Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1668/11.8TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
OBRAS DE REPARAÇÃO
INEXISTÊNCIA DE ALVARÁ E LICENÇA CAMARÁRIA
IRREGULARIDADE DA EMISSÃO DE FACTURA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RP201207111668/11.8TJPRT.P1
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A falta de alvará do empreiteiro ou de licença de construção da obra não interfere nem com o contrato de empreitada civil, nem com o direito do condómino a efectuar reparações i indispensáveis e urgentes nas partes comuns, consoante o disposto no art° 1427° CCiv; uma tal falta poderá ter apenas consequências penais ou administrativas.
II - O conteúdo material da factura junta com o petitório não dá nem tira direitos a nenhuma das partes no contrato e no processo, não se encontrando as mesmas partes inibidas de efectuar a prova que entenderem sobre todos os itens referidos, na factura, com recurso aos demais meios de prova.
III - O Réu só poderá servir-se da exceptio ou da exceptio non rite adimpleti contractus caso deseje a execução do contrato pelos autores ou pelos respectivos comissários.
IV - Quer a exceptio quer a exceptio non rite adimpleti contractus só operam se invocadas pela parte a quem aproveitam, sendo vedado o seu conhecimento oficioso pelo tribunal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ● Rec. 1668/11.8TJPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª instância – 03/04/2012.
Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com procedimento especial ao abrigo do regime experimental (D-L nº 108/2006 de 8 de Junho) nº1668/11.8TJPRT, do 2º Juízo Cível (2ª Secção) da comarca do Porto.
Autores – B… e C….
Réu – Condomínio do Edifício “D…”, representado pela Administradora E…, Ldª.

Pedido
a) Que o Réu seja condenado a pagar aos Autores a quantia global de € 11.147,08, nos termos do disposto no artº 1427º CCiv, acrescida dos juros vincendos sobre o capital, até efectivo e integral pagamento.
b) Caso assim se não entenda, seja o Réu condenado no pagamento da mesma quantia, ao abrigo do disposto nos artºs 473º, 467º e 468º CCiv.

Tese dos Autores
Os AA. foram donos da fracção Q de um prédio para habitação, em propriedade horizontal, situado na freguesia de …, Porto.
As janelas do hall de entrada dessa habitação incorporam uma estrutura que constitui a fachada Sul do edifício.
O Condomínio Réu, em meados de 2010, deliberou realizar obras de manutenção e remodelação da fachada.
Em 11/10/2010 ruiu a estrutura que, pelo lado Sul, limitava a fracção dos AA., deixando tal fracção desprovida de qualquer protecção por esse lado.
O Réu instalou uma estrutura provisória de protecção. Tal estrutura não impediu que, durante o Inverno, a fracção dos AA. desse entrada a vento e água, bem como ficando muito fria. O soalho e o tecto foram danificados.
No último fim-de-semana de Outubro de 2010, também caiu parte da dita estrutura provisória.
Na inexistência de deliberação do Condomínio Réu, para reparação da estrutura, os AA. procederam às necessárias obras de reparação.
O artº 1427º CCiv concede aos AA. o direito de peticionarem o valor da sobredita reparação.

Tese do Réu
Impugnam motivadamente a tese dos Autores, designadamente a natureza e adequação aos danos das obras por eles AA. realizadas, para além do respectivo montante em dinheiro.

Sentença Recorrida
A douta sentença recorrida condenou o réu Condomínio do Edifício D… a pagar aos autores B… e esposa C… a quantia de € 10890,00 (dez mil oitocentos e noventa euros) abatida da quota-parte que eles próprios teriam de suportar enquanto condóminos, quantia essa a liquidar em execução de sentença, sendo que à quantia assim determinada acrescerão os juros de mora à taxa legal para as operações civis contados desde 11.8.2011 até efectivo pagamento.

Conclusões do Recurso de Apelação:
1- O processo de execução das obras efectuadas pelos autores não foi precedido de licença camarária.
2- A factura emitida pela empresa F…, L.da, datada de 29.12.2010 e com vencimento na mesma data, não apresenta discriminadamente os materiais utilizados e serviços executados.
3- A empresa F…, L.da tem um alvará de execução de obras de € 16.000,00, pelo que não tinha alvará para funcionar e executar aquela obra.
4- A obra iniciou-se em 14 de Fevereiro de 2011, tendo a factura sido emitida em 29 de Dezembro de 2010.
5- A obra apresentava inúmeros defeitos de execução e montagem já descritos no processo e que por razões de economia se dão por reproduzidos.
6- Toda esta matéria dada como provada é suficiente para se poder dar razão ao R. na invocação da “excepção de não cumprimento” e se considerar legítimo o mesmo.
7- Em virtude da factura ter sido emitida ainda a obra não tinha sido iniciada nem existir qualquer garantia assinada em papel pela empresa construtora, tal situação vai levar à diminuição do prazo de garantia da obra.
8- Não pode o R. ser confrontado com esta situação e ser condenado a se conformar com factos consumados da exclusiva responsabilidade dos AA. e obrigado a entregar os valores pagos por esses.
9- O pressuposto para que haja sub-rogação e o consequente direito de regresso dos AA. é a existência de um pagamento válido.
10- Não provaram os AA. que o pagamento era válido.
11- Se a execução da obra era urgente e poderia legitimar a acção dos AA., não o é o pagamento, portanto quanto a este não poderiam os AA. Sub-rogar-se nele.
12- Pois, que a sub-rogação apenas ocorre quanto à iniciativa de promover as reparações urgentes e não no que se refere ao pagamento – art. 1427º do CC.
13- A factura foi emitida em nome do condomínio, não cabendo o seu pagamento aos AA. nem mesmo a recepção da obra.
14- O pagamento efectuado portanto não ocorreu validamente, não existindo ao R. qualquer obrigação de restituir aos AA. um pagamento que aqueles não efectuaram validamente.
15- As facturas emitidas pelo construtor lesavam o Estado no montante apurado quanto ao IVA, pois foram emitidas no ano anterior ao do inicio da obra sendo “em virtude do aumento do IVA para 23%.”.
16- Mesmo assim, não deveriam os AA. ter pago o montante uma vez que a obra executada apresentava defeitos graves de construção,
17- Pelo exposto, deve considerar-se válido o recurso à excepção de não cumprimento absolvendo-se o R. de restituir os valores pagos pelos AA. e alterada a sentença proferida.

Por contra-alegações, os AA. pugnam pela confirmação da sentença recorrida.

Factos Apurados
A) Os autores foram proprietários da fracção “ Q” do prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial, sob n.º 1289/19931116, sito na Rua …, n.º …, freguesia de …, Porto.
B) O edifício onde se insere a fracção que foi pertença dos autores é formado por cave e cinco blocos (blocos A, B, C, D e E) sito na Rua … n.º …, …, …, … e … e Rua … n.º .., .., .., .., .., .., …, … e ….
C) A fracção “Q” corresponde à habitação designada por A-16, no 5.º e último piso do bloco A do edifício referido.
D) Onde os Autores residiram permanentemente entre 2002 e Dezembro de 2010.
E) Em meados de 2010 em sede de assembleia de condóminos, foi deliberado: (i) a realização de obras tendentes à remodelação e manutenção da fachada do edifício, (ii) a contratação da empresa “M.P” para proceder ao levantamento das patologias do prédio e elaborar o relatório das obras a executar e (iii) que tal relatório de obras seria entregue ao réu durante o mês de Setembro de 2010.
F) As janelas do hall de entrada da fracção “Q” incorporam uma estrutura de vidro e alumínio, que constitui a fachada do lado sul do edifício em causa.
G) Essa estrutura situa-se ao nível do 4.º e 5.º andares do edifício.
H) Por volta das 10:30 horas do dia 11 de Outubro de 2010 a estrutura a que se alude em F) ruiu.
I) A casa dos Autores ficou desprovida de qualquer protecção do lado Sul e assim exposta às intempéries e devassada.
J) O réu teve conhecimento desta situação no próprio dia e comprometeu-se a envidar uma solução urgente, ainda que, no início, provisória.
L) Em 13 de Outubro de 2010, a sociedade “G…, Lda.”, contratada pelo réu, iniciou a instalação de uma estrutura provisória “com vista minimizar o problema dos moradores afectados” e que concluiu no dia seguinte, com o esclarecimento que na assembleia realizada em 22.11.2010 se encontra exarado em acta que estrutura colocada pela empresa acima mencionada” seria uma estrutura metálica e policarbonato alveolar de modo a minimizar o problema dos moradores afectados para que, dentro do possível, fossem criadas as condições mínimas de habitabilidade das fracções.”
M) A solução provisória conferia alguma protecção à habitação dos Autores, mas, no que respeita às intempéries, tão só em dias secos e pouco ventosos.
N) A estrutura não impedia a entrada de vento e de água.
O) Assim além de fria a casa dos autores ficava inundada.
P) As inundações estavam a provocar danos no soalho, no tecto e a colocar em risco a instalação eléctrica.
Q) Assim o autor enviou uma carta à administração do condomínio datada de 2 de Novembro de 2011 e por esta recepcionada onde refere além do mais que “como é do vosso conhecimento, o meu apartamento fracção “Q”, do Edifício D… está desde o passado dia 11 de Outubro sem janelas no hall de entrada devido à queda da estrutura de alumínio e vidro que constituía a fachada do lado sul do edifício e onde as janelas do meu apartamento estavam integradas. Apesar da colocação provisória de uma estrutura que confere alguma protecção, a mesma não impede a entrada de água em abundância estando neste momento a provocar sérios danos no soalho, tecto e ainda colocando sérios riscos à instalação eléctrica da habitação. Acresce que neste fim de semana, com o mau tempo que se fez sentir, parte da estrutura colocada caiu, o que demonstra a precariedade da situação. Dado que esta situação é insustentável, venho por este meio solicitar que nos próximos 3 dias úteis seja convocada uma reunião da assembleia de condóminos o mais urgente possível mas sempre respeitando os prazos legais para o efeito, para que possa ser tomada uma decisão que leve a resolução imediata do problema que afecta tanto a mim como ao condómino do andar de baixo. Caso não seja tomada nenhuma decisão, sinto que estarei no direito de realizar as referidas obras de reposição da fachada(…)”.
R) O réu convocou uma assembleia extraordinária de condóminos, que decorreu no dia 22 de Novembro de 2010.
S) Nessa ocasião foram apresentados três orçamentos, que contemplavam a realização das obras necessárias à reparação da fachada, um apresentado pelo réu, e os outros dois, pelo autor e pela proprietária do 4.º piso, cuja habitação tem equivalentes características às da habitação dos autores, particularmente no que concerne à composição da fachada.
T) Nesta assembleia ficou exarado em acta além do mais que “os condóminos afectados pela estrutura, propuseram a assembleia a aprovação de um de dois orçamentos para a resolução do problema; no entanto por falta de informação dos orçamentos e por estes não corresponderem à especificidade do relatório da MP foi proposto e aceite por unanimidade adiar esta reunião por oito dias com o objectivo de se reformularem os orçamentos. Assim nada mais havendo a tratar foi esta reunião encerrada.(…)”
U) A deliberação foi, então, remetida para momento ulterior, desta feita, para o dia 29 de Novembro 2010.
V) Entretanto, continuavam os autores obrigados a conviver, dia e noite, com o frio, a chuva e consequentemente com baldes, toalhas e plásticos espalhados pelo chão do hall de entrada, como o consequente aumento de danos no soalho e no tecto da casa e risco de deterioração da instalação eléctrica.
X) Na assembleia de condóminos de 29 de Novembro de 2010 em continuação da de 22 de Novembro de 2010 encontra-se exarado além do mais que “assim retomaram-se os trabalhos no ponto 2 onde os condóminos afectados pela queda da estrutura pediram a palavra para reapresentarem os orçamentos desta feita de acordo com as especificações técnicas apresentadas no relatório da MP. Posto a votação a assembleia por maioria rejeitou esta proposta. Tomou a palavra o arquitecto H… que definiu as quatro áreas que o edifício necessita de ver tratadas respectivamente – telhados, fachada, todas as estruturas metálicas, terraços e lajes. Foi questionado por um dos condóminos das áreas afectadas se era possível retirar do caderno de encargos a estrutura que precisa de ser recolocada, ao que o arquitecto H… respondeu positivamente, mas que do seu ponto de vista era um contra-senso, pois irá implicar duplicação de meios da empresa a quem for adjudicada a obra de empreitada geral de obras e a empresa a quem for adjudicado exclusivamente a colocação da estrutura metálica, traduzindo-se na prática esta situação num custo ao condomínio.”
Z) Mais ficou exarado em acta que “os condóminos afectados pela queda da estrutura pediram de novo a palavra uma vez que a retirada da queda da estrutura da empreitada geral já permitiria a aprovação de um dos orçamentos inicialmente apresentados. Foi entretanto a mesa consultada sobre se nesta altura ainda existia quórum para fazer qualquer tipo de votação em virtude de alguns condóminos já se terem retirado, pelo que foi constatado pela mesa que esse “quórum” já na existia. Assim os condóminos afectados pela queda da estrutura, propuseram-se efectuar a reparação da estrutura a expensas suas, uma vez que consideravam ser uma obra urgente e o tempo que leva a reunir orçamentos, aprová-los, cobrar os valores e efectuar as obras é incomportável com a celeridade necessária à resolução do problema (….)”
AA) Na acta da assembleia de 22 de Novembro de 2011 ficou, ainda, exarado que “a E… nos tempos que leva de gestão de edifícios nunca tinha sido confrontada com a queda de uma estrutura metálica com as dimensões da que se encontrava no edifício”e “tampouco o departamento de manutenção da E… estava preparado para lidar com a situação ocorrida, nem dispunha de meios e/ou técnicos para solucionar de imediato os danos causados ”.
BB) Os autores e a proprietária do 4.º piso promoveram, então, as obras da fachada do edifício, que foram realizadas pela empresa “F…, Lda.”.
CC) Os autores custearam parte do respectivo valor no montante de € 10.890,00.
DD) O pagamento foi efectuado faseadamente através de dois cheques, com o esclarecimento que os cheques sacados sobre o I… e no valor de € 3475,00 e de € 7433,00, foram emitidos em nome de “F…”, em 13.12.2010 e 11.4.2011 e foram descontados da conta titulada pelos autores em 24.01.2011 e 13.04.2011, respectivamente.
EE) Após, solicitaram o reembolso do aludido ao réu que se recusou a restituir a quantia em causa.
FF) Ancorando essa recusa numa deliberação, tomada em sede de Assembleia de Condóminos, que não aprovou este pagamento, porquanto os materiais empregues na obra promovida pelos Autores não correspondiam aos previstos no projecto aprovado.
GG) Além dessa intimação, foi também o Réu interpelado pelo mandatário dos autores, por carta registada de 11 de Agosto de 2011, que não mereceu qualquer resposta.
HH) A administração de condomínio colocou o arquitecto H…, responsável pela requalificação do edifício, a liderar e acompanhar quer a colocação da estrutura provisória, quer a fazer o levantamento do ocorrido.
II) O mencionado arquitecto elaborou além do mais o relatório junto aos autos a fls. 88 a 94 e referente a uma vistoria técnica relativa à estabilidade das caixilharias/sistema de fachadas do edifício(…)”
JJ) O processo de execução das obras efectuadas pelos autores não foi precedido de licença camarária.
LL) Na assembleia ordinária realizada no dia 23 de Maio de 2011 ficou exarado em acta além do mais que em relação ao ponto 1.1.3 «Deliberação de autorização de pagamento (contas obras ou geral)» que a assembleia decidiu por unanimidade dos presentes, que a estrutura da fachada colocada apresenta sinais evidentes de desconformidade com as exigidas pelo caderno de encargos apresentado para a mesma, o que ademais foi corroborado pela empresa MP, aqui presente na pessoa do arquitecto H…. Entende assim, a Assembleia não aceitar as facturas que lhes foram apresentadas e não assumir de momento o seu pagamento, enquanto os condóminos ou a empresa construtora não prestar os esclarecimentos solicitados pela MP, e que até à data não foram prestados. Assim que tal for feito e caso a obra mereça parecer favorável da MP e que sejam eliminados os defeitos que à mesma porventura venham a ser assacados, a assembleia delibera que a Administração de condomínio, suportará o preço das facturas mediante compensação desses valores com as quotas extraordinárias e ordinárias vincendas devidas pelos condóminos.(…)”
MM) Na estrutura colocada pelos autores existem pontos com ligações de silicone.
NN) A factura emitida pela empresa F…, L.da datada de 29.12.2010 e com vencimento na mesma data não apresenta discriminadamente os materiais utilizados e serviços executados.
OO) A empresa F…, L.da tem um alvará de execução de obras de € 16.000,00.
PP) J…, filho da proprietária da outra fracção afectada enviou um email datado de 10 de Fevereiro de 2011 à ré e junto aos autos a fls. 174 e cujo conteúdo se dá por reproduzindo e onde refere que “ (…) Envio a pedido da minha mãe e do engenheiro B… a seguinte informação que anexo, em conjunto com a anterior comunicação aquando da queda da fachada: Exmos. Senhores Administradores do condomínio do Edifício D… – Rua …, …. Assunto: Realização de obra de recolocação de fachada do edifício nas fracções A14 e A16. Exmos. Senhores, Vimos por este meio comunicar a V. Exas que no dia 14 de Fevereiro, pelas 8.30 horas, e previsivelmente com termino ano dia 28 de Fevereiro pelas 18.00 horas irá decorrer a obra de recolocação da fachada nas fracções A14 e A16 do edifício supra identificado. Mais informamos que as obras terão lugar entre as 8.30 horas e as 18.00 horas de cada dia. (…)”

Factos não provados
-que em finais de Setembro de 2010, a “M.P.” não tivesse apresentado projecto e que só tivesse feito em 17 de Novembro do mesmo ano;
-que os autores se tenham apercebido de que estrutura que ruiu havia descaído alguns centímetros;
-e que disso os autores tivessem dado conhecimento não só ao réu, como também ao arquitecto responsável pelas obras;
-e que nessa sequência ficasse acordada uma vistoria, a qual ao longo de duas semanas foi sendo agendada e adiada, por diversas vezes, com o último agendamento previsto para o dia 11 de Outubro de 2010, à tarde;
-que tenha sido a vizinha Dra. K…, proprietária da habitação do 3.º piso – A que alertou o autor pelo telefone de que a estrutura tinha caído;
-concreto período que os autores estiveram ausentes da fracção na sequência da queda da estrutura;
-que as obras a realizadas na fachada o tenham sido efectuadas em Dezembro de 2010;
- que o autor tivesse remetido à a carta de datada de 16 de Dezembro de 2010;
-que a estrutura provisória, e segundo o arquitecto H… que acompanhou e deu o seu aval na colocação da estrutura provisória, cumprisse com os requisitos mínimos de estanquidade de chuva, frio e sol em condições climatéricas normais e exigíveis a uma estrutura provisória;
-que a empresa que realizou as mesmas não tivesse alvará para funcionar, sem prejuízo do facto a que se alude em O);
-que nunca tenha sido fornecido pela empresa que realizou a obra levantamento fotográfico da realização dos trabalhos e o método de fixação pedido pelo arquitecto H…;
-que o arquitecto H… contratado pelo réu verificasse na sua primeira visita ao local que a mesma não respeitava as especificações do projecto, bem como do caderno de encargos.
-que o material aplicado não fosse igual ao da estrutura que ruiu;
-que o alumínio estrutural fosse diferente;
-que a estrutura ao nível da janela não tivesse corte térmico;
-que a própria estrutura metálica em diversos pontos não oferecesse condições de estanquidade, situação aliás reconhecida em visita efectuada pelo arquitecto H… na habitação dos autores;
-que os vidros colocados nas janelas da estrutura não correspondam aos originais o que pode ser confirmado por estruturas idênticas que se encontram no edifício, tendo sido os autores em reunião de condomínio esclarecidos pelo arquitecto H… que esse seria um requisito do qual não abdicava;
-que na estrutura colocada pelos autores como não foi levada em conta essa especificidade leva a que, atendendo à exposição solar a que estrutura fica sujeita durante o dia e à diferença de temperatura nocturna, essa amplitude térmica e consequentes oscilações térmicas da estrutura levarão a que vidros quebrem e caiam na entrada do prédio;
-situação esta verificada na última visita com o arquitecto H… na habitação da outra proprietária afectado, que no mês de Abril em que as temperaturas exteriores não atingem os valores dos meses de verão, teve a mesma de abrir as janelas da estrutura em virtude do calor que se fazia sentir no seu hall de entrada, o que tecnicamente pode ser corroborado pelo Arquitecto que esteve no local;
-que em assembleia de condomínios realizada em 28 de Fevereiro de 2011 fosse deliberada a execução das obras gerais de requalificação do edifício, fosse incluída a montagem de nova estrutura para substituir a que ruiu;
-e que fosse isso que motivasse a assembleia-geral a rejeitar os orçamentos e obras que os autores se propunham a fazer, pois já tinha deliberado executar as obras não sendo por isso necessário os autores realizarem as mesmas a suas expensas;
-que não tenham sido pela empresa construtora prestados os esclarecimentos relativamente as fichas técnicas (perfis do alumínio utilizado; tipo e características de vidro; borrachas vedação) e as fotos que possuísse durante a execução da obra;
-que as obras realizadas sejam desconformes ao caderno de encargos apresentado e que os autores tinham conhecimento.

Fundamentos
A pretensão da Apelante ancora-se no questionar do bem fundado da decisão impugnada, no que concerne às seguintes questões em que se baseou:
- saber da relevância de o processo de execução de obras, a cargo dos AA., não ter sido precedido de licença camarária e ter sido realizado por empresa não possuidora de alvará para executar obras da dimensão daquela dos autos;
- conhecer da regularidade da emissão da factura em que os AA. se fundamentam, respectiva data (e a consequente diminuição do prazo de garantia da obra), falta de descriminação de materiais, emissão em nome do condomínio Réu e cobrança de IVA em valor inferior ao devido em 2011;
- saber assim se o pagamento efectuado pelos AA. não é válido (artº 1427º CCiv), não justificando a subrogação dos AA.;
- conhecer da prova dos defeitos de execução e montagem, que justificam a invocação de “excepção de não cumprimento”.
Vejamos pois.
I
Começando por analisar da inexistência de licença camarária para a realização dos trabalhos a que os autos se referem, bem como da inexistência de alvará para as concretas obras realizadas, relativamente á empresa que levou a cabo as referidas obras.
O alvará insere-se no âmbito das admissões administrativas, casos em que “o órgão da administração investe um particular numa determinada categoria legal, de que decorre a atribuição de certos direitos e deveres” (ut Prof. Freitas do Amaral, Curso, II - 2011, pg. 291); pelo alvará-documento se permite a alguém o direito de exploração de determinada actividade, no caso, a actividade de construção civil e obras públicas.
Já a licença de construção se situa entre as autorizações-licença e as autorizações propriamente ditas, variando consoante o intérprete conceda um carácter mais constitutivo no acto administrativo, por via de a actividade de construção se encontrar sujeita a uma proibição preventiva, ou então um carácter mais permissivo ao acto, concedendo que a construção é uma inerência do direito de propriedade sobre imóveis (assim, J. E. Figueiredo Dias e Fernanda P. Oliveira, Noções Fundamentais de Dtº Administrativo, 2ª ed. - 2011, pgs. 195 e 196).
De todo o modo, a falta de alvará ou de licença de construção não interfere nem com o contrato de empreitada civil, nem com o direito do condómino a efectuar reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns, consoante o disposto no artº 1427º CCiv.
Uma tal falta de instrumentos administrativos poderá ter consequências penais ou, obviamente, administrativas, seja para o empreiteiro, seja para o dono da obra, mas não interfere com a empreitada civil, respectivo regime, nem com os direitos que, com base nela, se podem fazer valer (neste sentido, cf. Ac.S.T.J. 11/12/90 Actualidade Jurídica, 13º/pgs. 17 e 18, pº 78996).
E assim improcede o primeiro segmento das doutas conclusões recursórias.
II
Saber agora se o pagamento efectuado pelos AA. não é válido (artº 1427º CCiv), não justificando a subrogação dos AA.
Tal pagamento não será válido, tendo em conta as doutas alegações, por via da irregularidade da emissão da factura em que os AA. se fundamentam - respectiva data (e a consequente diminuição do prazo de garantia da obra), falta de descriminação de materiais, emissão em nome do condomínio Réu e cobrança de IVA em valor inferior ao devido em 2011.
Em primeiro lugar, frise-se que o mecanismo do disposto no artº 1427º CCiv não comporta o fenómeno da subrogação.
A subrogação, definida no artº 589º CCiv enquanto cumprimento de uma dívida de outrem, adquirindo o solvente os direitos do credor originário em relação ao devedor, pressupõe uma substituição numa relação jurídica pré-existente (Profª Ana Prata, Dicionário, 3ª ed., pgs. 916 e 917).
Da mesma forma, nessa outra figura em que consiste o direito de regresso, existe uma obrigação conjunta entre vários condevedores, sendo que, a partir do momento em que um desses condevedores cumpre, assume a posição de credor de uma obrigação idêntica ou equivalente, deduzida ou não da parte que competia ao devedor solvente (Profª Ana Prata, op. cit., pg. 365).
No caso dos autos, não há subrogação porque, antes de os Autores/condóminos terem assumido a obrigação contratual relativa às partes comuns do edifício, inexistia qualquer outra relação contratual pré-existente – portanto, os Autores não se encontram subrogados em nenhum direito pré-existente. Inexiste, por igual, direito de regresso, posto que os Autores não eram devedores originais de nenhuma obrigação – a iniciativa de levar a efeito obras urgentes nas partes comuns depende apenas da iniciativa dos condóminos, nas circunstâncias previstas no normativo: trata-se de um direito, que não de uma obrigação.
Melhor se classifica o direito que decorre das despesas que os condóminos efectuarem no âmbito do artº 1427º CCiv como um direito de reembolso de tais despesas as quais, originariamente, incumbem ao conjunto dos condóminos, organizados, ou não, em condomínio.
Num tal conspecto, a Recorrente atribui uma importância à factura relativa aos trabalhos realizados pelo terceiro empreiteiro, por ordem ou nos termos do contrato celebrado com os Autores condóminos, que tal factura não possui, na realidade.
Nos termos dos artºs 3º e 12º Dec. nº 19.490 de 21/3/1931, o extracto de factura foi elevado à categoria dos títulos executivos.
Com a revogação de tal diploma pela norma do artº 3º D-L nº 29.637 (lei preambular do Código de Processo Civil de 1939), o extracto de factura foi excluído do elenco dos títulos executivos.
Ainda antes, porém, da revogação referida, o vendedor que não possuísse extracto de factura não se encontrava inibido de lançar mão de acção declarativa de condenação visando a obtenção de título executivo (assim, Cunha Gonçalves, Tratado, III/525, ou Baptista Lopes, Do Contrato de Compra e Venda, 1971, pg. 416, cits. in Ac.S.T.J. 29/2/96 Col.II/14; no mesmo sentido, Ac.S.T.J. 14/12/94 Col.III/178).
Admitia-se assim genericamente que o vendedor provasse os seus direitos por quaisquer outros meios – ou seja, desde há muito que a doutrina vem entendendo o extracto de factura como um simples meio probatório, entre outros, dos direitos do credor, isto enquanto, em contrato sinalagmático, o credor tanto possa revestir a figura de vendedor como de comprador, ou, como no caso dos autos, titular do direito à prestação de obra ou titular do direito ao preço.
Desta forma, a omissão da data do contrato (com reflexos no prazo de garantia da obra), a omissão da descriminação de materiais, a emissão em nome do condomínio Réu e a cobrança de IVA em valor inferior ao devido em 2011, na factura apresentada com o petitório, não dão nem tiram direitos a nenhuma das partes no contrato e no presente processo, não se encontrando as mesmas partes inibidas de efectuar a prova que entenderem sobre tais itens, com recurso aos demais meios de prova, incluindo testemunhais, que se achem disponíveis.
Designadamente a falta de descriminação de materiais não impede que se tenha averiguado na acção qual a natureza da obra e qual o respectivo preço global; a data constante da factura ou a emissão em nome do condomínio em nada impedem para futuro, seja os Autores, seja o condomínio, de provarem, como resulta já da presente acção, qual a data efectiva em que trabalhos foram realizados, já dentro do ano de 2011, ou qual a pessoa ou pessoas com quem os trabalhos foram contratados; finalmente, a cobrança de IVA apenas responsabiliza a empresa prestadora do serviço perante a administração fiscal, de tal cobrança não resultando direitos (ou a perda dos mesmos), nos termos do contrato de empreitada celebrado com os Autores.
Sublinhe-se finalmente que, apesar de existirem referências, na matéria de facto provada, a defeitos de construção localizados na obra realizada por ordem dos Autores, concretizados designadamente em “pontos com ligações de silicone” (al. MM), não se pode retirar que a obra efectuada encontre desvalorização ou descaracterização para o fim a que se destinava (artº 913º nº1 CCiv), razão pela qual não colhe a invocação de defeitos na obra, a fim de o condomínio Réu se eximir ao pagamento que dele é exigido.
III
Finalmente, saber se existe fundamento nos autos para que os AA. possam invocar a excepção de não cumprimento do contrato.
Nesta excepção, de natureza material dilatória, o excipiens não nega o direito do Autor ao cumprimento, pretendendo tão somente um efeito dilatório, ou seja, o de realizar a sua prestação no momento em que receba a contraprestação a que tem direito (cf. Ac.R.L. 23/9/2010 Col.IV/85, relatora: Desembª Fátima Galante).
Desta forma, a exceptio em causa se pressuposto existe de que parta é o da plena aceitação da relação contratual entre as partes. Assim, em suma, o Réu só poderia servir-se da dita excepção se desejasse a execução do contrato pelos Autores ou pelos respectivos comissários – neste sentido, José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Coimbra, 1986, pg. 129.
Ora, não é essa realidade que os autos documentam – o Réu sustenta não aceitar as obras efectuadas pelos AA., ou por sua ordem, quer porque apresentam defeitos graves, susceptíveis de afectar o fim a que se destinam, quer porque “ab initio” discordou da linha arquitectónica exterior consagrada pelas obras referidas, que não se encontravam em acordo com o plano inicial de obras de fachada que o Réu tinha entregue a técnico ou técnicos especializados.
Por outro lado, na linha argumentativa das doutas contra-alegações, quer a exceptio non adimpleti quer a exceptio non rite adimpleti contractus só operam se invocadas pela parte a quem aproveitam, sendo vedado o seu conhecimento oficioso pelo tribunal – assim, Prof. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1ª ed., pg. 334, e Ac.R.C. 8/6/93 Col.III/57 (relatado pelo Consº Francisco Lourenço).
Ora, debalde encontraremos no articulado “contestação” a invocação da referida “exceptio”.
Como assim, e porque cabe recordar que a apreciação recursória não visa questões suscitadas “ex novo” no processo – artº 676º nº1 CPCiv – também por esta via as doutas alegações de recurso não poderão proceder.

Resumindo a fundamentação:
I – A falta de alvará do empreiteiro ou de licença de construção da obra não interfere nem com o contrato de empreitada civil, nem com o direito do condómino a efectuar reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns, consoante o disposto no artº 1427º CCiv; uma tal falta poderá ter apenas consequências penais ou administrativas.
II – O conteúdo material da factura junta com o petitório não dá nem tira direitos a nenhuma das partes no contrato e no processo, não se encontrando as mesmas partes inibidas de efectuar a prova que entenderem sobre todos os itens referidos na factura, com recurso aos demais meios de prova.
III – O Réu só poderá servir-se da exceptio ou da exceptio non rite adimpleti contractus caso deseje a execução do contrato pelos autores ou pelos respectivos comissários.
IV - Quer a exceptio quer a exceptio non rite adimpleti contractus só operam se invocadas pela parte a quem aproveitam, sendo vedado o seu conhecimento oficioso pelo tribunal

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, acorda-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação, e, em consequência, confirmar a douta sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.

Porto, 11/VII/2012
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa