transporte com origem ou destino nesse país ou aí realizavam de operações de cabotagem.
A questão, no caso sub judice (sendo que em abstrato é muitíssimo relevante, podendo determinar, desde logo, a improcedência da pretensão dos autores) acaba por ser ultrapassada pela posição processual assumida pela ré que não põe em causa o direito dos autores à aplicação, ao trabalho pelos mesmos realizado, da dita “Lei Macron”. Apenas difere dos autores na forma como calcula o valor hora, vindo a reflectir-se no montante a receber pelos mesmos em virtude da aplicação da dita Lei, entendendo que para o cálculo daquele valor hora devem ser tomadas em consideração todos os montantes recebidos mensalmente, com carácter regular, cirando nos trabalhadores “uma legítima expectativa do seu recebimento, com o afastamento de qualquer carácter de aleatoriedade”, maxime o valor a que se reporta a cláusula 61.ª.
Na cláusula 61.ª do primeiro instrumento de trabalho referido (C.C.T. de 2018) preceituava-se que:
(Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados)
1- Os trabalhadores móveis afetos ao transporte internacional, ibérico e nacional, excecionando-se destes últimos os trabalhadores móveis que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, terão obrigatoriamente o direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar, retirado o montante referido no número três.
2- Para efeito de cálculo da prestação pecuniária prevista no número anterior, será aplicável a seguinte fórmula:
(Retribuição base, complementos salariais (cláusula 45.a) e diuturnidades) x 12 VH = Período normal de trabalho semanal x 52
1.a hora x 50 %
2.a hora x 75 %
Valor total das duas horas de trabalho suplementar, conforme o caso, deverá ser multiplicado por 30 dias.
3- Ao valor apurado nos termos do número anterior, será retirado o valor correspondente ao subsídio de trabalho noturno, calculado nos termos do número 2 da cláusula 48.ª do CCTV.
4- Estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido nos números anteriores, não lhes é aplicável o disposto na cláusula 49.ª(Retribuição do trabalho suplementar em dia útil).
5- O pagamento desta prestação pecuniária substitui o número 7 da cláusula 74.ª do anterior CCTV e, bem assim, todas e quaisquer formas de pagamento do trabalho suplementar que tenham sido criadas, unilateralmente pelas empresas ou estabelecidas por acordo entre estas e os trabalhadores, mesmo que o valor desta prestação seja inferior ao anteriormente praticado.
6- No período máximo de três meses a contar da entrada em vigor do presente CCTV, as entidades empregadoras, deverão substituir as anteriores formas de pagamento do trabalho suplementar praticadas, adaptando designadamente os recibos de vencimento e declarações de remunerações, pela prestação pecuniária prevista nesta cláusula.
Por sua vez, a cláusula 61. do segundo CCT tem o seguinte teor:
“(Retribuição do regime específico de trabalho dos motoristas)
1- Os trabalhadores que, por acordo com a empresa, desempenhem a função de motorista afeto ao transporte internacional, ibérico ou nacional, excecionando-se destes últimos os motoristas que conduzem veículos com menos de 7,5 toneladas, por prestarem uma actividade que implica regularmente um elevado grau de autonomia e a possível realização de trabalho extraordinário de difícil controlo e verificação pela empresa, decorrente da imprevisibilidade da duração concreta dos serviços a serem realizados e encontrando-se deslocados das instalações dos empregadores e sem controlo hierárquico directo, terão obrigatoriamente o direito a receber, em contrapartida de tal regime, uma retribuição especifica no montante correspondente a 48 % do valor total resultante da soma da retribuição base (cláusula 44.ª), diuturnidades (cláusula 46.a) e complemento salarial (cláusula 59.ª), não lhes sendo devido qualquer outro valor a título de trabalho suplementar em dia normal de trabalho.
2- O pagamento desta prestação pecuniária não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, feriado ou a descanso diário bem como o respetivo pagamento nos termos previsto na cláusula 50.ª
3- O pagamento desta retribuição específica não afasta o cumprimento dos limites da duração do trabalho previstos na cláusula 21.ª do presente CCTV, não podendo ser solicitado nem prestado trabalho para além dos mesmos.
4- Esta retribuição específica é devida por 13 meses.
Nota explicativa: Para efeitos do acordo mencionado no número 1 desta cláusula, estão incluídos todos os contratos de trabalho para a função de motorista, celebrados antes deste contrato colectivo de trabalho. Mais se esclarece que esta retribuição específica substituí a anterior cláusula 61.ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.ª 34, de 15 de setembro de 2018 e primitiva cláusula 74.ª número 7 prevista no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS (anterior FESTRU) e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 8 de março de 1980 e demais alterações. A cláusula 21.ª reflecte a proibição, que vincula empregadores e trabalhadores, prevista no Decreto-Lei n.º237/07, de 19 de junho, de ser prestado trabalho semanal para além dos limites nesta fixados. Apesar de não ser obrigatório, face ao concreto modo como o trabalho é prestado, esta figura poderá ser aplicada na relação mantida entre empresas e motoristas que, por acordo, estão afectos ao transporte nacional, conduzindo viaturas inferiores a 7.5 ton., sejam elas superiores ou não a 3,5 ton.
A dita cláusula visa, essencialmente, compensar a especial penosidade e o isolamento que caracterizam a atividade de motorista de veículos pesados de mercadorias no âmbito do transporte internacional (neste sentido, v., por todos, o Ac. do STJ de 03-05-2016 Proc. n.º 729/13.3TTVNG.P1.S2 Revista - 4.a Secção - tj.pt/wp content/uploads/2018/01/transporteinternacionaldemercadoriasporestradatir_social.pdf)
“O nº7 da cla74ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº 9, 1ª série, de 08.03.1980, prevê uma retribuição especial que acresce à retribuição normal devida aos trabalhadores TIR, e que se destina a compensá-los pela sua disponibilidade para desempenhar funções nos transportes internacionais, e em condições de maior penosidade e isolamento em que são efectivadas.”
Tal atribuição patrimonial está, pois, desligada da efetiva prestação de trabalho (designadamente, de trabalho suplementar, como a redação daquele inciso poderia levar a entender, sendo que essa referência visa somente fornecer uma base mínima de cálculo daquela atribuição) e, sendo paga com regularidade, periodicidade e permanência (como deriva da redação daquela cláusula), é geradora de convicção de que tal conduta se irá manter no futuro, integrando, por isso, o conceito de retribuição complementar.
É atribuída independentemente da deslocação do trabalhador ao estrangeiro (destina-se a compensar a sua disponibilidade para o efeito) e paga tendo por base a referência de 30 dias por mês (neste sentido, v., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2010 - publicado no D.R., I Série, n.º132 de 9 de Julho, cuja decisão tem o valor da revista ampliada em processo civil – artigo 186º do Código de Processo do Trabalho e n.º1 do artigo 732º-A do Código de Processo Civil na redação vigente à data em que deu entrada em juízo o processo que lhe deu origem - além dos arestos aí citados e do Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Junho de 2009 (decisão recorrida), v., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 1992, B.M.J. n.º pág. 365, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1992, B.M.J. n.º416, pág. 485, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2003 e de 12 de Setembro de 2007, proferidos, respetivamente, no processo n.º02S4069 e no processo n.º07S1803, o Acórdão da Relação de Évora de 23 de Setembro de 1997, C.J., tomo IV, pág. 297, os Acórdãos da Relação do Porto de 20 de Junho de 1999 e de 4 de Julho de 2007, proferidos, respetivamente, no processo n.º 9940420 e no processo n.º0711038, o citado Acórdão da Relação do Porto de 20 de Maio de 2005, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 29 de Novembro de 2007, proferidos no processo n.º 523/04.2TTVIS-B.C1 e no processo n.º 1274/05.6TTLRA.C1, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 15 de Dezembro de 1999, de 7 de Outubro de 2009 e de 26 de Janeiro de 2011, proferidos, respetivamente, no processo n.º 0063674, no processo n.º 285-06.9TTCLD.L1-4 e no processo n.º 276/09.8TTVFX.L1-4, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Estabelece a Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996, relativa ao destacamento de trabalhadores no âmbito de uma prestação de serviços, na versão vigente ao tempo da celebração e execução dos contratos de trabalho dos autos, no que ora interessa:
“Artigo 3.º
Condições de trabalho e emprego
1. Os Estados-membros providenciarão no sentido de que, independentemente da lei aplicável à relação de trabalho, as empresas referidas no n.º 1 do artigo 1.º garantam aos trabalhadores destacados no seu território as condições de trabalho e de emprego relativas às matérias adiante referidas que, no território do Estado-membro onde o trabalho for executado, sejam fixadas:
- por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas
e/ou
- por convenções colectivas ou decisões arbitrais declaradas de aplicação geral na acepção do n.º 8, na medida em que digam respeito às actividades referidas no anexo:
(...)
c) Remunerações salariais mínimas, incluindo as bonificações relativas a horas extraordinárias; a presente alínea não se aplica aos regimes complementares voluntários de reforma;
(...)
Para efeitos da presente directiva, a noção de «remunerações salariais mínimas» referida na alínea c) do n.º 1 é definida pela legislação e/ou pela prática nacional do Estado-membro em cujo território o trabalhador se encontra destacado.
(...)
7. O disposto nos n.os 1 a 6 não obsta à aplicação de condições de emprego e trabalho mais favoráveis aos trabalhadores.
Considera-se que fazem parte do salário mínimo os subsídios e abonos inerentes ao destacamento que não tenham sido pagos a título de reembolso das despesas efectivamente efectuadas por força do destacamento, como as despesas de viagem, de alojamento ou de alimentação.
(...)
“Esta Directiva tentou sistematizar e uniformizar critérios face aos diferentes entendimentos dos Estados-membros sobre a interpretação a dar a princípios fundamentais como o da livre prestação de serviços e restrições que lhe poderiam ser impostas pelos países de acolhimento, e, simultaneamente, evitar a concorrência desleal e o “dumping social”. Assim, perante aquilo que alguns apelidavam de caos jurídico, a mesma veio consagrar um “núcleo duro” de matérias cuja regulamentação do país de acolhimento seria sempre imposta às empresas dos Estados membros de origem, excepto se a lei aplicável ao contrato ou este fossem mais favoráveis, permitindo, também, que aquelas pudessem prever as regras que seriam aplicáveis aos seus trabalhadores destacados. Consagrou-se, consequentemente, que o trabalhador destacado teria sempre direito, nessas matérias vitais, às condições de trabalho do Estado de acolhimento previstas em lei ou em regulamentação colectiva de trabalho de aplicação geral nos termos ali especificados, desde que mais favoráveis. As matérias consideradas cruciais, constantes do art. 3.º, n.º1, referem-se a remunerações mínimas e pagamento de trabalho suplementar, duração máxima de tempos de trabalho e de períodos mínimos de repouso, mínimos de férias retribuídas, regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, etc.” – cf. Ac. TRGui de 22-10-20, proc. n.º 2226/17.9T8BCL.G2, www.dgsi.pt.
Portugal transpôs essa Directiva para a ordem jurídica interna, através da Lei n.º9/2000, de 15/06, transposição que se manteve através dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 (5), e, designadamente dos arts. 6.º, 7.º e 8.º deste último, acima aludidos, também o «Code du Travail» francês o fez, no seu «Titre VI», dispondo na versão vigente ao tempo da celebração e execução do contrato de trabalho dos autos, no que ora interessa:
“Article L1261-3
Est un salarié détaché au sens du présent titre tout salarié d'un employeur régulièrement établi et exerçant son activité hors de France et qui, travaillant habituellement pour le compte de celui-ci, exécute son travail à la demande de cet employeur pendant une durée limitée sur le territoire national dans les conditions définies aux articles L. 1262-1 et L. 1262-2.
Article L1262-4
Les employeurs détachant temporairement des salariés sur le territoire national sont soumis aux dispositions légales et aux stipulations conventionnelles applicables aux salariés employés par les entreprises de la même branche d'activité établies en France, en matière de législation du travail, pour ce qui concerne les matières suivantes:
(...)
8° Salaire minimum et paiement du salaire, y compris les majorations pour les heures supplémentaires, ainsi que les accessoires de salaire légalement ou conventionnellement fixés;
(...)”
Como resulta da Directiva, em termos que se mostram acolhidos no art. 6.o do Código do Trabalho português e no “Article L1261-3” do “Code du Travail” francês, o destacamento abrange as situações em que um trabalhador contratado por um empregador num determinado Estado presta, temporariamente, a sua actividade laboral no território doutro Estado, o qual não é aquele onde habitualmente desempenha as suas funções. Este mecanismo, cada vez mais frequente, relaciona-se com os crescentes fenómenos de internacionalização e globalização da economia e do mundo dos negócios e, no caso particular da União Europeia, ainda e em especial, com a liberdade de prestação de serviços (art. 56.º do TFUE), conjugada com a liberdade de circulação de trabalhadores (art. 45.º TFUE).
Nos termos da dita directiva e por referência às normas do “Code du Travail” este prevê que os elementos do salário mínimo de referência aplicável em França incluam:
- o salário mínimo (horário ou mensal);
- os acréscimos para as horas extraordinárias,
- bem como os acessórios de salário legal ou convencionalmente fixados.
Os montantes são expressos em montante bruto, sendo importante relembrar que o funcionário mantém o salário que é pago em virtude do direito aplicável ao seu contrato de trabalho, quando este é superior ao salário mínimo de referência.
Em conformidade com nº7 do artigo 3.º da diretiva 96/71/CE de 16 de dezembro de 1996, os elementos que podem ser retidos para verificar o cumprimento do salário mínimo são:
- o salário;
- os eventuais acréscimos para horas extraordinárias;
- os eventuais acessórios ao salário (por ex.: prémio de antiguidade);
- as eventuais indemnizações associadas ao destacamento (por ex.: prémio de expatriação);
- as eventuais vantagens em espécie.
Estes montantes são expressos em montante bruto.
Ao invés, não são considerados os montantes pagos a título de reembolso de despesas, tais como despesas de deslocação, de alojamento ou de alimentação, incluindo se estes montantes apresentam um caráter fixo.
Para efeitos de aplicação da lei “Lei Macron”, há que efectuar-se o cálculo entre o valor hora atribuído de acordo com a dita lei e o valor hora auferido mensalmente pelo trabalhador, de forma a que este atinja o nível mínimo francês.
Preceitua o art 258.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro,
“1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.”
Assim, a constância no pagamento de prestações fixas, em períodos certos no tempo (regularidade e periodicidade), confere-lhes, por via de regra, natureza retributiva, com exclusão das importâncias pagas/recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou despesas feitas em serviço do empregador – art. 260.º/1 do C.T. – salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
Como se ensina nos acórdãos do S.T.J. 03/03/2021, todos disponíveis in www.dgsi.pt, “face ao cariz sinalagmático do contrato de trabalho, a regularidade e periodicidade não constitui o único critério a considerar, sendo ainda necessário que a atribuição patrimonial constitua uma contrapartida do trabalho e não se destine a compensar o trabalhador por quaisquer outros factores.”
Os elementos característicos do conceito de retribuição são necessariamente cumulativos pelo que a falta de algum ou alguns deles permite descaracterizar a prestação como retributiva e incluí-la no perímetro mais alargado dos complementos remuneratórios.
Conforme o defendido nos acórdãos do STJ n.º 14/2015 (publicado no DR 1ª série, de 2015.10.29), TRGui. de em 1/02/2018, proc. n.º 2456/16.0T8BRG.P1 e de 28/06/2018, proc. n.º 1264/16.3T8GMR.G1, estes consultáveis em www.dgsi.pt, bem como no ac. TRév. de 28/06/2027, proc. n.º 1907/16.9T8PTM.E1, em www.jurisptudência.pt para que uma prestação variável possa consubstanciar a regularidade e periodicidade necessárias à atribuição de natureza retributiva, deve ser paga em, pelo menos, 11 meses em cada ano.
Do que vem exposto somos a concluir que num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global - no sentido que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.
Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.
No que respeita à característica de periodicidade (no sentido de ser satisfeita por períodos aproximadamente certos) e regularidade (no sentido da sua constância) da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo dessa forma relevância no pagamento.
No que toca ao prémio TIR foi produzida jurisprudência abundante no sentido de o mesmo integrar o conceito de retribuição, em face do respectivo carácter regular e periódico e pagamento independentemente das despesas feitas pelo trabalhador (por todos, cf. acórdãos do S.T.J. de 18/01/2005, proc. 04S923 10.5.2006, in Rec. n.º 4147/05; de 13.9.2006, no Rec. n.º 3/06; de 3.1.2007, in Rec. n.º1150/07; de 29.10.2008, in Rec. n.º 1538/08, 14.7.2010, tirado no Rec. n.º 285/06.9TTCLD.L1.S1., todos da 4.a Secção e 11.10.11, proc. nº 273/06.5TTABT.S1, www.dgsi.pt, ac. do TRLx. de 24.04.2013, proc. n.o 465/10.2TTTVD.L1-4).
Em síntese, citando Joana de Vasconcelos (Código do Trabalho Anotado, 13a ed., p. 643) “... não são de considerar retribuição todas e quaisquer atribuições do empregador ao trabalhador mas apenas aquelas que revistam certas características que a doutrina e a jurisprudência consensualmente identificam como elementos do conceito legal: regularidade e periodicidade, patrimonialidade, obrigatoriedade para o empregador e correspectividade quanto à prestação de trabalho.”
Em face de tudo quanto se expôs cremos que nada há a apontar à forma como a ré determinou o valor/hora do trabalho dos autores, para efeitos de atribuição da “heure Macron”, contemplando todas as atribuições recebidas pelos autores todos os meses, mormente o vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno internacional, dias suplementares e cláusula 61.º, aliás tidas em consideração pela ré, também, para efeitos de atribuição do subsídio de Natal e subsídio de férias, como resulta claramente dos recibos de vencimento juntos aos autos pelos próprios autores.
Os ditos valores têm todas as características de regularidade, periodicidade, patrimonialidade, obrigatoriedade para a ré, não se tratando de mera liberalidade desta, pressupõem uma correspectividade quanto à prestação de trabalho dos autores, não consubstanciando reposição de prejuízos que os autores sofrem com o seu trabalho, de despesas motivadas pela realização da prestação ou gastos que em princípio competiriam aos autores mas que a ré chama a si em face das características especiais do trabalho (no caso concreto, p.e. alojamento).
Em face do exposto, concluindo-se pela bondade da forma como a ré calculou os montantes atribuídos aos autores a título da “heure Macron”, integrando na retribuição destes os montantes supra referidos, para determinação do valor/hora, cumpre julgar improcedente a pretensão dos autores.
[..]».
II.3.1 Questão prévia (2)
Como melhor se perceberá face às razões que de seguida enunciaremos, verifica-se que os recorrentes vêm pôr em causa a sentença por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, fazendo uso, na quase totalidade da alegação, de argumentos que, quer no plano dos factos quer no do direito, consubstanciam inequívocas questões novas, ou seja, que não foram sujeitas à apreciação da 1.ª instância, nem ao contraditório da Ré.
Daí impor-se começar por dirimir este ponto fulcral, de modo a que fique claramente delimitado o que deve, e pode, este Tribunal de recurso apreciar.
Os AA demandaram a Ré, pedindo a condenação desta no pagamento do seguinte:
- ao primeiro autor o montante de € 13.626,91;
- ao segundo autor o valor de € 7.053,09;
- ao terceiro autor o valor de € 10.970,70;
- sendo todas estas quantias acrescidas de juros demora à taxa de 4%, até ao seu integral cumprimento.
Como melhor referido no relatório acima, sustentam esses pedidos alegando, no essencial, que enquanto motoristas internacionais de pesados ao serviço da Ré, por determinação desta, realizaram e continuam a realizar muitas horas de trabalho em território francês. Por essa razão, aplica-se-lhes a intitulada “Lei Macron”, que tem em vista combater a concorrência desleal entre empresas e entre Países Europeus, consagrando o Princípio Geral do Direito do Trabalho que “para trabalhador igual – salário igual”, estabelecendo que os motoristas de pesados de mercadorias que circulem em território francês, desde que façam uma carga ou uma descarga naquele País, ou que façam uma cabotagem, devem receber o mesmo vencimento que um motorista de pesados francês receberia no caso, aplicando-se às horas a partir do momento em que entra nas fronteiras francesas, até ao momento em que sai das mesmas, devendo receber o valor de € 10,52 durante a semana, e de € 23,77 nas horas suplementares, e aos fins-de-semana e feriados.
Defendem que a Ré não lhes pagou correctamente os valores que lhes são devidos, sendo credores dos montantes pedidos, com um único argumento jurídico, em concreto, o seguinte:
- [artigos 4 e 5 da PI] à relação laboral entre os autores e a Ré aplica-se o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU publicado no BTE de 08/03/1980, atualizado em 2018 pelo Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS publicado no BTE n.º 53 de 15/9/2018, atualizado novamente pela revisão do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM, a FECTRANS e outros, publicado no BTE n.º 45 de 8/12/2019;
-[art.º 15 da PI] “De acordo com a cláusula 49.ª da Convenção Coletiva de Trabalho em vigor, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 45 de 8 de Dezembro de 2019, (que reproduz o disposto no Art.º 271.º do Código do Trabalho), o valor da retribuição horária é calculado de acordo com a seguinte fórmula: (Remuneração base + complemento salarial + diuturnidades X 12 meses) / (Período normal de trabalho X 52 semanas).
- [art.º 16.º da PI] “A cláusula supra referida da convenção coletiva de trabalho é bem clara dizendo que – “(...) o cálculo do valor hora é sempre efetuado de acordo com a seguinte fórmula”.
Argumentam que este é o critério aplicável para ser determinado o valor da retribuição horária, ou seja, a base de cálculo a partir da qual se encontra o diferencial para o valor hora a ser pago pela Ré para dar cumprimento à Lei Macron. Partindo desse pressuposto, alegam o seguinte:
[art.º 17/PI] ”No ano 2019, os Autores tinham como Remuneração Base € 630,00, como complemento salarial internacional € 31,50 e não tinham diuturnidades, tudo conforme se verifica pelos recibos de vencimento que se juntam em anexo dos Autores, relativamente ao ano 2019, e que se têm por integralmente reproduzidos (Documentos 2 a 32).
[art.º 18/PI] “A fórmula de cálculo prevista no código do trabalho, e convencionada por IRCT, para determinar a retribuição horária dos Autores no ano 2019 deverá assim ser preenchida da seguinte forma: (€ 630,00 + € 31,50 X 12 meses) / 2080”.
[art.º 19/PI] “O que perfaz uma retribuição horária de € 3,81 (três euros e oitenta e um cêntimos).
[art.º 20/PI] “No ano 2020, os Autores tinham como Remuneração Base € 700,00, como complemento salarial internacional € 35,00 e não tinham diuturnidades, tudo conforme se verifica pelos recibos de vencimento que se juntam em anexo dos Autores, relativamente ao ano 2020, e que se têm por integralmente reproduzidos (Documentos 33 a 62)”.
[art.º 21/PI] “Aplicando estes valores à fórmula de cálculo, temos que: (€ 700,00 + € 35,00 X 12 meses) / 2080”.
[art.º 22/PI] “O que perfaz uma retribuição horária de € 4,24 (quatro euros e vinte e quatro cêntimos)”.
[art.º 23/PI] “Por último, no ano 2021, os Autores têm como Remuneração Base € 733,04, como complemento salarial internacional € 36,65 e não têm diuturnidades, tudo conforme se verifica pelos recibos de vencimento que se juntam em anexo dos Autores, relativamente ao ano 2021, e que se têm por integralmente reproduzidos (Documentos 63 a 65)”.
[art.º 24/PI] “Aplicando estes valores à fórmula de cálculo, temos que: (€ 733,04 + € 36,65 X 12 meses) / 2080”.
[art.º 25/PI] “O que perfaz uma retribuição horária de € 4,44 (quatro euros e quarenta e quatro cêntimos)”.
Respondeu A Ré, defendendo que os valores que sempre lhes pagou por aplicação da “Lei Macron”, foram calculados correctamente, nada lhes sendo devido. A posição dos autores assenta no modo redutor que pretendem dar ao conceito de retribuição, querendo apenas considerar a remuneração base, mais o complemento salarial para calculo do valor hora, o que é errado, já que nos valores pagos mensalmente são incluídas outras prestações regulares e periódicas que pacificamente são tidas como fazendo parte da retribuição e, como tal, com reflexo no valor hora auferido por cada um dos autores. A retribuição mensal dos autores é composta por vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno, cláusula 61 e dias suplementares, conforme os recibos de vencimento que juntaram.
Por conseguinte, a questão fulcral que foi colocada à apreciação do Tribunal a quo consistiu em saber se lhes assiste razão ao defenderem que para efeitos da aplicação da “Lei Macron”, o cálculo do valor horas dos autores deve ser feito de acordo com a regra enunciada na cláusula 49.ª da Convenção Coletiva de Trabalho aplicável, ou seja, segundo a fórmula: (Remuneração base + complemento salarial + diuturnidades X 12 meses) / (Período normal de trabalho X 52 semanas).
Releva assinalar que no elenco dos factos provados consta o seguinte:
- [69] No recibo de vencimento dos autores consta mensalmente as seguintes rubricas vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno, cláusula 61 e dias suplementares.
- em seguida, constam discriminados todos os valores concretamente recebidos pelos autores no período de tempo a que espeitam os pedidos formulados contra a Ré: factos 70 a 89, A. AA; factos 90 a 103, A. BB; factos 104 a 123, A. CC.
Com base no elenco factual provado, Tribunal a quo apreciou a questão que lhe foi submetida para apreciação, vindo a concluir, com os fundamentos de direito que constam na sentença acima transcrita, o seguinte:
-«[..]
Em face de tudo quanto se expôs cremos que nada há a apontar à forma como a ré determinou o valor/hora do trabalho dos autores, para efeitos de atribuição da “heure Macron”, contemplando todas as atribuições recebidas pelos autores todos os meses, mormente o vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno internacional, dias suplementares e cláusula 61.º, aliás tidas em consideração pela ré, também, para efeitos de atribuição do subsídio de Natal e subsídio de férias, como resulta claramente dos recibos de vencimento juntos aos autos pelos próprios autores.
Os ditos valores têm todas as características de regularidade, periodicidade, patrimonialidade, obrigatoriedade para a ré, não se tratando de mera liberalidade desta, pressupõem uma correspectividade quanto à prestação de trabalho dos autores, não consubstanciando reposição de prejuízos que os autores sofrem com o seu trabalho, de despesas motivadas pela realização da prestação ou gastos que em princípio competiriam aos autores mas que a ré chama a si em face das características especiais do trabalho (no caso concreto, p.e. alojamento).
Em face do exposto, concluindo-se pela bondade da forma como a ré calculou os montantes atribuídos aos autores a título da “heure Macron”, integrando na retribuição destes os montantes supra referidos, para determinação do valor/hora, cumpre julgar improcedente a pretensão dos autores”.
Em suma, pelas razões que constam da fundamentação, o Tribunal a quo concluiu que a posição defendida pelos autores não têm fundamento legal, antes se mostrando correcta a «forma como a ré calculou os montantes atribuídos aos autores a título de “heure Macron” integrando na retribuição destes os montantes supra referidos, para determinação do valor/hora», ou seja, “todas as atribuições recebidas pelos autores todos os meses, mormente o vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno internacional, dias suplementares e cláusula 61.º, aliás tidas em consideração pela ré, também, para efeitos de atribuição do subsídio de Natal e subsídio de férias, como resulta claramente dos recibos de vencimento juntos aos autos pelos próprios autores”.
Pois bem, nas conclusões D, E, F, G, H, J, L e M, os recorrentes sustentam o seguinte:
D. Ainda que o Tribunal a quo viesse a considerar incluir outras rúbricas que são afastadas pelo IRCT, mas que por serem pagas 13 meses por ano (nas férias e no subsídio de férias) pudesse vir a considerar para efeitos de cálculo da retribuição horária, continuaria a Recorrida em dívida para com os Recorrentes, conforme todos os cálculos que se encontram assentes por provados e confessados.
E. Neste caso, apesar de não se concordar – por ter sido afastado expressamente, só poderiam ser consideradas aquelas rúbricas que são pagas 13 vezes por ano, e nunca o trabalho suplementar.
F. Para se considerar o trabalho suplementar como fazendo parte do cálculo do valor horário, então teria aquele que ser pago (em média) também nas férias e no subsídio de férias – o que não acontecia.
G. Mas, mesmo que assim não se entendesse, e que se viesse a incluir todas as prestações pecuniárias que a sentença a quo incluiu, e mesmo que se incluísse o trabalho suplementar, continuaria a Ré/Recorrida em dívida para com os Recorrentes, conforme os cálculos que se encontram assentes, e que a seguir demonstraremos;
H. Nunca poderia a Recorrida ter sido absolvida do pedido, uma vez que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, determina o pagamento da diferença.
J. Discorda-se do Tribunal a Quo na parte em que considera para efeitos de cálculo da retribuição horária todas as rúbricas aferidas pelos Recorrentes, incluindo o que auferiam a título de trabalho suplementar, para efeitos daquele cálculo – quando, em sentido contrario dispõe o CCTV que regulamenta este sector, afastando expressamente a inclusão daquelas
L. E, mesmo que se considerasse o que foi proferido pela douta sentença em crise, continuariam credores os Recorrentes, pois a Recorrida pagou sempre um valor inferior para efeitos da Lei Macron,
M. Razão pela qual nunca poderia a Recorrida ter sido absolvida do pedido, mas sim condenada a pagar a diferença do que pagou, para o cálculo que o Tribunal a quo entendeu dever-se fazer.
Destas conclusões retira-se que os recorrentes vêm contrapor à sentença recorrida o seguinte:
i) Que mesmo a serem consideradas “aquelas rúbricas que são pagas 13 vezes por ano, e nunca o trabalho suplementar” para efeitos de cálculo da retribuição horária ”continuaria a Recorrida em dívida para com os Recorrentes”; “Para se considerar o trabalho suplementar como fazendo parte do cálculo do valor horário, então teria aquele que ser pago (em média) também nas férias e no subsídio de férias – o que não acontecia”.
ii) Mesmo que assim não se entendesse e “se incluísse o trabalho suplementar, continuaria a Ré/Recorrida em dívida para com os Recorrentes, conforme os cálculos que se encontram assentes, e que a seguir demonstraremos”.
Ora, como cremos que bem se percebe pelo confronto do que se elencou, estas alegações visam a introdução no recurso de questões, quer de facto quer de direito, que não foram sujeitas ao contraditório da parte contrária, nem foram submetidas à apreciação do Tribunal a quo, ou seja, consubstanciam questões novas.
Para que não haja dúvidas, veja-se que na petição inicial os autores sustentaram os respectivos pedidos com um único argumento jurídico, repete-se, defendendo que para efeitos da aplicação da “Lei Macron”, o cálculo do valor hora deve ser feito de acordo com a regra enunciada na cláusula 49.ª da Convenção Coletiva de Trabalho aplicável, ou seja, segundo a fórmula: (Remuneração base + complemento salarial + diuturnidades X 12 meses) / (Período normal de trabalho X 52 semanas). Não argumentaram que caso assim não se entendesse, então não deveria integrar o cálculo os valores pagos pela Ré a título de “dias suplementares”, nem tão pouco que aquele não era pago nas férias e subsídio de férias. Note-se, que é também uma questão de facto, posto que o Tribunal a quo refere expressamente – com base nos factos provados que acima referimos ( 69 a 123) – que todas as atribuições retributivas que menciona, incluindo os “dias suplementares” eram “aliás tidas em consideração pela ré, também, para efeitos de atribuição do subsídio de Natal e subsídio de férias, como resulta claramente dos recibos de vencimento juntos aos autos pelos próprios autores”.
Assim como também não argumentaram, que mesmo que assim não se entendesse e se acolhesse o critério que a Ré vinha usando ao pagar-lhes, que sempre “continuaria a Ré/Recorrida em dívida para com os Recorrentes, conforme os cálculos que se encontram assentes”, alegação que assenta no pressuposto de um eventual erro de cálculo por parte da recorrida Ré.
E, precisamente por não terem suscitados essas questões, também não formularam pedidos subsidiários para condenação da Ré a pagar-lhes os valores que agora vêm pretender sejam considerados e atendidos por este Tribunal de recurso - caso não seja acolhida a posição que vieram defender na acção - sustentando-se nestes dois novos fundamentos, nomeadamente, nas conclusões seguintes:
OO. Se o Venerando Tribunal entender que apesar de afastado por IRCT, deverá ter-se em conta as restantes cláusulas de expressão pecuniária, com exceção do trabalho suplementar, então deverá a Recorrida ser condenada a pagar:
a. Ao Primeiro Recorrente, € 6.912,15 (seis mil novecentos e doze euros e quinze cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
b. Ao Segundo Recorrente, € 3.397,48 (três mil trezentos e noventa e sete euro e quarenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
c. Ao Terceiro Recorrente € 4.841,91(quatro mil oitocentos e quarenta e um euros e noventa e um cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
PP. Tudo conforme se verifica pela tabela abaixo,
[…]
f. Determinação da retribuição horária com as cláusulas, com o trabalho suplementar;
QQ. E mesmo que este Venerando Tribunal dê total provimento à Sentença em crise, considerando que para efeitos de determinação do valor hora se deva incluir também o auferido a título de trabalho suplementar, (o que não se compreenderia), ainda assim, continuaria a Recorrida em dívida, devendo ser condenada a pagar:
a. Ao Primeiro Recorrente, € 3.888,63 (três mil oitocentos e oitenta e oito euros e sessenta e três cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
b. Ao Segundo Recorrente, € 2.399,05 (dois mil trezentos e noventa e nove euros e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
c. Ao Terceiro Recorrente € 2.221,10 (Dois mil duzentos e vinte e um euros e dez cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
RR. Tudo conforme se verifica pela tabela abaixo,
[..].
Refira-se, ainda, que há ainda outro conjunto de conclusões que respeitam a estes argumentos dos recorrentes, nomeadamente, as AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL.
Como cremos ter ficado evidenciado, tratam-se, pois, de questões novas que não foram sujeitas à apreciação da 1.º instância, nem ao contraditório da recorrida Ré, estando vedado a este Tribunal de recurso delas conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, parte final, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Por conseguinte, rejeita-se a apreciação das questões acima identificadas e, logo, das conclusões de onde resultam, nomeadamente, D, E, F, G, J, K, L, M, R, X, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, OO, PP, QQ e RR.
II.3.2 Defendem os autores, no essencial, que a fórmula de cálculo para a determinação da remuneração horária dos motoristas rodoviários de mercadorias encontra-se tipificada no Instrumento de Regulação Coletiva de Trabalho aplicável - Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM, a FECTRANS e outros, publicado no BTE n.º 35, 15/9/2018 -, nomeadamente, na cláusula 50ª, onde se dispõe que “Com expressa exclusão do disposto na cláusula 51.ª do CCTV, para todos os outros efeitos, designadamente, cálculo do trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª (Regime de trabalho dos trabalhadores deslocados), o cálculo do valor hora é sempre efetua o de acordo com a seguinte fórmula: (Retribuição base + Complemento salarial da cláusula 45.ª + Diuturnidades) x 12 Período normal de trabalho semanal x 52.
Alegam que tal “significa que para efeitos de determinação da retribuição horária, foi afastado expressamente as restantes cláusulas que são devidas aos motoristas por força do seu trabalho, ou seja, afastou-se expressamente a inclusão da cláusula 61.ª, do prémio TIR, do subsídio noturno, entre outras.”, e que a ser assim, “não se pode para uns efeitos determinar-se o valor horário excluído as restantes cláusulas de expressão pecuniária, e para outro efeito incluí-las – resultando sempre de um benefício da Entidade Empregadora”.
Nessa consideração, concluem que ao determinar-se o valor horário de acordo com o CCTV, ou seja, com a exclusão das restantes cláusulas, resulta que os Recorrentes no ano 2019 auferiam € 3,81 (€ 630,00 + € 31,50 X 12 meses) / 2080; no ano 2020 auferiam € 4,24 (€ 700,00 + € 35,00 X 12 meses) / 2080, e no ano 2021 auferiam € 4,44 (€ 733,04 + € 36,65 X 12 meses) / 2080, pelo que estando assente que as horas realizadas pelos Recorrentes são aquelas que constam do Petitório, então, s.m.o., deveria o Tribunal a quo ter condenada a Recorrida no pagamento do valor peticionado, tendo em conta a fórmula de cálculo prescrita por IRCT.
Num parêntesis, deixa-se esclarecido que há um lapso quando ao n.º do BTE que indicam, no qual se encontra o CCT invocado pelos AA. O referido CCT - Contrato coletivo entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações - FECTRANS - Revisão global -, na versão de 2018, encontra-se publicado no BTE n.º 34, da data que os indicam - 15/9/2018 –, não no “BTE n.º 35”.
Para que fique também esclarecido, de referir, como o faz o Tribunal a quo, que no CCT entre as mesmas entidades -também, revisão global -, que se seguiu àquele, publicado no BTE n.º 45, 8/12/2019, aquele conteúdo passou a constar na cláusula 49.ª. Aliás, tendo-se presente o acima referido, tal como invocado pelos autores na petição inicial.
Passando à apreciação, antecipamos já, concordarmos com a fundamentação da sentença recorrida, entendendo-se que faz a correcta aplicação do direito, não existindo o alegado erro de julgamento. Diremos, ainda, que da fundamentação, a nosso ver escorreita e elucidativa, resultam com clareza as razões que justificam a decisão e obstam ao acolhimento da posição defendida pelos autores.
Em contraponto, salvo o devido respeito, os recorrentes limitam-se a reiterar a posição assumida na petição inicial, não apresentando argumentos jurídicos para procurar por em causa a fundamentação do Tribunal a quo e evidenciar o alegado erro de julgamento, limitando-se a dizer que “não se pode para uns efeitos determinar-se o valor horário excluído as restantes cláusulas de expressão pecuniária, e para outro efeito incluí-las – resultando sempre de um benefício da Entidade Empregadora”.
Deve, pois, relembrar-se, que o direito ao recurso não visa conceder à parte um segundo julgamento da causa, mas apenas permitir a discussão sobre determinados pontos concretos, que na perspectiva do recorrente foram mal julgados, para tanto sendo necessário que se enunciem os fundamentos que sustentam esse entendimento, devendo os mesmos consistir na enunciação de verdadeiras questões de direito, que lhe compete indicar e sustentar, cujas respostas sejam susceptíveis de conduzir à alteração da decisão recorrida. Em poucas palavras, o recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua discordância, procurando convencer da sua pertinência, a fim de que este tribunal se debruce sobre elas e decida se procedem ou não.
Neste quadro, ou seja, não colocando os recorrentes argumentos jurídicos para evidenciar o alegado desacerto da apreciação feita pelo Tribunal a quo, apenas nos cabe justificar a já afirmada concordância com a fundamentação da decisão recorrida.
Servindo-nos da síntese efectuada no Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 09-02-2023 [Proc.º n.º 568/19.8T8STB.E1, Desembargadora Emília Ramos Costa, disponível em www.dgsi.pt]:
- «Em 1 de julho de 2016 entrou em vigor o Decreto n.º 2016-418, de 7 de abril de 2016[46] [47] [48] que tinha como objetivo a “adaptation de certaines dispositions du code du travail applicables aux entreprises établies hors de France détachant des salariés roulants ou navigants sur le territoire français pour tenir compte des spécificités du secteur des transports”, com vista à “.. l'application des dispositions du chapitre unique du titre III du livre III de la première partie législative du code des transports, telles qu'issues de l'article 281 de la loi n° 2015-990 du 6 août 2015 pour la croissance, l'activité et l'égalité des chances économiques”.
Ora, tal legislação, em confronto com o estabelecido no Código dos Transportes Francês, levou a que a referida “Lei Macron” apenas se aplicasse se se verificassem os seguintes requisitos:
(i) a empresa de transportes, de onde provinha o motorista, não ser residente em território francês; e
(ii-a) que essa empresa deslocasse motoristas para a França para efetuarem operações de transporte com origem ou destino em território francês; ou
(ii-b) que essa empresa deslocasse motoristas para a França para aí efetuarem operações de cabotagem, sendo estas operações entendidas como operações de carga ou descarga em território francês.
Posteriormente, em face da Lei n.º 2018-771, de 5 de setembro de 2018[49], que entrou em vigor no dia 06-09-2018, a Lei Macron sofreu alterações, tornando-se obrigatório, para que as disposições nela constantes fossem aplicadas a empresas de transportes não residentes em território francês, que para aí deslocavam motoristas, que o cliente dessas empresas fosse uma empresa radicada em território francês».
Como assinala o Tribunal a quo, em consonância com o alegado pelas partes, a alteração legislativa introduzida pela Lei Macron veio fazer incidir sobre as empresas à qual se aplica, além de outras obrigações, a de proceder ao pagamento do salário mínimo interprofissional francês aos seus trabalhadores, sempre que estes exerçam a sua atividade profissional em território francês.
Em consequência, refere a sentença recorrida - e foi ponto consensual entre as partes-, «Por aplicação da “Lei Macron”, os motoristas transportes de pesados de mercadorias devem receber em território francês o valor de € 10,52 durante a semana, e de € 23,77 nas horas suplementares, e aos fins de semana e feriados, também não existindo qualquer divergência de entendimento entre os autores e a ré quanto a estes valores”.
É neste quadro que surge a divergência entre as partes que, como assinalado na sentença, incide apenas sobre a forma como se calcula o valor hora, ou melhor dito, quanto à base de cálculo a considerar para determinar aquele valor, para num passo seguinte se apurar se existe a alegada diferença nos valores pedidos pelos autores.
Sustentam estes no recurso, reiterando a posição defendida na petição inicial, que esse cálculo deve ser efectuado usando a fórmula constante da Cláusula 50.ª coma epígrafe “Determinação do valor hora”, do CCT entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias - ANTRAM e a Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações - FECTRANS - Revisão global, publicado no BTE n.º 34, 15/9/2018, cujo teor é o seguinte:
Com expressa exclusão do disposto na cláusula 51.ª do CCTV, para todos os outros efeitos, designadamente, cálculo do trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª (Regime de trabalho dos trabalhadores deslocados), o cálculo do valor hora é sempre efetuado de acordo com a seguinte fórmula:
Retribuição base + Complementos salariais (cláusula 45.ª) + Diuturnidades) x 12
Período normal de trabalho semanal x 52
Como já explicado, no CCT entre as mesmas entidades -também, revisão global -, que se seguiu àquele, publicado no BTE n.º 45, 8/12/2019, aquele conteúdo passou a constar na cláusula 49.ª.
Por seu turno, a Ré veio alegar que sempre pagou correctamente o que era devido, defendendo que nos valores pagos mensalmente aos autores são incluídas outras prestações regulares e periódicas que pacificamente são tidas como fazendo parte da retribuição e, como tal, com reflexo no valor hora auferido por cada um deles. Mais refere, que o artigo L. 1262-4 do Código do trabalho francês prevê que os elementos do salário mínimo de referência aplicável em França incluem o salário mínimo, os acréscimos para as horas extraordinárias, bem como os acessórios de salário legal ou convencionalmente fixados.
Defende, assim, que a retribuição mensal dos autores a considerar para se determinar o valor hora é composta por vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno, cláusula 61 e dias suplementares.
Por conseguinte, de resto, como resulta do percurso seguido na fundamentação da sentença recorrida, o ponto fulcral para resolver esta divergência passa por saber com base em que “retribuição” deve ser determinado o valor hora auferido pelos trabalhadores autores.
A noção legal de retribuição, actualmente no art.º 258.º do CT/09, com a epígrafe “Princípios gerais sobre a retribuição”, é a seguinte:
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.
Sobre a noção legal de retribuição, António Monteiro Fernandes [A noção de retribuição no regime do contrato de trabalho: uma revisão da matéria. Direito E Justiça, 1(Especial), (2015), p. 295-325. https://doi.org/10.34632/direitoejustica.2015.9924], elucida o seguinte:
É bem sabido que o critério de qualificação adoptado pelo legislador compreende três elementos fundamentais: a obrigatoriedade das prestações (decorrente das normas legais ou convencionais, das estipulações contratuais e ainda dos usos), que permite excluir as liberalidades puras e as prestações unilateralmente decididas pelo empregador, sem efeito autovinculativo; a regularidade e periodicidade do pagamento, que geram legítimas expectativas de ganho e possibilitam a consideração das prestações no “orçamento ordinário” do trabalhador; e a correspectividade com a prestação de trabalho, na linha do sinalagma funcional característico da relação de trabalho assalariado, que leva a afastar todas as prestações cuja causa é diversa da compensação económica da disponibilidade da força de trabalho comprometida pelo trabalhador.
Da combinação destes elementos – que a lei exige cumulativamente – resulta, desde logo, que pode haver prestações pecuniárias correspectivas da prestação de trabalho (como, tipicamente, a remuneração por trabalho suplementar) que não são consideradas retribuição, faltando as características da periodicidade e regularidade; que pode haver prestações regulares e periódicas (como, em muitos casos, as ajudas de custo ou o subsídio de refeição) que não são retribuição, por faltar a correspectividade com a prestação de trabalho; e, ainda, que pode haver prestações correspectivas do trabalho e regulares e periódicas (como certos prémios de assiduidade ou de rendimento) que, pelo facto de a sua obrigatoriedade dever excluir-se, não terão também cabimento no domínio identificado pelos preceitos legais acima indicados. [p.297].
Observa o mesmo autor que «[..] tem sido corrente o entendimento de que todas as referências à “retribuição”, em regimes legais ou convencionais, independentemente dos específicos efeitos visados, devem implicar a consideração da totalidade das prestações obrigatórias, regulares e periódicas, e correspectivas da prestação de trabalho, feitas pelo empregador ao trabalhador no desenvolvimento das relações de trabalho», ignorando-se com a indiscriminada utilização de tal critério «a diversidade dos problemas em que se joga com “conceitos” ou “composições” da retribuição”, depois apontando, entre esses problemas, «c) O de encontrar uma base de cálculo para prestações derivadas ou complementares – em todo o caso, distintas – das que constituem a “rotina retributiva” inerente ao sinalagma funcional», para assinalar que a «[..] diversidade de utilizações da referência à “retribuição” [..]é um dado incontestável: uma coisa é garantir que o trabalhador receba tudo aquilo a que, contratualmente, tem direito, impedir que ele seja privado de alguma parte da contrapartida do seu esforço (dos seus créditos) – outra coisa é definir o quantum daquilo que pode vir a receber em certas situações, tomando a “retribuição” como valor de referência [op. cit. p. 299]».
Continuando o acompanhar este estudo, mas por necessidade de abreviar a exposição para chegarmos ao ponto que queremos salientar, permitindo-nos avançar para as conclusões com que o autor o encerra - reportando-se às considerações que deixou a propósito das alterações legislativas introduzidas neste domínio pelo CT/03, depois acolhidas no CT/09, relativamente à pretérita LCT, designadamente, quanto ao art.º 82. -, no que aqui releva, delas consta o seguinte [p. 324/325]:
-«[..] III. Com a codificação, em qualquer das suas versões, tornou-se claro que a qualificação decorrente do critério omnicompreensivo se destina apenas, na economia do regime legal, a desenhar o perímetro dentro do qual actuam os “regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos” estabelecidos pelo próprio Código.
IV. Em paralelo, o legislador do Código tornou claro que o critério “geral” da retribuição constante dos n.ºs 1 e 2 do art. 249.º daquele Código (e actualmente dos n.ºs 1 e 2 do art. 258.º do Código de 2009), não serve para identificar os elementos da base de cálculo de quaisquer prestações retributivas complementares ou derivadas, fornecendo para este efeito, a título supletivo, uma outra solução: “retribuição” quer dizer “base mais diuturnidades”.
V. Assim, a determinação dos valores a tomar em conta na fixação do montante de certas prestações, como o subsídio de férias ou o subsídio de Natal, em função de referências normativas como a de “retribuição mensal”, só pode correctamente alcançar-se através da ponderação da razão de ser das prestações que se trata de apurar e da função que lhes cabe no equilíbrio contratual subjacente às relações de trabalho.
[..]».
Com estas notas queremos significar que para dar resposta à questão sob apreciação, ou seja, a de saber ser como deve ser determinado o valor hora auferido pelos trabalhadores autores, é absolutamente necessário atentar nas razões que estão subjacentes à Lei Macron, passo indispensável para se saber qual a “retribuição” a considerar como base de cálculo.
Em consonância com o alegado pelas partes, refere o Tribunal a quo que a “Lei Macron” tem em vista combater a concorrência desleal entre empresas e entre países europeus, consagrando o Princípio Geral do Direito do Trabalho que “para trabalhador igual – salário igual”. São essas, pois, as razões que justificam que os AA., enquanto motoristas transportes de pesados de mercadorias - quando verificadas as circunstâncias indicadas na dita lei -, pelo exercício da sua atividade profissional em território francês devam receber o valor hora de € 10,52 durante a semana, e de € 23,77 nas horas suplementares, e aos fins de semana e feriados.
Ora, para se saber se os AA. em contrapartida da prestação da sua actividade profissional auferem valores inferiores àqueles, isto é, se são retribuídos em montante inferior aos motoristas transportes de pesados de mercadorias franceses, importa, em termos lógicos, perceber qual a base retributiva considerada pela legislação francesa para chegar àqueles valores. De outro modo, estar-se-á a enveredar num erro de raciocínio, comparando realidades distintas e, logo, fazendo tábua rasa das razões subjacentes à Lei Macron e dos resultados que pretende assegurar.
Foi esse o percurso feito pelo Tribunal a quo, a nosso ver correctamente, constando da fundamentação o seguinte:
«[..]
Nos termos da dita directiva [refere-se à Directiva 96/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 1996] e por referência às normas do “Code du Travail” este prevê que os elementos do salário mínimo de referência aplicável em França incluam:
- o salário mínimo (horário ou mensal);
- os acréscimos para as horas extraordinárias,
- bem como os acessórios de salário legal ou convencionalmente fixados.
Os montantes são expressos em montante bruto, sendo importante relembrar que o funcionário mantém o salário que é pago em virtude do direito aplicável ao seu contrato de trabalho, quando este é superior ao salário mínimo de referência.
Em conformidade com n.º7 do artigo 3.º da diretiva 96/71/CE de 16 de dezembro de 1996, os elementos que podem ser retidos para verificar o cumprimento do salário mínimo são:
- o salário;
- os eventuais acréscimos para horas extraordinárias;
- os eventuais acessórios ao salário (por ex.: prémio de antiguidade);
- as eventuais indemnizações associadas ao destacamento (por ex.: prémio de expatriação);
- as eventuais vantagens em espécie.
Estes montantes são expressos em montante bruto.
Ao invés, não são considerados os montantes pagos a título de reembolso de despesas, tais como despesas de deslocação, de alojamento ou de alimentação, incluindo se estes montantes apresentam um caráter fixo.
Para efeitos de aplicação da lei “Lei Macron”, há que efectuar-se o cálculo entre o valor hora atribuído de acordo com a dita lei e o valor hora auferido mensalmente pelo trabalhador, de forma a que este atinja o nível mínimo francês».
Desta explicação deixada na fundamentação, que merece a nossa concordância, retira-se que a lei francesa - ao prever que os elementos do salário mínimo de referência aplicável em França incluam o salário mínimo (horário ou mensal), os acréscimos para as horas extraordinárias, bem como os acessórios de salário legal ou convencionalmente fixados – adopta um critério paralelo ao estabelecido no art.º 258.º do CT, atendendo às prestações obrigatórias por força da lei ou convencionalmente fixadas, que se caracterizam pela regularidade e periodicidade do pagamento, sendo este devido em contrapartida da prestação de trabalho.
É nesse pressuposto, que temos por correcto, que o Tribunal a quo passa a concluir o que segue:
«Em face de tudo quanto se expôs cremos que nada há a apontar à forma como a ré determinou o valor/hora do trabalho dos autores, para efeitos de atribuição da “heure Macron”, contemplando todas as atribuições recebidas pelos autores todos os meses, mormente o vencimento base, complemento internacional, prémio TIR, subsídio noturno internacional, dias suplementares e cláusula 61.º, aliás tidas em consideração pela ré, também, para efeitos de atribuição do subsídio de Natal e subsídio de férias, como resulta claramente dos recibos de vencimento juntos aos autos pelos próprios autores.
Os ditos valores têm todas as características de regularidade, periodicidade, patrimonialidade, obrigatoriedade para a ré, não se tratando de mera liberalidade desta, pressupõem uma correspectividade quanto à prestação de trabalho dos autores, não consubstanciando reposição de prejuízos que os autores sofrem com o seu trabalho, de despesas motivadas pela realização da prestação ou gastos que em princípio competiriam aos autores mas que a ré chama a si em face das características especiais do trabalho (no caso concreto, p.e. alojamento).
Em face do exposto, concluindo-se pela bondade da forma como a ré calculou os montantes atribuídos aos autores a título da “heure Macron”, integrando na retribuição destes os montantes supra referidos, para determinação do valor/hora, cumpre julgar improcedente a pretensão dos autores».
Consideradas as razões subjacentes à Lei Macron e o resultado que visa alcançar, ou seja, uma equiparação ao nível remuneratório como os sues trabalhadores nacionais quando verificadas as circunstâncias indicadas na dita lei, e tendo presente o critério legal da lei francesa para definir o que engloba a retribuição a considerar como base de cálculo, cremos só poder concluir-se que este entendimento é o acertado, impondo-se por decorrência lógica.
Em contraponto, o entendimento defendido pelos autores não pode ser acolhido por não atender quer às razões que justificam a Lei Macron e ao resultado visado, nem tão pouco ao critério legal da lei francesa para definir o que engloba a retribuição a considerar como base de cálculo. A fórmula de cálculo do valor hora estabelecida na cláusula 50.º do CCT, publicado no BTE n.º 35, 15/9/2018 - actualmente Cláusula 49.ª do CCT entre as mesmas entidades, publicado no BTE n.º 45, 8/12/2019 – tem um campo de aplicação próprio e claramente definido no seu conteúdo, ao dispor “designadamente, cálculo do trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.a (Regime de trabalho dos trabalhadores deslocados)”.
As razões que justificam essa fórmula de cálculo do valor hora - (Retribuição base + Complemento salarial da cláusula 45.ª + Diuturnidades) x 12 : Período normal de trabalho semanal x 52 – atendem à natureza das prestações retributivas a cujo cálculo de destinam, que nada têm a ver com a necessidade do cálculo do valor hora para aplicação da Lei Macron.
No essencial, as razões subjacentes à construção dessa fórmula têm em vista evitar que na determinação do valor hora para o cálculo da remuneração daquelas prestações - trabalho suplementar em dia útil, trabalho noturno, prestação pecuniária prevista na cláusula 61.ª – se caia no absurdo de atender, ou questionar se são atendíveis, os valores auferidos a esse mesmo título, quando o recebimento ocorra regular e periodicamente.
Não é, diga-se mesmo, manifestamente, isso que está em causa quando se pretende determinar o valor hora para aplicação da Lei Macron.
Concluindo, não se reconhece fundamento aos recorrentes, improcedendo o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes autores, atento o decaimento (art.º 527.º 2, do CPC).

Porto, 17 de Abril de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes