Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
96/14.8TTVFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ACTO INÚTIL
Nº do Documento: RP2016021596/14.8TtVFR-A.P1
Data do Acordão: 02/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 236, FLS.75-82)
Área Temática: .
Sumário: I - A lei prevê tês momentos distintos para apresentação de documentos: com os articulados; até 20 dias antes da audiência de julgamento; e nos casos a que alude o art. 423.º, n.º 3, do CPC: a impossibilidade de junção até ao momento da sua apresentação e logo após a sua obtenção ou a necessidade de apresentação por qualquer ocorrência posterior aos dois primeiros momentos.
II - Ao apresentante incumbe um duplo ónus: o da justificação temporal da apresentação e a indicação discriminada e fundamentada dos factos a que tal documento se destina.
III - O ónus referido em II tem por objectivo, não só o de permitir à parte contrária exercer o direito do contraditório, estatuído no art. 427.º do CPC, como ainda o de permitir ao tribunal verificar da impertinência ou desnecessidade de tal junção (tardia).
IV - Não tendo o apresentante alegado factos e circunstâncias que justificavam a apresentação tardia e não tendo o tribunal lançado mão do regime do art. 72.º do CPT, configura acto inútil e violador do contraditório (da parte contra a qual tais documentos foram apresentados) a admissão de documentos “para apreciação de factos que resultaram do depoimento de parte (…) não alegados em sede da petição inicial”, “cujo conteúdo, ainda que perceptível para aferir da sua admissão, não se encontra legível na sua integralidade e que, atenta tal deficiência, não poderão ser atendidos na decisão final”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 96/14.8TTVFR-A.P1
Origem: Comarca de Aveiro, SMFeira-Inst. Central-4.ª Secção Trabalho-J2.
Relator: Domingos Morais – R 540
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. - Na acção comum n.º 96/14.8TTVFR.P1, a correr termos na Comarca de Aveiro-SMFeira-Inst.Central-4.ªSec.Trabalho-J2, em que é autor B… e rés C…, S.A., D…, SGPS, S.A., no decurso da audiência de discussão e julgamento, a 1.ª ré requereu a junção aos autos de 7 documentos, através de requerimento datado de 07 de Novembro de 2014.
2. – O autor opôs-se à requerida junção, além do mais, por desconhecer o seu conteúdo.
3. - Por despacho datado de 2014.12.17, a Mma Juiz da 1.ª instância, deferiu a requerida junção.
4. - O autor, inconformado, apresentou recurso de apelação em separado, concluindo:
A) Tendo, em sede de audiência de julgamento e após ter sido prestado depoimento de parte por parte do Recorrente, bem como ouvidas todas as testemunhas por este arroladas, sido proferida decisão contida em despacho de 17/12/2014 e ora sob recurso, pela qual se julgou como “…oportuna a apresentação dos documentos apresentados pela ré e enumerados de 1 a 7, não obstante a fase processual em que nos encontramos, uma vez que os mesmos traduzem a reação da ré ao circunstancialismo descrito em audiência e não constante dos articulados” e, em consequência, admitiu-se a sua junção, “…sem prejuízo da necessária reapresentação de alguns dos documentos cujo conteúdo, ainda que, ainda que perceptível para aferir da sua admissão, não se encontra legível na sua integralidade, e os quais, atenta tal deficiência, não poderão ser atendidos em sede de decisão final.
B) Violou tal decisão o disposto sob o art. 423º, nº. 3, do CPC, porquanto não foi invocado, muito menos demonstrado, na respetiva pretensão de junção pela co-Recorrida algo de concreto ou preciso, suscetível de ser legitimado ou ter cobertura legal no disposto em tal art. 423º, nº. 3, do CPC.
C) Por outro lado, carece de cobertura legal decisão, como a em apreço, que admite a junção de documentação, sem distinção, e cujo conteúdo reconhece como enfermando de deficiência de legibilidade e, por conseguinte, decide não poder ser atendido em sede de decisão final.
D) Com o assim decidido, fica o Recorrente impossibilitado de se pronunciar não só quanto a qualquer documento cuja admissão foi admitida, como aquilo que desses documentos foi entendido como legível e poderá vir a ser atendido em sede de decisão final.
E) Traduzindo-se isto, como se traduz, em violação do contraditório, a que se reporta o disposto sob o art. 3º, nº. 3, do CPC.
Deste modo, dando provimento à apelação, revogando o despacho de 17-12-2014 do Tribunal a quo farão V. Exas. JUSTIÇA!”.
5. – A 1.ª ré contra-alegou, concluindo:
1 - A Sentença em sindicância não merece qualquer censura, devendo ser mantida qua tale.
2 - A decisão proferida nos autos assenta numa correcta apreciação do conteúdo dos princípios basilares do Processo Civil e aplica de forma irrepreensível o Direito, quer no respeita ao seu enquadramento jurídico, quer no respeita ao normativo aplicável.
3 - A grande maioria do vertido nas alegações e conclusões não se reconduzem a críticas ou questões dirigidas ao Despacho a quo, mas sim à efabulação e ao dirimir de razões (ainda que com falta dela…) das quais este Tribunal se absterá de conhecer, por, consabidamente, não ser esse o escopo dos recursos jurisdicionais.
4 - De facto, constata-se que em sede de Inquirição de Testemunhas e de Depoimento de Parte foram invocados factos e circunstâncias atinentes às funções do Autor no Brasil, não alegadas por este na Petição Inicial, indiciadores do tipo de vinculo existente entre este, a “C1… e a Ré “C…, Lda.”, e que a comprovarem-se, com reflexo na apreciação do mérito da causa, serão indícios para os quais a junção em apreço será garante da verdade material que se pretende atingir.
5 - Estatui o artigo 423.º n.º 3 o Código de Processo Civil que “após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
6 - Não obstante a fase processual em que se encontrava, a apresentação dos Documentos apresentados pela Ré, ora Recorrida, é manifestamente oportuna, uma vez que os mesmos traduzem a reacção da mesma ao circunstancialismo descrito em Audiência e não constante dos respectivos Articulados, a qual a Ré não podia antecipar, até porque o Autor veio apresentar uma narrativa diferente da constante da Petição Inicial, facto que foi reconhecido pela Mm.ª Juiz no despacho.
7 - Acresce que, ao contrário do que refere o Recorrente, a Ré, aqui Recorrida, fez referência à necessidade da junção dos documentos e ainda a que artigos se referiam.
8 - Face ao retro exposto, é apodíctico que os documentos se revelavam necessários, úteis e essenciais para a descoberta da verdade.
9 - Mesmo que assim não fosse, não nos podemos olvidar que o Código de Processo Civil de 2013 consagra expressamente o Dever de Gestão Processual, traduzindo-se na direcção activa e dinâmica do processo, tendo em vista, quer a rápida e justa composição do litigio, quer a melhor organização do trabalho do Tribunal.
10 - O artigo 6.º n.º 1 assinala que cumpre ao juiz “dirigir activamente o processo”, concluindo que tudo isto é norteado pelo seguinte critério: garantir a justa composição do litígio.
11 - Ao mesmo tempo, segundo o artigo 411.º do Código de Processo Civil, é incumbência do Juiz “realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é licito conhecer.”
12 - Por conseguinte, estamos efectivamente perante o princípio do Inquisitório.
13 - A evolução do sentido da gradual publicização do Processo Civil originou que o juiz passasse a ter competência para ordenar diligências destinadas à descoberta da verdade.
14 - Com efeito, as diligências probatórias deixaram de ficar confinadas àquelas que fossem requeridas pelas partes, pelo que mesmo que não tivesse sido requerida a junção dos documentos em apreço pela Recorrida, esta poderia ter sido requerida pelo Mm.º Juiz a quo, na medida em que essa prova documental será garante da verdade material que se visa atingir.
15 - Destarte, constata-se que o Despacho a quo está impoluto de quaisquer vícios, merecedor de que o mesmo seja mantido, sustentado e confirmado.”.
6. – Por despacho do relator, proferido a fls. 398-399 destes autos, foi ordenado que os autos baixassem à 1.ª instância, nos termos promovidos pelo Exmo. Sr. Procurador Geral-Adjunto: falta de elementos para conhecimento do recurso, mormente, a acta da audiência de julgamento na qual está documentado o depoimento de parte do autor.
7. - Juntos aos autos os elementos pretendidos, o Exmo. Sr. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do CPT, no sentido de julgar extinta a instância deste recurso por inutilidade superveniente do seu conhecimento, atenta a sentença final, entretanto, proferida e os requerimentos de recurso de apelação, sobre a mesma, apresentados pelas partes, e cujas conclusões nada referem quanto ao objecto deste recurso intercalar.
8. – Notificadas do parecer do M. Público, as partes nada disseram.
9. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. – Os factos:
1. - Para além da factualidade supra descrita, cumpre deixar aqui consignado o teor do despacho impugnado:
“A fls.955 e ss., assim como em ata datada de 07.11.2014 (fls.1101 a 1103). veio a ré «C…, S.A.» requerer a junção de sete documentos alegando para o efeito que os mesmos são essenciais para a descoberta da verdade material, justificando ainda a sua apresentação nesta fase processual com o teor do depoimento de parte do autor e de testemunhas da ré já inquiridas, as quais chamaram à colação, respectivamente, a acção proposta no Brasil, em 26.03.2014, contra a «C1…» (já após a propositura destes autos e da apresentação da contestação), a existência de um centro de custos onde estão reportados os empréstimos, ajudas de custas e outros encargos relativamente a despesas do autor e da C1… suportados pela «C…», a natureza da relação profissional do autor com o administrador E….
Efetivamente constata-se que, em sede de depoimento de parte e inquirição de testemunhas, foram invocados factos e circunstâncias atinentes às funções do autor no Brasil, não alegadas por este em sede de petição inicial, as quais indiciadoras do tipo de vínculo existente entre este, a «C1…» e a ré «C… Lda.», e necessariamente, a comprovarem-se, com reflexo na apreciação da causa, indícios estes para os quais a prova documental ora junta será garante da verdade material que se pretende atingir.
Reza o art.º423 n.º3 do C.P.Civil que «3 – Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.»
Assim sendo, é oportuna a apresentação dos documentos apresentados pela ré e enumerados de 1 a 7, não obstante a fase processual em que nos encontramos, uma vez que os mesmos traduzem a reacção da ré ao circunstancialismo descrito em audiência e não constante dos articulados.
Admite-se assim a sua junção, sem prejuízo da necessária reapresentação de alguns dos documentos cujo conteúdo, ainda que perceptível para aferir da sua admissão, não se encontra legível na sua integralidade, e os quais, atenta tal deficiência, não poderão ser atendidos em sede de decisão final.”.

III.O direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

2. - Questão prévia: a utilidade do recurso
O presente recurso intercalar foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Entretanto, como resulta dos elementos posteriormente juntos aos autos, terminou a produção da prova na acção principal e foi proferida a sentença final, da qual as partes recorreram, sem qualquer menção, nas respectivas conclusões, quanto ao objecto deste recurso de apelação em separado.
Além disso, na motivação da decisão de facto alude-se à paginação, na acção principal, de documentos “analisados” para essa decisão, sem se conseguir perceber, minimamente, neste translado, se os ditos “7 documentos” foram, ou não, tidos em consideração para a decisão de facto.
Por esses motivos, o Exmo. Sr. Procurador Geral-Adjunto é de parecer que se julgue extinta a instância deste recurso, por inutilidade superveniente do seu conhecimento.
Embora respeitando e compreendendo as razões contidas no referido parecer, somos de opinião que ainda não se esgotou, totalmente, a utilidade deste recurso em separado, pela simples razão de que a sentença final ainda não transitou em julgado, dado que está sob recurso de apelação, tanto do autor como das rés.
E uma das questões suscitadas no recurso, apresentado pelo autor, é o da nulidade da sentença final que, sendo eventualmente atendida e nos termos em que o for, poderá “reavivar” o interesse deste recurso intercalar, em sede de produção de prova na 1.ª instância, tanto mais que da motivação da decisão de facto não resulta, com a clareza necessária, se os “7 documentos” foram, ou não, considerados, pela Mma Juiz, no seu processo de convicção pessoal.
É, pois, por esses motivos, que prosseguimos com a apreciação do objecto do recurso em separado.

3. - Questões em apreciação
- Violação do disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC e
- Violação do princípio do contraditório.

4.O regime jurídico da prova por documentos.
4.1. - Os documentos são um dos meios de prova contemplados no CPC (serão deste diploma as normas citadas sem menção de origem), a par da prova por confissão das partes, pericial, inspecção judicial e testemunhal – cf. título V, capítulos II, III, IV, V e VI do CPC.
Atento o disposto no artigo 362.º do Código Civil (CC), “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.”.
No caso da prova testemunhal (salvo casos de inabilidade, impedimento ou recusa), do rol apresentado pelas partes, o juiz não pode “escolher” as testemunhas a ouvir em audiência, essencialmente, por ser um meio de prova de natureza subjectiva, apenas perceptível pelo respectivo depoimento no momento e local, próprios.
Já os restantes meios de prova podem, e devem, ser “controlados” pelo juiz na fase da instrução do processo, quer quanto à sua temporalidade na apresentação, quer quanto ao seu interesse/importância para a apreciação do objecto da causa, tendo em atenção, mormente, a causa de pedir, a descoberta da verdade material (para o que releva o princípio do inquisitório, expressamente, admitido no artigo 411.º do actual CPC, à semelhança do que já consagrava o CPT) e o princípio da livre apreciação judicial das provas.

4.2.Momento da apresentação processual dos documentos
O artigo 63.º do CPT, sob a epígrafe Indicação das provas, dispõe:
1 - Com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.
2 - O rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade no prazo de 5 dias.”.
Por sua vez, o artigo 423.º do actual CPC, adoptando o regime do artigo 63.º do CPT, dispõe:
1 — Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 — Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 — Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

4.3. – Momento da verificação dos documentos apresentados
Por sua vez, o artigo 443.º do mesmo diploma, determina:
“1 - Juntos os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no artigo 427.º (notificação à parte contrária), o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, condenando este ao pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais. (negrito nosso).
2 — Caso seja aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 423.º, a parte é condenada no pagamento de uma única multa.”.
A verificação da impertinência ou da desnecessidade, ainda que perfunctória, deve ter em atenção todo um conjunto de regras processuais que subjaz à admissão de documentos, tardiamente apresentados, como seja a discriminação, no respectivo requerimento, dos factos a provar; o ónus da prova; a origem dos factos discriminados (alegados ou não alegados nos articulados); a natureza dos factos discriminados (relevantes ou irrelevantes para o conhecimento de mérito) e a necessidade de prova, mormente, por força do princípio da verdade material.

4.4. - O caso dos autos
4.4.1. - Violação do princípio do contraditório e do disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC.
No decurso da audiência de discussão e julgamento, por requerimento intercalar entre sessões de julgamento, a 1.ª ré requereu a junção de 7 documentos.
Na imediata sessão da audiência de julgamento, logo que reaberta, a Mma Juiz deu a palavra ao mandatário do autor para se pronunciar sobre a requerida junção dos 7 documentos, o qual, opondo-se, mormente, por desconhecer o conteúdo dos mesmos, não prescindiu do prazo de vista, que lhe foi concedido.
De seguida, o mandatário da 1.ª ré consignou, em acta, a sua justificação para a junção de tais documentos.
Decorrido o prazo de vista do autor, a Mma. Juiz proferiu o despacho recorrido, supra transcrito.
O autor alega, nas conclusões de recurso, que o despacho recorrido “Violou o disposto sob o art. 423º, nº. 3, do CPC, porquanto não foi invocado, muito menos demonstrado, na respetiva pretensão de junção pela co-Recorrida algo de concreto ou preciso, suscetível de ser legitimado ou ter cobertura legal no disposto em tal art. 423º, nº. 3, do CPC.”.
Alega, ainda, que o despacho recorrido, ao reconhecer que o conteúdo de alguns documentos, sem os distinguir, enferma “de deficiência de legibilidade”, não podendo ser atendido em sede de decisão final, também impossibilita o recorrente de se pronunciar no momento próprio, violando o seu direito ao contraditório.

4.4.2. - Do teor do artigo 423.º, supra transcrito, resulta que a lei admite três momentos processuais para a apresentação de documentos como meio de prova, o último, dos quais, previsto no seu n.º 3: “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”. (negrito nosso).
São dois os requisitos autónomos previstos nesta norma:
- a impossibilidade de apresentação até àquele momento e
- a necessidade de apresentação por qualquer ocorrência posterior.
A verificação desses requisitos compete ao juiz, no exercício do múnus que lhe é confiado.
Conforme o citado artigo 362.º, do C. Civil, diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar um facto.
Na prática judiciária, o termo “documento” é associado, fundamentalmente, a documento escrito.
O documento escrito (como qualquer outro meio de prova, aliás) destina-se a fazer prova de factos concretos, alegados pelas partes nos seus articulados, e atento o ónus probatório de cada uma delas.
E no acto da apresentação tardia do documento escrito, a parte interessada deverá indicar, de forma discriminada, os factos a que tal prova escrita se destina, para além da justificação temporal, prevista nos n.ºs 2 e 3 do artigo 423.º.
Essa indicação discriminada é fundamental por dois motivos:
- Para a parte contrária poder exercer o direito ao contraditório, estatuído no artigo 427.º, e
-Para o juiz poder cumprir o determinado no artigo 443.º, n.º 1, ou seja, verificar da impertinência ou desnecessidade da junção tardia de documentos, ainda que de forma perfunctória, como supra referido.
Ora, conforme consta dos autos (e a própria recorrida reconhece na acta de audiência de julgamento, de 07 de Novembro de 2014), a ré/recorrida, no requerimento de junção dos “7 documentos”, não só não justifica a sua apresentação tardia (omitindo, inclusiva, a respectiva norma), como não discrimina quais os factos, em concreto, que pretende provar com tais documentos.
Só na acta de audiência de julgamento, de 07 de Novembro de 2014 (3.ª sessão), é que a ré/recorrida faz menção ao n.º 3 do artigo 423.º do CPC e alega, como justificação, para a apresentação tardia dos documentos, o “teor do depoimento de parte do autor”, prestado na primeira sessão do julgamento, ocorrida em 24 de Setembro de 2014, um mês e meio antes (a 2.ª sessão do julgamento data de 22 de Outubro de 2014), também sem discriminar qualquer facto, resultante desse depoimento de parte, que pretendesse provar ou contradizer com tais documentos. Basta dizer que o autor foi ouvido sobre a matéria descrita em 23 dos artigos da contestação e em 2 dos artigos do articulado superveniente – cf. acta da sessão da audiência de julgamento, de 24 de Setembro de 2014.
E no despacho recorrido, a Mma Juiz escreveu:
(…).
Efetivamente constata-se que em sede de depoimento de parte e inquirição de testemunhas foram invocados factos e circunstâncias atinentes às funções do autor no Brasil, não alegadas por este em sede de petição inicial, as quais indiciadoras do tipo de vínculo existente entre este, a «C1…» e a ré «C… Lda.», e necessariamente, a comprovarem-se, com reflexo na apreciação da causa, indícios estes para os quais a prova documental ora junta será garante da verdade material que se pretende atingir.
(…).
Admite-se assim a sua junção, sem prejuízo da necessária reapresentação de alguns dos documentos cujo conteúdo, ainda que perceptível para aferir da sua admissão, não se encontra legível na sua integralidade, e os quais, atenta tal deficiência, não poderão ser atendidos em sede de decisão final.”. (negrito nosso)
Ora, no 1.º § transcrito, o despacho recorrido não só não identifica as “testemunhas”, como não discrimina os “factos e circunstâncias atinentes às funções do autor no Brasil, não alegadas por este em sede de petição inicial”.
Assim, não tendo sido alegados tais “factos e circunstâncias” na petição inicial, para além do ónus da prova recair sobre o autor (são referenciados ao seu depoimento de parte), o tribunal não poderia deles conhecer, excepto nos termos previsos no artigo 72.º do CPT.
Mas, para isso, mais uma razão para serem discriminados tais “factos e circunstâncias”, para efectivo conhecimento das partes.
Dos elementos juntos a estes autos de translado, incluindo as actas das sessões da audiência de julgamento, não consta que o tribunal da 1.ª instância tenha recorrido ao regime jurídico plasmado no artigo 72.º do CPT.

No último § transcrito, a Mma. Juiz, reconhecendo que o conteúdo de “alguns dos documentos”, sem os identificar, não se encontra legível na sua integralidade, considerou-o perceptível para aferir da sua admissão, mas imperceptível para poderem ser atendidos em sede de decisão final, “sem prejuízo da necessária reapresentação” pela ré/recorrida.
Ora, do teor desse último parágrafo pode concluir-se que, no decurso do prazo de vista concedido ao autor, a ré/recorrida não reapresentou os documentos com conteúdo legível, o que, naturalmente, o impediu de exercer o direito ao contraditório, previsto no artigo 427.º.
Por outro lado, dos autos de translado, enviados a este Tribunal de recurso, também não consta qualquer reapresentação, posterior, dos referidos documentos, por parte da ré/recorrida; nem do despacho de motivação da decisão de facto se pode concluir pelo sim, ou pelo não, de reapresentação posterior, ao prazo de vista.
Assim, a admissão dos documentos em causa, nos termos descritos no último parágrafo do despacho recorrido - ilegíveis para poderem ser atendidos em sede de decisão final -, constituiu, ainda, um acto inútil, proibido por lei – cf. artigo 130.º do CPC: “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.”.

4.4.3. - Em resumo:
O despacho recorrido é contraditório em si mesmo, já que admitindo a ilegibilidade parcial de “alguns dos 7 documentos”, para poderem ser atendidos em sede de decisão final, considerou o seu conteúdo perceptível para aferir da sua admissão.
Ora, se o conteúdo de “alguns documentos” era imperceptível para atender na decisão final, era inútil a sua admissão, no momento em que o foi, tanto mais que destinados à prova de “factos e circunstâncias” não alegados na petição inicial (e não discriminados no despacho recorrido) e, como tal, não conhecíveis pelo tribunal, excepto na situação prevista no artigo 72.º do CPT, não concretizada.
Além disso, a ilegibilidade parcial de tais documentos impediu o autor de exercer o seu direito ao contraditório, no prazo de vista dos documentos.
Deste modo, procede o recurso de apelação em separado, apresentado pelo autor.

III.A decisão
Atento o exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida.
As custas do recurso em separado são a cargo da ré/recorrida.
*****
Sumário:
(Da exclusiva responsabilidade do relator)
Descritores:
Junção tardia de documentos,
Requisitos,
Ónus do apresentante

I - A lei prevê tês momentos distintos para apresentação de documentos: com os articulados; até 20 dias antes da audiência de julgamento; e nos casos a que alude o art. 423.º, n.º 3, do CPC: a impossibilidade de junção até ao momento da sua apresentação e logo após a sua obtenção ou a necessidade de apresentação por qualquer ocorrência posterior aos dois primeiros momentos.
II - Ao apresentante incumbe um duplo ónus: o da justificação temporal da apresentação e a indicação discriminada e fundamentada dos factos a que tal documento se destina.
III - O ónus referido em II tem por objectivo, não só o de permitir à parte contrária exercer o direito do contraditório, estatuído no art. 427.º do CPC, como ainda o de permitir ao tribunal verificar da impertinência ou desnecessidade de tal junção (tardia).
IV - Não tendo o apresentante alegado factos e circunstâncias que justificavam a apresentação tardia e não tendo o tribunal lançado mão do regime do art. 72.º do CPT, configura acto inútil e violador do contraditório (da parte contra a qual tais documentos foram apresentados) a admissão de documentos “para apreciação de factos que resultaram do depoimento de parte (…) não alegados em sede da petição inicial”, “cujo conteúdo, ainda que perceptível para aferir da sua admissão, não se encontra legível na sua integralidade e que, atenta tal deficiência, não poderão ser atendidos na decisão final”.
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Porto, 2016.02.15
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha