Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
696/21.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PERDA DE FILHO
Nº do Documento: RP20220929696/21.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A indemnização por danos não patrimoniais, a fixar por equidade, visa, além de compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão. Tal compensação deve traduzir a ponderação da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso.
II - Como “lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos”.
III - A perda do filho, como é o caso, é causador de grande sofrimento para o autor, atenta a privação brusca e definitiva do afecto e companhia do seu único filho bem amado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2022:696/21.0T8PRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., Gondomar instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros X..., actualmente designada Y..., S.A., em virtude de processo de fusão, com escritórios na Rua ... - Porto, onde concluiu pedindo seja a ré condenada a pagar ao autor a quantia global de € 120.000,00€, sendo 50.000,00 € a título de dano não patrimonial e € 70.000,00 a título de dano patrimonial, acrescido de juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que em virtude do acidente ocorrido de que foi vítima o seu filho já lhe foram arbitradas em acção anterior (pedido cível formulado em axção penal: processo n.º 336/17.1GEGDM), indemnizações pelo “dano da morte” do seu filho e pelos danos sofridos pelo próprio falecido.
Acrescentou que restam por discutir e fixar as indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo próprio autor, cuja reparação, agora, peticiona.
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Citada, a Ré contestou, aceitando, no essencial, a versão do acidente descrita pelo Autor na petição inicial, bem como a responsabilidade da sua segurada na eclosão do mesmo, impugnando, todavia, os danos invocados, reputando de excessivos os montantes peticionados a título de indemnização.
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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.
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Após julgamento, foi proferida sentença julgando a acção parcialmente procedente e decidiu condenar a Ré, Y..., S.A., a pagar ao autor, AA, a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a data de prolação da sentença e até efectivo pagamento, sendo os juros devidos à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no artigo 559.º do Cód. Civil, absolvendo a ré do demais pedido.
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Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente AA, veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I. O presente recurso tem por objeto a decisão sobre a matéria de facto e bem assim a decisão não condenação da R. no pagamento da indemnização reclamada a título de danos patrimoniais por o tribunal a quo ter considerado como não provado que o falecido filho do A. lhe entregasse qualquer valor a título de alimentos e, que este necessitasse deles.

II. Salvo melhor entendimento, o tribunal a quo incorrectamente deu como não provada a matéria constante dos pontos 24, 25, 26, 27, 28 e, 29 da matéria de facto sendo que, a deveria ter dado como provada precisamente com base nos depoimentos das testemunhas do A., designadamente BB (Depoimento gravado em audiência de julgamento em 28/03/2022 pelas 13:45 horas através do sistema Habilus Media Studio, início pelas 14:04 horas e fim pelas 14:27 horas) e, CC (depoimento foi gravado em audiência de julgamento em 28/03/2022 pelas 13:45 horas através do sistema Habilus Media Studio, com início pelas 14:28 horas e fim pelas 14:45 horas), os quais se afiguram coerentes e credíveis sendo que, a justificação data pelo tribunal recorrido para os não considerar carece de fundamento quer numa análise isolada quer quando conjuntamente considerados com a demais matéria de facto dada como provada.

III. Do depoimento das referidas testemunhas é notório o seu conhecimento acerca das circunstâncias da vida do falecido DD, as suas intenções de futuro e a medida da sua contribuição para ajudar o A. não se resumindo ao que o mesmo transmitia, ao contrário do que considerou o tribunal a quo.

IV. Com base na prova produzida a matéria correspondente aos pontos 24, 25, 26, 27, 28 e, 29 da matéria de facto deve ser dada como provada, aditando-se ao elenco dos factos provados novos pontos com a redação que se passa a sugerir:
24 - Era usual DD pagar as despesas de água, luz, gás e telefone em alternância com o autor.
25 - DD entregava ao autor a quantia de € 200,00 mensais.
26 - DD era pessoa muito poupada e económica, não gastando consigo um terço do valor que auferia.
27 - DD não bebia, não fumava, não tinha quaisquer vícios e só gastava o estritamente necessário.
28 - O que DD não gastava consigo revertia para o seu agregado familiar.
29 - DD dizia frequentemente que nunca deixaria o pai e não tinha qualquer intenção de casar.

V. Considerando a matéria de facto dada como provada e, na perspetiva da alteração da decisão sobre a matéria de facto aqui defendida, necessariamente terá que ser também alterada a decisão referente à indemnização por danos patrimoniais, atribuindo-se ao A. indemnização a este título nunca inferior a 70.000,00€.

VI. Ainda que se não considere a alteração da decisão sobre a matéria de facto atrás reclamada, deve ser alterada a decisão proferida atribuindo-se ao A. indemnização a título de danos patrimoniais nunca inferior a 70.000,00€ pois,

VII. Independentemente da prova da necessidade de alimentos ou de que o falecido os prestava ao A., necessariamente a decisão proferida teria que ser outra, ou seja, em qualquer caso teria que ser atribuída ao A. uma indemnização a título de danos patrimoniais por perda de alimentos.

VIII. Tendo em consideração o disposto no artigo 495º do CC, para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos, ou por outras palavras, é dispensável a prova da necessidade de alimentos e bem assim a prova de que os mesmos eram prestados.

IX. Temos assim que, também por aqui se impõe a alteração da douta sentença recorrida, atribuindo-se ao A. indemnização de valor nunca inferior a 70.000,00€ a título de danos patrimoniais.

X. A douta sentença viola o disposto nos artigos 495º, 483º, 562, 564, todos do CC, entre outros.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente Y..., S.A. (anteriormente, W..., S.A., e, antes, Companhia de Seguros X..., S.A.), veio, igualmente, interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. O montante indemnizatório atribuído pelo tribunal recorrido ao Autor a título de dano não patrimonial sofrido pelo mesmo com o falecimento do filho revela-se excessivo e desproporcionado face aos montantes que têm vindo a ser fixados pela jurisprudência mais recente para este dano – bem como comparativamente com o dano máximo da perda da vida – pelo que o mesmo deverá ser alvo de redução por parte deste tribunal para montante não superior a € 25.000,00/€ 30.000,00.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos
2.1 Factos provados
O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:
- Dinâmica do acidente
1. No dia 6 de outubro de 2017, pelas 20h e 45 mm, o ciclomotor de matrícula ..-TL-.., propriedade de M..., SA., conduzido por DD (adiante, DD), seguia pela estrada... no sentido ...-..., pela hemifaixa de rodagem direita, considerando o referido sentido, a uma velocidade inferior a 30 km/hora.
2. O local é iluminado e o ciclomotor seguia com as luzes médios acesas.
3. Na mesma data e local circulava pela referida estrada..., no sentido oposto ao da circulação do ciclomotor, o veículo pesado de mercadorias de matrícula ..-..-OM, propriedade de T..., L.da, na altura conduzido, por sua conta, no seu interesse e sob a sua direção efetiva, pelo seu funcionário EE, no cumprimento das suas obrigações laborais ao serviço da referida sociedade.
4. O condutor do pesado, ao alcançar o entroncamento da estrada... com a rua ..., aí pretendendo mudar de direção à esquerda, atento o seu sentido de circulação ...-..., virou à esquerda, invadindo a hemifaixa de rodagem destinada ao sentido de marcha oposto, por onde circulava o ciclomotor, sem se aperceber da sua presença.
5. O ciclomotor e o pesado embateram um no outro sobre a hemifaixa direita da estrada... atento o sentido de marcha ...-....
6. Com o embate, o condutor do ciclomotor foi projetado e caiu no chão.
7. A ré (antes Companhia de Seguros X..., S.A.), enquanto seguradora, e T..., L.da, enquanto tomador, declararam acordar que a primeira assumiria o risco da ocorrência de sinistros causados pelo veículo de matrícula pesado, nos termos constantes do documento intitulado apólice n.º ..., junto aos autos a fls. 77 a 83 do anexo documental e que aqui se dá por transcrito, suportando a indemnização eventualmente devida a terceiros lesados.
8. Correu termos processo-crime n.º 336/17.1GEGDM, no âmbito do qual o referido condutor do pesado foi condenado pela pática de um crime de homicídio negligente, sentença essa transitada em julgado em 8 outubro de 2020, conforme certidão judicial junta a fls. 24 v. a 59 v. do anexo documental.
- Danos
9. Em 6 de outubro de 2017, em consequência do embate e queda supra referidos, DD morreu.
10. DD nasceu em .../.../1998, sendo filho do autor e de FF, tendo falecido sem descendentes.
11. DD era pessoa alegre e ativa, frequentando convívios e festas com amigos e familiares.
12. Pelo menos desde o ano de 2003, a mãe de DD saiu da casa de morada de família, deixando-o a residir com o autor.
13. Após sair da casa de morada de família, a mãe de DD não manteve contacto regular com o filho, não o visitando, nem lhe telefonando com regularidade, nem lhe prestava alimentos.
14. Foi o autor quem criou DD desde o ano de 2003, existindo entre ambos uma relação de proximidade e harmonia.
15. O autor sente-se profundamente desgostoso, triste e amargurado com a morte do filho.
16. O autor nasceu em .../.../1966.
17. À data do acidente, autor vivia, e ainda vive, maritalmente com GG, que exerce a profissão de empregada doméstica.
18. À data do acidente, DD morava com o autor e com a companheira deste.
19. Desde 19 de novembro de 2016, o autor recebe uma pensão de invalidez, sendo o valor desta, em setembro de 2021, de € 668,81.
20. DD contribuía para as despesas do agregado familiar composto por si, pelo autor e pela companheira deste.
21. À data do acidente, DD era funcionário da sociedade E..., S.A.
22. Entre 1 de janeiro de 2017 e 6 de outubro de 2017, auferiu a quantia de € 9.450,84 por trabalho prestado por conta da E....
23. À data do acidente, DD era, ainda, funcionário a tempo parcial da sociedade I..., S.A., enquanto distribuidor de pizzas, auferindo um vencimento mensal de € 264,58.
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2.2. Factos não provados
O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos:
24. Era usual DD pagar as despesas de água, luz, gás e telefone em alternância com o autor.
25. DD entregava ao autor a quantia de € 200,00 mensais.
26. DD era pessoa muito poupada e económica, não gastando consigo um terço do valor que auferia.
27. DD não bebia, não fumava, não tinha quaisquer vícios e só gastava o estritamente necessário.
28. O que DD não gastava consigo revertia para o seu agregado familiar.
29. DD dizia frequentemente que nunca deixaria o pai e não tinha qualquer intenção de casar.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber:
- Do recurso interposto pelo autor:
- da impugnação da matéria de facto;
- da existência/quantificação dos danos patrimoniais.

- Do recurso interposto pela ré:
- da quantificação dos danos não patrimoniais.

4. Conhecendo do mérito do recurso

4.1 Do recurso interposto pelo autor
- Da impugnação da Matéria de facto
O apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto relativamente aos pontos 24, 25, 26, 27, 28 e, 29 da matéria de facto, defendendo que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento permite dar como provados os referidos factos.
Consta dos referidos pontos a seguinte factualidade:
“24 - Era usual DD pagar as despesas de água, luz, gás e telefone em alternância com o autor.
25 - DD entregava ao autor a quantia de € 200,00 mensais.
26 - DD era pessoa muito poupada e económica, não gastando consigo um terço do valor que auferia.
27 - DD não bebia, não fumava, não tinha quaisquer vícios e só gastava o estritamente necessário.
28 - O que DD não gastava consigo revertia para o seu agregado familiar.
29 - DD dizia frequentemente que nunca deixaria o pai e não tinha qualquer intenção de casar.”.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º, do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pela recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que a Senhora Juiz a quo, após a audiência e em sede de sentença, motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova:
“A decisão da matéria de facto resultou da admissão de factos por acordo – confirmada pelos documentos juntos, tendo-se presente o disposto nos arts. 414.º do Cód. Proc. Civil e 342.º, n.º 1, do Cód. Civil – e, quanto à matéria controvertida, dos depoimentos prestados e dos documentos juntos.
Quanto aos factos não provados, a decisão resultou da ausência de prova quanto aos mesmos.
Apesar da sintonia dos depoimentos das testemunhas na afirmação de que o DD entregava ao autor € 200,00 mensais, algumas não apresentaram justificação para terem tal conhecimento (HH) e as restantes referiram como fonte do seu conhecimento o que o falecido lhes disse.
De igual forma não é credível que um rapaz de 19 anos andasse a manifestar a todas as testemunhas inquiridas – inclusive pessoas sem forte proximidade, como resultou do depoimento da testemunha CC ('não era dos amigos mais próximos mas conhecia-o, vivia lá perto') − que nunca ia deixar de viver com o pai, sendo que resultou dos seus depoimentos que o autor também vivia com uma companheira.
Face a tal, a convicção do tribunal foi apenas de que o mesmo contribuía para as despesas do agregado familiar em que vivia.”.
Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, ouvida que foi a gravação dos depoimentos prestados em audiência, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelo apelante.
Insurge-se o Recorrente contra tal decisão por entender que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida nos segmentos fácticos em causa.
Entendemos, todavia, que a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que os elementos dos autos lhe revela.
Isto porque salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Contudo, a livre apreciação da prova, não se confunde, de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova.
A livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão: com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim: a convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e perceptibilidade.
Não esqueçamos, ainda, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
A actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos.
No caso vertente, a apelante, fundamenta a sua argumentação recursiva quanto à matéria de facto na reapreciação dos depoimentos das testemunhas
Afigura-se-nos, no entanto e em sintonia com o Tribunal a quo, que apesar da sintonia dos depoimentos das testemunhas na afirmação de que o DD entregava ao autor € 200,00 mensais, o certo é que algumas não apresentaram justificação para terem tal conhecimento (HH) e as restantes referiram como fonte do seu conhecimento o que o falecido lhes disse.
De igual forma não é credível que um rapaz de 19 anos andasse a manifestar a todas as testemunhas inquiridas - inclusive pessoas sem forte proximidade, como resultou do depoimento da testemunha CC, que nunca ia deixar de viver com o pai, sendo que resultou dos seus depoimentos que o autor também vivia com uma companheira.
Assim, afigura-se-nos que concluiu-se bem ao afirmar que “Face a tal, a convicção do tribunal foi apenas de que o mesmo contribuía para as despesas do agregado familiar em que vivia.”.
Acresce quem não se pode afirmar ser previsível que o falecido continuasse a viver com o autor até este falecer: ainda que se tivesse provado que falecido andava a verbalizar tal intenção (o que não sucedeu), sendo certo que, em termos de normalidade do comportamento humano é mais provável que tal não visse a suceder.
Ou seja, afigura-se-nos que a conclusão a que chegou o Tribunal a quo relativamente aos referidos factos se encontra em sintonia com a insuficiência da prova e com a sua leitura à luz das regras da lógica e da experiência comum.
Parece-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração, devendo manter-se a resposta dada aos referidos pontos da matéria de facto não provada.
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto.
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A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim fixada em 1ª instância.
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- Da indemnização por danos patrimoniais.
O apelante, em sede recursiva, pugna que a ré seja condenada no pagamento da quantia por si peticionada a título de danos patrimonais.
Afigura-se-nos, todavia, que o Tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação do direito quanto à não existência de fundamento para condenação da Ré no pagamento de indemnização por danos patrimoniais emergentes da violação da obrigação de alimentos.
Como já referimos, no caso vertente, o autor, aqui apelante, pediu, ainda, uma indemnização pela perda de rendimentos que a morte do filho lhe causa e causará.
A respeito do pedido de indemnização deste dano, duas questões se levantam, de imediato.
Por um lado, configurando-se como um dano futuro, só poderá ser atendido pelo tribunal se for previsível, nos termos do disposto no artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil.
Por outro lado, tratando-se de um dano que não atinge a esfera do lesado directo (e, repita-se, só a este se refere o artigo 483.º, do Código Civil), esta perda de rendimentos só merecerá tutela jurídica se puder enquadrar-se no já aludido artigo 495.º do Código Civil, segundo o qual, no caso de lesão de que proveio a morte, têm direito a indemnização as pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado ou aquelas a quem ele os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
No caso dos autos é, infelizmente, verdade que o autor, aqui apelante, deixou de poder contar com a ajuda do seu filho.
Porém, ao contrário do que havia sido alegado na petição inicial, não se provou que, na data do óbito de DD, o seu pai recebesse dele alimentos.
Com efeito, dizer que o falecido contribuía para a economia doméstica não é o mesmo que dizer que prestava alimentos a outrem.
Por outro lado, se é certo que o autor, aqui apelante, se conta entre aqueles que, em abstracto, tinham legitimidade para exigir alimentos ao seu filho (cfr. artigo 2009.º, al. b), do Código Civil), dos factos apurados não resulta que, em concreto, estivessem reunidas as restantes condições para fazerem essa exigência.
Como resulta do disposto nos artigos 2004.º e 2013.º, al. b), in fine, do Código Civil, a obrigatoriedade de prestar de alimentos só surge com a carência por parte do alimentando. Ora, atenta a matéria de facto apurada nada nos permite afirmar que o recorrente esteja ou venha a estar carenciado de alimentos.
Conforme bem refere o Tribunal a quo “Devemos aceitar que estamos perante uma situação assimilável à vivência em “economia comum” – cfr. o art. 2.º da Lei n.º 6/2001, de 11 de maio. De um lado, temos, por exemplo, a prestação habitacional do autor; do outro lado, temos contribuições financeiras do falecido. Ora, como é sabido, no que a estes “alimentos” diz espeito, a perspetiva correta, à semelhança do que ocorre na união de facto, consiste não em analisar uma ou outra prestação com natureza de alimentos de forma isolada, mas o conjunto das prestações entre os sujeitos que vivem em economia comum – sobre o instituto próximo da “união de facto”, veja-se JÚLIO VIEIRA GOMES, «O enriquecimento sem causa e a união de facto», CDP, n.º 58, pp. 3 a 22. Poder-se-á mesmo dizer que, na falta da efectiva prova dos pressupostos do direito de alimentos, estamos em face de prestações executadas em cumprimento de obrigações naturais tacitamente assumidas (art. 402.º do Cód. Civil).”.
Soçobra, por isso, igualmente este fundamento de recurso.
Impõe-se, assim, a improcedência do recurso de apelação interposto pelo autor.
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4.2 - Do recurso interposto pela ré
Nas alegações de recurso questiona a recorrente o valor da indemnização fixada para ressarcimento do dano não patrimonial por si sofrido, que o Tribunal a quo valorizou no montante de € 50.000,00 e que a aqui recorrente/ré considera excessivo, entendendo que deve o referido montante ser reduzido a € 25.000,00/€ 30.000,00, enquanto que o aqui recorrido reputa de adequada.
Entendemos, desde já adiantamos, que o montante indemnizatório fixado é adequado para o justo ressarcimento dos graves e irreversíveis danos morais e sofrimentos que o recorrente/autor, padeceu, padece e padecerá.
Vejamos, então.
A indemnização por danos não patrimoniais cuja gravidade merece a tutela do direito (artigo 496.º do Código Civil) deve, nos termos do n.º 4, primeira parte deste preceito, ser fixada segundo juízos de equidade, tendo em conta as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º do Código Civil).
A indemnização destes danos não tem por objecto a reposição da situação em que o lesado estaria se não tivesse sofrido o dano (artigo 566º, nº 2, do Código Civil) mas apenas dar-lhe algo que possa constituir uma compensação do dano sofrido, contribuindo para aliviar ou reduzir o seu sofrimento e a sua perda 2 . Por isso mesmo, a indemnização tem de ser fixada com base na mera equidade (artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil), levando em linha de conta as circunstâncias do caso.
Com a cláusula de equidade, prevista em geral no artigo 4.º e permitida, no que ora interessa, nos artigos 496.º, n.º 3 e 566.º, n.º 3, do Código Civil, o tribunal resolverá o litígio ex aequo et bono e não ex jure stricto.
Ora, o juízo ou critério equitativo corresponde ao “prudente arbítrio do julgador”.
José Tavares, in Princípios Fundamentais do Direito Civil, vol. I, pág. 50, ensinava que a função característica da equidade era “tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez”. “A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, pág. 54, ao decidir segundo a equidade, o julgador não está subordinado aos critérios normativos fixados na lei. E a fls. 501, referem: “Quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa: a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras, para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto. (…) A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”. Concluem: “Em síntese, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e compreensão e solução do caso concreto.”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.10.1980, in BMJ n.º 300, pág. 386, referia-se que ao exercício da aequitas associa-se sempre a prática dum “prudente arbítrio” atentas as circunstâncias do caso.
Ou seja, equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência.
Assim se compreende que a actividade do juiz no domínio do julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjectiva, não se reconduza ao puro arbítrio. Sendo que para o cálculo do respectivo montante, ponderará, entre outros factores, o grau de culpa do autor da lesão, as condições económicas deste e do lesado, as flutuações da moeda - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., 1987, p. 501.
Não deve ser descurada a Doutrina e a Jurisprudência que vêm soprando sempre novos ventos de justiça sobre este campo indemnizatório, nomeadamente, o anunciado sentimento de que “a indemnização ou compensação deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.07.2002, in CJ, p. 134.
Presente neste domínio deverá estar, igualmente, a consideração do melindre que a “quantificação”/valoração de tais danos sempre acarreta, procurando traduzir-se em quantia certa de coisa fungível (a mais fungível das coisas), o que por natureza é insusceptível de mensuração e de redução a uma expressão numérica, não tendo cabimento uma reparação por equivalente, encerrando óbvias dificuldades a tradução em números do que por definição não tem tradução matemática, procurando ter-se em conta todo o cortejo de dores e sofrimentos padecidos, por vezes, o corte abrupto dos sonhos e das ambições, dos projectos de vida.
Neste campo, em que não entram considerações do “ter” ou “possuir”, “perder”, ou “ganhar”, mas do “ser”, “sentir”, ou “sonhar”, não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente.
Efectivamente, em bom rigor, a única condição de compensabilidade dos danos não patrimoniais é a sua gravidade, o que lhes confere um carácter algo indeterminado e de difícil quantificação. Seria, por isso, em vão que se tentaria apurar o respectivo quantum compensatório com base em factores aparentemente objectivos, devendo reconhecer-se ao julgador margem para valorar segundo critérios subjectivos (na perspectiva do lesado), isto é, “à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado como a doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais” - cfr. Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, volume III - Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 2007, pág. 506.
A equidade é aqui, em rigor, o único recurso do julgador, ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar (cfr. artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil).
Dito isto e voltando ao caso concreto sub judice, vemos que a sentença recorrida procurou encontrar o valor que reputou justo, no quadro da equidade e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
Com efeito, no caso em apreço, provou-se que:
“9. Em 6 de outubro de 2017, em consequência do embate e queda supra referidos, DD morreu.
10. DD nasceu em .../.../1998, sendo filho do autor e de FF, tendo falecido sem descendentes.
11. DD era pessoa alegre e ativa, frequentando convívios e festas com amigos e familiares.
12. Pelo menos desde o ano de 2003, a mãe de DD saiu da casa de morada de família, deixando-o a residir com o autor.
13. Após sair da casa de morada de família, a mãe de DD não manteve contacto regular com o filho, não o visitando, nem lhe telefonando com regularidade, nem lhe prestava alimentos.
14. Foi o autor quem criou DD desde o ano de 2003, existindo entre ambos uma relação de proximidade e harmonia.
15. O autor sente-se profundamente desgostoso, triste e amargurado com a morte do filho.
16. O autor nasceu em .../.../1966.
17. À data do acidente, autor vivia, e ainda vive, maritalmente com GG, que exerce a profissão de empregada doméstica.
18. À data do acidente, DD morava com o autor e com a companheira deste.”
Ora, conforme já referimos, a indemnização, a título de danos não patrimoniais, deverá, como sabemos, compensar o lesado pelos danos físicos e morais sofridos e a sofrer.
Também aqui inexistem critérios “exactos”, fixados por lei, determinando esta que, à míngua desses critérios, a indemnização seja arbitrada com base na equidade.
Todavia, como “lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral”, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, sendo que numa interpretação actualista da lei, para efeito da fixação da compensação com recurso à equidade, merecem ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações.
A indemnização a este título destina-se a dar aos lesados uma compensação passível de atenuar ou minorar a intensidade da dor psíquica suportada e deve ser fixada equitativamente.
É manifesta a dificuldade na determinação de uma indemnização justa dada a impossibilidade de quantificação da dor e desgosto dos familiares. Porém, salvo raríssimas excepções (cf., acórdão do STJ, 30/04/2015 – Relator: Salazar Casanova - http://www.dgsi.pt/jstj. -, em que o tribunal não atribuiu indemnização ao pai de vítima por se ter provado que entre eles não havia quaisquer laços de afecto, pois o pai abandonou-o em criança e foi mesmo inibido do poder paternal.), a perda do marido e pai ou filho, como é o caso, é causador de grande sofrimento, atenta a privação brusca e definitiva do afecto e companhia do seu único filho bem amado.
Na fixação do quantum indemnizatório não se pode perder de vista a jurisprudência que tem vindo a atribuir a este dano valores variáveis entre os € 15.000,00 e os € 60.000,00 [cf., entre muitos, o acórdão do STJ, de 19/04/2012 - Revista n.º 569/10.1TBVNG.P1.S1 - 2.ª Secção - Álvaro Rodrigues (Relator), com sumário disponível em www.stj.pt. - Jurisprudência temática – Os danos não patrimoniais na jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça.].
Assim, tendo ficado provado que o autor, sofreu uma profunda dor, uma sentida mágoa e uma tristeza imensa e infindável, agravadas pela forma abrupta, violenta e trágica como ocorreu a morte do seu filho, e que à data da sua morte, tinha 19 anos, gozava de boa saúde e estava em pleno vigor físico, sendo certo que era pessoa com grande alegria de viver, trabalhador, respeitador, estimado e querido pelos seus, que com ele viviam uma vida alegre, feliz e tranquila, afigura-se razoável e dentro parâmetros de indemnização adoptados pela jurisprudência em situações semelhantes, o montante de € 50.000,00.
Afigura-se-nos, assim, ser de confirmar a sentença recorrida, improcedendo o recurso de apelação interposto pela ré.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo autor, bem como o recurso de apelação interposto pela ré, confirmando a decisão recorrida.
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Custas de cada uma das apelações a cargo dos respectivos apelantes.
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Notifique.

Porto, 29 de Setembro de 2022
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
João Venade

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)