Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2343/11.9TMPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: TUTELA
CONSELHO DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RP201401162343/11.9TMPRT.P1
Data do Acordão: 01/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Além de, no processo de instituição de tutela, que é de jurisdição voluntária, o juiz poder investigar livremente os factos e não estar sujeito, nas providências a tomar, a critérios estritamente legais antes devendo adoptar a que julgar, em concreto, mais conveniente, oportuna e eficaz, na escolha e nomeação do tutor, protutor e vogais do conselho de família sobrepõe-se a qualquer outro critério o do interesse superior dos menores.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2343/11.9TMPRT.P1– 3.ª

Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 122)
Des. Dr. Trajano Amador Seabra Teles de Menezes e Melo (1º Adjunto)
Des. Mário Manuel Batista Fernandes (2º Adjunto)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO
O Ministério Público apresentou, em 17-11-2011, no Tribunal de Família e Menores do Porto, onde foi distribuído ao 2º Juízo, Processo Tutelar Comum para instauração de Tutela a B… e C….
Alegou que ambos são menores e seus pais faleceram.
Requereu que, como tutora, fosse nomeada sua tia materna D… e, para compor o Conselho de Família, a avó paterna E… e a outra tia materna F….
Entretanto, a dita D… requereu a sua nomeação provisória como tutora (fls. 13), alegando a necessidade de tratar de questões imediatas de interesse dos menores e o estreito relacionamento deles com o seu agregado familiar.
Foram juntos relatórios sociais, elaborados pelo Instituto de Segurança Social (fls. 27 a 43).
Nessa sequência, o Ministério Público propôs que, para o cargo de protutora, em substituição da avó paterna, fosse nomeada G…, madrinha dos menores.
Nos termos do despacho de fls. 49, foram nomeadas, para integrar o conselho de família, G… e F…, exercendo a primeira o cargo de protutora. Provisoriamente, ao abrigo do artº 157º, da OTM, foram os menores confiados à tia materna D….
Todas estiveram presentes na primeira reunião daquele conselho, presidida pelo Ministério Público, realizada nos termos dos artºs 1442º e sgs, do CPC, na qual foi deliberado, por unanimidade, indicar como tutora a referida tia materna D… e, como protutora, a madrinha do menor B…, G….
Pelo tio paterno (por afinidade) dos menores, H…, foi apresentada nos autos (fls. 64) exposição relativa a dinheiro e jóias encontradas na casa dos pais dos menores e despesas feitas na sequência do óbito e a pretexto de interpelação que lhe foi dirigida pela tia materna D…, após aquele despacho.
Pela avó paterna dos menores E… foi junta exposição (fls. 72) referindo o seu ponto de vista sobre a tutela e, designadamente, manifestando discordância por nem sequer fazer parte do conselho de família e requerendo a participação nele. Juntou cópia de uma outra de teor similar já antes entregue na Procuradoria da República junto do tribunal.
Pela tia paterna I… também foi entregue uma outra exposição (fls. 76), requerendo a sua participação no Conselho de Família.
Na sequência, por despacho de fls. 79, foi ordenado que o ISS, além de tentar mediar a discordância, prestasse informação complementar “tendo em vista avaliar se face ao conflito existente entre a família materna e paterna, o interesse dos menores fica salvaguardado, com o exercício do cargo de vogais do Conselho de Família, das pessoas nomeadas para o efeito” e “devendo ainda averiguar se os menores têm mantido contacto com a avó paterna ou outros familiares paternos”.
Após, veio a tia materna D… (a quem as crianças estão confiadas) expor factos relativos a bens que teriam sido deixados e requerer a convocação do conselho de família.
Conforme fls. 136 a 139, foi junta o relatório complementar elaborado pelo ISS.
De novo, a fls. 141 a 144,vieram a avó e tia paternas tecer observações sobre os dados colhidos no processo, a situação dos menores e perspectivas futuras, requerer que os menores sejam ouvidos e sujeitos a avaliação psicológica, que a avó paterna seja também ouvida, se realize a conferência entre todos já antes proposta pelo Ministério Público e que, pelo menos uma das requerentes, seja integrada no conselho de família como protutora.
Sobre o relatório e sobre este requerimento veio pronunciar-se a tia materna D… (fls. 147 a 149), manifestando-se indisponível para qualquer relacionamento com a família paterna e, na hipótese de qualquer dos seus membros integrar o conselho de família, para ser tutora ou participar neste.
Pela Mª Juíza do processo foram ouvidas, em diligência de 19-02-2013, a técnica do ISS que elaborou os relatórios e os próprios menores, conforme auto de fls. 163 e 164, que reproduz as respectivas declarações.
Por fim, com data de 31-05-2013, foi proferida sentença (fls. 167 a 171) que decidiu instaurar a tutela aos menores, nomear como tutora de ambos a tia materna D… e manteve a composição do conselho de família antes determinada.
A avó paterna E… a tia paterna I… não se conformaram e interpuseram recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações:
“a) O tribunal a quo não produziu prova relativamente a um conjunto de factos que se reputavam de essenciais para a boa decisão da causa, a saber:
Natureza da relação dos menores com a família paterna, em especial a existente até à data da morte dos pais dos menores e entrega dos menores ao cuidado do agregado familiar da tia ora nomeada tutora – tal sempre foi uma relação de grande proximidade e entreajuda;
Razões que levam à limitação no contacto entre os menores e a família paterna – tal deve-se ao facto da tutora nomeada e o seu marido impossibilitarem tal contacto.
b) O tribunal não atendeu ao requerimento feito pelas ora recorrentes, bem como ao pedido feito em sede de audição dos menores, para que estes fossem ouvidos sobre a relação que tinham com a sua avó até à morte dos seus pais;
c) Assim, deverá o tribunal ad quem, nos termos do n.º4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, anular a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à inexistência de relação entre os menores e a avó paterna, ampliando, ainda, o julgamento de forma a que seja produzida prova relativamente à relação dos menores com a família paterna, em data anterior à morte dos seus pais, bem como os motivos que levam ao afastamento atual naquela relação.
d) Nos termos do artigo 1952.º, n.º1 e n.º2, para o conselho de família devem ser nomeados parentes ou afins do menor, só podendo ser nomeada pessoa diversa no caso de ser impossível nomear aqueles;
e) Apesar dos menores terem diversos parentes que poderiam ter sido nomeados para o conselho de família, foi nomeada para este F… que não é parente nem afim dos menores;
f) Deverá, assim, tal nomeação ser revogada!
g) Com a decisão recorrida, a família paterna dos menores ficou totalmente arredada do conselho de família;
h) A tutora nomeada (e, em primeira instância, o seu marido) fizeram um ultimato infundado e abusivo, colocando à frente dos interesses dos menores os seus próprios caprichos;
i) Sabendo que a solução que mais respeita o interesse dos menores é a integração das duas linhas da família dos menores no conselho de família, mantendo a tutora nomeada a posição assumida no mencionado ultimato, deverá tal nomeação ser revogada, sendo nomeada como tutora a avó paterna ou, em alternativa, a tia ora recorrente.
j) A decisão recorrida limitou-se a constatar a indisponibilidade da tia materna D… em contactar com o lado paterno da família, não fundamentando de que forma a comunicação dos dois lados da família atentaria contra o interesse dos menores;
k) Os artigos 1952.º, n.º3, e 1955.º, n.º2, consagram, quanto à constituição do conselho de família, uma ideia de representatividade salomónica das duas linhas de parentesco do menor, que só pode ser afastada quando tal representatividade não seja possível;
l) O tribunal não fundamenta qualquer impossibilidade de que um dos vogais represente a linha paterna, já que tal impossibilidade não existe, nomeadamente no que concerne à avó ou à tia ora recorrentes;
m) As ora recorrentes sempre demonstraram interesse em integrar o conselho de família, não se antevê qualquer razão para o ultimato, ou bluff, apresentado pela tutora nomeada, a não ser uma putativa intenção de afastar o lado paterno da família da fiscalização da gestão que será feito do património que cabe aos menores – património que é de relevo;
n) Os fundamentos ensaiados (mal ensaiados, acrescente-se) pelo marido da tutora nomeada e por esta, não colocam em crise a nomeação de uma das recorrentes como protutora, vista a natureza de tal função;
o) Tal função passa, não por suprir a falta dos pais na missão de preparar os menores para a vida, mas por fiscalizar a atuação do tutor, ou seja a missão do protutor será a de representar os interesses do menor quando haja o risco de haver um conflito entre tais interesses e os interesses pessoais do tutor, bem como a de equilibrar a orientação do tutor dentro das duas linhas de parentesco.
p) É fundamental que o lado paterno da família, enquanto lado diverso relativamente à tutora, deverá estar representado como salvaguarda dos menores para proteger os interesses destes face a qualquer conflito de interesses que possa surgir, o que, no caso dos autos, pode suceder, visto o valor do património deixado pelos pais aos menores!
q) Assim, é fundamental para o interesse dos menores que uma das ora recorrentes faça parte do conselho de família, devendo, então, a avó paterna, ou em alternativa a tia ora recorrente, ser nomeada para o conselho de família, exercendo o cargo de protutora, sem prejuízo do pedido em i).
Nestes termos, deverá ser proferido Acórdão considerando a procedência do presente recurso, com as devidas consequências legais, revogando-se a douta decisão recorrida.
Assim decidindo, farão V. Exas. inteira justiça.”

Nas contra-alegações, a Tutora nomeada defendeu a confirmação do decidido, concluindo:
“As recorrentes, desde a data do falecimento dos pais dos menores, nunca demonstraram qualquer interesse pelo dia a dia destes, pelos seus encargos, pela gestão emocional destes na sequência da perda de ambos os progenitores ou por qualquer outro aspecto da vida destes que não seja do âmbito patrimonial;
É esse completo desinteresse pelos superiores interesses dos menores, bem como o comportamento supra descrito que leva a que a recorrida, taxativamente, se mostre totalmente indisponível para conviver, comunicar ou dialogar acerca da educação dos menores com a avó paterna destes, recusando-se a continuar a ser tutora daqueles se qualquer uma das recorrentes for nomeada para o conselho de família, convicta que está que as razões que fundamentam a pretensão das recorrentes se prendem com a defesa de interesses próprios em oposição aos interesses dos menores, certas que estão que o Conselho de Família, cuja reunião já foi requerida, necessariamente será chamado a tomar posição nomeadamente no que à defesa dos direitos das crianças respeita, mormente quanto ao direito aos referidos 25.000,00 € e ao imóvel supra mencionado e que tais direitos são conflituantes com a posição assumida pelos recorrentes que até agora recusaram entregar aos menores aquela quantia e que quanto à propriedade do imóvel atrás referido recusam que a mesma seja dos menores como é entendimento dominante no seio da família e que naturalmente, a recorrente, se esse for o entendimento do Conselho de Família, procurará defender.
A decisão ora posta cm crise teve em conta o quadro táctico atrás narrado e os interesses das crianças, mostrando-se a composição do Conselho de Família determinada pelo Tribunal ad quo, conforme aqueles interesses, tendo-se afastado daquele Conselho quem tem interesses conflituantes com os interesses dos menores,
Por isso, é a recorrida de entendimento que aquela decisão está correcta, não sendo merecedora de qualquer reparo.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta decisão recorrida, com o que se fará, como sempre, sã, serena e esclarecida Justiça.”
Por sua vez, o Ministério Público, também contra-alegou, concluindo assim:

“1- No entendimento das recorrentes é fundamental para o interesse dos menores que uma delas, primeiro a avó paterna e, depois, a tia paterna, faça parte do conselho de família, pois, no seu entender, sempre manifestaram interesse em integrar o conselho de família e é fundamental que o lado paterno da família, enquanto lado diverso relativamente à tutora, esteja representado como salvaguarda dos menores, para proteger os interesses destes face a qualquer conflito de interesses que possa surgir;
2- Além disso, o tribunal não produziu prova relativamente ao seguinte conjunto de factos que reputam essenciais para a boa decisão da causa, primeiro, em relação à natureza da relação dos menores com a família paterna, em especial a existente até à data da morte dos pais dos menores e entrega destes ao cuidado do agregado familiar da tia nomeada como tutora, relação que, segundo entendem, sempre foi de grande proximidade e entreajuda e, depois, às razões que levam à limitação no contacto entre os menores e a família paterna, as quais, no seu entender, reportam-se ao facto de quer a tutora, quer o marido desta impossibilitarem tal contacto;
3- Em nosso entender as recorrentes carecem de razão;
4- Considerando o que foi dado como provado da douta sentença recorrida, não se põe em causa, nem haveria razão para isso, a nomeação da tia materna dos menores, no caso, D… como tutora daqueles;
5- Em relação à composição do conselho de família, considerando o que na douta sentença recorrida, nomeadamente sob os pontos de facto nºs 6 a 9, foi dado como provado, afigura-se-nos que o interesse dos menores impunha também a nomeação da madrinha do menor B…, no caso, G…, como pro-tutora dos menores;
6- Por outro lado, sendo o presente processo de jurisdição voluntária, o julgador não está limitado por critérios puros e rigorosos de legalidade estrita e na decisão a proferir o que releva é o interesse do menor, devendo em cada caso adotar-se a solução julgada mais conveniente, pelo que, considerando o elenco dos factos provados na douta sentença recorrida, de que acima se deu conta, afigura-se não ser de deferir o solicitado pelas requerentes, no sentido de ser “produzida prova relativamente à relação dos menores com a família paterna, em data anterior à morte dos seus pais, bem como (aos) (…) motivos que levam ao afastamento atual naquela relação”;
7- Não foram violadas quaisquer disposições legais, não merecendo o recurso apresentado provimento.
Pelo exposto, não tendo sido violadas quaisquer disposições legais, somos de parecer que o recurso apresentado não merece provimento, devendo ser confirmada a douta decisão recorrida.
V. Exas, porém, decidindo, farão, como sempre, JUSTIÇA.”
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata nos autos e com efeito suspensivo.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Caso nenhuma concreta delimitação (subjectiva ou objectiva) seja especificada, pelo recorrente, ao interpor o recurso, estas devem restringir-se em função das conclusões por ele apresentadas. Sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, tais conclusões definem, pois, o thema decidendum e balizam os limites cognitivos do tribunal ad quem, sob pena de a eventual pronúncia por excesso ou por defeito ser cominada com nulidade.[1]

Já assim era no âmbito do anterior Código de Processo Civil, maxime quanto ao recurso em matéria de direito: artºs 660º, 668º, 684º, nºs 1 a 3, 684º-A, nºs 1 e 2, e 685º-A, nºs 1 e 2, CPC.

E assim continua a ser no novo, aplicável nos termos e limites decorrentes dos artºs 5º, nº 1, e 7º, nº 1 (este convenientemente interpretado), da Lei 41/2013, de 26 de Junho: artº 608º, 615º, 635º, nº 4, 636º, nºs 1 e2, e 639º.

O mesmo sucede especificamente quanto ao recurso em matéria de facto: artºs 685º-B e 712º, do Código anterior, e 640º e 662º, do actual.

Ao próprio tribunal superior se impõe que, no julgamento, como refere o artº 659º, nº 2, CPC, o relator faça “sucinta apresentação” do projecto de acórdão para votação e que, nos termos do artº 663º, nº 2, este principie pela “enunciação sucinta”, no relatório, das questões a decidir.

Daí a importância jurídica e prática das conclusões, a ponto de dever ser logo liminarmente indeferido o recurso em cujas alegações elas se não contenham ou não ser conhecido aquele em que se não corrijam as suas irregularidades: artº 641º, nº 2, b), e 639º, nº 3, do actual Código (como já decorria do anterior).

Tal como deve ser rejeitado aquele que vise impugnar a matéria de facto, mas em que não sejam observados os termos e condições para tal exigidos no artº 640º (antes, artº 685º-B).

Se, pois, tais obstáculos se não perfilarem, deve começar-se pelas questões processuais que possam implicar a absolvição da instância e segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

Não deve nem pode conhecer-se, respectivamente, das que ficarem prejudicadas pela solução dada a outras, nem das que sejam questões novas, alheias ao conteúdo do acto recorrido. E as meras razões, não integram o objecto de recurso.

Assim, neste caso concreto, as questões colocadas e que a este tribunal compete apreciar e decidir são:

a) Saber se o tribunal não considerou e devia ter considerado e, por isso, é necessário ampliar a matéria de facto respeitante ao relacionamento dos menores com a família paterna antes do óbito dos seus progenitores, designadamente:
aa) Se tal relação sempre foi de grande proximidade e entreajuda;
ab) Relação com a tia paterna I… (ora apelante);
ac) Relação com a avó paterna E… (ora recorrente).
b) Saber se o tribunal considerou insuficientemente a matéria de facto respeitante ao relacionamento dos menores com a família paterna depois do óbito dos seus progenitores, a devia ter considerado e também por isso deve ela ser ampliada, designadamente quanto a:
ba) Razões justificativas de os menores, depois disso e actualmente, não conviverem com a família paterna;
bb) Recusa dos tios maternos D… e J… em permitirem ou impossibilitarem tal convívio.
c) Saber se o tribunal não produziu qualquer prova sobre tal matéria, designadamente não atendeu aos requerimentos para que sobre ela fossem ouvidos os menores e, assim, por não constarem do processo todos os elementos probatórios que permitam a respectiva reapreciação, se deve anular-se a decisão respectiva, ao abrigo do nº 4, do artº 712º, do CPC.
d) Saber se, por não ser parente nem afim dos menores e por estes terem outros familiares que poderiam ser nomeados, a nomeação de G…, como membro do conselho de família, viola o disposto no artº 1952º, nº 2, do CC, e se, por isso, deve ser revogada.
e) Saber se a decisão recorrida não fundamenta a existência de prejuízo para o interesse dos menores adveniente da integração no conselho de família de representantes das duas linhas de parentesco em face de a tia materna D… e seu marido se manifestarem indisponíveis para comunicar com o lado paterno, inclusive com a avó paterna, e para continuar a assumir quaisquer responsabilidades pelos menores.
f) Saber se, por só a integração no conselho de família das duas linhas de parentesco (alegadamente) satisfazer o interesse dos menores mas mantendo-se a indisponibilidade daqueles, deve ser revogada a nomeação da referida D… e, então, ser nomeada tutora a avó paterna ou, em alternativa, a tia paterna (ora recorrentes).
g) Saber se não está fundamentada, nem existe, a impossibilidade de, pelo menos, um dos vogais do conselho de família e o protutor serem nomeados em representação da linha paterna e se devem sê-lo por tal ser necessário à realização do interesse dos menores.
h) Na hipótese afirmativa, saber se para qualquer uma de tais funções – vogal ou protutor –, atenta a função deste último, sem prejuízo do pedido a propósito da questão f), deve ser nomeada a avó paterna ou, em alternativa, a tia paterna (apelantes).

III. FACTOS PROVADOS

A sentença recorrida considerou relevantes para a decisão da causa, e como tal provados, os seguintes factos:[2]

“1. B…, nasceu em 24.03.1999 e B…, em 26.01.2002, sendo ambos filhos de K… e de L...;
2. Os progenitores dos menores faleceram em 02.10.2011;
3. Após o falecimento dos progenitores, os menores passaram a viver no agregado familiar dos tios maternos, D… e J…, sendo que do mesmo agregado fazem parte os três filhos de ambos;
4. Anteriormente, em vida dos pais, os menores mantinham um relacionamento de grande afectividade com os mesmos familiares, com frequência de espaços e convívios comuns;
5. A tia D… em colaboração com o seu cônjuge, tem assumido a educação/manutenção dos menores, demonstrando preocupação e cuidado relativamente aos mesmos, revelando uma atitude consistente e ponderada, face às necessidades educativas daqueles;
6. A tia materna F… e a madrinha do menor B…, G…, auxiliam o casal, mantendo um relacionamento afectivo próximo com os dois menores;
7. Não existe comunicação entre os familiares maternos e paternos dos menores, mostrando-se os tios maternos D… e J… totalmente indisponíveis para conviver, comunicar ou dialogar acerca da educação dos menores com a avó paterna destes;
8. Os menores manifestaram vontade em continuar a viver no agregado familiar dos tios maternos, D… e J…;
9. Existe um relacionamento afectivo próximo entre os elementos do agregado familiar dos tios D… e J…;
10. A tia D… exerce a profissão de professora e o tio J… a de advogado, atingindo os rendimentos mensais de ambos, o valor global de 6.480,00 euros;
11. O menor B… frequenta o M…, sendo referenciado como um aluno que revela capacidades, tem melhorado o seu desempenho e assumido uma postura tranquila e responsável, respeitando os adultos e o grupo de pares em que se encontra inserido, na estrutura escolar que frequenta, praticando basquetebol como actividade extracurricular;
12. A menor C… frequenta o N…, revela capacidades acima da média e empenho em todas as actividades que desenvolve, a nível cognitivo e lúdico, revelando uma boa integração na estrutura escolar, um comportamento adequado e sentido de responsabilidade, frequentando aulas de guitarra, ballet e violino;
13.Os menores não convivem com a avó paterna.”

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

Como resulta dos artºs 124º, 130º, 132º, 133º, 1649º, 1877º e 1961º, alíneas a) e b), do Código Civil (CC), e é sabido, a incapacidade dos menores de dezoito anos de idade e não emancipados é suprida pelo poder paternal[3] e, subsidiariamente, pela tutela.

Se é certo que tal incapacidade se refere, em primeira linha, ao exercício de direitos, não o é menos que, naturalmente, ela abrange a satisfação de outras necessidades e interesses a que, por isso mesmo, as responsabilidades parentais também visam prover: segurança, saúde, sustento, educação – artºs 1877º e sgs..[5]

Cabendo aos pais exercer tais responsabilidades, no caso de estes haverem falecido é obrigatória, para suprir tal falta, a instituição de tutela a promover oficiosamente pelo tribunal e a exercer por um tutor e pelo conselho de família, por aquele designados e sob a respectiva vigilância – artºs 1921º, nº 1, alínea a), 1923º, nº 1, 1924º, nº 1, e 1925º, nºs 1 e 2.

Além do agente do Ministério Público (seu presidente), constituem o conselho de família[6] dois vogais – artº 1951º.

Estes são escolhidos e designados pelo tribunal – artºs 1925º, nº 2, e 1952º, nº1.

Tal escolha pode recair não só entre os parentes ou afins do menor mas também entre os amigos dos pais, vizinhos ou outras pessoas que possam interessar-se por ele – artº 1952º, nº 1 e 2.

Como critérios de escolha, manda o citado nº 1 que sejam tomados em conta, “nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado pela pessoa do menor”.

Trata-se de aspectos que não podem dissociar-se nem deixar de ser ponderados e avaliados à luz do princípio fundamental consubstanciado no “interesse superior do menor” consagrado no artº 4º, alínea a), da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro[7], aplicável a todos os processos tutelares cíveis por força do artº 147º, da OTM[8], e segundo o qual se deve “atender prioritariamente” aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da “consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto”.

Não parece, pois, que do cotejo do nº 1 com o nº 2 do citado normativo resulte estabelecida uma necessária prioridade ou preferência absoluta, incondicional, pelos parentes ou afins em detrimento das demais pessoas.

Com efeito, sendo naturalmente de esperar e, por isso, de presumir que, entre os primeiros as haja em melhores condições de satisfazer os interesses do menor – e, por isso, compreensível que eles se encontrem na “primeira fila” dos candidatos –, não deixa, contudo, o legislador de admitir, em concreto, o contrário, e, por isso, de fazer depender a opção pelos parentes e afins e a escolha entre eles dos vogais do conselho de família da verificação das condições exemplificativamente apontadas no nº 1, ou outras circunstanciais, em ordem à prossecução do “interesse superior da criança”, relativamente ao qual todos os demais, ainda que respeitantes aos elos familiares, se subordinam.

Daí que nem a existência de parentes ou afins inviabilize, por si, a escolha de outras pessoas, nem a inexistência daqueles seja, sem mais, condição da opção por elas.[9]

O critério orientador fundamental da opção e da escolha radica, isso sim, no “interesse superior da criança”, de cuja garantia de satisfação podem ser indício, “nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado pela pessoa do menor”, mas, “na falta de parentes ou afins que possam ser designados nos termos” ou condições apontadas, os vogais podem ser escolhidos de “entre os amigos dos pais, vizinhos ou outras pessoas” que possam “interessar-se pelo menor”, ou seja, as que em melhores condições se encontrem para realizar o interesse da criança ou do jovem, e não o próprio ou qualquer outro estranho àquele.

Este interesse, entendido à luz do nosso tempo e erigido pelo próprio legislador de 1999 em critério orientador fundamental na tomada de decisões sobre menores, é colocado à frente e acima de todos os outros, designadamente os familiares, outrora sobrevalorizados. Na medida em que seja necessário desconsiderá-los em benefício e para realização do daqueles, devem tais interesses ceder.

Estabelecendo, por seu turno, o nº 3, do artº 1952º, que “sempre que possível”, cada um dos dois vogais deve pertencer ou representar ora a linha paterna ora a linha materna, é à luz do mesmo “interesse superior da criança” que deve aferir-se tal possibilidade e sua concretização.

Trata-se, afinal, de uma evolução iniciada no Código de 1966, então já revelada, designadamente, pela redução do número de membros do conselho de família, motivada pelo “maior afrouxamento dos laços familiares e um espelho da redução sociológica do âmbito da família”[10], continuada pelo Decreto-Lei 496/77, de 25 de Novembro, que, através de nova redacção conferida ao nº 1, do artº 1952º, deixou de distinguir os parentes, “apela com grande flexibilidade para outros factores selectivos, nomeadamente a simples proximidade do grau (como sinal presuntivo de maior afecto), as relações de amizade, as aptidões (para as exigências do cargo), a idade, o lugar de residência (em função da maior facilidade de acompanhamento da actuação do tutor), e, por último, o interesse manifestado pela pessoa do menor”[11], indo ao ponto de admitir o recrutamento entre pessoas não familiares, e que culminou na consagração constitucional dos direitos das crianças e jovens e proclamação legal do seu “superior interesse” distinto, quiçá oposto, ao da própria família.

Daí que a lei contemple precisamente a hipótese de ambos os vogais pertencerem à mesma linha de parentesco ou não pertencerem a nenhuma delas – artº 1955º, nº 3.

A constituição e o funcionamento do conselho de família estão especialmente regulados nos artºs 1017º a 1020º, do actual Código de Processo Civil (CPC).[12] Nos termos do artº 208º, da OTM, devem seguir-se esses termos, com as adaptações resultantes da aplicação do disposto nos artºs 148º a 159º, de que resulta, designadamente, a necessidade de todas as decisões se conjugarem de modo a ter em conta o interesse superior do menor e a consideração do processo respectivo como de jurisdição voluntária.

Por sua vez, o tutor, cujo cargo também é obrigatório[13], só pode escusar-se por razões legalmente tipificadas[14] e pode ser removido ou exonerado[15], quando a sua designação compita ao tribunal, é nomeado, ouvido o conselho de família e o menor que tenha completado catorze anos, “de entre os parentes ou afins do menor ou de entre as pessoas que de facto tenham cuidado ou estejam a cuidar do menor ou tenham por ele demonstrado afeição” – artº 1931º.

Qualificando tal nomeação, na sequência da Reforma de 1977, como “em regime de livre escolha do tribunal”, não deixam também Pires de Lima e Antunes Varela de assinalar a novidade então introduzida respeitante ao dever de o tribunal ouvir o menor que tenha completado catorze anos como uma “nota de flexibilidade” que deu ao regime da tutela “um rosto mais humano, mais individual, menos oficial ou burocrático”[16] e que viria a ser precursora da afirmação do direito de audição e participação (sem qualquer outro limite que não seja o imposto pela sua própria capacidade de livre discernimento) mais tarde amplamente consagrados no artº 4º, alínea i), da já citada Lei de Protecção de Crianças, aplicável ao presente processo por força do artº 147º-A, da OTM, e na linha, aliás, da Convenção de Nova Iorque de 26-01-1990, sobre os Direitos da Criança[17], que, além de adoptar o princípio de que todas as decisões “terão primacialmente em conta o interesse superior da criança” (artº 3º, nº 1), proclamou o de que os Estados “garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade”, sendo-lhe para tal fim “assegurada a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem” (artº 12º, nºs 1 e 2).

O tutor tem os mesmos direitos e obrigações dos pais, com as modificações e restrições previstas na lei quanto à prática de certos actos, alguns dependentes mesmo de autorização do tribunal, devendo exercer a tutela com a diligência de um bom pai de família – artºs 1935º.

A sua acção, além de vigiada pelo conselho de família e pelo tribunal, é fiscalizada permanentemente por um dos vogais daquele – o protutor.

Este, “sempre que possível”, deve representar a linha de parentesco diversa da do tutor – artº 1955º, nº 2 – desse modo, “reconhecendo-se implicitamente que nem sempre a solução será viável e que casos haverá, por conseguinte, em que a solução oposta será inevitável”.[18] De todo o modo, “…não é ao tribunal, mas ao próprio conselho, que incumbe escolher (por eleição) o protutor”.[19] Mas “se ambos os vogais do conselho de família pertencerem à mesma linha de parentesco ou não pertenceram a nenhuma delas, cabe ao tribunal a escolha do protutor” – artº 1955º, nº 3.

Além de fiscalizar a acção do tutor, compete ao protutor, cooperar com o tutor no exercício das funções tutelares, podendo encarregar-se da administração de certos bens do menor nas condições estabelecidas pelo conselho de família e com o acordo daquele; substituí-lo nas suas faltas e impedimentos; representá-lo em juízo ou fora dele quando os interesses do menor estejam em oposição com os do tutor – artº 1956º.

Apesar de, portanto, na nomeação e função do protutor, estar presente a ideia de equilíbrio entre as duas linhas de parentesco do menor que, em princípio, se entrecruzam no conselho de família, a verdade é que às contrapostas funções passivas de fiscalização acrescem as (mais activas e auxiliares e, assim, mais propulsoras da realização do interesse dos menores) de cooperação, substituição e representação – artº 1956º.

Tudo, portanto, mais uma vez, conflui no sentido de que os critérios ou objectivos apontados pelo legislador na escolha ou designação das pessoas para exercerem os cargos implicados pela instituição tutelar se subordinam ao fim último da prossecução do “superior interesse da criança”, em relação a estes todos se apresentando como meramente instrumentais e com ele devendo ser conformados.[20]
No âmbito tutelar cível devem ser observados, com as devidas adaptações, os princípios orientadores apontados no artº 147º-A (interesse superior do menor, urgência e precocidade na intervenção, intervenção mínima, prevalência da família, proporcionalidade e actualidade, audição do menor) e, na tramitação dos respectivos processos, como dispõe o artº 150º, as regras dos de jurisdição voluntária, uma vez que como tal considerados.

Isso significa, como decorre dos artºs 1409º a 1411º, CPC, que lhes são aplicáveis as particulares disposições previstas para os incidentes da instância nos artºs 302º a 304º, e que o tribunal, não obstante o que delas resulta, pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e só admitir as requeridas que o próprio juiz considere necessárias, e que, nas providências a tomar, ele não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo adoptar antes em cada caso concreto a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sendo as resoluções alteráveis, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias justificativas supervenientes.

Além disso, e em consonância com tal matriz, por força do artº 210º, da OTM, dado que à providência – instituição de tutela – visada pelo presente processo não corresponde nenhuma das especiais formas previstas nesse diploma, é expressamente conferido ao tribunal o poder de ordenar livremente as diligências que repute necessárias antes de proferir a decisão final.

Tal também aponta para a aplicação do princípio da equidade e amplo recurso ao do inquisitório, assumindo-se como veículo preponderante de concretização do mesmo as informações e o inquérito que o tribunal pode solicitar para fundamentar a sua decisão. Competindo a realização deste último ao Instituto de Segurança Social – artº 147º-B, da OTM –, mais uma vez daí se colhe que ao juiz é atribuído o papel principal na livre investigação dos factos e, por isso, na activa e autónoma selecção e produção das provas pertinentes, bem como uma ampla margem de liberdade na decisão da medida apenas balizada por critérios de conveniência e oportunidade e norteada pela busca e realização do superior interesse da criança, sem prejuízo da participação contraditória (mas subordinada àquele) das partes (artº 147º-E).

A natureza pública do interesse em causa e os fins que o próprio Estado constitucional e legalmente se propõe alcançar a respeito da protecção das crianças, justificam a atribuição ao juiz de tais poderes, competências e responsabilidades, em detrimento do papel dispositivo geralmente atribuído às partes no processo civil comum e do critério da legalidade.

Com efeito, como já dizia Alberto dos Reis, em processos de tal espécie, “o princípio da actividade inquisitória do juiz prevalece sobre o princípio da actividade dispositiva das partes”, “se na colheita dos factos, o juiz dispõe de largo poder de iniciativa, o mesmo sucede quanto aos meios de prova e de informação”, e “o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável”, antes “tem a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa”, funcionando “como um árbitro, ao qual fosse conferido o poder de julgar ex aequo et bono”. [21]

Não obstante tais particularidades do processo e especificidade dos interesses tratados, as sentenças ou decisões – de um incidente que seja –, em obediência ao princípio constitucional consagrado no artº 205º, nº 1, da CRP, “são fundamentadas na forma prevista na lei” desde que, como refere o artº 154º, nº 1, do CPC, visem dirimir qualquer pedido controvertido.

A estrutura e o conteúdo, pois, de uma sentença devem seguir, sempre de perto, embora com o ajuste que a natureza do caso e o tipo de processo aconselhar como adequado, o previsto no artº 607º, em que, principalmente, por óbvias necessidades de convencimento e razões de recorribilidade, a fundamentação de facto e a fundamentação de direito são indispensáveis.

É por isso que, nos próprios incidentes, e, portanto, nos processos em que, como os tutelares cíveis, o seu regime é aplicável, a própria decisão sobre a matéria de facto relevante, por força do artº 295º, deve observar, com as necessárias adaptações, o citado artº 607º, designadamente o disposto nos seus nºs 3 e 4: declarar quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que (neste caso, de entre, naturalmente, os alegados) julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

Como se escreveu no Acórdão desta Relação de 16-11-2010[22], “É, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação, precisarem de conhecer a sua base fáctico-jurídica.
Com efeito, para que não só as partes, como a própria sociedade, entendam as decisões judiciais, e não as sintam como um acto autoritário, importa que tais decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre essa força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça.
A decisão surge assim como um resultado, como a conclusão de um raciocínio, e não se compreenderia que se enunciasse unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge.
Por isso, o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito contra o arbítrio do poder judiciário.
Além do mais, a fundamentação da sentença revela-se indispensável em caso de recurso, pois na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a decisão recorrida.”

Também no de 17-03-2009[23] se entendeu: “É certo que os processos tutelares cíveis (…) são considerados processos de jurisdição voluntária (…). Mas essa simplificação de procedimentos e de menor vinculação à lei e aos critérios de legalidade não dispensam o tribunal de se pronunciar sobre as questões essenciais que relevam para a decisão da causa ou do incidente, nem o dispensam de fundamentar adequadamente a decisão, ainda que de forma mais sintética. É que a simplificação de procedimentos e a não sujeição a critérios de legalidade estrita a que aludem os arts. 1409.º e 1410.º referem-se à tramitação do processo, à livre investigação dos factos pelo tribunal e ao julgamento, mas já não aos pressupostos substanciais da decisão.”

Assim como, em contraponto, no de 14-06-2010[24], não deixou de se observar: “Os processos tutelares cíveis são considerados como de «jurisdição voluntária», e, por isso, não estão sujeitos a critérios de legalidade estrita, o que permite ao juiz usar de alguma liberdade na condução do processo e na investigação dos factos, adoptando em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, seja para coligir oficiosamente provas que repute essenciais às finalidades concretas do processo, seja para prescindir de actos ou de provas que repute inúteis ou de difícil obtenção e, neste sentido, incompatíveis com o superior interesse da criança a uma decisão em tempo razoável.”

Deve, pois, apesar de tudo isso, o tribunal, para necessária segurança, prestígio, confiança, credibilidade e indispensável autoridade do seu juízo, bem como para garantia de análise e impugnação em caso de não convencimento do resultado pelos respectivos destinatários, ancorar-se em sólida fundamentação, principalmente de facto, ainda que ela seja sumária, mas sempre clara, precisa e objectiva.
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É, pois, na perspectiva de um tal quadro substantivo e adjectivo que, ponderando as assinaladas e específicas peculiaridades dele emergentes relativas ao interesse em causa e à tramitação do processo, devem ser apreciadas as questões suscitadas pelo recurso.
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Quando a Relação repute como “deficiente” a “decisão sobre pontos determinados da matéria de facto” relevante para a boa decisão da causa segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis[25] ou (por ser insuficiente a decidida) “indispensável a ampliação” da matéria de facto (alegada ou de investigação oficiosa) e caso não constem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a), do nº 1[26], permitam a sua reapreciação, pode anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida em 1º instância – artº 712º, nº 4, do anterior CPC.

Tal regime manteve-se, formulado em idênticos termos, na alínea c), do nº 2, do artº 662º, do actual CPC. Porém, uma vez que deixou de existir a base instrutória e, portanto, “respostas” aos respectivos quesitos, a deficiência deixou de se reportar a estas, compreendendo a “falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, enquanto que a insuficiência e consequente necessidade de ampliação passou a referir-se à situação em que tenham “sido omitidos dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelem essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”.[27]

“Todavia, considerando que a reavaliação da pertinência é feita agora pela Relação, a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da decisão da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele indispensável. Não basta que os factos tenham conexão com algumas das «soluções plausíveis das questões de direito». Considerando a fase em que agora nos encontramos, a Relação deve ponderar o enquadramento jurídico em face do objecto do recurso ou de outros elementos a que oficiosamente puder atender…. Por outro lado, tal como sucede com as anteriores situações, a anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se do processo não constarem todos os elementos probatórios relevantes.”[28]

Posto isto e sem nunca se esquecer que o objectivo último deste processo tutelar não é promover o relacionamento entre a família materna e a paterna nem sequer a participação plural de membros de ambas as linhas no exercício da tutela dos menores – embora aqueles sejam desejáveis se e enquanto se mostrem capazes de, pelo compromisso dos seus membros, contribuir para a busca do interesse superior dos menores – mas antes alcançar e garantir primacialmente a realização deste, comecemos, para depois responder às questões elencadas, por atentar no que os próprios visados manifestaram.

Assim, no relatório social, datado de 16-02-2012, elaborado pelo IRS, junto aos autos de fls. 31 a 34, a tia materna F… realçou, perante a respectiva técnica, Drª O…, que a vontade de ambos os menores é continuarem a integrar o núcleo familiar dos tios maternos (D… e J…), sob a orientação destes quanto ao seu processo educativo, estabelecer laços afectivos com aqueles e respectivos primos, uma vez que já era normal a frequência de espaços e convívios comuns em vida dos seus progenitores.

No relatório social de fls. 35 a 43, da mesma data e elaborado pela mesma técnica, no capítulo intitulado “dados relativos às crianças”, consta que “Nos contactos que estabelecemos com os menores estes são unânimes em dizer que pretendem continuar neste núcleo familiar, revelando relacionamento afetivo de proximidade com todos os elementos, falam de G… com dedicação afirmando que é ela que os ajuda a estudar, em especial ao B…, situação que já existia em vida dos progenitores”.

No relatório social complementar de fls. 135 a 139, datado de 18-12-2012, G…, madrinha de um dos menores, realçou também que a vontade destes é estabelecer laços afectivos com os tios maternos e respectivos primos, e reafirma-se que, nos contactos com eles estabelecidos, eles “são unânimes em dizer que pretendem continuar neste núcleo familiar” nos mesmos termos e pelas mesmas razões já expressas no anterior relatório.

Na diligência judicial efectuada em 19-02-2013 (acta de fls. 163 e 164), a referida técnica social (que acompanhou e averiguou o caso) exprimiu, de viva voz, perante a Mª Juíza do processo e advogados de ambas as “partes”, que, “Relativamente à avó paterna e à tia I… os menores verbalizam não querer ter convívios com eles”, manifestando o seu entendimento de que os mesmos “não estavam instrumentalizados” e adiantando até as razões concretas (ali expressas) para crer que é esse “o sentimento que efectivamente demonstraram”.

Por sua vez, na ocasião, a menor C…, então com 11 anos, declarou “que pretende continuar a viver com os seus tios e primos entendendo que a sua situação deverá continuar como até aqui”, enquanto que o seu irmão B…, na altura com 13 anos, declarou que “pretende continuar a viver com os tios maternos e primos com quem vive mantendo com estes uma boa relação” e acrescentou que “entende que junto da demais família não havia melhor alternativa para ele e para a irmã”.

Ora, com 11 e com 13 anos de idade (o B… abeira-se, agora, dos 15!) quem melhor que os próprios menores, face às circunstâncias que os rodeiam (de que mostram ter plena consciência) e aos problemas que se entrecruzam relativamente ao seu destino (não só relativos à sua segurança, conforto, bem estar, crescimento, formação e educação mas também ao eventual património hereditário sobre cuja perseguição e defesa a família paterna e materna se digladiam) pode, fundadamente, dizer ou decidir sobre qual a solução que melhor realiza os seus superiores interesses, senão eles?

Manifestam, ambos e reiteradamente, a vontade de querer continuar a desfrutar do relacionamento afectivo, existente já antes da morte dos seus progenitores, com os tios paternos e respectivos primos (de idades próximas) e da entreajuda que a tia F… e a madrinha G… lhes dispensavam e que culminou no efectivo e total acolhimento (pelo menos de início, consensual, note-se!) que logo após aquele infeliz acontecimento lhes foi propiciado no seio daquele núcleo familiar e em torno do qual se consolidou aquela ligação e congregaram auxílios.

Verbalizaram não querer ter convívios com a tia I… e com a avó paterna (apelantes).

E entende mesmo o B… que, junto da demais família, não havia melhor alternativa para ele e para a irmã.

Não emerge dos autos qualquer indício de que a sua vontade não seja livre e consciente, esteja por qualquer motivo condicionada ou influenciada ou não tenha sido adequada e credivelmente exprimida. Pelo contrário: manifestaram-na perante a técnica social e, em tribunal, perante juíza do processo e advogados; asseverou-a aquela como real, referindo motivos concretos para garantir que eles “não estavam instrumentalizados” (fls. 163).

Aliás, o afastamento de que as apelantes ora se queixam dos menores em relação à família paterna como pretenso motivo de supostos e vagos “constrangimentos” nem sequer foram referidos ao longo dos autos. A avó paterna, (cfr. fls. 27 a 30) quando ouvida pelo ISS, reconheceu que os menores estavam bem cuidados e mostrou-se conformada com a situação. Sendo certo que o acolhimento no seio da família materna ao cuidado dos tios D… e J… foi, no princípio, consensual, o afastamento (até certo ponto inevitável) desde 02-11-2011 (data do falecimento dos progenitores) foi pela avó paterna (fls. 72) atribuído àquela situação objectiva e não a qualquer interferência subjectiva. Os representantes dos colégios frequentados pelos menores, auscultados pela técnica do ISS, desmentiram clara e categoricamente a alegada proibição de aquela e os demais membros da família paterna ali os contactarem. No requerimento que as apelantes juntaram a fls. 141 a 144 dos autos nada a tal específico propósito referiram. Nunca, pois, foi afirmada a existência de qualquer recusa por parte do casal de tios paternos em propiciar qualquer contacto ou convívio, nem é legítimo extrapolar, a partir da inexistência de comunicação (reciprocamente inviabilizada a partir da emergência das questões patrimoniais) entre os dois ramos da família, qualquer obstáculo, como ora ex novo as apelantes pretendem insinuar, esgrimindo com a abstracta ou apenas retórica alusão a “constrangimentos” e “motivos” sem sequer, quanto a isso, alegarem quaisquer factos que lhes dêem consistência real e concreta.

É sintoma, de resto, que o problema não reside na relação pessoal, mas em interesses de outra índole, o facto de, com outros membros da família paterna haver ligações dos menores (cfr. fls. 135 e 139) e de estas se terem inviabilizado, apenas, quanto à avó e tia I…, casada com o exponente (fls. 65) H… (precisamente aqueles a quem são referidas a posse de 25.000€ e a titularidade de um imóvel que teriam pertencido ao defunto casal, situação com que os tios paternos se não conformam).

Se a vontade expressa pelos menores pudesse, pois, constituir garantia bastante de que com ela coincide o seu “superior interesse”, acabar-se-iam aqui os problemas a resolver quanto à composição do conselho de família e à tutela. Restaria observá-la e com ela conformar as soluções.

Admitindo, contudo, que assim não seja e que, portanto, na descoberta e definição daquele, atenta a sua juventude e circunstâncias que os rodeiam, há espaço para outros contributos, vejamos as demais provas produzidas e factos delas resultantes.

O primeiro e certamente o mais próximo, genuíno, espontâneo e preocupado com os reais interesses dos menores, provém precisamente da avó paterna do menor, E… (apelante), trazido aos autos por via do relatório social de fls. 27 a 30. Colhido em 16-02-2012 (o falecimento dos progenitores ocorrera em 02-10-2011), ele afigura-se-nos clara e seguramente isento, não afectado ainda pela falta de entendimento com os parentes maternos dos menores e pela crescente efervescência que o desenrolar do processo provocou e bem patente na diferença de tom e postura entre o que ela disse à técnica e, depois, alegou nos requerimentos de fls. 72 e 141 a 144.

Embora aí refira que gostaria que os netos integrassem o seu agregado familiar e se disponibilize para integrar o conselho de família como protutora, a dita avó (nascida em 15-01-1938 e, portanto, hoje com 76 anos; viúva e a viver só) reconhece (apesar da incompatibilidade já então assinalada e imputada ao pretenso impedimento que pelos tios maternos teria sido determinado de visitar os netos no colégio mas pelos respectivos responsáveis desmentido) que estes estão a ser bem cuidados no núcleo familiar de D… e J…; que G… madrinha do B…, é pessoa idónea e figura que estabelece relacionamento afectivo próximo com os netos e que já era esta quem, em vida dos progenitores, custeava a mensalidade do colégio dos menores; que esta esteve também presente numa reunião das famílias paterna e materna realizada após o falecimento dos progenitores; que nessa reunião ficou acordado que os menores integrariam o agregado familiar dos aludidos tios maternos; que aí ficou acordado entregar 600€/mês para ajuda das despesas das crianças, mas só pagou uma (a pretexto de alguém – estranhamente não identificado – lhe ter dito que o colégio se encontrava pago até final do ano lectivo, o que por este também foi desmentido).

Daí resulta, portanto, que, além de nenhuma reticência ter sido suscitada quanto ao papel dos tios maternos e da madrinha do B…, foi espontâneo e consensual o reconhecimento e consequente acordo no sentido de que os menores ficassem confiados aos cuidados daqueles bem como o activo e significativo compromisso de a avó contribuir com os 600€ mensais para as despesas deles.

Assim como resulta não ter ela continuado a contribuir com a referida quantia, estando na origem desta, nos desentendimentos sobre o projecto educativo (que reconheceu não coincidir com o desejado pelos tios maternos) e na alegada existência de bens dos progenitores falecidos em nome de terceiras pessoas, a causa da recíproca rejeição de quaisquer contactos entre os dois ramos da família e que nem o ISS, apesar de o ter tentado por sugestão do tribunal, conseguiu remover.

Surpreende-se, pois, nesta prova, já com clareza, que, mais do que saber quem deve ser nomeado e exercer as funções dos órgãos de tutela e ainda que ao arrepio da reconhecida capacidade e mérito para eles serem confiadas aos elementos da família materna ou a esta afectos, o que, no fundo e realmente, afasta os dois ramos da família são razões de natureza individual, quiçá material, alheias ao interesse dos menores.

Do relatório social de fls. 31 a 34, respeitante à tia materna F…, além das suas condições pessoais e ligações com os tios paternos dos menores e G… e relacionamento afectivo (recíproco) com aqueles, resulta a sua indisponibilidade para quaisquer contactos com a família paterna, a sua sintonia com a família materna, concordância com a situação dos menores e projecto daqueles tios para estes e vontade de apoiar a realização do mesmo. Confirmou também o papel (afectivo e material) da referida G… já antes do óbito.

Do relatório social de fls. 35 a 43, relativo à tia materna D…, além das suas condições pessoais, familiares, profissionais e materiais, resulta a sua disponibilidade para assumir, juntamente com seu marido, as responsabilidades quanto aos menores, salienta o relacionamento anterior, mormente entre aqueles e seus próprios filhos (todos a frequentarem o mesmo Colégio), defende que a estes devem ser propiciadas as mesmas condições que tinham em vida dos pais, confirma a reunião havida, acordo nela firmado, incumprimento pela avó paterna, indisponibilidade para quaisquer contactos com família paterna e pugna por que seja G… a desempenhar o cargo de protutora.

Resulta ainda esclarecida a divergência quanto ao projecto educativo dos menores (a avó pretende retirá-los da escola que frequentam e não valoriza as actividades extracurriculares de que beneficiam: basquetebol (B…), guitarra, ballet e violino (C…), bem como a posição dos menores sobre o seu futuro.

Do requerimento de fls. 45 resulta manifestada pelo tio materno (J…) a disposição de que nem ele nem a esposa (D…) aceitarão integrar o conselho de família alegadamente porque a avó paterna não cumpriu o acordo de entrega dos 600€ e ficou com os 25.000€ encontrados na casa de morada de família dos falecidos progenitores.

Do requerimento de fls. 64 e 65, subscrito por H…, marido da tia paterna I…, resulta confirmada a posse, por ele, dos 25.000€ descobertos na casa dos pais dos menores (juntamente com relógios, ouro e jóias), a recusa de entrega de tal quantia (apesar de solicitada por necessária para custear as despesas dos menores) – a pretexto de aguardar a definição da tutela, de que os tios paternos “são pessoas de sobejos rendimentos e com superior estabilidade económica, não sendo necessário apoio monetário específico” (como se o património deles respondesse pela satisfação das suas necessidades!) e de que o responsável do colégio informou que se dispunham a aguardar pela decisão do tribunal quanto à tutela para depois fazerem contas (a avó paterna justificou a não continuação da entrega dos 600€ com o argumento, diferente, de que aí foi informada que o colégio estava pago!) –, bem como a reunião havida em 07-10-2011.

Dos demais requerimentos (fls. 72, 74, 76, 82, 141 a 144 e 147 a 149), resulta que os menores desde o falecimento dos progenitores não convivem com os tios e avó paternos, a diferente perspectiva sobre o relacionamento anterior à morte e capacidades de cada um, as divergências entre os dois ramos da família dos menores sobre as questões materiais (contributo e titularidade dos bens) e queixas recíprocas, bem como a persistência em não comunicarem entre si.

Salientando-se que haviam já sido inquiridos pelo ISS a avó paterna E…, a tia materna F…, os tios maternos D… e J…, os menores B… e C…, a madrinha daquele G…, docentes e directores dos colégios P…, Q… e S…, do relatório social complementar constante de fls. 135 a 139, datado de 18-12-2012, elaborado pela mesma técnica, resulta ainda que, além de terem voltado a sê-lo aqueles, o foram também os tios paternos I… e H… e T…, enteada da tia paterna U…. Nele são confirmadas a situação dos menores, relacionamentos, as posições e as divergências anteriormente manifestadas, salienta-se que foi feita tentativa de entrevista conjunta com familiares maternos e paternos mas que, quer uns quer outros, não aceitaram, reafirma-se a posição dos menores e noticia-se que estes (unicamente) têm vindo a conviver e mantêm contactos com a filha do cônjuge da tia paterna U… e participaram na festa de aniversário do marido desta (pai daquela), referindo a mesma que lamenta as atitudes da avó E… para com os menores e família materna e que já a lhe disse várias vezes que é sua obrigação ajudar as crianças uma vez que os bens que ela se encontra a gerir eram do progenitor delas.

Por último, da diligência documentada pela acta de fls. 163 e 164 resultam as declarações da técnica Drª O… e dos menores já acima evidenciados.

Perante tudo isto, e sendo certo que quer a avó paterna E… quer a tia paterna I… (as apelantes) haviam, nos seus requerimentos de 11-04-2012 (fls. 72 e 76), alegado, a primeira, que desde o nascimento do B… sempre “acompanhou e ajudou económica e financeiramente, através de todos os meios de que dispunha…com os seus próprios rendimentos e património” o casal defunto e os dois filhos menores “através do fornecimento dos meios de subsistência mais básicos e todo o apoio possível”, e, a segunda, que “sempre acompanhou o seu irmão e paralelamente conheceu o desenvolvimento dos seus sobrinhos, tendo participado em vários trabalhos do Colégio sempre que solicitada” e “mais recentemente tratou do seu acompanhamento junto da Terapeuta da Fala e psicólogos no seu local de trabalho, face a algumas manifestações problemáticas, no desenvolvimento do B… e de sua cunhada L…” e, ainda (fls. 141 a 144), que a relação com os tios maternos “só se iniciou com a morte dos pais dos menores, sendo praticamente inexistente até àquela data” e que a relação com a avó paterna “existe desde longa data, tendo aquela desempenhado um papel fundamental na educação dos menores”, não se nos afigura correcta a afirmação de que o tribunal não considerou o relacionamento dos menores com a família paterna antes do óbito dos seus progenitores.

Desde logo porque, ouvidas as apelantes pela técnica social, nada, em tal oportunidade, estas lhes referiram quanto a tais alegações. Depois, porque estas se revestem de uma tal vaguidade e abstracção de todo injustificativa de qualquer investigação adicional útil. Também porque, afinal, contrariadas cabalmente pelo efectivo relacionamento anterior próximo com o núcleo familiar materno e madrinha em termos até excludentes do por aquelas alegado ou, pelo menos, de intensidade e efectividade bem superiores.

Com efeito, admitindo-se que algum relacionamento houvesse, natural e compreensivelmente promovido equilibradamente pelo pai dos menores (afinal, a tia materna reconhece que a casa de família está em seu nome, mas a familiares paternos vem imputada a titularidade de outros bens daquele) e protagonizado pela família do seu lado, jamais ele supera o propiciado pela família materna, designadamente o resultante do convívio com os primos de idades semelhantes (também colegas no mesmo colégio) e pela ajuda concreta prestada pela tia F… e pela madrinha G….

Sendo de reduzido interesse, pois, o passado, relativamente aos interesses presentes e futuros dos dois menores, só não se conformando a avó e tia paterna com a sua situação e destino, relevando a vontade destes em não conviver com esses parentes, o seu entendimento de que dali não viria melhor alternativa para ambos e satisfação com a situação presente e a futura a partir daquela perspectivada, crê-se que, em face dos condicionalismos e regras particulares deste tipo de processos, não era de exigir que o tribunal recorrido levasse mais longe a sua investigação mediante a produção de mais prova sobre a dita matéria.

O que dela resultasse nenhuma utilidade traria para as decisões quanto à tutela, à composição do conselho de família e nomeação do protutor. Aliás, mesmo que, para salvaguardar a participação das duas linhas de parentesco, se encontrassem motivos para chamar a avó E… ou a tia I… ao desempenho de qualquer cargo, não pode esquecer-se que isso implicaria introduzir no funcionamento da tutela, mormente no palco do conselho de família, a luta e a discórdia já patentes (e que se agudizarão com a previsível discussão da titularidade e reivindicação dos bens) entre os membros das duas linhas de parentesco, com reflexo prejuízo nos interesses dos menores cuja realização passa pela indispensável cooperação, auxilio e entreajuda em ambiente de serenidade.

E sendo certo embora que a posição peremptória da tia materna, ao afirmar-se totalmente indisponível para não exercer qualquer cargo conjuntamente com a avó e tia paternas, com quem inexiste qualquer possibilidade de comunicação (reciprocamente assumida), não tem acolhimento legal por não integrar qualquer dos fundamentos de escusa previstos no artº 1934º, do CC, e que um tal radicalismo pode ser, à primeira vista, entendido como altaneiro, ofuscante do interesse dos menores e propiciador da acusação de caprichoso (o que seria lamentável!), a verdade é que o seu compromisso partiu e assentou num acordo inicial, quer quanto à atribuição do encargo de cuidar dos menores quer quanto à contribuição para as suas despesas, que acabou por não ser respeitado, há divergências quanto à educação dos menores cuja razão (concede-se) parece estar do seu lado e abona a sua posição e, enfim, se instalou, manifestamente por questões patrimoniais que tocam às crianças, uma impossibilidade de comunicação cujo transporte para o exercício da tutela e funcionamento dos respectivos órgãos é indesejável e necessário impedir por forma a garantir-lhes a reivindicada harmonia, serenidade, bom relacionamento e entreajuda que só a participação da tia F… e a madrinha G… garantem, ainda que à custa do afastamento da linha paterna, para levar a bom porto a educação de cinco “filhos” (três próprios e os dois sobrinhos) de idades próximas.

Com tudo isto, não se quer dizer que, segundo o nosso entendimento, não resultem dos elementos de prova constantes dos autos e que basearam a decisão outros factos relevantes e necessários para a aferir da sua sustentabilidade. Há-os e, por isso, oficiosamente, sem necessidade de anulação da decisão da matéria de facto, deve esta ser alterada, considerando-se à mesma aditados, ao abrigo do artº 712º, nº 1, do anterior CPC, e 662º, nº 1, do actual, mais os seguintes:

-Os menores verbalizaram, perante a técnica do ISS que acompanhou, averiguou o caso e elaborou os relatórios juntos, não querer ter convívios com a tia paterna I… e avó paterna E… (apelantes).
-O menor B… manifestou, em 19-02-2013, perante a Mª Juíza do processo, o entendimento de que, junto da demais família paterna, não havia melhor alternativa para ele e para a irmã.
-A avó paterna E… (apelante) nasceu em 15-01-1938, é viúva e vive só.
-A tia materna D… nasceu a 27-04-1967 e tem 3 filhos menores de idades próximas da do B… e C….
-A tia materna dos menores F… nasceu em 25-12-1954, é solteira, professora, mora sozinha, comunga das ideias dos tios maternos D… e J… quanto ao destino e educação daqueles e afirma-se indisponível para qualquer contacto com a avó paterna.
-G… ainda em vida dos progenitores dos menores custeava a mensalidade do colégio destes.
-Em reunião entre as famílias paterna e materna, realizada no dia 07-10-2011, e em que também participou G… (madrinha do B…), ficou acordado entre todos que os menores integrariam o agregado familiar dos tios maternos D… e J… e que a avó paterna lhes entregaria 600€/mês para despesas daqueles.
-A avó paterna só uma vez contribuiu com esta quantia.
-O falecido pai dos menores, no âmbito de problemas judiciais com que se defrontou, colocou bens de que era dono em nome de terceiras pessoas, o que, segundo declarou a tia materna D… aconteceu com a casa que foi morada de família daqueles, que está registada em seu nome.
-Enquanto a família materna alega que os 600€ mensais prometidos pela avó paterna eram provenientes da renda de um imóvel pertencente ao pai dos menores mas registado em nome de um sobrinho daquela, aquela defende que esse dinheiro era seu e do sobrinho.
-A família paterna nega que haja qualquer bem da herança registado em nome de algum elemento da família desse ramo.
-Numa visita à casa que foi morada de família dos progenitores dos menores, foi lá encontrada a quantia de 25.000€ em dinheiro, então guardada pela marido da apelante I… (H…) e que estes não entregaram aos tios maternos, apesar de para tal interpelados depois que os menores lhe foram judicialmente confiados.
-Enquanto que os tios maternos dos menores, D… e E…, defendem que aqueles devem continuar a frequentar o mesmo colégio e as mesmas actividades extracurriculares de que já beneficiavam em vida dos pais, a avó paterna pretende dali retirá-los e não valoriza tais actividades.
-Os menores não convivem, desde o falecimento dos pais, com a tia paterna I….
-Os menores têm convivido com o núcleo familiar da tia paterna U….

Contudo, pensando-se sempre no “interesse superior dos menores”, conclui-se que, da diversidade de meios de prova produzidos e da factualidade apurada, resulta que não é necessário ir mais além no apuramento do relacionamento anterior deles com a família paterna, designadamente com a tia I… e com a avó E…, assim como na investigação de (eventuais) razões (apenas abstracta e sugestivamente apontadas à conduta dos tios paternos) de com aquelas, posteriormente ao óbito dos pais, eles não conviverem.

Os próprios menores afirmaram não querer tal convívio!

Ainda neste contexto, diga-se que não é correcta a afirmação de que o tribunal não produziu qualquer prova sobre tal matéria. Foram ouvidos, pela técnica social, os principais protagonistas de ambos os “lados”. Foram ouvidos, pela mesma e pelo tribunal, os próprios menores, naquele caso concretamente quanto à relação com a avó paterna e quanto a alternativas para o seu futuro. Nada consta na acta da diligência em causa – cuja veracidade não vem questionada – sobre o pretenso requerimento aí feito e recusado pela Mª Juíza. E mesmo a ter sido assim, tal despacho (interlocutório) não foi oportunamente impugnado, nos termos do artº 691º, nºs 2, alínea i), e 5, do CPC, então vigente. De qualquer modo, a verdade é que nenhuma razão se aduz nem vislumbra para, face às diligências feitas e elementos recolhidos, se repetir tal audição.

Assim sendo, não se vislumbram motivos para proceder à anulação da decisão sobre a matéria de facto e ordenar a ampliação desta nos termos pugnados pelas apelantes, com o que devem improceder as questões das alíneas a), b) e c), restando, outrossim, reformular o elenco dos factos provados, que ficará deste modo ordenado:

1. B…, nasceu em 24.03.1999 e C…, em 26.01.2002, sendo ambos filhos de K… e de L…;
2. Os progenitores dos menores faleceram em 02.10.2011;
3. Após o falecimento dos progenitores, os menores passaram a viver no agregado familiar dos tios maternos, D… e J…, sendo que do mesmo agregado fazem parte os três filhos de ambos;
4. Anteriormente, em vida dos pais, os menores mantinham um relacionamento de grande afectividade com os mesmos familiares, com frequência de espaços e convívios comuns;
5. A tia D… nasceu em 27-04-1967 e aqueles seus três filhos têm idades próximas da do B… e da C…;
6. Essa tia exerce a profissão de professora e o tio J… a de advogado, atingindo os rendimentos mensais de ambos, o valor global de 6.480,00 euros;
7. Tal tia, em colaboração com o seu cônjuge, tem assumido a educação/manutenção dos menores, demonstrando preocupação e cuidado relativamente aos mesmos, revelando uma atitude consistente e ponderada, face às necessidades educativas daqueles;
8. Existe um relacionamento afectivo próximo entre os elementos do agregado familiar dos tios D… e J…;
9. A avó paterna E… (apelante) nasceu em 15-01-1938, é viúva e vive só;
10. A tia materna F… nasceu em 25-12-1954, é solteira, professora, mora sozinha, comunga das ideias dos tios maternos D… e J… quanto ao destino e educação daqueles e afirma-se indisponível para qualquer contacto com a avó paterna;
11. G…, madrinha do B…, ainda em vida dos progenitores dos menores, custeava a mensalidade do colégio destes;
12. A tia F… e a madrinha G… auxiliam B… e J…, mantendo um relacionamento afectivo próximo com os dois menores;
13. Os menores não convivem, desde o falecimento dos pais, com a tia paterna I…;
14. Os menores não convivem com a avó paterna;
15. Os menores verbalizaram, perante a técnica do ISS que acompanhou, averiguou o caso e elaborou os relatórios juntos, não querer ter convívios com a tia paterna I… e avó paterna E… (apelantes).
16. Os menores têm convivido com o núcleo familiar da tia paterna U…;
17. Os menores manifestaram vontade em continuar a viver no agregado familiar dos tios maternos, D… e J…;
18. O menor B… manifestou, em 19-02-2013, perante a Mª Juíza do processo, o entendimento de que, junto da demais família paterna, não havia melhor alternativa para ele e para a irmã.
19. Não existe comunicação entre os familiares maternos e paternos dos menores, mostrando-se os tios maternos D… e J… totalmente indisponíveis para conviver, comunicar ou dialogar acerca da educação dos menores com a avó paterna destes;
20. Em reunião entre as famílias paterna e materna, realizada no dia 07-10-2011, e em que também participou G… (madrinha do B…), ficou acordado entre todos que os menores integrariam o agregado familiar dos tios maternos D… e J… e que a avó paterna lhes entregaria 600€/mês para despesas daqueles.
21. A avó paterna só uma vez contribuiu com esta quantia.
22. O falecido pai dos menores, no âmbito de problemas judiciais com que se defrontou, colocou bens de que era dono em nome de terceiras pessoas, o que, segundo declarou a tia materna F… aconteceu com a casa que foi morada de família daqueles, que está registada em seu nome.
23. Enquanto a família materna alega que os 600€ mensais prometidos pela avó paterna eram provenientes da renda de um imóvel pertencente ao pai dos menores mas registado em nome de um sobrinho daquela, aquela defende que esse dinheiro era seu e do sobrinho.
24. A família paterna nega que haja qualquer bem da herança registado em nome de algum elemento da família desse ramo.
25. Numa visita à casa que foi morada de família dos progenitores dos menores, foi lá encontrada a quantia de 25.000€ em dinheiro, então guardada pela marido da apelante I… (H…) e que estes não entregaram aos tios maternos, apesar de para tal interpelados depois que os menores lhe foram judicialmente confiados.
26. Enquanto que os tios maternos dos menores, D… e J…, defendem que aqueles devem continuar a frequentar o mesmo colégio e as mesmas actividades extracurriculares de que já beneficiavam em vida dos pais, a avó paterna pretende dali retirá-los e não valoriza tais actividades.
27. O menor B… frequenta o M…, sendo referenciado como um aluno que revela capacidades, tem melhorado o seu desempenho e assumido uma postura tranquila e responsável, respeitando os adultos e o grupo de pares em que se encontra inserido, na estrutura escolar que frequenta, praticando basquetebol como actividade extracurricular;
28. A menor C… frequenta o N…, revela capacidades acima da média e empenho em todas as actividades que desenvolve, a nível cognitivo e lúdico, revelando uma boa integração na estrutura escolar, um comportamento adequado e sentido de responsabilidade, frequentando aulas de guitarra, ballet e violino.
*
Perante tal quadro fáctico, afrontemos as demais questões suscitadas.

Relativamente à composição do conselho de família, discorreu o tribunal a quo:

“Em concreto, quanto à integração de elementos da família paterna no conselho de família, afigura-se-nos que tal não coincide com a salvaguarda do interesse dos menores, uma vez que não existe comunicação entre os familiares maternos e paternos dos menores, mostrando-se os tios maternos D… e J…, totalmente indisponíveis para conviver, comunicar ou dialogar acerca da educação dos menores com a avó paterna destes e inclusivé, a primeira, para continuar a assumir os cuidados dos menores e o cargo de tutora destes, em tal hipótese. Por outro lado, ficou assente que a tia materna F… e a madrinha do menor B…, G…, auxiliam os mesmos tios maternos, mantendo um relacionamento afectivo próximo com os dois menores.”

A este propósito, defendem as apelantes que, por não ser parente nem afim dos menores e por existirem outros familiares, mormente do lado paterno, que poderiam ser nomeados, a nomeação de G…, como membro do conselho de família, viola o disposto no artº 1952º, nº 2, do CC, e, por isso, deve ser revogada.

Será assim?

Já acima se manifestou e justificou o entendimento de que, apesar da letra do normativo em causa apontar para os parentes ou afins do menor, o critério de escolha que do seu espírito brota como realmente decisivo é o do “interesse superior dos menores”.

Ora, a G… é madrinha do B…. Em concreto, é patente que tal relação é para ele, afectivamente, mais forte e gratificante do que a que, ele e a irmã, têm (e não desejam) com as apelantes. Aliás, do ponto de vista social (para já não se falar do religioso que está na base de tal designação), a madrinha escolhida pelos pais comunga com estes e afilhado uma peculiar “familiaridade” traduzida em laços afectivos e alimentada por uma relação de confiança por vezes mais fortes do que os de certos parentes.

Ela mantém com os dois menores um relacionamento afectivo próximo. É patente a sintonia com os tios paternos, auxiliando-os. Ainda em vida dos progenitores custeava – o que não é vulgar e só pode interpretar-se como sinal de profunda ligação sentimental e grande interesse pelo seu sucesso escolar – a mensalidade do colégio dos menores.

De resto, a sua substituição por elemento da linha paterna – no fundo, a finalidade desejada pelas apelantes – contraria a vontade dos menores, quebraria a harmónica união, entreajuda e solidariedade por que o contributo dos do lado materno se tem pautado, introduziria seguramente instabilidade para que o conselho de família não está vocacionado.

Em suma: não resultando provado que, por parte da linha paterna, existam elementos familiares capazes de mais e melhor prosseguir o “superior interesse” dos menores nos termos preconizados no nº 1, do artº 1952º, e estando, pelo contrário, assente que a nomeação da referida G… se mostra adequada a alcançá-lo e realizá-lo, como contra-alega o Ministério Público, não existe a alegada violação do nº 2, antes tal decisão se mostra a mais conveniente e oportuna nas concretas circunstâncias provadas.

Deve, por isso, improceder a questão da alínea d).

Não é verdade que a decisão recorrida não fundamente a existência de prejuízo para o interesse dos menores adveniente da, pelas apelantes, preconizada integração no conselho de família de representantes da linha paterna.

Com efeito, a tal propósito, referiu o tribunal recorrido: “afigura-se-nos que tal não coincide com a salvaguarda do interesse dos menores”.

Centrando tal desfasamento na falta de comunicação entre os familiares maternos e paternos e na indisponibilidade daqueles para com estes ter quaisquer contactos relacionados com a educação dos menores e para continuar a assumir quaisquer responsabilidades, considerou, portanto, que o interesse dos menores justifica a posição destes e, por isso, a relevou.

Não se trata, portanto, de qualquer capitulação ante “capricho” ou “ultimato” daqueles, mas antes da consideração da realidade concreta e da procura da satisfação do interesse dos menores.

Em face da situação actual, das condições que lhe têm sido propiciadas, do empenho – crê-se que de elevado espírito altruísta e de forte desprendimento ao assumir o acolhimento e educação de cinco crianças! – e manifestado pelo casal D… e J…, da solidariedade com que conta, da vontade (não diríamos soberana, mas fundamental, dos menores), enfim das excelentes perspectivas que se lhes deparam apesar da infeliz perda simultânea do pai e da mãe e mesmo ponderando que o tribunal podia obrigar a D… ao exercício (contrariada) do cargo de tutora e, apesar de tudo, nomear para as outras funções elementos da família paterna, ganhar-se-ia algo com tal decisão em ordem ao prosseguimento do interesse dos menores? Não será que se perderia quase tudo? Ou mesmo tudo, se se dispensassem aqueles em detrimento da família paterna?

Prognosticamos que não seria melhor defendido o interesse das crianças.

Ao invocar, pois, aquela falta de comunicação e seu desalinhamento com a salvaguarda do interesse dos menores, o tribunal patenteou o prejuízo que para a realização deste adviria do recrutamento de qualquer elemento da família paterna para as funções tutelares, naturalmente tendo em vista o quadro fáctico de que já dispunha e que agora, ainda melhor pincelado, justifica se corrobore o seu entendimento.

Na verdade, além de a solução já estar testada pelo tempo (os menores estão a cargo dos tios maternos há mais de dois anos) e aprovada com satisfação pelos próprios (que rejeitam outra), não se concebe que a avó paterna – senhora viúva, praticamente com 76 anos de idade, a viver só, manifestamente adepta de concepções tradicionais sobre a educação dos menores inaceitáveis em geral e certamente por estes (pretende retirá-los do colégio que frequentam juntamente com os primos e desvaloriza as actividades extracurriculares que continuam a ser-lhes propiciadas) – e a tia paterna I…, tenham capacidade, condições e disponibilidade melhores e mais desejadas que as dos tios paternos e demais pessoas nomeadas para o conselho de família (cujas idades e modo de vida melhor se adequam à árdua tarefa) para exercer as responsabilidades tutelares.

Improcede, pois, a questão da alínea e).

Tendo o tribunal a quo considerado dispensável e inatendível, em ordem à prevalência do citado interesse superior dos menores, a integração no conselho de família das duas linhas de parentesco e também nós com ele concordando que, em face do quadro fáctico apurado, devem confirmar-se as nomeações feitas e, em face da discórdia manifesta, afastar a linha paterna, nenhum motivo existe, pelo contrário, para ser revogada a nomeação como tutora de D…, muito menos para, em sua substituição, nomear a avó ou tia paterna (apelantes).

Como já resulta de tudo quanto se explanou, a integração das duas linhas de parentesco no conselho de família não é imperativa, não é um fim em si mesma. Fundamental é a realização do interesse – superior – dos menores, cedendo aquele objectivo a este sempre que, como no caso, em concreto tal se mostre necessário.

Como, a propósito da nomeação de tutor, salientou o tribunal recorrido, a tutela “deverá ser atribuída como requerido pelo Ministério Público a D…, uma vez que, conforme ficou assente, desde o falecimento dos progenitores, é no agregado familiar dessa tia que os menores vivem, existindo um bom relacionamento entre todos os elementos desse agregado. A mesma tia tem assumido a educação/manutenção dos menores, demonstrando preocupação e cuidado relativamente aos mesmos, revelando uma atitude consistente e ponderada, face às necessidades educativas daqueles. Acresce que é junto do mesmo agregado que os menores pretendem continuar a viver.”

Sendo certo que, como resulta da explanação inicial e assinalou também o tribunal a quo “A questão dos convívios com a avó paterna e as questões relacionadas com o património da herança dos falecidos pais dos menores, não é nos presentes autos que podem e devem ser resolvidas”, não pode ignorar-se que, mais do que propriamente o exercício de cargos tutelares e correspondentes responsabilidades, é precisamente nestas questões que, como os factos ora reunidos bem espelham, tem origem o lamentável dissídio entre a família materna e a família paterna, e, por isso, é também em função da realidade que elas determinam que o interesse dos menores deve ser ponderado e preservado.

Claro que – diga-se abertamente – a solução comporta o risco de consolidar o afastamento da família paterna e atribuir mais à materna a propulsão imediata das decisões e meios destinados a realizar os interesses dos menores e a tendência para implementar os seus pontos de vista – em que avultarão, por certo, os relativos ao acervo hereditário. Contudo, a actuação da tutela e do conselho de família é legalmente balizada, controlada pelo Ministério Público a quem cabe a defesa dos interesses dos menores, e amplamente vigiada pelo tribunal na realização do interesse público do Estado relativo à protecção da infância. Por isso, aquele risco se nos afigura diluído e claramente superado, sendo que os genuínos e sinceros desejos de convívio com os menores por parte da família paterna não deixarão de ser realizados pelas vias próprias.

Deste modo, improcede a questão f).

Estando, pois, cabalmente fundamentada e existindo, em concreto, por referência ao interesse dos menores e em decorrência do relacionamento gerado entre as duas famílias, impossibilidade, ou melhor, sendo indesejável e inadequado para aqueles, que qualquer dos referidos elementos da linha paterna, logo no cargo de protutor, integre o conselho de família, improcede também a questão g) e resulta prejudicada a h).

Enfim, lembrando-se, de novo, a liberdade – e acrescida responsabilidade! – de que o tribunal dispõe na investigação dos factos e na conformação da solução que julgue mais conveniente e oportuna mas apresentando-se esta em perfeita sintonia com os factos e o direito que a fundamentam, deve o recurso improceder totalmente.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em, sem prejuízo das alterações decididas oficiosamente em sede da matéria de facto, julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas do recurso pelas apelantes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Porto, 16-01-2014
José Amaral
Teles de Menezes
Mário Fernandes
____________
[1] Calvão da Silva, in Parecer, CJ XX, Tomo I, página 12.
[2] Rol provisório, face ao que no recurso se pede e aos poderes oficiosos deste tribunal na matéria.
[3] A expressão “poder paternal” apesar de substituída por “responsabilidades parentais” em todas as disposições da secção II do capítulo II do título III do livro IV do Código por força do artº 3º, da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, manteve-se inalterada no artº 124º.
[4] A incapacidade é suprida subsidiariamente, pois a própria Constituição declara insubstituível a acção dos pais e das mães em relação aos filhos (artº 68º, nº 1).
[5] A Constituição, no seu artº 36º, nº 5, relativamente à educação e manutenção dos filhos fala em “direito” e dever” dos pais.
[6] Ao qual compete vigiar o modo por que são desempenhadas as funções do tutor e exercer as demais atribuições que a lei especialmente lhe confere. O exercício da tutela, por sua vez, é vigiado pelo tribunal – artº 1925º, nº 1.
[7] Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
[8] Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro.
[9] É certo que Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1995, página 481, referem que “Na falta de parentes ou afins do menor, admite o nº 2 do novo texto o recrutamento, não apenas entre os amigos dos pais, mas também entre os vizinhos ou outras pessoas …”, mas não é correcto daí extrair, como pretendem as apelantes alterando e manipulando a citação, que tal possibilidade exista “ na falta de parentes…”. Com efeito, a opção por outras pessoas não está única e exclusivamente condicionada a tal falta.
[10] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1995, página 479.
[11] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. citada, página 481. Ao contrário do sugerido nas alegações das apelantes (ponto 72) por apelo (incorrecto) ao ensino desses mestres, entendemos que a ideia de representatividade sugerida pelo nº 3 do artº 1952º pode ser afastada não só no caso de não existirem familiares da outra linha em condições de serem nomeados mas também no de tal nomeação não se perspectivar como adequada à satisfação do interesse superior dos menores. Ou seja, não é certo que “só pode ser afastada quando tal representatividade não seja possível” ou que tal “impossibilidade” resulte apenas da falta de parentes ou afins da outra linha, uma vez que o critério decisivo último e que se sobrepõe a todos os demais é o do interesse dos menores.
[12] Podem assistir às respectivas reuniões, além de outras pessoas, parentes, mesmo não lhe pertencendo, nos termos e condições do artº 1019º, do CPC. Aliás, nos termos do artº 1887º-A, CC, nem sequer os próprios pais podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes, tal como, em obediência sempre ao superior interesse da criança, este deve ser estendido a outras pessoas para além dessas. Neste sentido, cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 7-01-2013, relatado pelo Desemb. Luís Lameiras.
[13] Artigo 1926º, do CC.
[14] Artigo 1934º, nº 1, do CC.
[15] Artigos 1948º a 1950º, do CC.
[16] Obra citada, página 448.
[17] Aprovada por Resolução da AR nº 20/90, Ratificada pelo Decreto nº 49/90, de 12 de Setembro, publicada no DR nº 211/90, série I, 1º suplemento, de 12-09-1990.
[18] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. citada, página 485.
[19] Idem. De facto o artº 1925º, nº 2, exclui das atribuições aí referidas a nomeação de protutor.
[20] O interesse da criança (ou jovem) constitui o parâmetro material básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens – Acórdão da Relação do Porto, de 10-07-2013, relatado pelo Desemb. Fonte Ramos. O superior interesse da criança não pode ser um conceito abstrato, enformado por soluções idênticas para uma multiplicidade de casos, mas um juízo concretizado pelas particularidades de cada situação, às quais se pergunta qual a solução mais adequada para a progressão do crescimento integral da criança – Acórdão da Relação do Porto, de 12-03-2012, relatado pelo Desemb. José Eusébio Almeida.
[21] Processos Especiais, volume II, Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, páginas 399 e 400.
[22] Relatado pelo Desemb. Rodrigues Pires.
[23] Relatado pelo Desemb. Guerra Banha.
[24] Mesmo Relator.
[25] Deficiência que ocorre “quando aquilo que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado” ou “quando determinado ponto da matéria de facto ou algum segmento não tenha sido objecto de resposta positiva ou negativa” – A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, Almedina, 2010, páginas 331 (nota 469) e 332 – ou, ainda, nos casos em que não havia lugar a Base Instrutória, quando, simplesmente, o tribunal, na decisão respectiva, não seleccionou e, por isso não se pronunciou em qualquer sentido, sobre matéria de facto alegada e relevante.
[26] Ou seja, os que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa e, no caso de depoimentos orais, a respectiva gravação.
[27] A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almdina 2013, páginas 239 e 240.
[28] Ob. citada, página 241.
_______________
Sumário:
Além de, no processo de instituição de tutela, que é de jurisdição voluntária, o juiz poder investigar livremente os factos e não estar sujeito, nas providências a tomar, a critérios estritamente legais antes devendo adoptar a que julgar, em concreto, mais conveniente, oportuna e eficaz, na escolha e nomeação do tutor, protutor e vogais do conselho de família sobrepõe-se a qualquer outro critério o do interesse superior dos menores.

José Amaral