Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
31802/15.2T8LSB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: CASO JULGADO
JULGADOS DE PAZ
Nº do Documento: RP2017102631802/15.2T8LSB.P1
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 108, FLS.148-154)
Área Temática: .
Sumário: I - No caso concreto, o senhor juiz de paz, proferiu sentença na acta de audiência de julgamento de 19.01.2016, no Procº 968/2015, do Julgado de Paz de Lisboa, homologando o acordo que as partes lhe apresentaram por escrito por elas assinado e condenou e absolveu as partes em litígio nos seus precisos termos.
II - Não há dúvida que com aquela transacção judicial as partes extinguiram a instância daquele processo e fizeram cessar a causa nos termos em que a efectuaram, sem prejuízo de poderem vir invocar a invalidade por qualquer forma do respectivo negócio jurídico ou da sentença homologatória- artºs 277º, al. d), 284º e 291º, nºs 1 e 2, todos do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06.
III - Bastará uma análise perfunctória de ambas as acções em referência para se poder concluir não se verificar na situação dos autos com referência à acção aludida pela ré na sua contestação, essa tríplice identidade a que alude o artigo 581º do actual Código de Processo Civil e que é condição para a verificação da excepção dilatória do caso julgado a que se refere o também ele já citado artigo 577º, alínea i), em qualquer uma das suas vertentes.
IV - Dado que a sentença proferida nos Julgados de Paz de Lisboa não apreciou do objecto do litígio, a mesma não se pode impor à sentença a proferir no âmbito dos presentes autos sob recurso.
V - Pelo que o Tribunal a quo não está impedido de apreciar e julgar o litígio, não se encontrando, em consequência, prejudicado o direito do ora Recorrente em accionar a Recorrida no âmbito dos presentes autos, nos termos em que o fez.
VI - Em face do exposto, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida não se verifica a excepção do caso julgado, em qualquer das suas vertentes (positiva ou negativa).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 31802/15.2T8LSB.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
José Manuel Araújo de Barros
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Sumário:
1 - No caso concreto, o senhor juiz de paz, proferiu sentença na acta de audiência de julgamento de 19.01.2016, no Procº 968/2015, do Julgado de Paz de Lisboa, homologando o acordo que as partes lhe apresentaram por escrito por elas assinado e condenou e absolveu as partes em litígio nos seus precisos termos.
2 - Não há dúvida que com aquela transacção judicial as partes extinguiram a instância daquele processo e fizeram cessar a causa nos termos em que a efectuaram, sem prejuízo de poderem vir invocar a invalidade por qualquer forma do respectivo negócio jurídico ou da sentença homologatória- artºs 277º, al. d), 284º e 291º, nºs 1 e 2, todos do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06.
3 - Bastará uma análise perfunctória de ambas as acções em referência para se poder concluir não se verificar na situação dos autos com referência à acção aludida pela ré na sua contestação, essa tríplice identidade a que alude o artigo 581º do actual Código de Processo Civil e que é condição para a verificação da excepção dilatória do caso julgado a que se refere o também ele já citado artigo 577º, alínea i), em qualquer uma das suas vertentes.
4 - Dado que a sentença proferida nos Julgados de Paz de Lisboa não apreciou do objecto do litígio, a mesma não se pode impor à sentença a proferir no âmbito dos presentes autos sob recurso.
5 - Pelo que o Tribunal a quo não está impedido de apreciar e julgar o litígio, não se encontrando, em consequência, prejudicado o direito do ora Recorrente em accionar a Recorrida no âmbito dos presentes autos, nos termos em que o fez.
6 - Em face do exposto, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida não se verifica a excepção do caso julgado, em qualquer das suas vertentes (positiva ou negativa).
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I - Relatório:
O autor B… veio intentar a presente acção declarativa de condenação contra C…, Lda., pedindo que a ré seja condenada a restituir-lhe a quantia de €20.000,00, entregue a título de adiantamento, e a pagar-lhe a quantia de €10.001,00 de indemnização pelos prejuízo causados pelo atraso e incumprimento definitivo da obra contratada e respetivos danos patrimoniais e não patrimoniais causados, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 12.11.2013 até integral pagamento.
Para o efeito alega que contratou com a ré a realização por esta de uma obra respeitante à substituição do pavimento da sua habitação, pelo valor global de €21.000,00, tendo para o efeito pago à ré adiantadamente a quantia de €20.000,00. A ré não realizou os trabalhos em conformidade com o acordado e as regras da arte, tendo sido identificados nove defeitos, os quais a ré acordou reparar. Não obstante, os trabalhos de reparação levados a cabo pela ré não produziram os resultados esperados, não sendo o resultado final aceitável nem reparável. Por tal motivo, o autor resolveu o contrato celebrado com a ré, e solicitou a devolução dos €20.000,00 entregues, ao que esta lhe respondeu não aceitar a existência dos apontados defeitos e reclamou o pagamento da quantia de €5.830,00 em falta relativa aos trabalhos realizados.
A ré apresentou contestação, invocando além do mais a excepção do caso julgado, por os factos em discussão nos presentes autos corresponderem aos que foram alegados no processo n.º 968/2015, dos Julgados de Paz de Lisboa, nos termos do qual foi celebrada transacção, devidamente homologada por sentença, já transitada em julgado.
Notificado o autor, o mesmo veio pugnar pela improcedência da invocada excepção, referindo em suma que, pese embora a referida transacção, as partes não pretenderam submeter o mérito da questão à apreciação judicial, não abdicando dos seus direitos nem se exonerando das suas obrigações, relegando de forma intencional a composição definitiva do litígio para estes autos.
Em 06.01.2017 foi elaborado despacho que fixou o valor da acção em 3.001,00€, dispensou a audiência prévia das partes e se proferiu despacho saneador, decidindo-se do mérito da excepção dilatória de caso julgado nos seguintes termos conclusivos:
(…)
Ora, tendo em conta os termos da transacção que foi celebrada em tal processo, devidamente homologada por sentença, somos forçados a concluir que a mesma dirimiu definitivamente os termos do litígio existente entre as partes. Ou seja, definiu quais os direitos e obrigações da titularidade de autor e ré por via do contrato de empreitada celebrado.
De facto, tendo aí o autor B…, na sequência da alegação de que havia resolvido o contrato por cumprimento defeituoso, se comprometido a pagar à ré C…, Lda., a quantia de €4.500,00 pelos trabalhos que esta lhe prestou, pouco se compreenderia que pudesse, em outra acção intentada para o efeito, discutir novamente a conformidade dos trabalhos realizados e ver apreciada a resolução de tal contrato por cumprimento defeituoso, com a consequente restituição do anteriormente prestado.
Na interpretação das cláusulas da transcação devem ser observados os princípios estabelecidos nos arts. 236.º e 238.º, do CC.
No caso dos autos, fazendo apelo a tais princípios interpretativos, nada nos termos da transacção celebrada nos permite concluir que a mesma não pôs termo de forma definitiva ao litígio que separava as partes, impedindo por isso que numa nova ação judicial se aprecie a conformidade dos trabalhos realizados pela ré.
Na verdade, não restam também dúvidas que a pretensão deduzida em ambas as ações procede do mesmo facto jurídico, havendo identidade da causa de pedir, dado que se encontra em discussão o mesmo contrato de empreitada.
Verifica-se assim a exceção dilatória do caso julgado, cfr. arts. 577.º, al. i) e 580.º, n.º 1, ambos do CPC, a qual é do conhecimento oficioso, e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da ré da instância, cfr. arts. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, nºs 1 e 2, e 578.º, todos do CPC.
Decisão:
Termos em que, e por todo o exposto, julgo procedente, por provada, a exceção dilatória do caso julgado, em consequência do que absolvo da instância a ré C…, Lda.”
Para o efeito foram considerados provados os seguintes factos:
Dos elementos documentais constantes dos autos, designadamente do alegado em sede de petição inicial e da certidão de fls. 246 e segs. resulta que:
1. A 18 de novembro de 2015 o autor B… propôs a presente ação declarativa contra a C…, Lda., alegando ter procedido à resolução do contrato de empreitada celebrada com o mesmo, e, por via disso, pretendendo a condenação da ré na devolução do preço pago de €20.000,00, e ainda no pagamento de uma indemnização no montante de €10.001,00, conforme petição inicial de fls. 5 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2. A 8 de setembro de 2015 a B…, Lda., intentou nos Julgados de Paz de Lisboa contra B…, a ação declarativa de condenação que aí correu termos sob o n.º 968/2015, alegando ter acordado com o réu na realização de uma empreitada, não tendo este todavia pago a totalidade do montante acordado, encontrando-se em dívida a quantia de €6.625,36, conforme petição inicial de fls. 247 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzida.
3. O aqui autor B… apresentou contestação no âmbito do processo n.º 968/2015, dos Julgados de Paz de Lisboa, alegando, além do mais, que a aqui ré não executou correctamente os trabalhos acordados, nem reparou conveniente os defeitos detetados, motivo pelo qual procedeu à resolução do contrato de empreitada, estando por isso desobrigada de procedeu ao pagamento do remanescente do preço em falta, devendo outrossim a aqui ré restituir o montante recebido para a execução dos trabalhos, conforme contestação de fls. 251 e seg. que aqui se dá por integralmente reproduzida.
4. A 19 de janeiro de 2016 as partes celebraram transação no âmbito do processo n.º 968/2015, a qual foi homologada por sentença transitada em julgado a 24 de fevereiro de 2016, nos termos da qual consta que:
- “1. Acordam as partes transaccionar no âmbito dos presentes autos mediante o pagamento do valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) a efectuar pelo demandado para a conta bancária da demandante com o IBAN PT.. ………….............. do Banco D… o qual realizará o pagamento no prazo de cinco dias úteis a contar da presente data. 2. A demandante enviará para o escritório do I.M do demandado, para efeitos meramente contabilísticos, nota de crédito relativamente ao diferencial entre a fatura n.º …. e o montante da transacção, obrigando-se o demandando a assinar uma cópia e a restituí-la à demandante no prazo de trinta dias. 3. Custas em partes iguais”, conforme ata de fls. 264 que aqui se dá por integralmente reproduzida”.
Desta decisão foi interposto recurso pelo autora, admitido e processado como apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo que considerou procedente a excepção dilatória de excepção do caso julgado, referindo designadamente que “Atenta a factualidade acima dada como provada, temos que, no caso em apreço, se encontra verificada a excepção (…) do caso julgado, não podendo por isso ser apreciada nos autos a pretensão deduzida pelo autor”, concluindo que “Verifica-se assim a exceção dilatória do caso julgado, cfr. arts. 577.º, al. i) e 580.º, n.º 1, ambos do CPC, a qual é do conhecimento oficioso, e obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da ré da instância, cfr. arts. 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, nºs 1 e 2, e 578.º, todos do CPC”;
B. A Sentença recorrida ao decidir como verificada a excepção dilatória do caso julgado, subsumiu incorretamente os factos dados como provados ao Direito aplicável, o que gerou uma incorrecta aplicação e interpretação dos artigos 2.º, 580.º, 581.º, 619.º, 621.º, 625.º e 628.º todos do Código de Processo Civil (doravante CPC);
DO ERRO DE JULGAMENTO DO TRIBUNAL A QUO – INEXISTÊNCIA DA EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO
C. Não obstante a factualidade que resultou provada, descrita na fundamentação de facto da Sentença sob recurso, mal andou o Douto Tribunal a quo, porquanto não teve em consideração o facto essencial e decisivo para a boa decisão da causa que reside na circunstância de os Julgados de Paz de Lisboa não terem conhecido o conteúdo da Petição, nem da Contestação, não tendo apreciado o mérito do processo e, em consequência, não terem decidido sobre o pedido da Autora, aqui Recorrida, e / ou procedência da impugnação e defesa por excepção deduzida pelo Réu, aqui Recorrente;
D. A excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior;
E. De forma a dilucidar o vício de que padece a Decisão sob Recurso, importa ter em consideração os precisos termos em que o acordo transacional foi celebrado entre as partes no âmbito do processo n.º 968/2015, que correu termos nos Julgados de Paz de Lisboa, nos termos do qual “(…) Acordam as partes transacionar no âmbito dos presentes autos mediante o pagamento do valor de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) (…)”;
F. Conforme se pode retirar do conteúdo da mencionada transação, foi intenção das partes pôr termo a esse litígio sem o submeter à apreciação jurisdicional, não prescindindo dos seus direitos, nem se exonerando às respectivas obrigações;
G. O objecto do litígio não foi conhecido pelos Julgados de Paz, não tendo, deste modo, sido sindicada a pretensão formulada pela Autora, aqui Recorrida, nem a defesa por impugnação e por excepção do não cumprimento do contrato de empreitada deduzida pelo Réu, aqui Recorrente;
H. Tendo as partes optado por não querer que em sede de Julgados de Paz o mérito da questão fosse submetido a apreciação judicial e que sobre as suas pretensões recaísse uma sentença;
I. Contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal a quo, no âmbito do processo que correu termos juntos dos Julgados de Paz de Lisboa, não existiu qualquer apreciação quanto ao pedido e à causa de pedir formulada pela Autora, bem como quanto à defesa deduzida pelo Réu, não constando igualmente da acta de audiência de julgamento a que título o pagamento foi efectuado, nem os motivos que estiveram na base da decisão das partes em pôr termo ao litígio;
J. Efectivamente, as partes, o aqui Recorrente e Recorrida, de forma voluntária, consciente e intencional, não fizeram constar da acta que se encontravam ressarcidas de quaisquer quantias emergentes da causa de pedir, nem excepcionaram a possibilidade de virem a submeter a apreciação definitiva do conteúdo de tal litígio junto dos tribunais cíveis, uma vez que o mesmo não foi apreciado no âmbito dos Julgados de Paz;
K. Relegando, dessa forma, a composição definitiva do objecto para outra sede jurisdicional;
L. Dúvidas não se podem colocar de que o efeito útil que a excepção do caso julgado pretende acautelar não se justifica, nem se aplica in casu, uma vez que não existe a possibilidade de o Douto Tribunal a quo contradizer uma decisão anterior, pelo simples motivo de que o pedido e causa em apreciação no âmbito dos autos de cuja sentença se recorre, não foram apreciados e/ou sequer decididos no âmbito do processo que correu termos junto dos Julgados de Paz de Lisboa, em que as partes de forma consciente e intencional decidiram não submeter a julgamento;
M. A sentença proferida pelos Julgados de Paz de Lisboa apenas homologou o pagamento por parte do então Réu de uma quantia no valor de €4.500,00, sendo, em consequência, o seu conteúdo/objecto insusceptível de ser contraditado ou de sobre o mesmo poder incidir uma sentença alternativa e/ou incongruente no âmbito dos presentes autos sob recurso;
N. A relação controvertida objecto do processo que correu termos nos Julgados de Paz de Lisboa, não foi julgada, nem sobre a mesma incidiu qualquer tipo de juízo, tendo o litígio ficado em aberto e por decidir, pelo que o Douto Tribunal a quo não está impedido de apreciar e julgar definitivamente tal litígio, não se encontrando precludido o direito do Recorrente em accionar a Recorrida no âmbito dos presentes autos, nos termos em que o fez;
O. Sendo que a sentença homologatória de transacção não constitui qualquer questão prejudicial e não se pode impor à sentença a proferir no âmbito dos presentes autos, não estando, em consequência, o Mmo. Juiz do Tribunal a quo, impedido de conhecer e decidir sobre o objecto do litígio nos termos em que as partes o definiram;
P. Não se verificando qualquer susceptibilidade de incoerência de julgamentos, preservando-se os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas que correspondem ao alcance do caso julgado;
Q. Foi intenção das partes, que as suas pretensões e os factos aduzidos junto dos Julgados de Paz de Lisboa não fossem “apreciados e decididos” nessa sede, motivo pelo qual, contrariamente ao que foi decidido na sentença sob recurso, não existe uma situação jurídica material definida na sentença homologatória susceptível de ser definida de modo diverso nos autos sob recurso;
R. Pelo que não tendo os fundamentos da acção e da defesa sido apreciados em sede dos Julgados de Paz de Lisboa, não ficaram as mesmas cobertas pela autoridade do caso julgado formado pela sentença homologatória aí proferida, não se verificando o denominado “efeito preclusivo”;
S. A sentença que homologa a transacção – embora seja considerada como sentença de mérito – não conhece da substância da causa e a sua função é apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acto (artigo 290º, nº 3 do CPC), de tal forma que, como refere o Prof. Alberto dos Reis (in, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, pág. 499) “(…) a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz”;
T. Ou seja, a sentença que homologa a transacção limita-se a apreciar a validade e regularidade do negócio celebrado pelas partes e, concluindo pela sua validade, confirma os termos e efeitos desse contrato, absolvendo ou condenando nos termos que resultam da transacção (Cfr. artigos 284.º e 290.º, n.º 4 do CPC), mas apenas nos precisos termos em que as partes acordaram – Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 27/05/2010, Proc. 2820/07.6TBGDM.P1, Acórdão da Relação de Guimarães de 03/11/2004, Proc. 1775/04-1 (in www.dgsi.pt)
U. Neste contexto terá o intérprete de indagar qual a vontade das partes exteriorizada na transacção que o Juiz ao homologá-la jurisdicionalizou de tal modo que, encontrada esta, todas as circunstâncias envolventes do processo se clarificam e tomam um sentido definitivamente exacto;
V. Fazendo apelo aos princípios imperativos constantes do artigo 236.º, n.º 1 do Código Civil, é forçoso considerar que mal andou a sentença sob recurso, ao considerar que “nada nos termos da transacção celebrada nos permite concluir que a mesma não pôs termo de forma definitiva ao litígio que separava as partes, impedindo por isso que numa nova ação judicial se aprecie a conformidade dos trabalhos realizados pela ré”;
W. Com efeito, repita-se que o teor literal da transacção apenas refere que “acordaram as partes transaccionar no âmbito dos presentes autos mediante o pagamento do valor de €4.500,00”;
X. Não tendo as partes declarado, de forma intencional e consciente, que com o recebimento de tal valor se consideravam integralmente ressarcidas do pagamento de qualquer quantia emergente da execução do contrato de empreitada e que nada mais lhes seria devido, seja a que título for, em virtude da execução de tal contrato;
Y. Ora, se as partes apenas acordaram em pôr termo ao litígio no âmbito dos Julgados de Paz de Lisboa mediante o pagamento de €4.500.00, sabendo que o mérito da questão não tinha sido apreciado, estando em consequência por decidir e nada tendo referido quanto aos seus direitos e obrigações emergentes da celebração do contrato de empreitada, foi porque – tendo em consideração o contexto existente à data, i.e., a pendência de uma outra acção – quiseram relegar para esta sede a apreciação judicial e definitiva do litígio que existia entre ambas;
Z. Caso assim não fosse, estando as partes acompanhadas pelos respectivos mandatários judiciais, profissionais do foro habilitados ao exercício do mandato judicial, teriam certamente declarado de forma expressa que com a celebração do acordo transaccional os seus direitos e obrigações emergentes da execução do contrato de empreitada estavam definitiva e integralmente dirimidos;
AA. Sucede, no entanto, que tal não sucedeu por não corresponder à intenção da partes, pelo que, com o devido respeito, não pode o Mmo. Juiz do Tribunal a quo concluir em sentido oposto, querendo atribuir um sentido à declaração negocial que não corresponde à vontade real das partes;
BB. Em face do exposto, tendo em consideração o alcance do caso julgado da sentença homologatória do acordo transaccional proferida pelos Julgados de Paz de Lisboa, não restam dúvidas que não se verifica a ratio da excepção do caso julgado, uma vez que o Douto Tribunal a quo não se encontra na alternativa de contradizer ou reproduzir tal decisão, não se verificando a hipótese de casos julgados contraditórios prevista no artigo 625.º do CPC;
CC. Com efeito, para que exista uma situação de caso julgado contraditório seria necessário que a decisão recorrida contrariasse uma outra que lhe seja anterior, transitada em julgado e proferida entre as mesmas partes, sobre o mesmo objecto e baseada na mesma causa de pedir, conforme previsto nos artigos 580.º, 581.º, 619.º e 620.º todos do CPC;
DD. Ora a sentença proferida pelos Julgados de Paz de Lisboa apenas abrangeu as mesmas partes, mas não foi proferida sobre o mesmo objecto e baseada na mesma causa de pedir, uma vez que não foi apreciado o pedido e causa de pedir invocada em tal processo, não tendo sobre tais elementos sido proferida qualquer decisão;
EE. Mantendo-se a composição de tal litígio em aberto e, como tal, não sendo susceptível a prolação de uma decisão posterior que possa vir contradizer o que ficou decidido anteriormente, uma vez que a decisão proferida pelos Julgados de Paz não estatuiu sobre o thema decidendum, i.e., sobre as pretensões da Autora em tal processo, aqui Recorrida, pelo que não se exclui a possibilidade de outra decisão útil no âmbito dos presentes autos sob recurso;
FF. Em face do exposto, não se encontra preenchido in casu a função positiva do caso julgado exercida através da autoridade do caso julgado, a qual pressupõe que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida, uma vez que a questão submetida a decisão no âmbito dos presentes autos sob recurso, não foi apreciada e decidida pelos Julgados de Paz de Lisboa;
GG. Ademais, tendo em consideração toda a factualidade e argumentação aduzida, não se encontra igualmente verificada a função negativa do caso julgado, exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas;
HH. Assim, deve a sentença sob recurso ser revogada e substituída por acórdão que julgue como não verificada a excepção do caso julgado e, em consequência, não determine a absolvição da Recorrida da instância;
DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA GARANTIA DE ACESSO AOS TRIBUNAIS PREVISTA NO ARTIGO 2.º DO CPC
II. Dispõe o artigo 48.º da Lei 78/2001, de 13 de Julho (Lei de organização, competência e funcionamento dos julgados de paz), com a alteração introduzida pela Lei 54/2013, de 31 de Julho, sob a epígrafe “Reconvenção”, que “1. Não se admite a reconvenção, exceto quando o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida. 2. Caso a cumulação do valor do pedido do demandante e do valor do pedido do reconvinte seja superior ao limite da alçada do julgado de paz, a reconvenção é ainda admissível, desde que o valor desta não ultrapasse aquela alçada”;
JJ. Ora, em face do disposto em tais preceitos, dúvidas não existem que ao Recorrente, Réu nos autos que correram termos nos Julgados de Paz, lhe estava vedada a possibilidade de deduzir pedido reconvencional;
KK. Significa isto que no processo em referência, em que a Recorrida e aí Autora peticionou o pagamento de €6.625,36, alegando corresponder ao pagamento da última factura no âmbito da execução do contrato de empreitada, não podia o ora Recorrente e aí Réu deduzir pedido reconvencional, peticionando a devolução dos €20.000,00 correspondentes ao montante pago em antecipação, nem tão pouco o pedido de indemnização de €10.000,01, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do incumprimentos contratual da aqui Recorrida;
LL. Com efeito, ao ora Recorrente e aí Réu, apenas seria legítimo, como o fez, defender-se por excepção de incumprimento contratual, não podendo contudo retirar na sua íntegra as consequências que o relapso da então Autora e aqui Recorrida lhe causou a nível patrimonial;
MM. Ora, estando o Recorrente impedido de deduzir pedido reconvencional no âmbito dos Julgados de Paz e tendo as parte evitado que os mesmos Julgados formulassem um juízo sobre o mérito da questão, o ora Recorrente instaurou o presente processo, uma vez que corresponde ao único meio processual ao seu dispor para que sejam apreciadas as suas pretensões e ser ressarcido do incumprimento contratual da Recorrida;
NN. Pelo que, o Tribunal a quo ao considerar como operante a excepção do caso julgado, absolvendo a Recorrida da instância, violou o mais elementar direito do Recorrente de garantia de acesso aos tribunais previsto no artigo 2.º do CPC, negando o único meio processual ao seu dispor para efectivar os seus direitos e ver reconhecido o seu pedido em juízo;
OO. Estando ao Recorrente vedada a possibilidade de deduzir pedido reconvencional no âmbito do processo que correu termos juntos dos Julgados de Paz de Lisboa, tendo esse processo transitado em julgado sem que tivessem sido apreciadas as pretensões da partes, é garantido ao Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 2.º do CPC, o direito de submeter à apreciação do Tribunal a quo a presente acção, de forma a que seja dirimido e reconhecido em juízo a sua pretensão sobre a Recorrida;
PP. Assim e em face do exposto, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo que considerou verificada a excepção dilatória do caso julgado, ser revogada e substituída por Acórdão que considere como inexistente tal excepção do caso julgado, declarando a Recorrida como não absolvida da instância e, assim, admitindo ao Recorrente a possibilidade de ver peticionada em juízo a sua pretensão, sob pena de lhe ser negado o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva contido o artigo 2.º do CPC.
NESTES TERMOS, DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO RECURSO E, REVOGANDO-SE A DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO E JULGANDO IMPROCEDENTE A EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO, EM CONSEQUÊNCIA, NÃO SE CONSIDERE A RECORRIDA ABSOLVIDA DA INSTÂNCIA, SEGUINDO-SE OS DEMAIS TRÂMITES PROCESSUAIS ATÉ FINAL.
A recorrida apresentou contra alegações, concluindo pela manutenção do julgado.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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II.1 - Do Recurso:
Os recursos são balizados pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal superior apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e que o tribunal ad quem não aprecia razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo por força do disposto nos artº 8º do diploma preambular.
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II.2- A única questão colocada em sede de recurso é se a decisão recorrida deve ser revogada e ser ordenado o prosseguimento dos autos para audiência final.
A decisão proferida é um despacho saneador, onde, expressamente se decidiu pela procedência da excepção dilatória de caso julgado invocada pela ré na contestação e, consequente absolvição da ré da instância, de acordo com o disposto nos artºs 576º, nº1 e 2, 577º, al. i), 580º, 581º e 595º, nº1, al. a), do NCPC.
Apreciemos.
Os Julgados de Paz são tribunais dotados de características de funcionamento e organização próprias, que se encontram em funcionamento desde 2002 e que foram criados através da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, a qual conhceu a primeira alteração por via da Lei n.º 54/2013, de 31 de julho.
Os Julgados de Paz são competentes para resolver causas comuns de natureza cível, cujo valor não exceda os €15.000 (excluindo as que envolvam matérias de Direito da Família, Direito das Sucessões e Direito do Trabalho), nomeadamente, as seguintes: entrega de coisas móveis; direitos e deveres dos condóminos; passagem forçada momentânea, escoamento natural de águas, obras defensivas das águas, abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes; posse, usucapião e acessão; arrendamento urbano, excetuando o despejo; responsabilidade civil, contratual e extracontratual; incumprimento de contratos e obrigações; pedidos de indemnização cível em virtude da prática de crime, quando não haja sido apresentada queixa ou havendo lugar a desistência de queixa, emergentes de crimes de ofensas corporais, difamação, dano, furto, injúrias, alteração de marcos, burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços.
O processo nos julgados de paz inicia-se pela apresentação do requerimento na secretaria do julgado de paz, verbalmente ou por escrito, e pode ser apresentado pelo próprio demandante ou por procurador com procuração forense com poderes gerais.
Citação do demandado e convite para resolver o litígio através da mediação.
Dispõe o Artigo 47.º
Contestação
1 - A contestação pode ser apresentada por escrito ou verbalmente, caso em que é reduzida a escrito pelo funcionário, no prazo de 10 dias a contar da citação.
(…)
E o Artigo 48.º
Reconvenção
1 - Não se admite a reconvenção, exceto quando o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida.
(…)
Se o processo for resolvido através da mediação, termina com a homologação do acordo pelo Juiz de Paz.
Se o processo não for resolvido através da mediação, o mesmo é concluído com a intervenção do juiz de paz por uma de duas vias:
- Conciliação, em momento prévio ao julgamento.
- Sentença, em sede de audiência de julgamento.
Dispõe o Artigo 56.º
Acordo
1 - Se as partes chegarem a acordo, é este reduzido a escrito e assinado por todos os intervenientes, para imediata homologação pelo juiz de paz, tendo valor de sentença.
(…)
Ora, a decisão recorrida concluiu haver caso julgado desta decisão homologatória daquele acordo relativamente à presente acção.
Constitui elemento central na discussão do caso julgado formado nesse anterior processo a circunstância da sentença propiciadora desse efeito ter sido proferida nos termos do referido artigo 56.º, nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13.07, face a um acordo judicial aí alcançado pelas partes. Este aspecto – ter estado aí em causa a homologação de uma transacção – adquire um especial significado, conferindo uma natureza particular ao caso julgado correspondente, sendo que a decisão recorrida não valorou devidamente essa especificidade.
Tal decisão, com efeito, antes de procurar as relações de semelhança entre os dois processos no quadro da aferição da incidência de um anterior caso julgado nesta acção, deveria ter ponderado a situação particular que tal incidência sempre apresenta quando está em causa a celebração, no ambiente de um processo judicial existente, de um contrato – o “contrato de transacção” – pelo qual as partes terminam um litígio mediante recíprocas concessões [v. artigo 1248º, nº 1 do Código Civil (CC); o contrato de transacção é o último contrato nominado regulado no Livro II do nosso Código Civil, nos artigos 1248º/1250º.
Como se refere no Ac. RC de 08.09.2009 (Teles Pereira) “Daí que – e é o que aqui importa ter presente – o caso julgado formado através de uma sentença homologatória de transacção, não deixando de o ser (de ser um caso julgado), assuma uma especial feição. A formação dele resulta de um negócio de auto - composição do litígio, e não de uma aplicação pelo tribunal do Direito aos factos, assentando num acto de homologação (que confere a natureza de caso julgado) que se esgota num controlo extrínseco de validade, pelo seu objecto e pela qualidade dos intervenientes, dessa auto - composição (artigo 300º, nº 3 do CPC). Como refere José Lebre de Freitas, “[n]o momento de proferir a sentença homologatória, o juiz encontra-se […] perante as situações jurídicas definidas pelas partes. A tutela judiciária é, ainda aqui, tutela de situações jurídicas dela carecidas, já não porque necessitadas duma definição, mas porque à definição feita pelas partes falta a força do caso julgado” . É em função desta especial feição que o caso julgado – “este” caso julgado – acaba por incorporar o sentido negocial da auto - composição em que assenta e, em função disso, de ser abstractamente apto a acompanhar as incidências sobre a sua fonte: a (o contrato de) transacção”.
Citando o Acórdão da RC de 15.06.2010 (Manuel Fialho) “Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, que podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (Artº 1248º do CC).
Efectuada uma transacção em diligência judicial – como é o caso –, compete ao juiz verificar se o seu objecto é válido e certificar-se da legitimidade das pessoas intervenientes (Artº 300º/4 do CPC), assim julgando acerca da validade do acto.
Concluindo pela validade do acto, o juiz profere sentença homologatória que “embora não aplicando o direito objectivo aos factos provados na causa, constitui sentença de mérito, como tal condenando o réu no pedido ou dele o absolvendo, consoante o negócio jurídico celebrado”. “A sentença homologatória tem o efeito de constituir caso julgado material” (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, Vol. 1º, 2ª Ed., 577).
É o que se extrai do que dispõem os Artº 301º/2 e 671º/1 do CPC.
Uma transacção judicial homologada assume o mesmo valor que uma decisão proferida sobre a causa, com a particularidade de se substituir o dispositivo da sentença pelo negócio querido pelas partes.
É que, “transitada em julgado uma sentença homologatória de transacção, a força obrigatória da referida decisão sobre a relação material controvertida impõe-se dentro e fora do processo”. A sentença, não conhecendo do mérito, chama a si “o mérito para que aponta o contrato de transacção, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E, uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transacção de que nascera” (Ac. STJ de 25/03/2004, com a Refª 03B4074, www.dgsi.pt)
Já assim o entendia Alberto dos Reis que, a propósito de caso, embora diverso, se pode estender ao presente, escrevia que “a sentença que se limita a julgar válida uma confissão, uma desistência, uma transacção, equivale à sentença que condena ou absolve as partes nos precisos termos do acto julgado válido” (Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, Vol. 3º, 545)”.
Assim, no caso concreto, o senhor juiz de paz, proferiu sentença na acta de audiência de julgamento de 19.01.2016, no Procº 968/2015, do Julgado de Paz de Lisboa, homologando o acordo que as partes lhe apresentaram por escrito por elas assinado e condenou e absolveu as partes em litígio nos seus precisos termos. E os respectivos termos são os que constam expressamente do dito acordo, transcrito no ponto 4. dos factos provados da sentença.
Tal sentença transitou em julgado dado que da mesma não foi interposto recurso nos termos do Artigo 62.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, que prescreve:
Recursos
1 - As decisões proferidas nos processos cujo valor exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas por meio de recurso a interpor para a secção competente do tribunal de comarca em que esteja sediado o julgado de paz.
(…)
Dispôe o Artigo 63.º da referida Lei que:
“Direito subsidiário
É subsidiariamente aplicável, no que não seja incompatível com a presente lei e no respeito pelos princípios gerais do processo nos julgados de paz, o disposto no Código de Processo Civil, com excepção das normas respeitantes ao compromisso arbitral, bem como à reconvenção, à réplica e aos articulados supervenientes”.
Não há dúvida que com aquela transacção judicial as partes extinguiram a instância daquele processo e fizeram cessar a causa nos termos em que a efectuaram, sem prejuízo de poderem vir invocar a invalidade por qualquer forma do respectivo negócio jurídico ou da sentença homologatória- artºs 277º, al. d), 284º e 291º, nºs 1 e 2, todos do CPC aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06.
Mas o senhor juiz de paz não conheceu do conteúdo da petição inicial, nem da contestação, não tendo assim apreciado o mérito do processo e, em consequência, não ter havido uma decisão sobre o pedido da Autora, aqui Recorrida, e / ou procedência da impugnação e defesa por excepção deduzida pelo Réu, aqui Recorrente.
A transacção efectuada naqueles autos mediante o pagamento de uma quantia, tout court, não significa que as partes tenham acordado e/ou reconhecido o que quer que seja, quanto ao eventual (in)cumprimento do contrato de empreitada.
Ora, a decisão recorrida julgou procedente a excepção dilatória de caso julgado, prevista no artigo 577º, alínea i) do atual Código de Processo Civil – artigo 494º, alínea i) do anterior Código, na vertente apontada pela ré, a função negativa do caso julgado, ou seja, a de evitar a repetição de causas.
Para que se verifique essa excepção dilatória, impõe-se a verificação dos requisitos enunciados nos artigos 580º e 581º do atual Código de Processo Civil – artigos 497º e 498º do anterior Código de Processo Civil.
Assim, e de acordo com os referidos preceitos, pressupondo a referida excepção a repetição de uma causa, temos que essa repetição ocorrerá quando se propõe uma acção idêntica a outra, quanto aos sujeitos, quanto ao pedido e à causa de pedir, sendo que, e concretizando, o último dos preceitos citados estabelece que há identidade de sujeitos, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Ora bastará no caso uma análise perfunctória de ambas as acções em referência para se poder concluir não se verificar na situação dos autos com referência à acção aludida pela ré na sua contestação, essa tríplice identidade a que alude o artigo 581º do actual Código de Processo Civil e que é condição para a verificação da excepção dilatória do caso julgado a que se refere o também ele já citado artigo 577º, alínea i), em qualquer uma das suas vertentes.
Com efeito, enquanto que na acção que correu termos no Julgado de Paz de Lisboa a aqui ré, alegando o incumprimento parcial do ali réu no pagamento do preço acordado para a obra de construção civil por si realizada e após eliminação de defeitos denunciados pelo ali réu, pedia a condenação deste no pagamento desse preço no valor de 5.830,00€,a que se refere a factura nº 2/44, vencida me 04.10.2013, acrescido de juros de mora à taxa legal contados desde a data de vencimento daquela factura até integral pagamento, nesta acção o autor (ali réu) invoca a existência de incumprimento/cumprimento defeituoso do contrato de empreitada celebrado com a ré e a sua resolução por carta de 12.11.2013, pedindo a condenação da ré na restituição do preço que pagou de adiantamento no valor de 20.000,00€, em indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do atraso e incumprimento definitivo da obra contratada, no valor de 10.0001,00€, tudo acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde 12.11.2013 até integral pagamento. Ou seja, tudo analisado, estamos no caso, e quanto mais não seja, perante causas de pedir diferentes e perante pedidos também eles diferentes, de tudo isto resultando que a excepção dilatória de caso julgado terá que improceder.
Acresce que a ora alegação (causa de pedir) do autor, serviu de alegação na contestação, por via de excepção peremptória de incumprimento/cumprimento defeituoso na anterior acção que correu no Julgado de Paz de Lisboa.
Mas essa questão não foi objecto de decisão no âmbito daquela acção, pelo que a sentença homologatória da transacção ali efectuada, transitada em julgado, não obsta à propositura da presente acção, pelo que, in casu, não se verifica a excepção dilatória inominada da autoridade do caso julgado. Não se corre o perigo de obstar a que a mesma situação em concreto possa ser validamente definida de modo diverso.
Com efeito, quer a excepção dilatória do caso julgado, quer a excepção dilatória inominada da autoridade do caso julgado, configuram efeitos distintos da mesma realidade jurídica, na medida em que pela primeira visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se assim o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto que pela segunda se visa antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir, assentando pois um tal efeito, positivo, numa relação de prejudicialidade, decorrente da circunstância do objeto da primeira decisão constituir questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida – Lebre de Freitas Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 2ª edição, pág. 354 e Acórdão da Relação de Guimarães de 17-1
Ora, conforme se referiu, a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior.
Dúvidas não há de que o efeito útil que a excepção do caso julgado pretende acautelar não se justifica, nem se aplica in casu, uma vez que não existe a possibilidade de o tribunal a quo contradizer uma decisão anterior, pelo simples motivo de que o pedido e causa de pedir em apreciação na presente acção não foram apreciados e julgados no âmbito do processo que correu termos junto do Julgado de Paz de Lisboa e no qual a sentença ali proferida apenas homologou o acordo de pagamento por parte do então Réu de uma quantia no valor de €4.500,00, sendo, em consequência, o conteúdo/objecto da sentença, por apenas referir uma obrigação de pagamento não consubstanciada em quaisquer razões de facto e/ou de direito, insusceptível de ser contraditada ou de sobre a mesma poder incidir uma sentença alternativa e/ou incongruente no âmbito dos presentes autos sob recurso.
A relação controvertida objecto do processo que correu termos nos Julgados de Paz de Lisboa, não foi julgada, nem sobre a mesma incidiu qualquer tipo de juízo, tendo o litígio ficado em aberto e por decidir.
Pelo que o Tribunal a quo não está impedido de apreciar e julgar definitivamente tal litígio, não se encontrando, em consequência, prejudicado o direito do ora Recorrente em accionar a Recorrida no âmbito dos presentes autos, nos termos em que o fez.
Dado que a sentença proferida nos Julgados de Paz de Lisboa não apreciou do objecto do litígio, a mesma não se pode impor à sentença a proferir no âmbito dos presentes autos sob recurso.
Em face do exposto, contrariamente ao entendimento da decisão recorrida não se verifica a excepção do caso julgado, em qualquer das suas vertentes (positiva ou negativa).
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III- Decisão:
Nestes termos, acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação e revogar o saneador sentença recorrido, na parte que julgou procedente a excepção de caso julgado e absolveu a ré da instância, ordenando que os autos prossigam seus termos.
Custas pela apelante.
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Porto, 26-10-17,
Madeira Pinto
Carlos Portela
José Manuel Araújo de Barros