Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
556/14.0TTBRG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RP20150209556/14.0TTBRG.P1
Data do Acordão: 02/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Invocando o empregador, por escrito, que o contrato de trabalho mantido com o trabalhador “terminou em (…), por falta de trabalho, data a partir da qual se deverão considerar dispensados”, tal consubstancia um despedimento suscetível de se configurar como extinção do posto de trabalho e de se reconduzir à hipótese legal do artigo 98.º-C, n.º 1 do CPT, sendo o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento (arts. 98º-B e segs do mesmo) a espécie processual adequada para impugnar a validade desse despedimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 556/14.0TTBRG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 776)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B… veio intentar ação com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra C…, Ldª [1], tendo apresentado a declaração escrita consubstanciadora do alegado despedimento que consta de fls. 3, emitida por esta e dirigida ao A., datada de 06.06.2014, cujo teor se passa a transcrever:
“(…)
Vimos, para os devidos efeitos, transmitir pelo presente meio que o Vosso contrato de trabalho a favor da firma terminou em 06 de junho de 2014, por falta de trabalho, data a partir da qual se deverão considerar dispensados.”
Seguidamente, foi pela 1ª instância proferido o seguinte despacho:
“Com o presente requerimento pretende o Autor impugnar a decisão de despedimento individual, conforme consta da declaração junta com o formulário.
No entanto, usou o processo errado.
Com efeito, o ora requerente não foi objecto de nenhum despedimento, mas apenas recebeu uma comunicação de dispensa, por falta de trabalho, o que, redundará numa simples denúncia unilateral do contrato ilegal.
Ora, a acção especial de impugnação judicial da regularidade e ilicitude de despedimento está reservada aos casos de efectivo despedimento individual e sempre que tal decisão da entidade empregadora seja comunicada por escrito ao trabalhador, seja por facto a este imputável, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação (artigo 387º do Código do Trabalho).
Por outras palavras, neste caso deveria ter sido usado o processo comum, que começa por uma petição inicial e não por um formulário.
Desta feita, ocorre erro na forma de processo, que implica a anulação de todos os actos praticados, que, no caso, se resumem à entrega do requerimento/formulário e documentos anexos (cfr. artigo 193º do Código de Processo Civil).
Em face do exposto, julgando nulo o requerimento de oposição ora apresentado, ordeno o arquivamento dos autos.
Notifique.”.
Inconformado, veio A. recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“I – A comunicação escrita pela qual a Empregadora informou o Trabalhador que o respetivo “contrato de trabalho a favor da firma terminou em 06 de junho de 2014, por falta de trabalho, data a partir da qual se deverão considerar dispensados” configura um verdadeiro despedimento, ainda que ilícito, por consubstanciar um inequívoco direito potestativo extintivo, para um normal declaratário.
II – Tal comunicação cai no âmbito de aplicação do art. 98-C n.º 1 do CPT, sendo que os possíveis fundamentos aí consignados são meramente exemplificativos, cujo enquadramento – de resto – nem sempre é linear.
III - Mesmo a considerar-se taxativos tais fundamentos (“… seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação …”) o teor da declaração é compatível com uma extinção do posto e trabalho.
IV - Conforme refere Albino Mendes Batista, in “A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Cód. Proc. Trabalho”, Coimbra Editora, Reimpressão, pags. 73 e 74 “a nova ação de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal”, o que ocorre no caso concreto.
V – Tendo em conta o teor da comunicação que instrui o requerimento inicial, o meio processual utilizado é o próprio e o correto, cabendo no domínio de aplicação da ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
VI – Pelo que a douta sentença vio ou o disposto no art. 98º-A n.º 1 do CPT.
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TERMOS EM QUE
Deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos, com a designação da audiência de partes.
Foi proferido, pela 1ª instância, despacho a admitir o recurso e a fixar à ação o valor de €2.001,00.
O Exmo Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso.
Por despacho de fls. 44, determinou-se a baixa dos autos à 1ª instância nos termos e para os efeitos do disposto no art. 641º, nº 7, do CPC/2013, na sequência do que a Ré foi citada, não tendo apresentado contra-alegações.
O mencionado parecer foi notificado às partes, não tendo sido objeto de resposta.
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II Matéria de facto provada

Tem-se como assente o que consta do relatório precedente.
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III. Do Direito

1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC, na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08, aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT, na redação introduzida pelo DL 295/2009, de 13.10, as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
E, daí, que a única questão a apreciar consista em saber se não ocorre erro na forma do processo.

2. A decisão recorrida considerou que, ao caso, não era aplicável a forma de processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento a que se reportam os arts. 98º-B e segs. do CPT, por a comunicação de dispensa por falta de trabalho consubstanciar uma “simples denúncia unilateral do contrato ilegal” não se enquadrando no disposto no art. 387º do CT/2009.

2.1. O art. 387º do CT/2009 (aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02), nos seus nºs 1 e 2, dispõe que: “A regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.” [nº 1] e que “O trabalhador pode opor-se ao despedimento, mediante apresentação de requerimento em formulário próprio, junto do tribunal competente, no prazo de 60 dias, contados a partir da recepção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, excepto no caso previsto no artigo seguinte” (…) [nº 2].
Por sua vez, o CPT na versão aprovada pelo citado DL 295/2009, de 13 10, dando resposta processual às significativas alterações introduzidas em matéria de despedimento pela Reforma do Código do Trabalho operada pelo CT/2009, criou, para os casos de despedimento individual em que a decisão seja comunicada por escrito ao trabalhador, uma nova forma de processo especial, qual seja a “Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” prevista nos arts. 98º-B a 98º-P, ação essa que, de harmonia com o nº 1 desse art. 98º-B, se inicia com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento, em formulário que veio a ser aprovado pela Portaria 1460-C/2009, de 31.12., do qual consta a declaração do trabalhador de oposição ao despedimento.
E, no seu art. 98º-C, nº1, veio dispor que “Nos termos do artigo 387º do Código. do Trabalho, no caso em que seja comunicada por escrito ao trabalhador a decisão de despedimento individual, seja por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação, a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento inicia-se com a entrega, pelo trabalhador, junto do tribunal competente, de requerimento em formulário electrónico ou em suporte de papel” (…).
Desse preceito decorre que a ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento é aplicável ao despedimento com invocação de justa causa, por extinção do posto de trabalho e por inadaptação e não já às situações em que a causa da cessação do contrato de trabalho invocada pelo empregador seja outra que não aquelas.
Neste sentido se pronuncia Abílio Neto, in Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª Edição, Janeiro de 2010, pág. 217, ao referir que:
“Assim, se a cessação do contrato de trabalho ocorreu com fundamento em caducidade ou por acordo de revogação ou através de denúncia do trabalhador, o trabalhador que pretenda exercitar direitos emergentes dessa cessação terá de lançar mão da acção com processo comum, com exclusão deste processo especial.”.
E, de forma idêntica, Albino Mendes Batista, in A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código de Processo do Trabalho, pág. 73, ao referir que “a nova acção de impugnação do despedimento é apenas aplicável aos casos em que haja despedimento assumido formalmente enquanto tal”, bem como Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ªedição, pág. 398/399, ao dizer que “(…). Seguem ainda a forma comum as múltiplas situações de cessação em que o empregador não assume a qualificação das mesmas como um despedimento, quer porque não reconhece a natureza laboral do vínculo cuja cessação promove, quer porque entende que a cessação decorre de uma causa extintiva diversa do despedimento, como seja a caducidade pela verificação do termo resolutivo aposto ao contrato de trabalho (…). A decisão a entregar pelo trabalhador juntamente com o formulário tem de conter uma declaração inequívoca de despedimento”.
Veja-se, também, o Acórdão desta Relação[2] de 14.06.2010, in www.dgsi.pt, Processo 213/10.7TTBRG.P1, no qual se entende que a ação especial a que aludem os artigos 98º-B e seguintes do CPT “abrange aquelas hipóteses em que o despedimento foi formalmente comunicado, o que significa, que se trata de despedimentos provados, assumidos como tal pelo empregador”.
E como também se tem entendido, o recurso a essa forma processual especial não está dependente a prévia existência do procedimento legalmente previsto para essas formas de cessação do contrato de trabalho. Como se diz, designadamente, no Acórdão desta Relação de 30.05.2011, Processo 1078/10.4TTGDM.P1[3], in www.dgsi.pt, “Por outro lado, como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, que alterou o CPT2010, “Nestes casos [do processo especial], a acção inicia-se mediante a apresentação pelo trabalhador de requerimento em formulário próprio, junto da secretaria do tribunal competente, no prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 387.º do CT...” e “Todas as demais situações continuam a seguir a forma de processo comum e ficam abrangidas pelo regime de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 337.º do CT.”
Assim, sendo o despedimento declarado por escrito pelo empregador, a acção de impugnação segue os trâmites do processo especial e nos outros casos – por exemplo, despedimento declarado pelo empregador, mas verbalmente, cessação de contrato em que as partes divergem sobre a sua qualificação como contrato de trabalho ou de prestação de serviços ou se a forma de cessação foi o despedimento ou a caducidade de contrato a termo – segue a tramitação do processo comum.
Daí que não seja a existência de procedimento disciplinar que marque a diferença, pois será de observar o processo especial nas hipóteses em que o empregador declarou o despedimento por escrito, mas não elaborou o procedimento e será de observar o processo comum nos casos em que, apesar de ter elaborado o procedimento prévio, o empregador comunicou o despedimento verbalmente ou adoptou uma conduta que possa ser entendida como correspondendo a um despedimento individual…”
Acrescente-se que, na lógica do novo regime processual, compreende-se que assim seja. Pretendeu-se criar um regime célere de impugnação do despedimento quando este haja sido, como tal e por escrito, assumido pelo empregador. Com efeito, e conquanto o recurso à ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento não dependa da existência de um prévio procedimento disciplinar ou das formalidades legalmente exigidas para as duas demais formas de despedimento individual, pressupõe contudo o legislador que, invocado que seja pelo empregador, o despedimento e face à obrigatoriedade dos referidos procedimentos prévios, estes existam. E, daí, que, nos arts. 98º-I, nº 4, al. a) e 98º-J, nº 3, do CPT, se imponha a notificação do empregador para junção dos mesmos, sob cominação da imediata condenação nos termos previstos nas als. a) e b) do nº 3, desse art. 98º-J.

2.2. No caso, a comunicação escrita invocada pelo A. como consubstanciando o despedimento consta do documento de fls. 3 e tem o seguinte teor:
“Vimos, para os devidos efeitos, transmitir pelo presente meio que o Vosso contrato de trabalho a favor da firma terminou em 06 de junho de 2014, por falta de trabalho, data a partir da qual se deverão considerar dispensados.”
Tendo em conta os termos de tal declaração, que foi feita por escrito, afigura-se-nos inequívoco que a Ré nela assume a existência de um contrato de trabalho, bem como a sua intenção de proceder ao despedimento do A., na medida em que lhe transmite a sua intenção de o fazer “terminar” e, embora não expressamente invocada a extinção do posto de trabalho, resulta igualmente dos termos do mencionado escrito que o motivo nele indicado se reconduz à hipótese legal do artigo 98.º-C, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho por se poder configurar como uma extinção do posto de trabalho.
Assim sendo, ao caso é aplicável a forma de processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, a que se reportam os arts. 98º-B e segs. do CTP, deste modo procedendo as conclusões do recurso.
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IV. Decisão
Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pela parte vencida a final.

Porto, 09.02.2015
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
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[1] Da certidão de fls. 13 não consta a data da apresentação do formulário, sendo que, deste (fls. 14), a data dessa apresentação não se mostra legível. De todo o modo, dele consta que foi distribuído aos 03.02.2012.
[2] Relatado pelo Exmº Desembargador Ferreira da Costa.
[3] Relatado pelo Exmº. Sr. Desembargador Ferreira da costa e em que a ora relatora interveio como 2ª adjunta.