Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5729/09.5YYPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
CREDOR HIPOTECÁRIO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP201501135729/09.5YYPRT-C.P1
Data do Acordão: 01/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A sentença que reconhece o direito de retenção do promitente-comprador sobre imóvel hipotecado não afecta a existência, a validade e/ou a consistência jurídica do direito do credor hipotecário; apenas afecta a consistência prática/económica deste direito, na medida em que o direito de retenção é graduado à frente da hipoteca.
II - Sendo, assim, o credor hipotecário um terceiro juridicamente indiferente, aquela sentença faz caso julgado contra si, sendo-lhe oponível.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc. 5729/09.5YYPRT-C.P1 - 2ª Secção
(apelação em separado)
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Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria de Jesus Pereira
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Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Por apenso aos autos de execução instaurados, em 25/08/2009, pela B…, SA [posteriormente substituída pela habilitação da C…, SA], contra D…, SA, no âmbito dos quais foram penhorados, além de outras, as fracções autónomas designadas pelas letras “F”, “I”, “L”, “M”, “N”, “O”, do imóvel descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 3288/19881004 [freguesia de Cascais], reclamou a exequente, em 26/03/2010, o crédito de 5.528.614,60€, garantido por hipoteca sobre as ditas fracções, relativo ao capital mutuado e juros vencidos até 26/03/2010 e dos vincendos, calculados sobre o capital de 5.000.000,00€, até integral pagamento, em conformidade com o teor da escritura de abertura de crédito com hipoteca e demais documentação que então juntou.

Em 07/06/2010 foi proferida sentença de graduação de créditos que graduou o crédito da exequente em 1º lugar, imediatamente atrás das custas em dívida que gozam do direito de precipuidade.

Posteriormente, a 11/02/1013 e 08/02/2013, foram reclamados, nos termos do nº 3 do art. 865º do CPC então vigente [na redacção dada pelo DL 38/2003, de 08/03], além de outro que aqui não releva, os seguintes créditos:
E… reclamou um crédito no valor de 400.000,00€, invocando o direito de retenção relativamente à fracção autónoma designada pela letra “N”, nos termos documentados na sentença homologatória de transacção proferida em 15/01/2014, no processo nº 1163/13.0TBCSC, que correu termos no 2º Juízo Cível de Cascais, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual transitou em julgado em 19/02/2014;
F… reclamou um crédito no valor de 120.000,00€, invocando o direito de retenção relativamente à fracção autónoma designada pela letra “L”, nos termos documentados na sentença homologatória de transacção proferida em 10/01/2014, no processo nº 1132/13.0TBCSC, que correu termos no 1º Juízo Cível de Cascais, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, a qual transitou em julgado em 17/02/2014.

A exequente impugnou estes créditos alegando, basicamente, que:
● não foi citada nem interveio nos processos em que foram outorgados os termos de transacção em que os reclamantes radicam o direito de retenção que invocam [acções fundadas no incumprimento dos contratos-promessa que a promitente vendedora – a executada D… – celebrou com eles e que tiveram por objecto as indicadas fracções];
● tais termos de transacção e as sentenças que os homologaram não lhe são oponíveis, não produzindo efeitos contra si;
● o registo das hipotecas constituídas a seu favor impedia que a proprietária das fracções [a referida executada] celebrasse com aqueles os contratos-promessa que invocaram e impedia-a também de, por transacção judicial, reconhecer qualquer direito de retenção dos mesmos sobre essas fracções, direito que, aliás, não podia ser reconhecido por tal via;
● os contratos-promessa em questão são nulos porque foram simulados, pois nem a executada quis prometer vender aos reclamantes as referidas fracções, nem estes quiseram prometer comprá-las, além de que nem aquela recebeu, nem estes lhe pagaram os montantes indicados nos contratos-promessa e apenas tiveram, aquela e estes, o propósito de impedir ou dificultar a venda das mesmas e o recebimento do crédito.
Concluiu pugnando pelo não reconhecimento dos créditos reclamados e do direito de retenção invocado.

No despacho saneador proferido, em 09/05/2014, por causa das reclamações adicionais deduzidas, decidiu-se o seguinte [na parte que aqui interessa considerar]:
“(…)
Ressalvado o devido respeito por diferente opinião, pelas razões que em seguida serão apresentadas, entendemos que, nesta parte, a impugnação apresentada deverá ser desde já julgada improcedente.
Com efeito, estabelece-se no artigo 759º, nº 1, do Código Civil, que recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor, estipulando-se no seu nº 2 que o direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente.
No caso dos autos, não poderemos ignorar que os referidos créditos e respetivos direitos de retenção foram reconhecidos por sentença que transitou em julgado, sendo para este efeito irrelevante que esta seja homologatória de transação.
Acresce que, como foi decidido no douto acórdão da Relação do Porto de 21/10/2008, a sentença que reconhece a existência de direito de retenção sobre coisa hipotecada não causa prejuízo jurídico ao credor hipotecário, uma vez que não afeta a existência, a validade ou a consistência jurídica do seu direito, apesar de lhe causar prejuízo económico. Por isso, essa sentença faz caso julgado quanto ao credor hipotecário não interveniente na ação respetiva, pois este é de qualificar como terceiro juridicamente indiferente e não como terceiro juridicamente interessado. A prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca, mesmo que esta tenha sido registada anteriormente, não ofende qualquer dos princípios e valores constitucionais, como sejam o da proporcionalidade, o da igualdade e o da confiança, motivo pelo qual o art. 759 n° 2 do Cód. Civil não é de declarar inconstitucional.
No que concerne à invocada simulação, entendemos que os autos não fornecem ainda todos os elementos necessários, pelo que se relega a sua decisão para a sentença final.”
[Foram, de seguida, seleccionados os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória, para apuramento da invocada simulação na celebração dos contratos-promessa].

Inconformada com o segmento decisório que desatendeu a invocada inoponibilidade do caso julgado das sentenças homologatórias das ditas transacções judiciais, interpôs a exequente o recurso de apelação em apreço, cujas alegações culminou com as seguintes conclusões:
“1. As decisões proferidas em processos declarativos, mesmo que meramente homologatórias de transacção celebrada entre a aqui executada e os ora apelados reconhecendo a existência de direito de retenção sobre fracções penhoradas nos autos principais, e sobre as quais existiam hipotecas em favor da ora apelante registadas com anterioridade à propositura de tais acções, não constitui caso julgado oponível à aqui apelante.
2. Já que tais decisões causam à apelante um claro prejuízo juridicamente relevante, tanto mais que existia já proferida nos autos sentença de graduação de créditos, e o crédito desta se achava graduado logo a seguir ao crédito decorrente de custas devidas nos autos.
3. Sendo, por força da decisão ora recorrida, «despromovido» para terceiro lugar, atrás justamente dos créditos dos ora apelados.
4. O crédito da apelante sai assim juridicamente prejudicado por via da douta decisão recorrida, o que deveria ter levado a considerar o eventual direito de retenção como inoponível à aqui apelante.
5. Só assim justificaria, aliás, que a ora apelante, caso tivesse tido conhecimento atempado da pendência dos processos em que tais direitos de retenção foram constituídos por acordo entre a executada e os ora apelados, neles tivesse legitimidade, como seguramente tinha, para neles deduzir incidente de oposição espontânea.
6. Incidente esse que tem por pressuposto a titularidade de direito próprio, total ou parcialmente incompatível com a pretensão deduzida pelo autor (art. 333º nº 1 do CPC).
7. A douta decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos arts. 619º, 622º a contrario, 623º a contrario, 581º e 582º, todos do CPC na sua actual redacção.
Nos termos expostos, (…), deve o presente recurso de apelação ser julgado provado e procedente e, em consequência disso, ser a douta decisão recorrida revogada.”

Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. Questão a apreciar:

Face à delimitação das conclusões das alegações da recorrente, que fixam o objecto do recurso, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se o caso julgado decorrente do trânsito das sentenças que reconheceram o direito de retenção dos identificados reclamantes sobre as apontadas fracções autónomas, é ou não oponível à exequente, credora hipotecária.
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III. Factualidade relevante:

O circunstancialismo fáctico a ter em conta é o que está exarado no ponto I deste acórdão.
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IV. Apreciação jurídica:

1. Antes de apreciarmos a concreta questão suscitada pela recorrente e acima enunciada, importa determinar qual a lei processual aplicável ao caso «sub judice».
Está em causa o incidente de concurso de credores / reclamação de créditos, deduzido por apenso ao processo executivo que a ora recorrente – e também reclamante – instaurou contra a executada. Trata-se de incidente de natureza declarativa enxertado no processo executivo.
Quando foi deduzido [quer a reclamação inicial pela também exequente, quer as reclamações adicionais por parte dos ora recorridos] vigorava o CPC que regulava tal incidente nos arts. 865º e segs. [a possibilidade de serem reclamados créditos após a sentença de graduação estava especialmente prevista nos arts. 865º nº 3 e 868º nº 6]. Agora vigora o Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, que disciplina o mesmo incidente nos arts. 786º e segs. [que admite aquela reclamação adicional nos arts. 788º nº 3 e 791º nº 6].
Estabelece o nº 4 do art. 6º da Lei nº 41/2013 que “o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei”.
Da conjugação deste preceito com o art. 8º da mesma Lei resulta que o Novo CPC, por ela aprovado, só se aplica aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa, enxertados no processo executivo, que tiverem sido deduzidos depois de 01/09/2013.
Tendo o incidente aqui em apreciação sido deduzido em data anterior à acabada de referir, como se afere do exarado no ponto I deste acórdão, é-lhe aplicável o regime processual que então vigorava, ou seja, o CPC e não o Novo CPC.

2. O direito de retenção invocado pelos reclamantes adicionais é o que se encontra especialmente previsto na al. f) do nº 1 do art. 755º do CCiv., reconhecido nas sentenças homologatórias das transacções a que atrás se fez referência.
De acordo com este preceito legal, goza do direito de retenção “o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º”.
Trata-se de um direito real de garantia cujos pressupostos são: a celebração de um contrato-promessa, a convenção de «traditio» do objecto mediato do contrato prometido e o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte do promitente-vendedor.
A hipoteca é também um direito real de garantia que confere ao credor que dela é titular, e a tenha registado, o direito de ser pago pelo valor da coisa [imóvel] objecto dessa garantia, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – art. 686º nº 1 do CCiv.. O direito de hipoteca assegura, ainda, os acessórios do crédito que constem do registo, embora, quanto a juros, abarque apenas os relativos a três anos – art. 693º nºs 1 e 2 do mesmo Código.
O direito de retenção, quando recai sobre coisa imóvel, como é o caso, confere ao respectivo titular não só o direito de a não entregar, como também o de a executar nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores, prevalecendo mesmo sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente – art. 759º nºs 1 e 2 do CCiv..

O direito de retenção que os recorridos invocaram na reclamação de créditos foi reconhecido em sentenças homologatórias de termos/contratos de transacção celebrados entre eles e a promitente-vendedora [executada nos autos principais], no âmbito das acções declarativas que aqueles lhe moveram com fundamento no incumprimento, por esta, dos contratos-promessa que com ela haviam celebrado, relativamente às duas fracções atrás indicadas.
A ora recorrente não foi parte, nem interveio, nessas acções declarativas que terminaram com a prolação daquelas sentenças homologatórias, as quais transitaram em julgado.
Por isso, coloca-se a questão de saber se tais sentenças formaram também caso julgado contra a recorrente, se lhe são oponíveis; é esta a questão que vem suscitada nas doutas alegações do recurso.
Trata-se de problemática que diz respeito aos limites subjectivos do caso julgado e que não tem merecido consenso na jurisprudência.
A regra, aflorada no art. 498º, para que remete o nº 1 do art. 671º do CPC, é a da eficácia relativa, ou seja, o caso julgado apenas vincula as pessoas que, inicial ou sucessivamente, intervieram como partes na acção em que a sentença foi proferida [cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pgs. 385-386, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2001, pg. 686 e Remédio Marques, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª ed., 2011, pg. 695].
Mas esta regra comporta desvios, interessando-nos aqui os que dizem respeito a terceiros.
Quanto a estes há que distinguir os «terceiros juridicamente indiferentes» dos «terceiros juridicamente interessados».
No primeiro caso estão “as pessoas a quem a sentença não causa qualquer prejuízo jurídico quanto à existência e validade do seu direito, embora possa afectar a respectiva consistência ou o seu conteúdo. Por exemplo, o credor A, que vê diminuída a sua garantia patrimonial por motivo de B ter demandado o seu vendedor C e obtido a reivindicação e entrega de um bem que estava no património deste último: o crédito de A sobre C não se altera, mas a garantia patrimonial de C, em caso de incumprimento, passa a ser menor”. Nestas situações, a sentença faz caso julgado contra estes terceiros indiferentes.
No segundo cabem os “titulares de situações jurídicas que podem ser afectadas, na eventualidade de lhes ser oponível o caso julgado”; “situações jurídicas que podem ser extintas, modificadas ou ver impedida a sua constituição”.
Entre os terceiros juridicamente interessados distinguem-se, ainda, os «terceiros titulares de situações jurídicas independentes mas incompatíveis», os «terceiros titulares de situações jurídicas concorrentes», os «terceiros titulares de situações jurídicas paralelas» e os «terceiros titulares de situações jurídicas dependentes».
Exemplos de terceiros enquadráveis na primeira destas variantes: A instaurou uma acção de reivindicação contra B, cuja sentença reconhece a propriedade de A sobre o prédio reivindicado; C arroga-se também proprietário do mesmo prédio e não interveio naquela acção. Neste caso, aquela sentença não se impõe – não faz caso julgado – contra este terceiro, o qual pode, posteriormente, instaurar uma acção de reivindicação contra A. O mesmo acontece nos casos em que a sentença proferida em acção de preferência não foi registada, caso em que a sentença apenas faz caso julgado entre as partes.
Terceiros titulares de situações jurídicas concorrentes são, por exemplo, os comproprietários, os contitulares em comunhão hereditária, os co-titulares de direito de preferência, os sócios de sociedade comercial. Nestes casos, o caso julgado formado em acção onde só um deles intervém aproveita a todos, mas não lhes é oponível [trata-se de caso julgado «secundum eventum litis»].
Terceiros titulares de situações jurídicas paralelas são, nomeadamente, os devedores ou os credores conjuntos. Nestas situações, a eficácia do caso julgado só atinge o(s) devedor(es) ou o(s) credor(es) que foi(ram) parte(s) na acção.
Na variante dos terceiros titulares de situações jurídicas dependentes distinguem-se, ainda, os casos em que a situação de dependência é criada pela lei ou pela vontade do terceiro – casos do fiador e do titular dos bens onerados para garantir a dívida alheia -, em que a sentença proferida contra o devedor, na acção que o credor lhe moveu, não é oponível ao terceiro, embora este possa invocá-la contra o credor, desde que não respeite a circunstâncias pessoais do próprio devedor ou conhecidas pelo terceiro, daqueles em que a constituição ou a manutenção da situação jurídica do terceiro depende, por força da lei substantiva, do exercício da vontade da parte processual – por ex., no subarrendamento, na subempreitada -, em que a sentença pela qual se extingue a situação jurídica dominante atinge todas as situações jurídicas dependentes, formando caso julgado contra o terceiro dependente que não interveio na acção [seguimos, nesta sintética exposição, essencialmente, os ensinamentos de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, obr. e vol. cit., pgs. 686-687 e de Remédio Marques, obr. cit., pgs. 696-699].
Importa então saber em qual destes conceitos [e suas variantes] de terceiros se enquadra o credor hipotecário relativamente à sentença [transitada em julgado] que reconhece o direito de retenção do promitente-comprador.

Neste ponto, como já se assinalou, a jurisprudência encontra-se dividida.
Uma parte, entende que o credor hipotecário é um terceiro indiferente e que, por isso, a sentença que reconheceu o direito de retenção do promitente-comprador faz também caso julgado contra ele.
Outro segmento, defende, pelo contrário, que o credor hipotecário é um terceiro interessado, especificando, alguns arestos, que ele e o titular do direito de retenção são titulares de situações jurídicas incompatíveis.
A primeira corrente considera que o reconhecimento do direito de retenção e a correspondente baixa de lugar na graduação de créditos não afecta juridicamente o direito do credor hipotecário, na medida em que tal direito continua a ser o mesmo [a abranger o mesmo crédito e os mesmos acessórios], com o mesmo conteúdo [o âmbito da garantia mantém-se igual] e a mesma garantia hipotecária, sendo indiferente, para o efeito, que o crédito hipotecário fique afectado na ordem da graduação dos créditos, pois esta circunstância nada tem a ver com existência e/ou a validade do direito de hipoteca, bulindo apenas com a sua consistência prático-económica [decidiram neste sentido, i. a., os Acórdãos do STJ de 24/03/1992, in BMJ 415/622, de 16/03/1999, in BMJ 485/356 e de 03/06/2003, proc. 03A1432, disponível in www.dgsi.pt/jstj, desta Relação do Porto de 21/10/2008, proc. 0822499 e de 26/05/2011, proc. 395/09.0TBSJM-B.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Évora de 14/06/2012, proc. 3052/10.1TBSTR-C.E1, disponível in www.dgsi.pt/jtre].
A segunda sustenta que a sentença que reconhece o direito de retenção sobre um determinado imóvel não se limita a esvaziar o direito do credor hipotecário sobre esse bem, por ver colocar-se-lhe à frente um outro crédito, com prioridade de pagamento, reduzindo ou extinguido, igualmente, o património do executado, afectando desta forma a própria consistência do direito do credor hipotecário [neste sentido decidiram, i. a., os Acórdãos do STJ de 14/09/2006, proc. 06B2468, de 20/05/2010, proc. 13465/06.8YYPRT-A.P1.S1, de 07/10/2010, proc. 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1 e de 20/10/2011, proc. 2313/07.1TBSTR-B.E1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, desta Relação do Porto de 27/10/2009, proc. 13465/06.8YYPRT-A.P1 e de 02/06/2014, proc. 3508/09.9TBVNG-A.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Coimbra de 08/05/2007, proc. 267/04.5TBOFR-A.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc; na doutrina, Cláudia Madaleno, in A Vulnerabilidade das Garantias Reais – A Hipoteca face ao Direito de Retenção e ao Direito de Arrendamento, 2008, pgs. 190-193, também parece defender esta orientação].
O aqui relator subscreveu, como adjunto, um dos arestos do primeiro grupo [Acórdão desta Relação de 21/10/2008, aliás citado na douta decisão recorrida], defendendo que o credor hipotecário, que não foi parte na acção em que foi proferida sentença a reconhecer o direito de retenção do promitente-comprador, é um terceiro juridicamente indiferente e que, por isso, a referida sentença faz também caso julgado contra si [um dos aqui adjuntos também subscreveu, como adjunto, um outro acórdão que seguiu a mesma orientação: o Acórdão da Relação de Évora de 14/06/2012].
Continuamos convencidos que tal orientação é a correcta, pois a tese contrária, com o devido respeito, parece confundir afectação prática/económica com afectação jurídica, sendo certo que, como atrás se disse, só esta última poderia relevar para qualificação do credor hipotecário como terceiro juridicamente interessado e para o afastar da eficácia do caso julgado decorrente do trânsito da sentença que reconheceu ao promitente-comprador o direito de retenção sobre o imóvel prometido.

Regressando ao caso em apreço, entendemos que bem andou a douta decisão recorrida ao ter considerado oponível à ora recorrente, credora hipotecária, a eficácia do caso julgado resultante do trânsito das sentenças homologatórias que reconheceram o direito de retenção dos identificados reclamantes [adicionais] sobre as referidas fracções “L” e “N”.
Como tal, a ora recorrente apenas podia impugnar as reclamações dos mesmos nos termos do nº 5 do art. 866º, com referência à al. h) do art. 814º, ambos do CPC. E foi por isso – e, novamente, bem – que o Tribunal «a quo» admitiu a invocação, por parte daquela, da simulação dos contratos-promessa que estiveram na base do reconhecimento daqueles direitos de retenção e relegou para a sentença a respectiva apreciação, elaborando a pertinente base instrutória.
Improcede, assim, o recurso, sendo de confirmar a decisão recorrida.
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Sumário:
● A sentença que reconhece o direito de retenção do promitente-comprador sobre imóvel hipotecado não afecta a existência, a validade e/ou a consistência jurídica do direito do credor hipotecário; apenas afecta a consistência prática/económica deste direito, na medida em que o direito de retenção é graduado à frente da hipoteca.
● Sendo, assim, o credor hipotecário um terceiro juridicamente indiferente, aquela sentença faz caso julgado contra si, sendo-lhe oponível.
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V. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
2º) Custas desta fase recursória a cargo da recorrente, a suportar a final e em proporção correspondente a 1/10 das custas então devidas.
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Porto, 2015/01/13
M. Pinto dos Santos
Francisco Matos
Maria de Jesus Pereira