Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
413/16.6T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NÉLSON FERNANDES
Descritores: CONTRATAÇÃO COLECTIVA
REGULAMENTO DA EMPRESA
PRÉMIO DE REFORMA POR VELHICE
USOS LABORAIS
Nº do Documento: RP20170911413/16.6T8AVR.P1
Data do Acordão: 09/11/2017
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL(2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO(SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º260, FLS.337-349)
Área Temática: .
Sumário: I – Podendo o regulamento de empresa desempenhar também a função de manifestação da vontade contratual do empregador – artigos 99.º e 104.º do CT/2009 –, traduz-se nestes caso como verdadeiros contrato tipo ou contratos de adesão, visando a uniformização por parte da empresa um dado esquema contratual em vez de discutir individualmente as condições de trabalho, manifestando-se a vontade contratual do trabalhador pela sua adesão, expressa ou tácita, a esse regulamento, presumindo-se esta adesão quando esse não se opuser por escrito no prazo de 21 dias, a contar do início da execução do contrato ou da divulgação do regulamento, se esta for posterior.
II – Um regulamento de regalias sociais tem a natureza de regulamento negociado na contratação colectiva se nos sucessivos acordos de empresa tiver sido estipulado expressamente que as condições de atribuição de tais regalias seriam fixadas em regulamento próprio que fazia parte integrante desses AE.
III – Um prémio especial de reforma por velhice previsto num regulamento de regalias sociais, ainda que não previsto expressamente no acordo de empresa, não deixa de resultar de concertação colectiva se tiver resultado de negociação com as estruturas representativas dos trabalhadores.
IV – O regime jurídico aplicável à determinação da aquisição do direito a um prémio especial, atribuído para o momento em que se requeira a reforma por velhice, é o vigente no momento em que ocorre o facto determinante do seu nascimento, ou seja, o pedido da pensão por velhice, tendo o trabalhador, até ao momento em que reuniu as condições para requerer a reforma, apenas tem uma expectativa jurídica de aquisição futura do direito a esse prémio especial de reforma e não o direito a esse.
V – Mesmo considerando que a norma do regulamento que institui o prémio especial de reforma consubstanciou uma declaração de vontade unilateral geral e abstracta do empregador com reflexos no estatuto dos trabalhadores, a entrada em vigor de um novo regulamento de regalias sociais negociado com as estruturas representativas dos trabalhadores que aquele não preveja, sem oposição do trabalhador, retira a este a possibilidade de aquele invocar – artigo 104.º do CT/2009.
VI – Os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário nem sobre disposição do regulamento interno com conteúdo negocial, porque esta pressupõe que os trabalhadores sobre ela se tenham podido pronunciar, podendo ainda ser afastados pelos instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho, já que estes correspondem a uma auto-regulamentação laboral.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 413/16.6T8AVR.P1
Autor: B…
: C…, S.A.

Relator: Nélson Fernandes
1º adjunto: Des. M. Fernanda Soares
2º adjunto: Des. Domingos José de Morais

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. B… intentou a presente acção com processo comum contra C…, S.A., peticionando a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €13.106,28, a título de prémio especial, acrescida de juros vencidos, no valor de €251,63, e vincendos até integral pagamento.
Alegou, para tanto, em síntese: ter sido admitido em 24.5.1977 ao serviço da antecessora da Ré, D…, SARL, para prestar serviço mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, nas suas instalações fabris em Aveiro, vigorando o contrato, apesar das sucessivas denominações da Ré, sem interrupções até 11 de Agosto de 2015, momento em que cessou por caducidade – na sequência de lhe ter sido concedida a reforma por velhice; à data da reforma, auferia além de outras prestações complementares, a remuneração base mensal de €1.985,80; Tendo sido negociado em 1981 entre a Ré e as organizações sociais representativas dos seus trabalhadores a revisão do AE que viria a ser publicada no BTE nº 35/81 de 22 de Setembro, como ainda o Regulamento dos Benefícios Sociais, tornado público pela Ordem de Serviço nº45/81 de 29 de Setembro, em cujo artigo 29.º, n.º 1, ficou estabelecido que “aos trabalhadores que, nos termos regulamentares requeiram a sua passagem à situação de reforma por velhice, será atribuído, além do complemento de pensão de reforma, um prémio especial, no montante equivalente a 6 meses de remuneração base, mais diuturnidades” – acrescentando o nº2 que “para efeitos de cálculo do prémio, deveria ser considerada a remuneração que vigorar à data do requerimento da reforma no nível horizontal de remuneração do trabalhador, mas no Grupo de enquadramento imediatamente superior” –, a Ré passou então a conceder tal “prémio especial”, adotando-o como prática usual, que sempre foi respeitada pelas antecessoras da Ré, quer por esta; não obstante ter formulado o pedido de pagamento desse prémio à Ré no próprio dia em que apresentou o pedido de reforma na Segurança Social, o mesmo não lhe foi pago.

1.1. Realizada a audiência de partes, não se logrou obter acordo.

1.2. Notificada, apresentou-se a Ré a contestar, pugnando pela sua total absolvição do pedido.
Também, em síntese, refere: que o prémio especial de reforma que o Autor reclama foi instituído em 1988, como um incentivo à saída dos trabalhadores logo que atingissem a idade legal da reforma (65 anos) já que a relação contratual poderia tender a prolongar-se até aos 70 anos; no ano de 2013 foram negociados e formalizados os novos Acordos de Empresa (AE´s) a aplicar na C… que deixaram de contemplar regalias sociais para a totalidade dos trabalhadores da empresa, tendo ficado consignado um regime transitório para os trabalhadores admitidos durante a vigência dos AE´s anteriores que passou a constar do Anexo III aos Acordos, no qual não é feita qualquer menção ao prémio especial de reforma, deixando assim este de vigorar internamente com a entrada em vigor dos novos AE´s, como ainda de constar no novo Regulamento de Regalias Sociais aprovado pela Ordem de Serviço nº13/13, que entrou em vigor em 1.1.2014, sem qualquer reserva ou oposição sindical, data a partir da qual não voltou a pagar a qualquer trabalhador que se tenha reformado por velhice o prémio especial de reforma, não existindo assim desde então qualquer uso da empresa de pagamento do mesmo; integrando-se a referida regalia num regime convencional coletivo – pois eram os AE,s a preverem e a remeterem para o Regulamento Interno da Empresa a concretização do regime dos benefícios sociais a par de um compromisso assumido pela empresa nesse sentido –, o referido prémio especial de reforma caducou na sequência dos AE´s de 2013.

1.3. Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo-se dispensado a realização da audiência prévia e a enunciação dos temas da prova, fixando-se ainda o valor da acção em €13.357,91.

1.4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta, na parte relevante para os efeitos em análise, o seguinte:

“Pelo exposto e, sem necessidade de mais considerações, julga-se a presente ação improcedente por não provada, absolvendo-se a R. do atinente pedido.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou o Autor, tendo rematado as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

“1.ª O prémio especial a que o recorrente entende ter direito foi atribuído pela empresa ré durante um longo período de tempo foi uma prática reiterada e uniforme, sedimentada ao longo de mais de 25 anos, pelo que consubstancia um uso laboral merecedor de tutela legal e gerador de direitos adquiridos.
2.ª A atribuição do prémio especial não pressupunha qualquer condição específica, já que era automática e inerente à passagem à situação de reforma na idade legal para qualquer trabalhador.
3.ª O prémio especial não era autónomo relativamente ao complemento de reforma, já que ambos pressupunham os mesmos requisitos de atribuição e quem recebia um, recebia outro.
4.ª Ao assinar a declaração junta a fls. 18, o ora recorrente gozou da expectativa de aquisição dos benefícios pelos quais lhe foi dada a possibilidade de optar, expetativa que merece tutela legal pelo princípio da confiança e da reposição do retrocesso social (artigo 503.º nº 3 do Código de Trabalho).
5.ª A expetativa adquirida ao longo de décadas é tutelável também sobre outro prisma. Se a entidade empregadora pode unilateralmente alterar uma regalia instituída durante anos, a adesão, ou não, do trabalhador a tal regalia, perde o efeito útil, o que determina a total frustração do princípio da confiança.
6.ª A douta sentença de que se recorre violou o disposto no artigo 104.º nº 1, 105º e 1º do Código de Trabalho e, bem assim, os princípios da confiança e da proibição de retrocesso social (artigo 3º do Código de Trabalho).
8.ª Deve, assim, ser revogada e substituída por outra que acolha a pretensão do recorrente e lhe atribua o prémio especial assim se fazendo Justiça.”

2.1. Contra-alegou a Ré, apresentando a final as conclusões seguintes:

“A) O Recorrente não identificou com a precisão exigível qual o Objeto do Recurso de Apelação por si interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo.
B) Nas Alegações do Recorrente não estão identificadas quais as eventuais nulidades de que pode padecer a Sentença recorrida nem os vícios que possam comprometer a procedência da Decisão Judicial, com indicação dos concretos dispositivos legais que possam ter sido violados.
C) Não se vislumbram quais os eventuais erros na aplicação do Direito aos factos provados de que possa enfermar a Sentença recorrida, pois, também aqui, não são identificadas quais as concretas normas legais violadas pelo Decisor e quais as que, no entender do Recorrente, deveriam ter sido observadas e aplicadas bem como as consequências decorrentes desse novo enquadramento legal defendido pelo Recorrente.
D) Não é indicado pelo Recorrente nas suas Alegações, qual o preciso teor da Decisão que, no seu entender e mediante fundamentação legal, deveria ter sido exarada nos autos, designadamente a redação precisa dessa mesma Decisão.
E) As quatro razões da discordância invocadas pelo Recorrente relativamente à fundamentação e sentido da Sentença recorrida, não se encontram devidamente suportadas em termos de identificação concreta dos eventuais dispositivos legais que pudessem ter sido violados, nem tão pouco é indicado qual o enquadramento legal que deveria, em substituição, ter sido considerado pelo Decisor, designadamente quais as normas legais que deveriam ter sido aplicadas e quais as efetivas consequências desse enquadramento para a Decisão a proferir.
F) Por outro lado, as razões da discordância pressupõem, na sua maioria, uma Prova diversa daquela que foi efetivamente produzida e que consta dos “Factos Provados” (vd. nºs 1 a 22 da Sentença), constatando-se, porém, que o Recorrente não suscita nas suas Alegações qualquer impugnação da decisão sobre a matéria de facto o que inviabiliza que o Tribunal ad quem se pronuncie sobre esta matéria.
G) A atribuição do prémio especial de reforma nunca teve a natureza de um uso de empresa, antes tendo estado na sua génese o cumprimento pela Empresa de um compromisso entre si celebrado com as Associações Sindicais, materializado num Regulamento de Benefícios Sociais, tendo assim a natureza de uma norma convencional coletiva.
H) A referida atribuição, no período em que o prémio vigorou, estava condicionada ao preenchimento de condições especificas como resultava do disposto no artigo 29º do Regulamento, não sendo automática.
I) O prémio especial de reforma era autónomo do complemento de reforma, constatação que se torna ainda mais evidente pelo facto de a partir do ano de 2000 o regime do complemento de reforma e a sua gestão ter passado a ser assegurada por uma entidade juridicamente autónoma e independente da Recorrida. Sendo certo que o regime e a atribuição do prémio especial de reforma continuaram a ser integralmente assegurados pela Recorrida até à eliminação deste benefício no ano de 2013.
J) À data em que o Recorrente se reformou por velhice, isto é, em 2015, já não vigorava na Recorrida qualquer prémio especial de reforma pois o mesmo tinha sido eliminado no ano de 2013. Assim, não existia qualquer direito do Recorrente a exercer um eventual direito sobre um benefício que tinha sido eliminado por acordo entre Recorrida e Associações Sindicais no ano de 2013, e do qual mais nenhum trabalhador da Recorrida tinha beneficiado desde o ano da sua supressão.
K) Tão pouco pode ser invocada, de boa-fé, a existência de uma expetativa juridicamente tutelada, pois a Recorrida divulgou internamente, a todos os seus trabalhadores, o novo Regulamento das Regalias Sociais, através da Ordem de Serviço nº 13/13, e dele não constava qualquer referência ao prémio especial de reforma, contrariamente ao que sucedia nos anteriores regulamentos.
L) A Sentença recorrida procedeu a um rigoroso e exigente enunciado dos factos provados e a uma criteriosa aplicação do Direito a esses mesmos factos, a qual consta do “Enquadramento Fáctico-Jurídico”. Nesse enquadramento é tido um louvável e muito especial cuidado em fundamentar, de forma clara e direta, a aplicação do direito à Prova produzida nos autos com indicação precisa do regime legal aplicável.
Nestes Termos e nos demais de Direito que V. Exas. muito doutamente se dignem suprir, conclui-se pugnando pela total improcedência do presente Recurso de Apelação, defendendo a manutenção e confirmação integral da Sentença recorrida, no sentido de ser integralmente absolvida a Ré ora Recorrida dos diferentes pedidos formulados pelo Recorrente na P.I., só assim se fazendo JUSTIÇA”

3. O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido da improcedência do recurso (fls. 118/9).
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Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.
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II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, á a seguinte a única questão a apreciar: a) Saber se o Autor tem direito a receber, com a sua passagem à situação de reforma, o “prémio especial por reforma” previsto no artigo 29.º do “Regulamento de Benefícios Sociais” tornado público pela Ré pela Ordem de Serviço n.º8/88, datada de 4 de Abril.
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III – Fundamentação
A) De facto
A.1. O Tribunal a quo deu como factos provados os seguintes[1]:
1. Em 24 de Maio de 1977, o A. foi admitido ao serviço da antecessora da R., D…, S.A.R.L., mediante contrato de trabalho sem termo, para sob a sua orientação, mando e fiscalização prestar serviço nas instalações fabris de … - Aveiro.
2. O contrato manteve-se em vigor, sem interrupções, apesar das sucessivas denominações da R., designadamente, C1…, EP, C1…, S.A., C2…, S.A. e C…, S.A, ora ré, integrada no Grupo Empresarial C… - C3….
3. Aquando da sua admissão, o A. recebeu a categoria de aprendiz.
4. Passados três meses foi classificado na categoria de condutor de pontes rolantes, tendo sido progressivamente promovido pela R. até atingir a categoria profissional de “ Encarregado Fabril”, posteriormente denominada de “ Supervisor”.
5. E foi na categoria de “ Supervisor” que o A. cessou funções em 11 de Agosto de 2015, data em que o contrato de trabalho cessou por caducidade, na sequência de lhe ter sido concedida a reforma por velhice.
6. O A. requereu a sua reforma à Segurança Social, por limite de idade, em 8.5.2015, cerca de dois meses antes de perfazer 65 anos de idade, tendo-lhe a concessão da mesma sido comunicada por ofício de 27.7.2015, cessando o contrato de trabalho em 11.8. 2015, conforme informado no referido ofício.
7. À data da passagem à situação de reforma por velhice, a remuneração mensal ilíquida do A. era de €1.985,80, sendo a retribuição base mensal ilíquida de €1.738,25.
8. Em 1981 foi negociada entre a R. e as organizações sindicais dos trabalhadores, a revisão do AE que viria a ser publicado no BTE nº 35 de 22 de Setembro e entrou em vigor no prazo legal.
9. Ao mesmo tempo, a R. negociou, com as mesmas organizações sindicais o Regulamento de Benefícios Sociais que tornou público pela Ordem de Serviço nº 45/81 de 29.9.1981, inserto de fls 61 a 66 dos autos.
10. Igualmente na sequência de negociações com as organizações sindicais, a R. tornou público pela Ordem de Serviço nº8/88, datada de 4 de Abril, cuja cópia se mostra inserta de fls 67 a 79 dos autos, um novo Regulamento de Benefícios Sociais que no art. 29º estabelece um prémio especial de reforma, nos termos seguintes: “1. Aos trabalhadores que, nos termos regulamentares, requeiram a sua passagem à situação de reforma por velhice, será atribuído, além do Complemento de Pensão de Reforma, um prémio especial no montante equivalente a 6 meses de remuneração base, mais diuturnidades.”
11. A partir dessa data, a R. passou a conceder o prémio especial fixado no art. 29º desse Regulamento, aos trabalhadores que preenchessem os respetivos requisitos.
12. Tal prémio especial voltou ser aprovado na Ordem de Serviço nº 32/90 de 31.12, inserta de fls 49 a 54v dos autos, e na Ordem de Serviço nº 2/2000 de 10.11, com pequenas alterações, continuando a R. a manter a sua concessão.
13. Em 2009, quando a R. decidiu alterar, o complemento da pensão de reforma dos seus trabalhadores, passando de um plano de benefício definido para um novo plano de contribuição definida, o A. optou por permanecer no plano de benefício definido em que se encontrava.
14. O A. quando apresentou o pedido de reforma na Segurança Social deu conhecimento à Direção do Centro Fabril de … da R. e aos Serviços de Recursos Humanos, chefiados pelo Sr. Dr. E…, do requerimento apresentado, para efeitos de concessão do prémio especial de reforma.
15. E em 17.7.2015, solicitou à R. por email remetido ao Diretor de Recursos Humanos, Dr. F…, com conhecimento ao Engº G… e ao Dr. E…, o pagamento do referido prémio.
16. A R. não lhe pagou tal prémio, alegando que o mesmo já não estava em vigor.
17. O A. nunca acordou com a R. a revogação do referido prémio especial, nem renunciou ao mesmo.
18. O prémio especial por reforma quando foi instituído visou incentivar a saída da empresa dos trabalhadores logo que atingiam a idade legal da reforma (65 anos de idade) porque era frequente a relação contratual manter-se até aos 70 anos.
19. Presentemente, a R. tem em vigor um novo programa de rejuvenescimento Interno que estabelece incentivos à cessação do contrato de trabalho, conjugando os vetores” tempo de serviço” e “ nível etário” que considera um instrumento de gestão mais eficiente e adequado à gestão dos recursos humanos no contexto atual.
20. No ano de 2013 foram negociados e outorgados entre a R. e a Fetese e entre a R. e o Sindeq novos Acordos de Empresa.
21. E em 27.12.2013, através da Ordem de Serviço nº13/13 foi aprovado um novo Regulamento de Regalias Sociais, cuja cópia se mostra inserta de fls 35v a 38, dando-se aqui como reproduzido o respetivo teor, que foi divulgado na empresa e não foi objeto de qualquer oposição por parte do A.
22. A R., após a entrada em vigor dos novos Acordos de Empresa de 2013, não voltou a pagar a qualquer trabalhador que se tenha reformado por velhice o prémio especial de reforma.”
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B) Discussão
A única questão objecto da nossa apreciação passa por saber se o Autor tem direito, com a sua passagem à situação de reforma, ao denominado prémio especial por reforma, previsto no artigo 29.º do “Regulamento de Benefícios Sociais” tornado público pela Ré pela Ordem de Serviço nº8/88, datada de 4 de Abril, e mantido depois pelas Ordens de Serviço n.ºs 32/90, de 31.12, e 2/2000 de 10.11, com pequenas alterações.
Pugnando o Autor pela afirmação de que lhe assiste tal direito e a Ré pela sua negação, fez constar o Tribunal a quo, pronunciando-se, o seguinte:

“(…)A principal questão dos presentes autos consiste em saber se o A. tem direito ao prémio especial por reforma previsto no art.29.º Regulamento das Regalias Sociais da R. até 31.12.2013.
E a resposta a tal questão passa pelo enquadramento deste normativo.
Como vimos, o A. alegou que tal Regulamento deve ser equiparado a convenção coletiva, mas simultaneamente faz apelo ao regime das cláusulas contratuais gerais e aos chamados usos da empresa para defender a obrigatoriedade do seu pagamento por parte da R.
Por seu turno, a R. sustenta, em síntese, que o Regulamento das Regalias Sociais resultou da negociação coletiva com as organizações representativas dos trabalhadores e, por isso, a norma que consagrou o dito prémio é de natureza convencional coletiva e, como nos Acordos de Empresa de 2013 tal prémio deixou de constar, quer nas regalias sociais acordadas para futuro, quer no regime transitório estabelecido para os trabalhadores então ao serviço, o mesmo deixou de integrar o novo RSS aprovado em dezembro de 2013 e deixou de ser pago aos trabalhadores que pediram a reforma a partir da sua entrada em vigor, não sendo devido ao A. cuja reforma ocorreu no ano de 2015.
O atual C.Trab. refere-se expressamente ao regulamento interno da empresa no artigo 99º, no âmbito do poder de direção do empregador, facultando a este a possibilidade de elaborar regulamento interno da empresa sobre organização e disciplina no trabalho e fixando as regras para a sua elaboração e produção de efeitos, prevendo-se no nº4 a hipótese de poder ser tornada obrigatória a elaboração de regulamento interno da empresa sobre determinadas matérias por instrumento de regulamentação coletiva.
Por outro lado, o art. 104º, que tem como epígrafe contrato de trabalho de adesão prevê que a vontade contratual do empregador possa manifestar-se através de regulamento interno de empresa e a do trabalhador pela adesão expressa ou tácita ao mesmo regulamento, estabelecendo a presunção de adesão do trabalhador quando este não se opuser por escrito no prazo de 21 dias, a contar do início da execução do contrato ou da divulgação do regulamento se esta for posterior, acrescentando o art. 105º que o regime das cláusulas contratuais gerais se aplica aos aspetos essenciais do contrato de trabalho que não resultem de prévia negociação específica, mesmo na parte em que o seu conteúdo se determine por remissão para regulamento de regulamentação coletiva de trabalho.
Por conseguinte, nas palavras de Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, pág. 439, o regulamento de empresa pode desempenhar duas funções distintas: a manifestação de vontade contratual e a manifestação de poderes organizacionais, diretivos e disciplinares do empregador (…) sendo que, no que toca à parte contratual os regulamentos constituem verdadeiros contrato tipo ou contratos de adesão, servindo para as empresas uniformizarem um esquema contratual em lugar de discutirem individualmente as condições de trabalho; na parte regulamentar, o regulamento interno permite que o empregador, de forma geral e abstrata, estabeleça regras de conteúdo organizacional (poder regulamentar) que os trabalhadores têm o dever de acatar, não dependendo a sua eficácia da aceitação destes, podendos ser livremente revogadas.”
Mas, como refere o mesmo autor, além destes regulamentos típicos, com cláusulas regulamentares e contratuais, cuja destrinça, por vezes, não é fácil, pois muitas cláusulas de caracter contratual assumem relevância do ponto de vista da organização e certas diretrizes sobre a organização acabam por se repercutir no estatuto contratual dos trabalhadores, têm-se vulgarizado os regulamentos de empresa “negociados” emitidos por força de convenções coletivas, com auscultação ou acordo das instâncias sindicais (por ex. regulamentos disciplinares, de carreiras, de remunerações acessórias).
Ora, face aos factos provados, cremos ser de concluir que o Regulamento das Regalias Sociais da R., tem esta natureza de regulamento negociado na contratação coletiva, pois, nos sucessivos acordos de empresa foi estipulado que a empresa garantiria a todos os trabalhadores, as regalias sociais acordadas entre as partes, e nos AE de 1999 e 2005 publicados, respetivamente, no BTE nº7/99 de 22.2 e no BTE nº30/2005 de 15.8, foi expressamente consignado que as condições de atribuição de tais regalias seriam fixadas em regulamento próprio que fazia parte integrante do AE.
E como se apurou (…), o prémio especial de reforma foi criado numa atualização ao Regulamento das Regalias Sociais subsequente ao A.E de 1981, através da Ordem de Serviço nº8/1988 e surge no Capítulo II, a seguir ao Complemento de Pensão de Reforma.
Da leitura do art. 24º retira-se que a aquisição do direito ao complemento de pensão, no caso dos trabalhadores reformados por velhice, estava dependente da apresentação pelos trabalhadores do requerimento de passagem à reforma à Caixa Nacional de Pensões quando os mesmos completassem 65 anos de idade, sendo do sexo masculino, ou 62 anos, sendo do sexo feminino, não lhe sendo reconhecido o direito a tal complemento se não solicitassem a passagem à reforma ao atingirem essa idade, como consta expressamente no art. 25º, salvo nos casos excecionais previstos no nº3.
E o direito ao prémio especial previsto no art. 29º dependia da mesma condição (pedido de passagem à reforma pelos trabalhadores aos 65 ou 62 anos de idade) funcionando assim como um incentivo para os trabalhadores requererem a passagem à reforma com essa idade, pois além do complemento de reforma receberiam também este prémio especial - nº18 dos factos provados.
Assim, este prémio especial surgiu como uma regalia associada ao complemento de pensão de reforma por velhice estabelecido no Regulamento de 1988, mas autónoma em relação a tal complemento, e manteve-se com pequenas alterações na Ordem de Serviço nº 32/90 de 31.12, inserta de fls 49 a 54v, e na Ordem de Serviço nº2/2000 de 10.11, que não foi junta aos autos - nº12 dos factos provados.
Em 2009, a R. decidiu alterar a modalidade do complemento da pensão de reforma dos seus trabalhadores que se baseava num plano de benefício definido e passou para um plano designado de contribuição definida, possibilitando aos trabalhadores nessa data ao seu serviço optar pelo novo plano ou permanecer no anterior.
E no documento assinado pelo A., inserto a fls 18 dos autos, no qual este opta por permanecer no plano de benefício definido não consta qualquer referência ao prémio especial.
Por conseguinte, a posição do A., segundo a qual por ter permanecido no plano de benefício definido, as alterações posteriores a 2009, designadamente a extinção do dito prémio especial, não lhe são aplicáveis, salvo o devido respeito, carece de sustentação.
A sua opção versou apenas sobre a modalidade de complemento da pensão de reforma, cuja regulamentação a R. foi adaptando às alterações legislativas que obrigaram à constituição de Fundos de Pensões em instituições financeiras.
Por sua vez, o prémio especial era uma prestação paga pela R. quando os trabalhadores pediam a reforma por velhice ao atingirem a idade legal para o efeito e funcionava como um instrumento para o rejuvenescimento do quadro de pessoal. Como já dissemos, trata-se de prestações que originariamente surgiram em simultâneo e sujeitas a um requisito comum, mas são distintas e autónomas, pelo que, a opção do A. de permanência no anterior plano de complemento de pensão de reforma com benefício definido não lhe confere automaticamente direito a este prémio, não se vislumbrando fundamento para a indissociabilidade pelo mesmo defendida.
Por seu turno, a R. sustenta que o prémio especial deixou de constar no novo Regulamento de Regalias Sociais aprovado pela Ordem de Serviço nº 13/13, em consonância e alinhamento com os acordos de empresa negociados em 2013 com o Sindeq e a Fiequimetal, pois, não contemplando estes na listagem taxativa do Anexo III, a salvaguarda do “Prémio Especial de Reforma” é porque as partes, deliberada e conscientemente, não o quiseram manter, tendo o mesmo caducado a partir do início de vigência dos AE`s de 2013.
Ora, analisando os A.E. outorgados pela R. no ano de 2013, estando o celebrado com o SINDEQ publicado no BTE nº 29 de 8.8.2013,pág, 119 e segs e o celebrado com a FIEQUIMETAL, no BTE nº37 de 8.10.2013, pág.7 e segs, verificamos que esses AE não têm, ao invés de todos os anteriores, uma cláusula indicativa das regalias sociais a garantir pela R. a todos os trabalhadores, nos termos e condições a fixar no regulamento próprio.
Todavia, para os trabalhadores ao serviço da R. antes da entrada em vigor desses novos AE`s foi estabelecido um regime transitório que no AE com a SINDEQ está vertido na cláusula 91ª e dispõe o seguinte:
Aos trabalhadores admitidos ao serviço da C… anteriormente à data da entrada em vigor do presente AE continuará a aplicar-se o disposto nas cláusulas e condições do AE publicado no BTE, nº41 de 8 de novembro de de 2010, em que intervieram como outorgantes as estruturas sindicais ora signatárias, e que se encontram taxativamente enunciadas, identificadas e transcritas no infra Anexo III, as quais prevalecerão sobre o disposto nas cláusulas do presente AE.”
E lendo esse anexo III onde estão transcritas as cláusulas do AE de 2010 a aplicar, vemos que a cláusula 92ª relativa à regalias sociais, tem a seguinte redacção:
A Empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições das normas constantes de regulamento próprio, as seguintes regalias sociais:
a) Seguro Social;
b) Complemento de subsídio de doença e acidentes de trabalho;
c) Subsídio especial a deficientes: €86,83;
d) Complemento de reforma.
Ora, face ao disposto na cláusula 91ª que remete apenas para as cláusulas enunciadas, identificadas e transcritas no infra Anexo III, é de concluir que as partes outorgantes mesmo para os trabalhadores então ao serviço da R. apenas mantiveram estas quatro regalias sociais, sendo que na cláusula 91ª do AE de 2010 constavam mais duas, o subsídio de casamento e o subsídio de funeral.
Verifica-se, no entanto, que o prémio especial de reforma nunca constou expressamente nos AE, designadamente no elenco das regalias sociais, por isso, não podemos afirmar se houve ou não negociação expressa das partes sobre o mesmo. Mas, independentemente disso, do teor da cláusula 91ª do AE de 2013, conjugado com a redação dada à cláusula 92ª do AE de 2010 no Anexo III decorre que as regalias sociais ficaram limitadas às quatro aí enunciadas.
Por isso, a R. ao elaborar um novo regulamento das regalias sociais apenas com o regime regalias sociais mencionadas, com exceção do complemento complementar de pensão que tem um regulamento próprio, no regime transitório do A.E. de 2013, que publicitou pela Ordem de Serviço nº13/13, deu cumprimento ao Acordo negociado com as estruturas sindicais.
Alega o A. que nunca acordou com a R. a revogação do referido prémio, nem renunciou ao mesmo, estando, por isso, esta obrigada a pagar-lho.
Porém, salvo o devido respeito por diferente entendimento, o A. até ao momento em que reuniu as condições para requerer a reforma por velhice em 2015, apenas tinha uma expectativa jurídica de aquisição futura do direito ao prémio especial de reforma e não o direito a este. E o regime jurídico aplicável à determinação da aquisição do direito ao prémio é o vigente no momento em que ocorre o facto determinante do seu nascimento, ou seja, o pedido da pensão por velhice. Ora, à data em que o A. requereu a pensão de reforma por velhice, em 2015, já o dito prémio especial não estava previsto nem no AE, nem no subsequente Regulamento dos Benefícios Sociais, pelo que já não adquiriu o direito ao mesmo, não se nos afigurando existir qualquer paralelismo, com a situação versada no Acórdão do Tribunal Constitucional nº3/2016, publicado no Diário da República, 1ª série, nº22, de 2.2.2016, mencionado na petição.
Destarte, considerando as normas do regulamento das regalias sociais equiparadas a normas de convenção coletiva, como ambas as partes, aliás, alegaram, não assiste ao A. o direito ao prémio peticionado, que a R., não voltou a pagar a qualquer trabalhador após os A.E. de 2013 - nº 22 dos factos provados.
Todavia, mesmo considerando que a norma do regulamento que institui o prémio especial de reforma, consubstanciou uma declaração de vontade unilateral geral e abstrata do empregador com reflexos no estatuto dos trabalhadores e aplicando o regime do art. 104º do C.Trab., também o A. não teria direito ao mesmo, pois o novo Regulamento de Regalias Sociais aprovado em 27.12.2013 pela Ordem de Serviço nº 13/13 foi divulgado na empresa e não foi objeto de qualquer oposição da sua parte (nº21 dos factos provados) pelo que se presume a respetiva adesão.
Por outro lado, estando o prémio em questão consagrado num regulamento da R. que estabelecia condições específicas para a sua atribuição, fica, a nosso ver, afastado o seu enquadramento na categoria de usos da empresa.
Em suma, não tendo o prémio em apreço natureza retributiva, não descortinamos qualquer normativo que impedisse a sua retirada do regulamento dos benefícios sociais da R., tanto mais que, a sua criação visou, à época, incentivar a saída dos trabalhadores da empresa logo que atingiam a idade da reforma e, presentemente, a R. tem em vigor um novo programa de rejuvenescimento interno que considera mais adequado à gestão dos recursos humanos no contexto actual.”

Por referência à citada fundamentação, obtendo a mesma genericamente a nossa concordância, não poderemos deixar de acompanhar o decidido.
Não obstante a suficiência da aludida fundamentação, correndo é certo o risco de alguma repetição, diremos ainda o seguinte quanto aos argumentos invocados pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações.
Em primeiro lugar, para esclarecermos que, não obstante considerarmos também que o Regulamento das Regalias Sociais da Ré assume a natureza de regulamento negociado na contratação colectiva – pois que, como se refere na sentença, nos sucessivos acordos de empresa foi estipulado que “a empresa garantiria a todos os trabalhadores, as regalias sociais acordadas entre as partes, e nos AE de 1999 e 2005 publicados, respetivamente, no BTE nº7/99 de 22.2 e no BTE nº30/2005 de 15.8, foi expressamente consignado que as condições de atribuição de tais regalias seriam fixadas em regulamento próprio que fazia parte integrante do AE” –, já o mesmo não se pode afirmar sem mais no que diz respeito ao “prémio especial de reforma” que é objecto de discussão pois que, desde logo, ao mesmo não se faz sequer, ao contrário do que ocorre por exemplo com o designado “Complemento de Pensão de Reforma”, referência expressa, surgindo antes, apenas, numa atualização ao Regulamento das Regalias Sociais, subsequente ao A.E de 1981, através da Ordem de Serviço nº8/1988, a seguir ao aludido “Complemento de Pensão de Reforma”.
Independentemente desse facto, o certo é que, diversamente do que sustenta o Recorrente (conclusões 2.ª e 3.ª), não se e pode dizer, até pelas razões antes enunciadas, que não fosse autónomo em relação ao aludido “Complemento de Pensão de Reforma”, tanto mais que foram até plasmados em artigos diversos daquele Regulamento, como ainda, também, mais uma vez, que não pressupusesse qualquer condição específica. De facto, não se pode afirmar sem mais que a sua atribuição fosse automática e inerente à passagem à situação de reforma na idade legal para qualquer trabalhador, retirando-se diversamente, como se refere na decisão recorrida por apelo ao artigo para onde remetia (24.º), que a aquisição do direito, à semelhança é certo do complemento de pensão, “no caso dos trabalhadores reformados por velhice, estava dependente da apresentação pelos trabalhadores do requerimento de passagem à reforma à Caixa Nacional de Pensões quando os mesmos completassem 65 anos de idade, sendo do sexo masculino, ou 62 anos, sendo do sexo feminino, não lhe sendo reconhecido o direito a tal complemento se não solicitassem a passagem à reforma ao atingirem essa idade, como consta expressamente no art. 25º, salvo nos casos excecionais previstos no nº3”. Ou seja, mais uma vez com afirmado pelo Tribunal a quo, “o direito ao prémio especial previsto no art. 29º dependia da mesma condição (pedido de passagem à reforma pelos trabalhadores aos 65 ou 62 anos de idade) funcionando assim como um incentivo para os trabalhadores requererem a passagem à reforma com essa idade, pois além do complemento de reforma receberiam também este prémio especial - nº18 dos factos provados”, surgindo assim este prémio especial “como uma regalia associada ao complemento de pensão de reforma por velhice estabelecido no Regulamento de 1988, mas autónoma em relação a tal complemento, e manteve-se com pequenas alterações na Ordem de Serviço nº 32/90 de 31.12, inserta de fls 49 a 54v, e na Ordem de Serviço nº2/2000 de 10.11, que não foi junta aos autos - nº12 dos factos provados.”
Em segundo lugar, contrariando assim também o efeito pretendido pelo Recorrente na conclusão 1.ª – O prémio especial a que o recorrente entende ter direito foi atribuído pela empresa ré durante um longo período de tempo foi uma prática reiterada e uniforme, sedimentada ao longo de mais de 25 anos, pelo que consubstancia um uso laboral merecedor de tutela legal e gerador de direitos adquiridos –, não poderemos considerar que estejamos perante uso laboral merecedor da tutela do direito.
Vejamos porquê:
Resultando do Código Civil (CC), logo no seu artigo 1.º, que são fontes imediatas de direito as leis e as normas corporativas, bem como do seu artigo 3.º, n.º 1, que os “usos” não contrários aos princípios da boa-fé “são juridicamente atendíveis quando a lei o determine”[2] – não constituindo assim verdadeiras normas jurídicas, nem se confundindo com o costume como fonte do chamado direito consuetudinário, esses usos correspondem a práticas sociais reiteradas, não acompanhadas da convicção da obrigatoriedade[3] –, o Direito do Trabalho é, precisamente, um dos domínios em que, tradicionalmente, é reconhecido um relevo particular aos usos – quer pela importância que as práticas associadas a determinadas profissões têm na organização do vínculo do trabalho, quer porque os usos da empresa são frequentemente tidos em consideração para integrar aspectos do conteúdo do contrato individual de trabalho que não tenham sido expressamente definidos pelas partes[4] –, constando previsão expressa nesse sentido já na LCT[5], mantida depois nos artigos 1.º dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009 – que incluem também nas fontes específicas do direito do trabalho os “usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé”. Exigindo actualmente a legislação simplesmente que os usos “não contrariem o princípio da boa-fé”, podendo colocar-se a questão da sua inserção na hierarquia das fontes do direito – questão antes expressamente resolvida na LCT –, defende M. Rosário Palma Ramalho, já no âmbito da aplicação do CT/2003, que “dado o seu papel eminentemente integrador do conteúdo do contrato de trabalho, os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário; na mesma linha não prevalecem, também os usos sobre disposição do regulamento interno com conteúdo negocial, porque esta pressupõe que os trabalhadores sobre ela se tenham podido pronunciar, podendo tê-la afastado; e, por fim, podem os usos ser afastados pelos instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho, já que estes correspondem a uma auto-regulamentação laboral. Já no que respeita à relação dos usos com a lei, parece decorrer da formulação da norma que o uso pode afastar normas legais supletivas, mas, naturalmente, não valerá se contrariar uma norma imperativa.”[6]. Também Vieira Gomes defende que os usos não podem afastar-se de normas legais absolutamente imperativas nem, tão pouco, de normas legais supletivas, a não ser que em sentido mais favorável ao trabalhador, nem podem afastar-se da Convenção Colectiva de Trabalho em sentido desfavorável aos trabalhadores.[7]’[8]
Escreve-se a esse propósito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2012[9]:
(…) Interrogando-se sobre o que são os usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé, responde BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, que «os “usos laborais” devem estar ligados a domínios relevantes para o contrato de trabalho, quer se trate de usos laborais das empresas, quer das profissões» e prossegue referindo que «os usos não serão meros hábitos, mas algo que pode valer como prática geral e padrão de conduta (prática social susceptível de juridicidade). Assim, o corpus tem a ver com a reiteração e a generalidade da prática no grupo dado, e a espontaneidade (não fundada em erro)», para concluir que o «apelo à boa fé poderá levar a distinguir o que é padrão ou mera tolerância ou liberalidade e, porventura, a desqualificar como fonte de Direito práticas abusivas, ainda que inveteradas. A origem e o desenvolvimento dos usos e as suas virtualidades para conseguir equilíbrio nas prestações, serão sempre elementos para avaliar da sua juridicidade (de acordo com a boa fé)»[6].
A consagração dos usos como fonte específica do Direito do Trabalho de forma genérica neste dispositivo terá afastado o princípio decorrente do artigo 3.º do Código Civil acima citado, no sentido de que a eficácia dos usos depende da existência de um dispositivo legal que em concreto lhes atribua relevo.
A forma como a eficácia dos usos se mostra consagrada no artigo 1.º do Código do Trabalho, dá origem ao problema da articulação dos usos com as demais fontes do Direito.
BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, procurando integrar aquela solução com os princípios vigentes no sistema jurídico sobre fontes de direito conclui, no sentido de que «há que tentar uma interpretação (…) do sistema do CT, que permita a atribuição de força normativa aos usos (o que só é constitucionalmente possível no quadro da contratação colectiva) e que contribuirá para dar eficácia geral às CCT, pela superação do princípio da filiação»[7].
MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO pronuncia-se no sentido de que «dado o seu papel eminentemente integrador do conteúdo do contrato de trabalho, os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário, na mesma linha não prevalecem também os usos sobre disposições de regulamento interno com conteúdo negocial (…) e por fim, podem os usos ser afastados pelos instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho, já que estes correspondem a uma auto-regulamentação laboral. Já no que respeita à relação dos usos com a lei, parece decorrer da formulação da norma que o uso pode afastar normas legais supletivas, mas, naturalmente, não valerá se contrariar uma norma imperativa».”

Voltando ao caso, o direito que o Autor diz assistir-lhe resulta, afinal, não de uma prática seguida pela Ré que enquanto tal possa ser considerada como uso laboral nos termos referidos e sim, diversamente, de um regulamento de regalias sociais vigente, tendo nesse a sua fonte, o que afasta, sem necessidade de outras considerações, a sua consideração como uso laboral, nos termos em que, como se referiu, esse vale como fonte do direito laboral. Ou seja, no caso, a obrigação que onera o empregador tem a sua fonte não em qualquer prática desenvolvida e sedimentada ao longo dos anos e sim, noutros termos, em instrumento de natureza jurídica que o estipula, assim o referido regulamento.

Por último (conclusões 4.º e 5.ª), também não se acompanha o Recorrente quando sustenta que estejamos perante expectativa merecedora da tutela do direito – citando, “tutela legal pelo princípio da confiança e da reposição do retrocesso social (artigo 503.º nº 3 do Código de Trabalho)”.
Desde logo, em primeiro lugar, não tem sequer assento na factualidade provada a sua afirmação no sentido de que “ao assinar a declaração junta a fls. 18, o ora recorrente gozou da expectativa de aquisição dos benefícios pelos quais lhe foi dada a possibilidade de optar”.
Diversamente, sendo patente a ocorrência da alteração pela Ré da modalidade do complemento da pensão de reforma dos seus trabalhadores – que, como se refere na sentença, “se baseava num plano de benefício definido e passou para um plano designado de contribuição definida” –, tendo sido dada aos trabalhadores aos serviço a possibilitando de optarem então pelo novo plano ou permanecer no anterior, sendo verdade que o Autor no documento que invoca optou por permanecer no plano de benefício anteriormente definido, aí não se faz qualquer referência ao analisado “prémio especial”, versando assim a sua opção apenas sobre o que estava em causa, ou seja a modalidade de complemento da pensão de reforma. Como anteriormente se referiu também e é mais uma vez salientado pelo Tribunal a quo, citando, o aludido “prémio especial era uma prestação paga pela R. quando os trabalhadores pediam a reforma por velhice ao atingirem a idade legal para o efeito e funcionava como um instrumento para o rejuvenescimento do quadro de pessoal. Como já dissemos, trata-se de prestações que originariamente surgiram em simultâneo e sujeitas a um requisito comum, mas são distintas e autónomas, pelo que, a opção do A. de permanência no anterior plano de complemento de pensão de reforma com benefício definido não lhe confere automaticamente direito a este prémio, não se vislumbrando fundamento para a indissociabilidade pelo mesmo defendida.”
Ora, deixando o referido prémio especial de constar no novo Regulamento de Regalias Sociais que foi aprovado pela Ordem de Serviço nº 13/13, de resto em consonância com os acordos de empresa negociados em 2013 com o Sindeq e a Fiequimetal – já que estes não contemplam na listagem taxativa do Anexo III –, poderemos concluir, como na sentença, que o facto de esse não ter sido salvaguardado evidencia que as partes o não quiseram manter, a partir do momento de vigência dos AE`s de 2013 – os AE outorgados no ano de 2013 (o celebrado com o SINDEQ publicado no BTE nº 29 de 8.8.2013 e o celebrado com a FIEQUIMETAL, no BTE nº37 de 8.10.2013) não têm, ao invés de todos os anteriores, uma cláusula indicativa das regalias sociais a garantir pela Ré a todos os trabalhadores nos termos e condições a fixar no regulamento próprio – como também se refere na mesma sentença, para onde remetemos, o regime transitório estabelecido no AE de 2010 (com a SINDEQ está vertido na cláusula 91ª) aquele prémio não contempla. Não obstante tal prémio especial de reforma nunca ter constado sequer expressamente dos AE, assim do elenco das regalias sociais, o teor da cláusula 91ª do AE de 2013, conjugado com a redacção dada à cláusula 92ª do AE de 2010 no Anexo III, permite inferir que as regalias sociais ficaram limitadas às quatro aí enunciadas, onde aquele se não inclui, estando tal em conformidade com o que foi afinal negociado com as estruturas sindicais.
De todo o exposto resulta que, e apenas enquanto se manteve estabelecido esse prémio especial, o Autor apenas teve a expectativa jurídica de esse vir a receber no momento em que reunisse as condições para requerer a sua reforma (o que veio a ocorrer em 2015), ou seja, dito de outro modo, uma expectativa jurídica de aquisição futura desse direito e não pois um efectivo direito a este. Daí que, como mais uma vez se salienta na decisão recorrida, porque “o regime jurídico aplicável à determinação da aquisição do direito ao prémio é o vigente no momento em que ocorre o facto determinante do seu nascimento, ou seja, o pedido da pensão por velhice”, a verdade é que, no caso, “à data em que o A. requereu a pensão de reforma por velhice, em 2015, já o dito prémio especial não estava previsto nem no AE, nem no subsequente Regulamento dos Benefícios Sociais, pelo que já não adquiriu o direito ao mesmo”.
Dando evidência à questão fundamental sobre se se trata de direito adquirido ou de mera expectativa, bem como quanto a integrar ou não o contrato de trabalho, possibilidade da sua alteração, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 2014[10] – proferido a propósito de fundo de pensões, questão diversa é certo da que agora nos ocupa mas cujo regime deste se não afasta –, o seguinte:
“ (…) Tal como se referiu no acórdão acima citado, o regulamento das garantias sociais a que se refere, neste caso, o ponto n.º 7 da matéria de facto fixada não tem a natureza de um regulamento de empresa, sujeito ao regime do artigo 153.º, n.º 1 do Código de Trabalho de2003, uma vez que não visa a organização e disciplina da empresa, e, na sequência da alteração ali referida, perdeu a dimensão contratual que o caracterizava na sua versão inicial.
Tal regulamento não integra a disciplina dos contratos de trabalho no âmbito da Ré, embora mantenha conexões com as relações de trabalho ali existentes.
Conforme referem BERNARDO LOBO XAVIER e Outros, «quanto ao caso de complementos empresariais, as normas da organização, previsão e maturação de benefícios complementares pensionísticos não pertencem ao estatuto do contrato individual e por isso podem ser modificadas: os trabalhadores quando ingressam numa empresa não podem antever a imutabilidade de um regime durante a sua vida nessa empresa»[2].
Na verdade, os aludidos complementos de reforma são atribuídos aos trabalhadores abrangidos, desde que tenham essa qualidade, não se assumindo como qualquer forma de contraprestação pelo trabalho prestado, pelo que não relevam ao nível da concretização da retribuição devida. (…)
O enquadramento jurídico desses sistemas tem autonomia face ao regime das relações de trabalho subordinado, não estando a adesão aos mesmos, nomeadamente, a planos complementares de reforma, limitada ao espaço das relações de trabalho subordinado e ao regime jurídico que as enquadra. (…)
Sendo este o regime dos Fundos de Pensões, carecem de qualquer fundamento as afirmações constantes da decisão recorrida no sentido de que o direito ao complemento de reforma reclamado se integra no contrato de trabalho e nomeadamente que fará parte da contraprestação assumida pela entidade empregadora.
Trata-se efectivamente de um direito, o direito ao complemento de reforma, que só surge na esfera jurídica do seu titular com a ocorrência do facto que determina a respectiva constituição, nomeadamente a reforma do trabalhador.
Deste modo, no período que medeia entre a adesão ao fundo e a ocorrência do facto que determina a constituição do direito ao complemento de forma o aderente é apenas titular de uma mera expectativa jurídica que não pode ser confundida com o direito em causa, cujos pressupostos não se mostram integralmente preenchidos.
Conforme referem os autores acima referidos, «há uma distinção fundamental entre direitos às prestações e expectativas jurídicas, com a qual é necessário lidar para compreender correctamente estas questões. Na verdade, os direitos às prestações só se “abrem”, ou só se concretizam, nas condições estabelecidas nas normas respectivas, e ainda com a ocorrência dos eventos danosos: são pois situações jurídicas condicionadas. (…)», e prosseguem, referindo que «do direito se distinguem as “expectativas” que os trabalhadores activos, futuros reformados, detêm quanto à adequada maturação (que depende no seu montante, da antiguidade), dos seus direitos quando for caso disso. Não se trata plenamente de direitos porque as prestações são meramente eventuais (…)»[3].
A protecção destas expectativas não se pode confundir com a protecção do direito às prestações, sendo em ambos os casos as estabelecidas no regime dos fundos de pensões, nada tendo a ver com o eventual regime do contrato de trabalho dos beneficiários, no caso em que os sistemas sejam instituídos por empregadores a favor dos seus trabalhadores. (…)
Assim, quando ocorreu o facto determinante da aquisição do direito reclamado pelo Autor, (a sua passagem à situação de reforma por invalidez, pela Segurança Social, em 23 de Novembro de 2008), já vigoravam as alterações ao referido contrato constitutivo, que, por tal motivo, são aplicáveis no caso.”

Face a tal argumentação, voltando ao caso que nos ocupa, não vemos também razão para não acompanharmos a decisão recorrida quando concluiu, do mesmo modo, que o direito/expectativa analisado não se encontrava já na esfera jurídica do Autor/recorrente no momento em que passou à situação de reforma, valendo aqui, para assim se entender, as demais razões que daquela sentença constam, que, porque desnecessária nova transcrição, aqui se incluem.
Daí que, concluindo, nos termos expostos, careçam de fundamento, legal e/ou factual, salvo o devido respeito, os argumentos em contrário constantes das conclusões do Recorrente, improcedendo assim, sem necessidade de outras considerações, totalmente o recurso.

E, porque assim é, suporta o Recorrente as custas (artigo 527.º do CPC).
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IV – DECISÃO
Nestes termos, na total improcedência da apelação, acorda-se em manter a sentença recorrida.
Custas a cargo do Autor.
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Porto, 11 de Setembro de 2017
Nélson Fernandes
Fernanda Soares (Vencida conforme declaração junta)
Domingos Morais
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[1] Com inclusão no ponto 10, da nossa autoria, do teor do n.º 1 do artigo 29.º do Regulamento de Benefícios Sociais aí referenciado.
[2] Como refere Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 33, os usos a que a norma se refere são as práticas ou usos de facto.
[3] Assim: M.ºRosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Dogmática Geral, I, 2005, pág. 220.
[4] M. R. Palma Ramalho, ob. cit., pág. 221.
[5] Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, assim o seu artigo 12.º, n.º 2, mandando atender aos “usos da profissão do trabalhador e das empresas” desde que não contrariem a lei, os instrumentos de regulamentação colectiva, os princípios da boa-fé e a convenção das partes.
[6] Ob. cit., pág. 223.
[7] Novos Estudos de Direito do Trabalho, Coimbra, 2010, pág. 48/9.
[8] Veja-se o Ac. STJ de 7 de Julho de 2007, processo 2264/04, in www.dgsi.pt, no sentido de que a partir do momento em que a prática ali em análise se consolidou e passou a constituir um uso laboral relevante como fonte de direito do trabalho, o objecto deste uso passou a incorporar directa e imediatamente os contratos de trabalho dos trabalhadores.
[9] Relator Conselheiro Leones Dantas, in www.dgsi.pt.
[10] Relator António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, ainda, Acórdãos do mesmo Tribunal de 19-09-2012,14-09-2011 e 14-09-2011.
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Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC:
I – Podendo o regulamento de empresa desempenhar também a função de manifestação da vontade contratual do empregador – artigos 99.º e 104.º do CT/2009 –, traduz-se nestes caso como verdadeiros contrato tipo ou contratos de adesão, visando a uniformização por parte da empresa um dado esquema contratual em vez de discutir individualmente as condições de trabalho, manifestando-se a vontade contratual do trabalhador pela sua adesão, expressa ou tácita, a esse regulamento, presumindo-se esta adesão quando esse não se opuser por escrito no prazo de 21 dias, a contar do início da execução do contrato ou da divulgação do regulamento, se esta for posterior.
II – Um regulamento de regalias sociais tem a natureza de regulamento negociado na contratação colectiva se nos sucessivos acordos de empresa tiver sido estipulado expressamente que as condições de atribuição de tais regalias seriam fixadas em regulamento próprio que fazia parte integrante desses AE.
III – Um prémio especial de reforma por velhice previsto num regulamento de regalias sociais, ainda que não previsto expressamente no acordo de empresa, não deixa de resultar de concertação colectiva se tiver resultado de negociação com as estruturas representativas dos trabalhadores.
IV – O regime jurídico aplicável à determinação da aquisição do direito a um prémio especial, atribuído para o momento em que se requeira a reforma por velhice, é o vigente no momento em que ocorre o facto determinante do seu nascimento, ou seja, o pedido da pensão por velhice, tendo o trabalhador, até ao momento em que reuniu as condições para requerer a reforma, apenas tem uma expectativa jurídica de aquisição futura do direito a esse prémio especial de reforma e não o direito a esse.
V – Mesmo considerando que a norma do regulamento que institui o prémio especial de reforma consubstanciou uma declaração de vontade unilateral geral e abstracta do empregador com reflexos no estatuto dos trabalhadores, a entrada em vigor de um novo regulamento de regalias sociais negociado com as estruturas representativas dos trabalhadores que aquele não preveja, sem oposição do trabalhador, retira a este a possibilidade de aquele invocar – artigo 104.º do CT/2009.
VI – Os usos laborais não devem prevalecer sobre disposição contratual expressa em contrário nem sobre disposição do regulamento interno com conteúdo negocial, porque esta pressupõe que os trabalhadores sobre ela se tenham podido pronunciar, podendo ainda ser afastados pelos instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho, já que estes correspondem a uma auto-regulamentação laboral.

Nélson Fernandes
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Declaração de Voto:
Vencida pelos fundamentos expostos no acórdão proferido em 20.09.2010, processo nº118/08.1TTVCT.P e publicado em www.dgsi.pt e reiterados nos acórdãos de 27.09.2010 [processo nº316/09.0TTVCT.P1] de 17.01.2011 [processo nº347/08.8TTVCT.P1] e de 28.11.2011 [processo nº524/10.1TTVCT.P1].
Apesar de os referidos acórdãos versarem a questão quanto ao complemento de reforma por invalidez e sua alteração, os princípios que regulam aquela situação e a presente, salvo melhor opinião, são os mesmos.
O prémio especial de reforma nunca constou da clª92ª dos vários AE, cláusula que definia as Regalias Sociais que a Ré se obrigava a regulamentar. Tal prémio foi instituído por uma Ordem de Serviço – nº8/88 de 04.04 – e assim se manteve durante 25 anos tendo sido abolido pela Ré logo após a celebração dos novos AE de 2013.
A regulamentação do prémio especial de reforma – através da referida Ordem de Serviço nº8/88 – traduz-se num Regulamento Interno que vigorou na empresa durante 25 anos. Tal prática, assumida pela Ré, e durante longo tempo, é reveladora da vontade da atribuição desse prémio especial por parte da empresa e, deste modo, apta a produzir efeitos jurídico/contratuais na esfera dos trabalhadores, integrando, deste modo, os seus contratos de trabalho, nomeadamente o contrato de trabalho do Autor. E se assim é, não poderia a Ré abolir esse prémio sem o acordo do Autor e dos demais trabalhadores, posto que igualmente não está provado que essa «abolição» decorreu das negociações havidas entre os representantes dos trabalhadores e a Ré.
A prática reiterada e uniforme da Ré quanto ao pagamento do prémio especial de reforma revela igualmente a prática de um uso da empresa que acabou por integrar, de igual modo, os contratos de trabalho – acórdãos do STJ de 05.07.2007 e de 17.11.2016.
E tendo o Autor aderido, ainda que tacitamente, ao conteúdo da referida Ordem de Serviço, contava razoavelmente que chegado à idade da reforma receberia esse mesmo prémio, cumpridos que fossem os requisitos para a sua atribuição. Ou seja, o Autor tinha uma expectativa jurídica de receber esse prémio, expectativa digna de protecção, atento o princípio da boa-fé que deve presidir na realização dos negócios jurídicos, nomeadamente do contrato de trabalho.
Acresce dizer não ter resultado provado que a supressão, pela Ré, do referido prémio foi determinada por razões/interesses que devam considerar-se prevalentes às expectativas jurídicas do Autor.

Fernanda Soares