Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
52/21.0T9ESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA NATÉRCIA ROCHA
Descritores: CRIME DE FALSO TESTEMUNHO
RETRATAÇÃO
Nº do Documento: RP2024022152/21.0T9ESP.P1
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A retratação visa a reposição da verdade anteriormente negada, e a sua validade está dependente de um requisito formal - o ser prestada perante a mesma entidade que tomou a declaração anterior (falsa) -, e dois requisitos materiais: tempestividade – feita a tempo de ser levada em conta na concreta decisão, e voluntariedade – realizada livremente pelo declarante tradutora de um puro regresso ao direito e à verdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 52/21.0T9ESP.P1
Tribunal de origem: Juízo de Competência Genérica de Espinho– Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
No âmbito do Processo Comum Singular n.º 52/21.0T9ESP a correr termos no Juízo de Competência Genérica de Espinho foi julgado e condenado o arguido AA na pena 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis Euros), pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 360.º do Código Penal.

Desta decisão veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
- O arguido aqui recorrente começou por faltar à verdade na fase de inquérito, quando ouvido como testemunha junto do órgão de polícia criminal, isto, pese embora o juramento legal então prestado.
- Quando inquirido na fase de julgamento, também sob juramento, acabou então por falar com verdade.
- Nos termos do disposto no art.º 362º/1 do Código Penal, a punição pelos artigos 359º, 360º e 361º, a), não tem lugar se o agente se retratar voluntariamente, a tempo de a retratação poder ser tomada em conta na decisão e antes que tenha resultado do depoimento, relatório, informação ou tradução, falsos, prejuízo para terceiro.
- Conforme dispõe o seu nº 2 essa retratação pode ser feita perante o tribunal, o Ministério Público ou o órgão de polícia criminal.
- Foi precisamente o que aconteceu.
- Tendo o arguido falado com verdade perante o tribunal, na fase de julgamento, a tempo de o seu depoimento ser relevado no acórdão que pôs termo ao processo 849/18.8PAESP, não compreende o arguido como não pode ser considera como válida a sua retratação e assim não haver lugar à punição.
- Não estamos assim perante a prática de um crime punível penalmente.
- Tal foi também a opinião da Exma. Sra. Juíza de Instrução que se opôs à suspensão provisória do processo, então proposta.
- A decisão ora posta em crise, viola o disposto nos artigos 1.º, nº. 1 do Código Penal.
- Nos termos do referido artigo “Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.”
- A decisão recorrida violou assim o artigo 1.º n.º 1, do Código Penal.
- Devendo o arguido ser absolvido do crime de que vem acusado.
Termina pedindo seja julgado provido o recurso apresentado, e em consequência, seja revogada a sentença recorrida e absolvido o arguido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, conforme consta dos autos, nos seguintes termos sintético:
- Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, invocando, em suma, erro notório na apreciação da prova, porquanto o arguido se retratou e, em consequência deveria ser absolvido.
- Analisada a motivação subjacente ao recurso, bem como em pormenor a sentença recorrida, afigura-se-nos, que não assiste razão ao ora recorrente e, assim sendo, deverá a mesma ser mantida.
- Da motivação claramente expressa na sentença, só uma conclusão se impõe: é ela completa e clara, não demonstra qualquer avaliação caprichosa ou arbitrária feita pelo julgador e não enferma de qualquer contradição.
- Apenas em sede de audiência e discussão e julgamento realizada no âmbito do processo n.º 849/18.8 PAESP é que o ora arguido declarou que o depoimento prestado em fase de inquérito não correspondia à verdade.
- Pese embora, tenha existido retratação do arguido, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que a mesma terá de ser inoperante, quanto à verificação do crime de falsidade de depoimento pelo qual o mesmo foi condenado nos presentes autos, uma vez que estamos em fases processuais distintas e já existiu uma decisão – in casu, o despacho final de inquérito – no qual se teve em consideração, para além do mais, as declarações prestadas pelo arguido.
- Porquanto se assim não fosse, estar-se-ia a criar um sentimento de impunidade na comunidade e um desvalor no juramento efetuado, aquando da tomada de declarações em sede processual, quer em sede de inquérito, quer em sede de audiência de discussão e julgamento.
- E, nesse sentido, entendemos que a sentença recorrida efetuou uma correta apreciação e subsunção jurídica da matéria de facto dada como provada, sendo equilibrada e justa na escolha e medida da pena.
- Aliás, in casu, afigura-se-nos que, o enquadramento jurídico-penal, tendo em conta os factos dados como provados, mostra-se correto e a pena aplicada revela-se bem doseada, atendendo ao ilícito penal em causa, aos bens jurídicos tutelados e às necessidades de prevenção que o caso reclama, afigurando-se que não existe qualquer desadequação e/ou desproporção na medida e pena aplicada.
Termina pedindo seja negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e mantida a sentença recorrida.

Neste Tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, e que se encontra nos autos, pugnou pela rejeição do recurso.
Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada veio a ser acrescentado de relevante no processo.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.

II- Fundamentação:
1.1. São os seguintes os factos dados como provados pelo Tribunal de 1ª Instância:
1) No dia 13.10.2020, entre as 14 e as 15 horas, nas instalações da Esquadra de Investigação Criminal da PSP ..., o arguido prestou depoimento enquanto testemunha no âmbito do processo n.º 849/18.8PAESP.
2) No referido processo, assumiram a qualidade de arguidos, entre outros, BB (conhecido por “CC”) e DD (conhecido por “EE”).
3) No depoimento de 13.10.2020, depois de advertido do dever de responder com verdade às perguntas que lhe fossem dirigidas, perante o agente da PSP FF, o arguido disse ser utilizador do telemóvel n.º ...69, negou ser consumidor de estupefacientes e ter adquirido qualquer produto estupefaciente aos arguidos BB e DD.
4) Em data anterior a 13.10.2020, nomeadamente em vários dias entre outubro de 2018 a julho de 2020, o arguido tinha efetivamente adquirido aquele tipo de substâncias a BB e DD.
5) O arguido sabia que no momento em que prestou declarações perante o agente da PSP se encontrava perante Órgão de Polícia Criminal com competência para receber as suas declarações, e que tinha o dever de falar verdade, porquanto as mesmas se destinavam a fazer prova no âmbito de um processo judicial.
6) Por fim, tinha igualmente o arguido perfeita consciência de que as declarações prestadas perante o agente da PSP não correspondiam à realidade por si bem conhecida e, não obstante, atuou com o propósito conseguido de deturpar o apuramento da verdade e prejudicar o Estado na Administração da Justiça.
7) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as condutas descritas eram proibidas e punidas por lei penal.
8) O arguido não tem registo de antecedentes criminais.
9) Aufere o vencimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional.
10) Reside em casa para a qual nada contribui atualmente.
11) Tem duas filhas, respetivamente, de 36 e 18 anos, contribuindo para esta com a quantia mensal de € 100,00.

2.2. São os seguintes os factos dados como não provados pelo Tribunal de 1ª Instância: ”.
Inexistem factos não provados.

2.3. É a seguinte a motivação da matéria de facto apresentada pelo Tribunal de 1.ª Instância:
O Tribunal fundou a sua convicção na conjugação de todos os elementos probatórios, quer constantes já dos autos e juntos e produzidos em audiência.
Foram relevantes os seguintes documentos:
- As certidões extraídas do Proc. n.º 849/18.8PAESP de fls.2 a 4 [de onde consta o depoimento do aqui arguido ali na qualidade de testemunha nos termos supra expostos no facto provado em 3)], de fls.16 a 100 (que contém a acusação deduzida pelo MP naqueloutro processo) e de fls.117 a 123 (que contém ata de sessão de julgamento naqueloutro processo onde, entre outros, o aqui arguido depôs como testemunha);
- De fls.104 (cópia de extração de imagem que espelha a transação ilícita);
- De fls.159 a 166 [transcrição do depoimento do aqui arguido na audiência de julgamento realizada naquele processo, na qualidade de testemunha e de onde, em complemento com as suas declarações nestes autos, se retira o conteúdo do facto provado em 4)];
- De fls.222 (o CRC).
Em complemento, valoraram-se as declarações do arguido que, integralmente e sem reservas, confessou a prática dos factos que lhe era imputada, mais se exprimindo quanto às suas condições socioeconómicas em termos convincentes.
Por fim, quanto à ausência de factos não provados, a ausência de prova em sentido diverso.

Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso:
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).

As questões que importa conhecer:
- se, no caso presente, a retratação efetuada pelo arguido é operante;
- se o quantitativo da pena de multa aplicada ao arguido é excessivo.

Vejamos.
Para fundamentar o seu recurso, veio o recorrente alegar que, nos termos do disposto no art.º 362.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a punição pelos artigos 359.º, 360.º e 361.º, al. a), não tem lugar se o agente se retratar voluntariamente, a tempo de a retratação poder ser tomada em conta na decisão e antes que tenha resultado do depoimento, relatório, informação ou tradução falsos, prejuízo para terceiro, podendo essa retratação pode ser feita perante o Tribunal, o Ministério Público ou o órgão de polícia criminal. Mais defendeu que foi o que aconteceu no presente caso, pois tendo o arguido falado com verdade perante o tribunal, na fase de julgamento, a tempo de o seu depoimento ser relevado no acórdão que pôs termo ao processo n.º 849/18.8PAESP, não poderia deixar de ser considerada como válida a sua retratação e assim não haver lugar à punição e, consequentemente, ser o arguido absolvido do crime de falsidade de testemunho que lhe era imputado.
Analisados os factos provados no presente caso, não se reconhece na solução jurídica a que chegou o Tribunal a quo qualquer erro de direito ou interpretação jurídica que debilite a decisão final proferida.
O arguido vem acusado pela prática, em autoria material e na forma consumada, e de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360.º, n.º 1 do Código Penal.
No que respeita ao enquadramento jurídico-penal do tipo legal de crime refere o Tribunal a quo que:
“(…). Apresentam-se, assim, como elementos objetivos integrantes do tipo legal do crime de falsidade de testemunho os seguintes, a saber:
1.O agente tem de ser testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete;
2.Tem de prestar declaração falsa, entendendo-se toda a comunicação feita com base no conhecimento que o agente tem dos factos e aferida a falsidade em face do conhecimento real;
Para podermos afirmar a verificação da qualificação prevista no n.º 3 do art.º 360.º do Código Penal, exige-se, ainda e para além dos que vimos de elencar, a verificação cumulativa dos seguintes elementos integradores:
A. Que o agente tenha prestado juramento;
B. Que lhe tenha sido feita a advertência das consequências penais a que o declarante se expõe; e
C. Que tal advertência tenha sido feita por autoridade competente.
No caso dos autos, atenta a qualificação jurídica e a factualidade apurada, dúvidas não há que no depoimento prestado na PSP o arguido, sujeito a um dever de verdade e de completude, prestou depoimento não correspondente com a verdade, sendo contraditório com o que contou em Tribunal em sede de julgamento.
Foi, assim, violado o bem jurídico protegido pelo tipo de crime lhe é imputado, tendo-se consumado este.
De todo o exposto, conclui-se que estão preenchidos, no caso em concreto, todos os elementos objetivos do tipo de crime em causa – art.º 360.º, n.º 3 CP.
Verificado que está o preenchimento do tipo objetivo de ilícito, dúvidas também não restam, face à factualidade dada como provada, quanto ao preenchimento do tipo subjetivo de ilícito.
Quanto ao elemento subjetivo do ilícito, a lei prevê apenas a punição a título doloso. In casu, a conduta do arguido é dolosa, porquanto este tinha conhecimento de que as declarações não correspondiam à verdade, e, não obstante, proferiu tais declarações.
Com efeito, provou-se que o arguido sabia que aquilo que dizia não correspondia à verdade, pois não podia deixar de se lembrar do que tinha acontecido, uma vez que os factos por si relatados demandaram a sua intervenção.
Agiu assim, com dolo direto – art.º 14.º, n.º1 CP.
Face à factualidade provada, dúvidas não restam de que a conduta do arguido preenche todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de falsidade de depoimento, previsto e punido pelos n.º 1 e 3 do art.º 360.º do CP.”
No que respeita ao preenchimento do tipo legal de crime que era imputado ao arguido a sentença recorrida não merece censura. Contudo e com o objetivo de evitar equívocos, carece de uma precisão, pois, certamente por lapso, quando se refere ao preenchimento do tipo legal de crime, tal sentença faz referência ao n.º 3 do art.º 360.º do Código Penal, quando o ilícito preenchido pela conduta do arguido é o previsto no n.º 1 do art.º 360.º do Código Penal, dado que, de acordo com os factos provados, o arguido não prestou juramento perante os órgãos de polícia criminal, tendo apenas sido advertido do dever de responder com verdade às perguntas que lhe fossem dirigidas.
Para fundamentar o recurso, o recorrente alega que houve retratação da sua parte, razão pela qual a mesma deverá considerar-se válida e assim não haver lugar à punição, devendo, por isso, ser o arguido absolvido do crime de falsidade de testemunho que lhe era imputado, dado que, apesar de ter faltado à verdade no seu depoimento como testemunha prestado em sede de inquérito do processo n.º 849/18.8PAESP junto dos órgãos de policia criminal, falou com verdade perante o Tribunal, na fase de julgamento, a tempo de o seu depoimento ser relevado no acórdão que pôs termo ao processo n.º 849/18.8PAESP.
A este propósito, refere a sentença recorrida que:
“(…). Vejamos o art.º 362.º do Código Penal.
Este, no seu n.º 1, plasma que “a punição pelos artigos 359.º, 360.º e 361.º, alínea a), não tem lugar se o agente se retratar voluntariamente, a tempo de a retratação poder ser tomada em conta na decisão e antes que tenha resultado do depoimento, relatório, informação ou tradução falsos, prejuízo para terceiro,” complementando o seu n.º2 que “a retratação pode ser feita, conforme os casos, perante o tribunal, o Ministério Público ou o órgão de polícia criminal.”
Como exemplarmente ensina o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.01.2011, in http://www.dgsi.pt, “na ausência de uma definição legal de retratação, a primeira questão que se coloca é a sua determinação conceitual.
O Supremo Tribunal de Justiça no já longínquo ano de 1969 forneceu um conceito de retratação muito citado na jurisprudência: “há retratação quando o agente repõe a verdade, desdizendo-se ou dando como não dito o que antes havia afirmado. Ao repor a verdade, o agente desfaz a falsidade que cometeu; nisto se distingue a retratação da confissão, pois nesta o agente limita-se a afirmar que cometeu os factos que lhe são imputados” – vide Ac. do STJ de 1.10.1969, BMJ 110º, 223.
A retratação é o reconhecimento por parte do agente de que prestou declarações falsas, substituindo simultaneamente o conteúdo falso da declaração por um conteúdo verdadeiro – vide A. Medina da Seiça, in Comentário Conimbricense, Tomo III, pag. 499.
(…).
A retratação, como causa pessoal de exclusão da pena está sujeita a dois requisitos ou pressupostos materiais (tempestividade e voluntariedade) e um requisito formal.
O requisito formal, exige a retratação prestada perante a mesma entidade (em sentido funcional) que tomou as declarações falsas, (…)”.
A tempestividade:
A retratação considera-se tempestiva se for feita a tempo de ser levada em conta na concreta decisão para a qual constituiu (possível) elemento de valoração, variável, pois, consoante o tipo de ato e o momento processual em que a declaração é produzida. Medina da Seiça, in Obra Citada, pag. 500.
Para Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Penal., pag. 938, a “retratação só é tempestiva se o depoimento ou testemunho falso não determinou qualquer decisão interlocutória ou final. … a reposição da verdade deve ocorrer no próprio processo em que for proferida a declaração falsa, antes de ser tomada qualquer decisão interlocutória ou final cujo sentido seja influenciado pela falsa declaração”. (…). Sendo que “o prejuízo patrimonial ou não patrimonial causado a terceiro afasta a relevância da retratação.”
Concretizando, a tempestividade da retratação depende de a reposição da verdade ocorrer, antes de ser tomada qualquer decisão final no processo em que foram produzidas as declarações falsas [o que pode ocorrer até ao despacho de arquivamento, ou à acusação (final do inquérito), até à decisão instrutória (final da instrução) ou até à sentença (final do julgamento) dependendo da fase processual onde foi produzida a declaração falsa], e nunca depois de a declaração falsa ter causado prejuízo a terceiro.”
A voluntariedade:
Por sua vez, a voluntariedade da retratação traduz-se na exigência de que esta não seja determinada pelo conhecimento anterior de que contra si corre já um processo por via da declaração falsa. A retratação tem de ser vista como obra pessoal do agente e nessa base que possa ser-lhe imputável, revelando a sua atitude que o agente tomou a “reversibilidade do processo lesivo” nas suas mãos, e que esta “reversibilidade do processo lesivo”, ou “regresso ao direito”, em definitivo dependeu do agente e de uma sua motivação autónoma ou auto-imposta, o que pressupõe que o agente não esteja pressionado por uma situação exterior, como é o caso quando ele tem conhecimento de que contra si corre procedimento criminal pelas declarações falsas - Vide A. Medina da Seiça, in Comentário Conimbricense, Vol. III, pags. 501 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pags. 730 a 750
Decorre do exposto que, o conhecimento, pelo arguido que se retrata, de que corre contra si procedimento criminal, pela produção dos factos falsos, impede que se considere a retratação como voluntária, já que a partir do momento do conhecimento de que contra si corre procedimento criminal o arguido deixa de ser senhor da sua decisão, encontra-se pressionado pela instauração desse procedimento criminal, já não pode afirmar-se que a sua declaração em repor a verdade se deva “a uma atitude séria e voluntária de regressar ao direito e daí também não se justificarem as razões de politica criminal da sua não punição” - Vide também o Ac. da Rel. de Guimarães, de 10.11.2003, CJ Ano XXVIII, T-V, p. 311.”
No caso em apreço e aproveitando para estes autos os ensinamentos do acórdão que vimos de citar, cujos argumentos sufragamos, entendemos que o desdizer por parte do arguido em sede de julgamento daquilo que anteriormente havia dito em inquérito não poderá corresponder à retratação relevante.
E isto porquê?
Porquanto, desde logo, não existe qualquer nexo entre uma e outra declaração, nem se denota qualquer arrependimento ou vontade de dar sem efeito a anterior versão contrária à verdade por si conhecida; por outro lado, e não menos impressivamente, erige-se um requisito formal que impõe que a retratação seja prestada perante a mesma entidade que tomou as declarações falsas, o que decorre do segmento literal do n.º2 da norma “conforme os casos”.
Aqui, na medida em que a “retratação” foi feita pelo arguido já em sede de julgamento, ou seja, após o terminus da fase de inquérito (onde a declaração falsa foi produzida), não poderá ser acolhida como relevante.
Conclui, entre outros, o acórdão citado, “a retratação [só] é tempestiva se a reposição da verdade ocorrer antes de ser tomada, no processo em que foi proferida a declaração falsa, qualquer decisão interlocutória ou final em relação à qual essa declaração haja constituído elemento de valoração,” in casu, o despacho final de inquérito.
Por todo o exposto, e estando verificados todos os seus pressupostos, cometeu o arguido o crime de Falsidade de Testemunho p. e p. pelo art.º 360.º, n.º 1 do Código Penal”.
Pela clareza da sua explicitação e pelo acerto da sua fundamentação, à qual este Tribunal de recuso adere na sua integralidade, a decisão recorrida, também nesta parte, não merece qualquer censura.
Sempre se consigna que, se assim não fosse, estar-se-ia a criar um sentimento de impunidade na comunidade e um desvalor no depoimento prestado, não obstante a advertência feita à testemunha do dever de responder com verdade às perguntas que lhe sejam dirigidas, aquando da tomada de declarações em sede processual, quer em sede de inquérito, quer em sede de audiência de discussão e julgamento.
Entendemos, por isso, que a sentença recorrida efetuou uma correta apreciação e subsunção jurídica da matéria de facto dada como provada, com o esclarecimento acima já efetuado, sendo equilibrada e justa na escolha e medida da pena aplicada.
Na sua motivação de recurso, o recorrente invoca a sua discordância no que concerne ao quantitativo diário fixado à pena de 90 (noventa) dias de multa aplicada, por ser excessivo.
A propósito, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão referindo:
“No que respeita ao quantitativo diário da pena de multa, este é fixado pelo Tribunal em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, único critério que a lei impõe na fixação deste montante diário, no artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, sendo que, nos termos desta disposição legal “(...) cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €:5,00 e €: 500,00.”
A tais critérios, acrescenta a jurisprudência, de forma unânime, que a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de dispensa da pena ou mesmo de absolvição, mas, antes, tem que constituir um verdadeiro e real sacrifício para o condenado, ainda que, tendo em consideração o mínimo necessário e indispensável à satisfação das suas necessidades básicas e do seu agregado familiar (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.10.1997, in Coletânea da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, tomo 3, página 183).
Em face do dado como provado a respeito das condições socioeconómicas do arguido, entendemos ser adequada a taxa diária de € 6,00 (seis Euros), o que perfaz o montante global de € 540,00 (quinhentos e quarenta Euros).”
Este Tribunal de recurso concorda com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não só atendendo à situação económica do arguido que resultou provada - 9) Aufere o vencimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional; 10) Reside em casa para a qual nada contribui atualmente; 11) Tem duas filhas, respetivamente, de 36 e 18 anos, contribuindo para esta com a quantia mensal de € 100,00-, como também porque que o mínimo legal previsto para fixação do quantitativo diário da pena de multa (5€) está reservado a pessoas em situação de indigência.
Face ao exposto, o presente recurso não merece provimento devendo ser mantida a decisão recorrida.

III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida na sua integralidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça.

Porto, 21 de fevereiro de 2024
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos s signatários)
Paula Natércia Rocha
Donas Botto
Maria Joana Grácio