Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0644669
Nº Convencional: JTRP00039973
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: DOCUMENTO
PROVA DOCUMENTAL
VALIDADE
JOGO DE FORTUNA E AZAR
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RP200701240644669
Data do Acordão: 01/24/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: I- Os documentos constantes do processo, desde que sejam de leitura permitida, não necessitam de ser examinados na audiência, para valerem como prova.
II- Para se determinar se um jogo é ou não de fortuna ou azar não são necessários especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos foi decidido:
I) Condenar a arguida B……………., pela prática, em co-autoria, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 108.º, 1.º, 3.º e 4.º, nº1, al. g), do D.L. nº422/89, de 2.12 (na redacção dada pelo D.L. nº10/95, de 19.01), e dos artigos 14.º, nº1, e 26.º do CP:
na pena de 10 meses de prisão, cuja execução foi suspensa, ao abrigo do disposto no artigo 50.º do Código Penal, pelo período de 1 ano e 5 meses; e
b) na pena cumulativa de 80 dias de multa, à taxa diária de 3 €, no montante global de 240 €.

II) Condenar o arguido C………………., pela prática, em co-autoria, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 108.º, 1.º, 3.º e 4.º, nº1, al. g), do D.L. nº422/89, de 2.12 (na redacção dada pelo D.L. nº10/95, de 19.01), e dos artigos 14.º, nº1, e 26.º do CP:
na pena de 7 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 ano; e
b) na pena cumulativa de 50 dias de multa, à taxa diária de 8 €, no montante global de 400 €.

III) absolver a arguida B………………. da instância, quanto à prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 28.º e 31.º do CIVA, com referência ao artigo 117.º do RGIT.

V) Ao abrigo do disposto no artigo 116.º do D.L. nº422/89, de 2.12 (na redacção dada pelo D.L. nº10/95, de 19.01), determinar a destruição da máquina apreendida à ordem dos autos, a efectuar, após trânsito em julgado, pela entidade apreensora.

VI) Ao abrigo do disposto no artigo 117.º do D.L. nº422/89, de 2.12 (na redacção dada pelo D.L. nº10/95, de 19.01), declarar o dinheiro apreendido à ordem dos autos perdido a favor do Fundo de Turismo.

Inconformado com a condenação o arguido C………………, interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões:
Os factos dados como provados, salvo melhor opinião, foram incorrectamente julgados, porque decorreram de referências incertas e vagas, não sustentadas por qualquer exame pericial que, no caso concreto, era a prova rainha, por fundamental para a qualificação do ilícito em causa e para determinar o preenchimento do seu elemento objectivo, havendo insuficiência de prova capaz de fundamentar de modo inequívoco a existência de jogo de fortuna e azar na máquina apreendida nos autos, bem como escassez de elementos probatórios susceptíveis de determinarem com certeza a responsabilização penal do arguido.

A decisão do Tribunal “a quo” alicerçou-se única e exclusivamente no depoimento prestado pelo Agente da GNR D…………… para condenar o Recorrente, depoimento este que foi contrariado por duas outras testemunhas – E……….. e F………… -, não tendo o Tribunal diligenciado no sentido de efectivamente se aperceber de quais os jogos desenvolvidos por tal máquina, e se os mesmos poderiam ou não constituir um qualquer ilícito criminal,

Apenas tendo sido feita referencia à existência de um tal jogo de “Póquer” por meio de um único depoimento, o qual não foi de modo algum corroborado por quem habilitado para o efeito, entenda-se um qualquer Perito da Inspecção Geral de Jogos, única entidade competente para classificar o tema de jogo.

Para além do que, se alicerçou o Tribunal “a quo” em meios de prova que não foram examinados em audiência, designadamente, prova documental, no sentido de responsabilizar o ora Recorrente por esse tal ilícito, sem que tivesse sido realizada qualquer outra diligência no sentido de apurar se teria sido o Recorrente a colocar aquela máquina no estabelecimento dos autos, e se a mesma seria por si explorada, pois que, várias hipóteses poderiam justificar a existência daquela máquina no estabelecimento sem ser esta pertença do ora Recorrente.

De modo que, não se pode ter por aceite esta condenação do recorrente C……………., já que, assenta numa prova indiscutivelmente insuficiente, o que por si só fundamenta o presente recurso, tal qual dispõe o art. 410.º, n.º 2, al. a) do C.P.Penal.

Assim, é evidente a escassez de elementos fácticos e probatórios que pudessem suportar com firmeza a existência de um qualquer ilícito criminal na exploração da máquina em causa, bem como, a alegada atribuição da responsabilidade por tal ilícito ao aqui Recorrente.

Nesta decorrência, foi colocada à margem pelo Digno Tribunal o princípio da presunção de inocência do aqui Recorrente, quando o decidiu condenar com base apenas num único testemunho, tendo-se por certo que tal depoimento foi valorado com manifesto erro de apreciação crítica e valorativa.

Se o Tribunal não podia, como não pode, retirar da prova realizada em audiência de julgamento uma convicção positiva acerca dos elementos constitutivos do tipo, deveria, sem mais, absolver o arguido do crime pelo qual vinha acusado.

Logo, incorrendo a douta sentença numa subversão do princípio “In Dúbio Pro Reo”, também enferma de um erro notório na apreciação da prova, conforme o disposto no art. 410.º, n.º 2, al. c) do C.P.P., na medida em que, retira um facto dado como provado através de uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum.

Com o devido e sempre merecido respeito, mal andou o Tribunal recorrido ao enquadrar os factos na qualificação jurídica de crime de exploração de jogo ilícito, uma vez que, não resulta da prova produzida em audiência de julgamento, de forma suficiente, segura e certa, o preenchimento dos elementos constitutivos do tipo de crime supradito. Conclusão inversa só por manifesto erro na apreciação da prova pode ser assacada.

A decisão ora recorrida enferma de erro na apreciação da prova, porque baseou a sua motivação apenas no depoimento do agente autuante, sendo certo que este não logrou esclarecer o Tribunal sobre determinados elementos fulcrais quanto à classificação do jogo desenvolvido pela máquina.

Na verdade, questionado sobre determinadas características relativamente ao desenvolvimento do jogo que teria visionado no écran, a testemunha não soube responder e não elucidou o Tribunal sobre as mesmas, mormente, não referiu ter visionado no écran da máquina apreendida qualquer referência ao tema de jogo denominado Póker e não referiu que tivesse visionado elementos essenciais, qualificativos e específicos do jogo de póker, tais como: se era possível creditar ou dobrar apostas ou se o jogo tinha algum plano de prémios no écran.

Acresce que, não se refere na douta sentença sob recurso qual o objectivo do jogo ou em que assenta o resultado esperado pelo jogador e, concretamente, quais as possíveis combinações premiadas que possibilitem a obtenção de créditos, factos imperiosos para a qualificação jurídica do jogo, de forma a poder proferir decisão segura quanto à existência ou não de um jogo de fortuna ou azar.

Por outro lado, e sem conceder de tudo quanto supra foi expendido, discorda ainda o Recorrente da medida concreta da pena que lhe foi aplicada.

É que, a exigência do respeito pela dignidade da pessoa do agente e os termos da referência à culpa, critério consagrado expressamente no n.º 2 do art.º 40.º do C. Penal, impõem que não haja pena sem culpa e a culpa decida da medida da pena.

Acontece que, se é certo que é muito difícil "medir" a culpa de quem pratica factos criminalmente puníveis, não o é menos que, para a determinação judicial da pena, a nossa lei penal oferece ao julgador um quadro ou moldura em cujos limites aquela deverá ser fixada e dentro dos quais o julgador deverá ter em consideração, em conjunto, as particularidades do crime e do seu autor, orientando-se por critérios valorativos objectivos.

De entre tais critérios ou regras temos, em primeiro lugar, o critério de culpa do agente, que desempenha uma função justificável e limitadora da pena, o mesmo é dizer, impõe uma retribuição justa – artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal – ou seja, uma pena justa, adequada, proporcional e razoável.

Ora, radica neste ponto, da retribuição justa, a discordância do aqui Recorrente em relação à medida da pena fixada pelo Meritíssimo Tribunal “a quo”.

E isto porque, o Tribunal “a quo” considerou como elementos agravantes relativamente ao ora Recorrente a mediana ilicitude do facto, a intensidade do dolo que o classificou como directo, tudo tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial que se impunham considerar.

Assim sendo, conclui-se que, o Tribunal "a quo" envereda por um caminho que ultrapassa a medida da culpa "in casu", imputando um juízo de censura que não se atém à esfera da realidade que circunda o arguido, extravasando o sentido subjacente ao conceito de "prevenção geral" que, aliado à protecção de bens jurídicos, tem que ter sempre em conta a proporcionalidade entre a medida da pena e a gravidade do facto praticado.

Com efeito, não valorou convenientemente o Meritíssimo Juiz “a quo” todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do arguido, designadamente: o grau da ilicitude, o facto de não haver qualquer notícia posterior da prática, por parte do arguido, de qualquer outro crime e de o mesmo se encontrar social e familiarmente inserido.

Motivo pelo qual, as penas aplicadas ao arguido revelam-se extremamente exageradas e desproporcionadas às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas.

De sorte que, em obediência aos imperativos consignados no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, o Meritíssimo Tribunal “a quo” deveria ter considerado adequado aplicar ao ora Recorrente pena menos gravosa.

Assim, não se vê que as exigências de prevenção geral e especial, ditas de integração, não fiquem perfeitamente prosseguidas com a condenação do Recorrente numa pena menos grave, realizando-se, por este meio, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Não o tendo feito, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 40º e 71.º, nºs 1 e 2, do nosso Código Penal.

A douta sentença recorrida violou o artigo 108.º n.º 1 do DL 422/89, de 2.12, com a redacção dada pelo DL 10/95 de 19.01, bem como os artigos 127.º, 151.º, 163.º, 340.º e 355.º do C.P.P., os artigos 40º e 71º, n.ºs 1 e 2 do C.P., e incorreu nos vícios expostos no art. 410.º, n.º 2, als. a) e c) do C.P.Penal, violando de igual modo o Princípio constitucional “In Dubio Pro Reo” consagrado no artigo 32.º da nossa Constituição.

Admitido o recurso, o Ministério Público respondeu concluindo pela manutenção da decisão recorrida. Já neste Tribunal o Exmº Procurador Geral Adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPPenal e após os vistos realizou-se audiência.

Factos apurados:
No dia 18 de Outubro de 2002, cerca das 15 horas, uma Brigada da GNR de ……, Matosinhos, em acção de fiscalização, dirigiu-se ao estabelecimento de café denominado “G……….”, sito na Rua …………, nº….., ….., Matosinhos, explorado pela arguida B…………..
A referida Brigada, que era composta por H…………. e D…………., constatou que, num dos cantos do salão de jogos desse café, se encontrava ligada à corrente eléctrica uma máquina de jogo, tipo vídeo, de cor preta, com estrutura em madeira, fabricada por “San Remo Games”, marca “Maxx Touch”, modelo diversão com o nº21.439, pertencente a “I…………, Lda.”, estando a ser accionada por E………….
Foi então verificado que a mencionada máquina:
à frente, possui um ecrã vídeo protegido por vidro, ao lado do qual se encontra um moedeiro com uma entrada para moedas;
o seu sistema de funcionamento é “touchscreen”, pelo que o jogador faz as marcações no ecrã por toque de dedo, dispensando, assim, botões;
desenvolve um tipo de jogo denominado “Póquer”, o qual consiste em introduzir os créditos (correspondendo cada crédito a 0,50 €), se inicia aparecendo no ecrã cinco cartas numeradas dos diferentes naipes (ouros, copas, espadas e paus); de seguida, o jogador fixa as cartas que pretende trocar para determinar a sua sorte ou ir a jogo com as que tem; e dependendo da sorte, o jogador ganha ou perde créditos, que podem ser acumulados ou trocados por dinheiro.
Aliás, o agente D……………. já no dia 15 de Outubro de 2002 constatara que a mencionada máquina de jogo desenvolvia tal tipo de jogo denominado “Póquer”.
A arguida B………….., ao aperceber-se da presença dos agentes da autoridade, logrou desligar a máquina.
Como os agentes da autoridade se haviam apercebido do jogo desenvolvido, foi a máquina aberta e apreendida conjuntamente com a licença nº2944, emitida em 26.11.2001, pelo Governo Civil do Porto.
A aludida máquina fora aprovada, em 31.10.2000, pela Inspecção-Geral de Jogos, como desenvolvendo os jogos de diversão denominados “China Jong”, “Hilt 3”, “Solitaire”, “Tree Mountain”, “11’s”, “12’s”, e “13’s”.
No interior da referida máquina encontrava-se o montante de 132 €, em moedas de 1 €, proveniente da exploração do jogo desenvolvido.
Os proventos obtidos pela exploração do jogo desenvolvido pela referida máquina eram distribuídos entre a arguida B…………. e o arguido C……………., sócio-gerente da mencionada empresa “I………….., Lda.”, que aí a havia colocado em data não concretamente apurada, mediante acordo com a arguida.
Os jogadores, para poderem desenvolver o mencionado jogo de “Póquer”, tinham de inserir dinheiro, em moedas de 1 €, na respectiva ranhura, sendo ainda necessária a inserção no ecrã de um código que só os arguidos conheciam.
Por conseguinte, no antedito jogo, denominado “Póquer”, o jogador aposta dinheiro na esperança, aleatória, de ganhar mais dinheiro como prémio, sendo o resultado contingente porque dependente exclusivamente da sorte ou acaso e não da habilidade ou saber do jogador, pelo que desenvolvia tal máquina um jogo de fortuna ou azar.
A arguida não havia comunicado ao Fisco o exercício da actividade de exploração de café e do salão de jogos.
Os arguidos agiram de modo voluntário, livre, consciente e concertado.
Ambos os arguidos quiseram explorar o aludido jogo denominado “Póquer”, desenvolvido pela referida máquina, colocando, para o efeito, um código secreto de acesso, cientes de ser um jogo de fortuna ou azar e que a sua exploração só é permitida em zonas autorizadas de jogo.
Os dois arguidos sabiam que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.

A arguida B…………… tem o 6º ano de escolaridade, é comerciante e encontra-se desempregada desde Agosto de 2005.
A arguida é casada e reside em casa própria com o marido, que aufere mensalmente cerca de 600 €.
O arguido C………….. tem o 10º ano de escolaridade e é sócio-gerente da “I…………., Lda.”, auferindo um vencimento mensal líquido de cerca de 1.200 €.
O arguido é casado e vive com a esposa e os dois filhos, respectivamente com 8 meses e 10 anos de idade.
O arguido tem a seu cargo uma prestação mensal de cerca de 220 €, correspondente ao empréstimo bancário contraído para a aquisição da habitação em que reside com a sua família.
A arguida B…………… foi condenada:
no processo nº…./98.0GCMTS, do …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, pela prática, em 24.10.1998, de um crime p. e p. pelo artigo 108.º, nº1, do D.L. nº422/89, de 2.12, com a redacção dada pelo D.L. nº10/95, de 19.01, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 200 dias de multa, à taxa diária de 3 €, por sentença de 5.07.2002, transitada em julgado em 19.09.2002; e
no processo nº…/00.8GFMTS, do …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, pela prática, em 2.05.2000, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, nº1, do D.L. nº422/89, de 2.12, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 4 €, por sentença de 6.11.2003, transitada em julgado.

À data da prática dos factos, o arguido C………….. tinha sido condenado:
no processo nº…./95, do …º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, pela prática, em 23.08.1994, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos artigos 3.º, 4.º, nº1, al. g), 108.º e 115.º do D.L. nº422/89, de 2.12, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00, por sentença de 21.10.1998, transitada em julgado.

Factos não provados:
Não se provaram outros factos com interesse para a justa decisão da causa, designadamente:
a) Da acusação pública, que:
- a repartição entre a arguida B………….. e o arguido C………….. dos proventos obtidos pela exploração do jogo desenvolvido pela referida máquina se fazia na proporção de metade para cada um deles; e
- a máquina supra mencionada foi colocada no estabelecimento de café “G…………” cerca de um mês antes à data dos factos.

b) Da contestação do arguido C…………., que:
- o arguido é respeitado e considerado no meio em que vive.

- quaisquer outros factos, constantes da acusação pública e das contestações, para além dos descritos como provados ou que sejam contraditórios em relação aos mesmos.

Motivação de facto
O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento.
Assim, atendeu-se, desde logo, aos documentos constantes de fls. 5 e 6, respeitantes à apreensão das supra aludidas 132 moedas de 1 €, da licença de exploração da máquina de diversão em causa nos autos e do respectivo título de registo.
A fls. 7 consta a referida licença de exploração nº2944, emitida em 26.11.2001, pelo Governo Civil do Porto, para a máquina de diversão registada com o nº20779/2001, pertencente a “I…………, Lda.”, sendo manifesto o lapso de escrita constante da acusação na parte em que alude a “J…………., Lda.” (demais que, subsequentemente, faz-se aí referência à correcta identificação da empresa em apreço).
As características da máquina em causa nos autos encontram-se descritas no documento de fls. 23 e no título de registo de máquina de diversão, do qual igualmente resulta que tal máquina pertence à sobredita sociedade comercial (cf. doc. de fls. 7), da qual o arguido C…………. é sócio-gerente, como resulta da cópia de certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial do Porto (cf. doc. de fls. 39-44). A factura relativa à aquisição de tal máquina pela referida empresa também consta de fls. 21-22.
Quanto às características exteriores da máquina de jogo em apreço (onde se verifica, para além do mais, a existência de um moedeiro) e ao seu modo de funcionamento (com o sistema “touchscreen”), o Tribunal atendeu ao teor do relatório pericial, a fls. 108-110.
Do mesmo relatório consta que não foi possível colocar a máquina em funcionamento devido ao facto de ser necessário inserir um código no ecrã, código esse que não foi fornecido no momento da apreensão, tendo-se recorrido a meios técnicos para aceder ao tema de jogo, mas sem sucesso.
Ora, embora não tenha sido possível aceder, em sede pericial, ao jogo desenvolvido na aludida máquina, por se desconhecer o código de acesso que a colocaria em funcionamento, o desenvolvimento de um jogo de “Póquer” pela mesma encontra-se devidamente demonstrado pelas declarações da testemunha D………….., que se apresentaram isentas, coerentes, sinceras e credíveis.
Com efeito, esta testemunha afirmou peremptoriamente que, nos dias 15 e 18 de Outubro de 2002, se deslocara, na qualidade de agente da GNR, ao café “G…………”, onde viu pessoas (nomeadamente, a testemunha E…………..) a jogarem “Póquer” na máquina em causa nos autos, que se encontrava instalada num dos cantos do estabelecimento. Declarou ter reconhecido o dito jogo, por conhecer muito bem este tipo de jogo, conhecimento esse que demonstrou ao Tribunal mediante a explicação que fez do modo como o mesmo é desenvolvido, fazendo menção, designadamente, à manipulação de 5 cartas, de diferentes naipes e mediante o toque nas respectivas 5 teclas exibidas no ecrã, que permitiam a troca de cartas.
A mesma testemunha esclareceu, ainda, que, a pedido da pessoa que se encontrava a jogar tal jogo, a arguida dirigiu-se à máquina e voltou a fazê-la desenvolver o mesmo tipo de jogo.
Referiu, também, que desconhecia se a máquina desenvolvia outro tipo de jogos (nomeadamente o “China Jong”, o “Hilt 3”, o “Solitaire”, o “Tree Mountain”, o “12’s” e o “13’s”), tendo afirmado, porém, que sabe que o “Solitário” e o “11’s” não se jogam com 5 cartas.
O facto de todas as testemunhas terem afirmado que desconheciam se ao dito jogo de “Póquer” correspondia um plano de prémios, se a máquina permitia creditar apostas ou se permitia fazer combinações premiadas não abala a convicção do Tribunal no sentido de que a referida máquina desenvolvia, efectivamente, um jogo de “Póquer”.
Com efeito e, por um lado, o agente da GNR D…………. surpreendeu a testemunha E……………. a desenvolver o referido jogo, pois, não obstante esta testemunha (E………….) ter negado tal facto, considera-se que a mesma não prestou um depoimento isento e sincero, evidenciando ser um cliente assíduo do café “G………….” e respondendo de modo muito conduzido pela defesa (de tal forma que mostrou conhecer até uma combinação de “Póquer”, depois de, contraditoriamente, ter referido desconhecer este tipo de jogo).
Por outro lado, as regras da experiência comum revelam que, geralmente, as máquinas que desenvolvem ilicitamente jogos de fortuna ou azar encontram-se equipadas com dispositivos que dificultam ou impedem o acesso ao concreto jogo desenvolvido, de modo a ocultá-lo perante eventuais acções de fiscalização levadas a cabo pelas autoridades competentes.
Ora, no caso concreto, a máquina só desenvolvia o aludido jogo mediante um código de acesso que não chegou a ser conhecido. De acordo com as mencionadas regras da experiência comum, conclui-se que se trata de um código que só o proprietário e a exploradora da máquina conheciam, porque, como é típico nas situações de exploração ilícita de jogo, esse código destinava-se a limitar o acesso ao referido “Póquer”, que os arguidos sabiam não poder explorar.
Por seu turno, a testemunha H…………., agente da GNR, afirmou ter intervindo, no âmbito da acção de fiscalização ao café “G…………..”, após a apreensão da máquina, tendo esta sido aberta no Posto da GNR, onde o arguido C…………. levou as chaves para abrir o moedeiro, em cujo interior se encontravam as 132 moedas apreendidas nos autos.
O facto de o arguido C…………… possuir a chave do moedeiro revela que o mesmo também tinha uma participação nos proventos que resultavam da exploração da dita máquina de jogo. De outro modo e tendo em conta as máximas da experiência comum no domínio da exploração de máquinas deste género, não seria lógico que o arguido dispusesse de uma chave para aceder ao dinheiro alheio.
Segundo a mesma ordem lógica, não se pode deixar de concluir que tal dinheiro também revertia necessariamente para o próprio explorador da máquina, neste caso, a arguida B…………..
As testemunhas E………….. e F…………… em nada colaboraram para a descoberta da verdade material, pois não lograram convencer o Tribunal da veracidade da versão dos factos que sustentaram na audiência de julgamento, na medida em que se mostraram pouco espontâneas, não tendo qualquer dos seus depoimentos sido corroborados pelos agentes da GNR acima identificados.
Com efeito, a testemunha E…………. referiu que estava a jogar “solitária” e que nunca chamou a arguida para poder continuar o jogo, tendo ainda afirmado que o próprio agente da GNR estava também a jogar esse jogo. Estas declarações não mereceram credibilidade, pois foram contrariadas pelo depoimento isento da testemunha D……………., nos termos anteriormente enunciados.
Por seu turno, a testemunha F………….. mostrou-se parcial, pois começou por afirmar que era apenas uma cliente do café explorado pela arguida e somente em momento posterior, revelou ao tribunal que, afinal, também prestava serviços regulares de limpeza nesse mesmo estabelecimento, tendo ainda acabado por admitir que tinha muita consideração pela arguida. Ainda que a relação de amizade não constitua de per si obstáculo à credibilidade de determinado testemunho, conclui-se, porém, no caso concreto, que a evidenciada relação de proximidade entre a arguida e esta testemunha impediu que esta depusesse de forma sincera e credível.
A exploração do estabelecimento de café “G……………….” pela arguida B…………….. está comprovada pelo documento de fls. 34, sendo que dos documentos de fls. 35 e 36-37 resulta que a mesma não declarou ao Fisco o exercício da actividade de exploração de café e do salão de jogos.
Quanto à actual situação pessoal e económico-social de ambos os arguidos, o Tribunal valorou positivamente as respectivas declarações, que se apresentaram sinceras e credíveis.
Os antecedentes criminais dos arguidos B………………. e C……………….. foram apurados exclusivamente com base nos respectivos certificados do registo criminal, constantes de fls. 178-180 e 168-169, respectivamente.
Os arguidos não quiseram prestar declarações quanto aos factos constantes da acusação, sendo que o silêncio não os desfavoreceu, de acordo com o disposto nos artigos 61.º, nº1, al. c), 343.º, nº1, e 345.º, nº1, do CPP.
Quanto aos demais factos dados como não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova ou meio de prova cabal.

O Direito:
O julgamento decorreu com documentação das declarações prestadas oralmente na audiência, pelo que o recorrente tinha a possibilidade de impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos amplos permitidos pelo art.º 412º n.º 3 do Código Processo Penal. Lida a alegação do recorrente, conclui-se que invoca os vícios do art.º 410º n.º2 do Código Processo Penal, concretamente insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, al. a) e c.), sindicando também a decisão da matéria de facto numa outra dimensão: a prova produzida em audiência não permite concluir como o tribunal concluiu que a máquina desenvolvia jogo de fortuna ou azar.
Para uma correcta impugnação da matéria de facto, exige-se, conforme resulta do disposto no art.º 431º, b), do Código Processo Penal, que a mesma se desenvolva nos termos do art.º 412º, n.º 3, do Código Processo Penal. E este art.º 412º preceitua:
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
Ora, no caso, o recorrente conforme resulta da leitura da alegação de recurso parece ter renunciado, a posteriori, ao recurso em matéria de facto, com a largueza possibilitada pelo art.º 412º n.º3 do Código Processo Penal, razão pela qual não se desenvencilhou daquele ónus – ónus justificado e razoável como repetidamente vem referindo o Tribunal Constitucional, cfr. por último o Acórdão n.º 140/2004, de 103.2004 - previsto nas citadas al. a) e b) do referido n.º 3, não tendo especificado, como lhe competia, os pontos que considerava incorrectamente julgados, quer as provas que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, sendo certo que tal especificação haveria de fazer-se por referência aos respectivos suportes técnicos, conforme o preceituado no referido n.º 4, ou seja, não indicou o recorrente a localização (início e termo) da gravação das declarações ou depoimentos, remetendo-se a uma discordância genérica relativamente ao julgamento da matéria de facto.
Mesmo assim vamos tentar demonstrar a sem razão do recorrente.
Alega o recorrente insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova, pelo que se impõe verificar se a decisão recorrida padece dos vícios referidos no art.º 410º, n.º2, do Código Processo Penal ou se ocorre «inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada». A nossa tarefa está assim delimitada ao conhecimento dos vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do Código Processo Penal, e ainda das nulidades insanáveis de conhecimento oficioso (artigo 119º) e apenas estas, pois, como é sabido, as outras nulidades, só podem ser conhecidas se forem invocadas pelos interessados, dentro dos prazos previstos na lei, artigos 120º e 121º do Código Processo Penal.

O art.º 410º do Código Processo Penal consagra o recurso doutrinalmente chamado de «revista ampliada», querendo isto significar que o tribunal ad quem – neste caso a relação, porque ocorreu renúncia a posteriori ao recurso em matéria de facto – mantém intactos os poderes de cognição dos vícios documentados no texto da decisão proferida pelo tribunal «a quo», que contendam com a apreciação do facto(1). Concretiza-se este recurso de revista ampliada na possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando a decisão de direito não encontre na matéria de facto provada uma base tal que suporte um raciocínio «lógico-subsuntivo»; de verificar uma contradição insanável da fundamentação, sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta precisamente a decisão contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.º 127º do Código Processo Penal, quando afirma que «a prova é apreciada segundo as regras da experiência»(2).
Lida a alegação do recorrente constata-se que incorre no erro usual de tratar os vícios do art.º 410º n.º2 do Código Processo Penal, como verdadeiros vícios do julgamento, o que é incorrecto: os vícios do art.º 410º n.º2 do Código Processo Penal não são, nem devem ser tratados, como verdadeiros vícios do julgamento, mas sim como vícios da decisão. Assim ilustrando a precedente afirmação alega o recorrente «os factos dados como provados, foram incorrectamente julgados, porque decorreram de referências incertas e vagas, não sustentadas por qualquer exame pericial que, no caso concreto, era a prova rainha, por fundamental para a qualificação do ilícito em causa e para determinar o preenchimento do seu elemento objectivo, havendo insuficiência de prova capaz de fundamentar de modo inequívoco a existência de jogo de fortuna e azar na máquina apreendida nos autos, bem como escassez de elementos probatórios susceptíveis de determinarem com certeza a responsabilização penal do arguido».
Há manifesto equívoco do recorrente: sob a capa de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova – vícios que só releva se identificáveis no texto da decisão recorrida, art.º 410º n.º2 do Código Processo Penal - alega algo de muito diverso, o erro no julgamento, o que não resulta do texto da decisão recorrida, e só pode ser apurado se ocorrer impugnação da matéria de facto nos termos do art.º 410º n.º3 e respectivas alíneas, o que, como vimos, não foi o caminho escolhido pela recorrente.
Pondo o recorrente em causa o julgamento da matéria de facto e não apenas a decisão, querendo o recorrente questionar em recurso o julgamento, - que se julgue o julgamento, saber se o julgamento da matéria de facto foi correcto ou incorrecto – e não apenas a decisão da causa, então devia ter deitado mão da impugnação da matéria de facto prevista no art.º 412º n.º3 do Código Processo Penal(3).
Lida a decisão recorrida, a factualidade assente, a não provada e a respectiva motivação, conclui-se que nenhum dos vícios elencados no art.º 410º n.º2 do Código Processo Penal, está patente no texto da decisão recorrida, nem se vislumbra nulidade de conhecimento oficioso, o que desencadeia, nessa parte, a improcedência do recurso.
Num exercício acrescido de convencimento do arguido importa dizer que, no caso, contrariamente ao que alega, a prova pericial não tinha necessariamente que ter lugar.
Vejamos:
Dispõe o art.º 151º do Código Processo Penal que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos. Esse não é seguramente o caso de saber se determinado jogo é ou não de fortuna ou azar, tarefa que partindo do conceito normativo, depende no essencial dos factos relatados em julgamento acerca do tipo e modo de funcionamento da máquina de jogo em causa, da discrição das características desses jogos. Se a verificação do jogo é feita por um especialista, tanto melhor, agora nada obsta a que se chegue à conclusão de que determinada máquina desenvolve um «jogo que é de fortuna ou azar com base apenas no relato de quem presenciou o desenvolvimento do jogo.
A regra geral em sede de prova é a de que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei, art.º 125º do Código Processo Penal. Não se verifica qualquer restrição no caso em apreço nomeadamente quanto à prova testemunhal, pelo que não procede a crítica do recorrente.
Finalmente importa lembrar ao recorrente que o exame pericial só não foi levado a efeito porque os arguidos, no exercício de um direito que lhes assistia, se recusaram a fornecer o código que permite o funcionamento da máquina de jogo em questão. Se é verdade que o exercício desse direito não pode desfavorecer, e não desfavoreceu o arguido, exige-se ao recorrente alguma coerência: fica menos bem na fotografia queixar-se de uma omissão – que afinal não releva – quando foi o seu comportamento que ditou essa consequência.

Diz de seguida o recorrente que o Tribunal se alicerçou em meios de prova que não foram examinados em audiência, designadamente, prova documental, no sentido de o responsabilizar por esse ilícito, sem que tivesse sido realizada qualquer outra diligência no sentido de apurar se teria sido o recorrente a colocar aquela máquina no estabelecimento dos autos, e se a mesma seria por si explorada, pois que, várias hipóteses poderiam justificar a existência daquela máquina no estabelecimento sem ser esta pertença do ora recorrente.
Parece que o arguido convoca o princípio da proibição de valoração de provas consagrado no art.º 355º n.º1 do Código Processo Penal, que dispõe não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, tendo em vista o registo de propriedade da máquina e respectiva licença de exploração, emitida em nome da firma do arguido e constante de fls. 7.
Acontece que esse documento foi indicado como meio de prova na acusação pública deduzida pelo Ministério Público, art.º 283º n.º3 al. f) do Código Processo Penal, fls. 121, pelo que o arguido sabia da sua existência, podendo quanto a ela ter tomado a atitude que bem entendesse. Acresce que a proibição de valoração do Art.º 354º n.º1 não abrange no caso o concreto documento, pois está ressalvado pelo n.2 do art.º 355º do Código Processo Penal, já que é uma prova constante dos autos cuja leitura é permitida. Como se entendeu no Acórdão do Tribunal Constitucional 87/99 os documentos constantes do processo consideram-se produzidos em audiência independentemente de nesta ser feita a respectiva leitura, desde que, como era o caso, se trate de documentos cuja leitura é permitida.
Mais uma vez, se o arguido tinha algo a objectar ao documento - que diz quem é o proprietário da máquina e titular da licença de exploração - devia ter suscitado a questão no julgamento e não apenas no recurso. Acresce que não foi apenas o documento que o tribunal considerou para concluir pela propriedade: como claramente se refere na motivação, o arguido comportou-se também como proprietário, foi ele quem apareceu com as chaves para abrir o moedeiro da máquina, não sendo lógico que dispusesse de uma chave para aceder ao dinheiro alheio; de outro modo, ele que até sabe as regras do jogo pois já foi condenado por exploração ilícita de jogo tinha esclarecido a que título tinha aparecido.
Do exposto podemos concluir que não se vislumbra, contrariamente ao sustentado de forma conclusiva pelo recorrente, violação do princípio “In Dúbio Pro Reo”.

Quanto ao aspecto sancionatório discorda o Recorrente da medida concreta da pena que lhe foi aplicada. Sustenta o arguido que se impunha uma retribuição justa artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal.
Segundo o recorrente o Tribunal “a quo” considerou como elementos agravantes relativamente ao ora Recorrente a mediana ilicitude do facto, a intensidade do dolo que o classificou como directo, tudo tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial que se impunham considerar. Afirma depois o arguido que não valorou convenientemente o Meritíssimo Juiz “a quo” todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do arguido, designadamente: o grau da ilicitude, o facto de não haver qualquer notícia posterior da prática, por parte do arguido, de qualquer outro crime e de o mesmo se encontrar social e familiarmente inserido. Motivo pelo qual, as penas aplicadas ao arguido revelam-se extremamente exageradas e desproporcionadas às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas. Reclama em síntese pena menos gravosa.
Com todo o respeito permitimo-nos uma pequena correcção ao arguido: o direito penal já há muito mudou de paradigma, não havendo no nosso ordenamento penal lugar a ideias de retribuição. Para a doutrina tradicional é que o princípio da compensação da culpa constituía fundamento do direito penal. A culpa, que o agente tomou sobre si com a prática do facto, era contrabalançada na terminologia habitual: retribuída, expiada através do cumprimento da pena.
Como referimos ocorreu, e há muito, mudança de paradigma. O axioma, em que assenta a nossa solução legal no domínio da medida da pena, de que a pena não deve ir para além da medida da culpa, é um princípio liberal, limitador do poder punitivo do estado, que apenas se pode extrair do princípio da culpa. A diferença decisiva entre a retribuição e a prevenção está em que a retribuição serve apenas a Ideia da Justiça e abstrai de todos os fins sociais, enquanto que as doutrinas preventivas, pelo contrário, prosseguem exclusivamente fins sociais, quer se vejam estes na integração social do agente, na intimidação dele, na segurança da sociedade perante ele ou na actuação sobre a generalidade das pessoas, art.º 40º do Código Penal. Precisamente por isso fala-se, a respeito do pensamento da retribuição da culpa, de uma teoria «absoluta», isto é, «desligada» de quaisquer finalidades, enquanto que as concepções preventivas são todas «relativas», isto é reportadas a fins. Ora, uma teoria absoluta, como a da retribuição, não é compatível com o modelo do contrato social que está subjacente à democracia parlamentar. Com efeito, segundo esse modelo, os cidadãos só transferem o poder estadual para os representantes por eles escolhidos e para as autoridades instituídas por estes, na medida em que isso é necessário para organizar uma comunidade que preserve o indivíduo de intromissões na sua esfera de liberdade e lhe proporcione uma vida de paz e bem estar. Em conclusão a ideia de retribuição, estranhamente defendida pelo arguido, assenta na hipótese metafísica de que um malefício é compensado ou anulado quando se impõe ao seu autor um mal correspondente, o que não é hoje aceite pelo nosso direito penal(4).
Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais(5).
A culpa jurídico penal é o ficar aquém das exigências de conformação da personalidade com aquela que a ordem jurídica supõe e o ter que responder por essa diferença, quando ela, como no caso, fundamenta um facto ilícito(6).
Descendo ao concreto temos como menos correcta a afirmação do arguido de que não valorou convenientemente o Meritíssimo Juiz “a quo” todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do arguido, designadamente: o grau da ilicitude (...), quando o certo é que expressamente foi considerada a mediana ilicitude do facto. Já a circunstância, apenas alegada e sem conforto expresso na factualidade assente, de não haver qualquer notícia posterior da prática, por parte do arguido, de qualquer outro crime e de o mesmo se encontrar social e familiarmente inserido, dando-se de barato que assim é, irreleva, pois, mais não é do que a obrigação de quem vive em sociedade, sendo certo que nem sequer foi apurado o tabelar bom comportamento.
Em conclusão perante o quadro fáctico apurado não merece a concreta pena, a censura que lhe faz o recorrente, pelo que se mantém.
Donde se conclui pela total improcedência do recurso.

Decisão:
Na improcedência mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.

Porto, 24 de Janeiro de 2007
António Gama Ferreira Ramos
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva
Arlindo Manuel Teixeira Pinto
_________
(1) F. Dias, Para uma reforma global do Processo Penal Português, 1983, p. 240 e Cunha Rodrigues, Recursos, CEJ, O novo Código Processo Penal, 1988, p. 393, Maria João Antunes, RPCC, ano 4º (1994), Fasc. 1, pág. 120.
(2) Maria João Antunes, RPCC, ano 4º (1994), Fasc. 1, pág. 120.
(3) Maria João Antunes, RPCC, ano 4º (1994), Fasc. 1, pág. 121.
(4) Claus Roxin, Acerca da problemática do direito penal da culpa, BFD, Vol. LIX, 1983, p. 1 a 7.
(5) F. Dias, Temas básicos da doutrina penal, 2001, pág. 110-111, art.º 18º n.º 2 da CRP, art.º 40 n.º 1 e 2 do CPenal, Anabela Rodrigues, Sistema Punitivo Português, Sub Judice, 1996 Caderno 11, pág. 11 e segts, O Modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, RPCC, 12, n.º 2, 2002, pág. 147 e segts., Ac. Rel. Coimbra, 9.11.83 CJ VIII t. 5. pág. 73 e E. Correia R.L.J. 118, pág. 355 e C. J. VII t.1 pág. 7 e Ac. STJ de 21.06.89 BMJ 388º 254 e Ac. do STJ de 10.4.96. CJ S IV T 2 pág. 168
(6) F. Dias, Liberdade Culpa e Direito Penal, pág. 208.