Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
56/19,2T8LOU-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
PACTO DE PREENCHIMENTO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2020051156/19.2T8LOU-B.P1
Data do Acordão: 05/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária, verificando-se abuso do seu preenchimento tais elementos não são respeitados.
II - Tendo os pactos de preenchimento autorizado a exequente embargada a preencher as livranças em caso de incumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades inerentes à relação subjacente, pelo valor que for devido, não é possível concluir-se que aquela, ao apor nas livranças uma data mais de três anos ulterior à verificação do citado incumprimento, tenha incorrido em preenchimento abusivo, por violação do princípio da boa fé.
III - Não havendo violação do pacto de preenchimento, numa livrança em branco, o prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 70.º “ex vi” 77.º da LULL, conta-se a partir da data de vencimento que venha a ser aposta no título pelo respectivo portador, quer essa data coincida ou não com o incumprimento do contrato subjacente ou com o vencimento da mesma obrigação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 56/19.2T8LOU-B.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este-Juízo de Execução de Lousada- J2
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra

Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Por apenso à execução comum que a B… com sede Rua …, …-…, Lisboa que move contra C… com os demais sinais nos autos e outros, veio o mesmo deduzir os presentes embargos.
Em resumo, invoca o embargante o preenchimento abusivo dos títulos (livranças) dados à execução bem como a prescrição da obrigação cambiária.
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Recebida a oposição, a exequente contestou, concluindo pela improcedência dos embargos.
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Conclusos os autos foi proferido despacho saneador sentença que julgou improcedentes, por não provados, os embargos deduzidos e determinou o prosseguimento da execução.
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Não se conformando com o assim decidido veio o executado/embargante interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. cfr. arts. 635.º, nº 3, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se houve, ou não, preenchimento abusivo das livranças dadas à execução;
b)- saber se tais obrigações cambiárias estão, ou não, prescritas.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pela primeira instância:
1. Por escritura pública outorgada no dia 04.04.2011, no Cartório Notarial D…, lavrada de fls. 47 a fls. 49 do Livro n.º 130-B, o “E…, S.A” cedeu à Exequente o crédito que detém sobre os Executados, bem como todas as garantias e acessórios a eles inerentes, conforme Certidão de Escritura de Cessão de Créditos junta com o req. executivo e que aqui se dá por reproduzida.
2. Na execução de que estes autos constituem um apenso foram apresentadas á mesma duas Livranças subscritas por F… e avalizadas pelo embargante C…, uma no montante de 46.553,45 € emitida a 24.09.2010 e vencida a 01.06.2018 e outra no montante de 98.654,98 € emitida a 24.09.2010 e vencida a 01.06.2018, juntas como doc. 1 e 2 no req. executivo e que aqui se dão por integralmente por reproduzidas..
3. As referidas livranças foram apresentadas a pagamento nas datas de vencimento, mas os valores titulados pelas mesmas não foram pagos então, nem posteriormente.
4. A executada F… celebrou com o E…, SA os contratos de regularização de responsabilidades juntos a fls. 33 a 43 tendo o executado embargante assinado o mesmo como terceiro outorgante e ainda o contrato de mútuo de fls. 46 a49 que aqui se dão por integralmente por reproduzido.
5. O executado/embargante assinou os pactos de preenchimento de fls.44 e 45 e 50 e 51 que aqui se dão por integralmente por reproduzidos.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar é:
a)- saber se houve, ou não, preenchimento abusivo das livranças dadas à execução.
Como emerge dos autos as livranças dadas à execução aquando da aposição das assinaturas da subscritora e dos respectivos avalistas não se encontravam preenchidas.
Portanto, está fora de dúvida que os títulos (livranças) dados à execução foram emitidos e avalizados em branco.
Ora, estamos perante uma livrança em branco quando falte um ou até todos os requisitos do artigo 75.º da LULL, mas onde existe a assinatura de uma pessoa que exprime a intenção de se obrigar cambiariamente ao subscrever um título com a designação explícita ou implícita de letra.
Embora o artigo 2.º da mesma lei[1] afirme que o escrito a que faltam alguns dos requisitos indicados no artigo 1º não produzirá o seu efeito como livrança, tal significa que os referidos requisitos são elementos, não de existência mas sim de eficácia da livrança, pois preenchido o escrito com todos os requisitos do referido normativo o que é permitido pelo artigo 10.º da mesma lei, ele transforma-se em letra e, portanto, apta a produzir os seus efeitos inerentes a esta, ou seja, o portador de uma livrança em branco pode preenchê-la com todos os requisitos do artigo 1.º, para, assim lhe dar força executiva.
Acontece que, quem emite uma livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher em certos e determinados termos, isto é, o subscritor, ao emiti-la atribui àquele o direito de a preencher em conformidade com o pacto ou contrato de preenchimento entre eles convencionado.[2]
Para o Prof. Pinto Coelho, o subscritor do título fica vinculado a partir do momento em que o entrega assinado. Quanto propriamente à obrigação cambiária, isto é, a obrigação de pagar a soma constante do título, ela só se constitui através do preenchimento. O que existe antes do preenchimento para o emitente do título, não é uma obrigação cambiária, mas apenas o estar sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título, sendo o preenchimento que marca o nascimento da obrigação cambiária.
Não falta, porém, quem considere a obrigação cambiária como existente só pelo facto de o título (em branco) ser emitido. Desde que contenha o nome do tomador, o título se bem que ainda incompleto, pode já circular por meio de endosso.[3]
Segundo o artigo 378.º do C.Civil se o documento tiver sido assinado em branco, total ou parcialmente, o seu valor probatório pode ser ilidido, mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído.
Conforme se escreveu no Ac. do S.T.J. de 16/07/75[4] e seguintes “a assinatura em branco faz presumir no signatário a vontade da fazer seu o texto que no documento viesse a ser escrito, e daí presumir-se que o texto representa a sua vontade confessória; tal presunção beneficia o apresentante do documento ou aquele a quem a confissão ou escrito aproveita, cabendo à parte contrária, ou contra quem o documento é oferecido, provar que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário”.
De igual modo se entendera no Ac. desta Relação de 03/10/74[5], onde se sublinhou que o valor probatório da letra terá de ser ilidido por aquele a quem se exige o cumprimento da obrigação, mostrando este que essa letra não se acha preenchida em conformidade com o ajustado entre o sacador e aceitante.
E a mesma doutrina, fazendo recair sobre o devedor o ónus de alegação e da prova relativamente ao abuso de preenchimento, fora já sustentada por Alberto dos Reis[6], o que aliás se harmoniza com as regras contidas no artigo 342.º do C.Civil e com o critério de normalidade que preside à repartição legal do ónus da prova, visto que se impõe àquele contra quem o direito cambiário foi exercido o ónus de alegar e provar os factos impeditivos do direito invocado.
Isto dito, filia o recorrente o preenchimento abusivo das livranças dadas à execução na circunstância de que entre a data do incumprimento do contrato de crédito subjacente à sua emissão e a data do seu preenchimento terem decorrido mais de oito anos.
Ora, a questão do preenchimento abusivo ou indevido das livranças implica necessariamente a consideração do exacto teor dos respectivos pactos de preenchimento, pelos quais o embargante avalista onde, além do mais, se estipulou:
Pela presente convenção o(s) aqui primeiro(s) autoriza(m) o E… em caso de falta de cumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades inerentes à operação acima referida, a preencher a Livrança em anexo, pelo valor que for devido, a fixar as datas de emissão e vencimento, a designar o local de pagamento, e bem assim, a descontar essa Livrança e utilizar o seu produto para cobrança dos seus créditos,
Como assim, tendo a exequente embargada ficado autorizada em caso de falta de cumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades inerentes à relação subjacente, a preencher as livranças pelo valor que for devido, a fixar as datas de emissão e vencimento, a designar o local de pagamento, ao apor nas livranças a data de vencimento de 01/06/2018 sendo a sua data de emissão de 24/09/2010 não é possível concluir-se que incorreu em preenchimento abusivo, ainda que o incumprimento daquela relação subjacente tenha ocorrido em 24/12/2010.
Por outras palavras, a ampla margem de discricionariedade concedida à portadora das livranças nos respectivos pactos de preenchimento não permite considerar-se verificado o invocado preenchimento abusivo.
E contra isso não se argumente que uma tal cláusula contraria as regras da boa fé sendo, por isso, proibida nos termos preceituados no artigo 15.º do Regime de Cláusulas Contratuais Gerais constantes do DLei n.º 446/85, de 25/10.
Na verdade, o interveniente que assina um título em branco tem, ou deve ter, a consciência de que aquele documento se destina a assegurar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, que em algum momento a pessoa que o recebeu poderá estar em condições de exigir esse cumprimento e poderá preencher o título para essa finalidade e nos termos dessa finalidade.
Efectivamente, o preenchimento da data de vencimento não pode prescindir do que, nesse conspecto, foi pactuado entre as partes e do que ambas (obrigado e credor que intervieram no acordo) podiam objectivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no artigo 236.º do Cód. Civil.
Recorde-se que é, precisamente, o pacto de preenchimento que confere força e eficácia cambiária ao título emitido em branco, sendo essa a base (quando exista) para a reconstituição da vontade dos que nele intervieram, sem prejuízo do eventual recurso à própria relação subjacente.
Ora, com o devido respeito por opinião dissonante, um declaratário razoável, que se pauta pelos ditames da boa-fé, medianamente experiente e informado, inteligente e diligente, do mesmo tipo do declaratário real (artigo 236º, n.º 1, do Cód. Civil-que consagra a teoria da impressão do declaratário), em face da declaração contida no aludido pacto de preenchimento (que os avalistas, enquanto garantes, declararam aceitar), entenderia ou deduziria que o vencimento da livrança deveria ter lugar após a ocorrência do incumprimento do contrato subjacente por parte do obrigado principal e consequente vencimento/exigibilidade de qualquer obrigação ou obrigações que para o mesmo resultem do dito contrato subjacente.
E verificado o citado incumprimento das obrigações assumidas o apelado, embora podendo, não estava obrigado a preencher a livrança; para um declaratário normal colocado na posição do apelado, a declaração tem o sentido de o preenchimento da livrança poder ocorrer, verificado o incumprimento, quando se mostre necessário ao accionamento do título e tendo em vista a satisfação coactiva do respectivo crédito.
A obrigatoriedade do apelado preencher a livrança na data do incumprimento ou do vencimento da obrigação não encontra apoio na declaração contida no pacto de preenchimento acima referido, interpretado este segundo os cânones previstos no artigo 236.º, do Cód. Civil.
Diante do exposto se conclui não se verificar qualquer abuso de preenchimento dos títulos dados à execução, não merecendo, pois, qualquer censura a decisão recorrida quando também assim concluiu.
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A segunda questão colocada no recurso prende-se com:
b)- saber se as obrigações cambiárias estão, ou não, prescritas.
Alega o recorrente que perante o incumprimento contratual no ano de 2010, deveria a embargada ter preenchido a livrança nessa mesma data, actuando assim de boa fé, pelo que não o tendo feito, deverá o prazo prescricional previsto no artigo 70.º da LULL iniciar a sua contagem na data do incumprimento contratual (24/12/2010).
Na há dúvida de que partir da data do referido incumprimento estaria, em absoluto, o ora apelado legitimado a preencher as livranças em apreço com todos os elementos essenciais, nomeadamente a data de vencimento, e a exigir dos obrigados cambiários, de qualquer um deles, pois que todos respondem solidariamente, e nomeadamente do apelante/avalista o valor em débito.
Todavia a questão tal como se mostra posta pela apelante não se reconduz apenas a saber se podia o ora apelado preencher as livranças em causa–questão que cremos ser pacífica-, apondo-lhe essa data de 24/12/2010, mas sobretudo, de modo essencial, se devia o apelado preencher nessa data as livranças, nelas colocando como data de vencimento a data de 24/12/2010, permitindo a invocação com sucesso da excepção de prescrição (que se completaria a 24/12/2013).
A referida questão prende-se, pois, com a matéria atinente à denominada limitação temporal ao preenchimento da letra ou livrança emitida em branco, concretamente a questão de saber se existe ou deve existir um limite temporal ao preenchimento do título em branco por parte do respectivo portador.
Ora, sob este conspecto importa, desde logo, assinalar, que o nosso legislador não consagrou, ao contrário do que sucede em outros ordenamentos jurídicos, um limite temporal a esse preenchimento.[7]
Perante este quadro, a jurisprudência nacional, depois de numa primeira fase ter perfilhado o entendimento de que a ausência de previsão legal quanto a tal limitação implicava a estrita validade da data de vencimento que o portador viesse a incluir no título, tem vindo a perfilhar, de forma que cremos ser unânime, o entendimento de que o prazo prescricional previsto no artigo 70.º da LULL corre a partir do dia do vencimento inscrito pelo portador desde que não se mostre infringido o pacto de preenchimento.[8]
Contra este entendimento sufragado na jurisprudência tem-se, todavia, manifestado a Profª Carolina Cunha, sustentando a Autora, que a circunstância de não haver sido estipulado um prazo fixo para o preenchimento da livrança (pois que, segundo afirma, é raro existir a previsão de um prazo fixo ou uma data limite para o preenchimento da letra ou da livrança) “não significa que não possa extrair-se, por via interpretativa, uma limitação temporal: seguramente que não correspondia à vontade das partes, reconstituída com as ferramentas objectivistas proporcionadas pelo nosso ordenamento jurídico e integrada, se necessário, com auxílio correctivo da boa-fé (art. 239.º CCiv), que o credor pudesse preencher e accionar o título cinco, dez ou mesmo doze anos depois da verificação do facto que legitimava esse comportamento.
E, ainda, acrescenta a Ilustre Professora que “o problema não está tanto num abuso de direito cuja apreciação passe pela avaliação da idoneidade da confiança que a inactividade do credor seja susceptível de inculcar no devedor; o problema está em que as partes, ao colocarem o devedor numa situação dequase sujeição” face ao exercício do poder potestativo de preenchimento do credor, não podem–porque a ordem jurídica não tolera–deixar absolutamente em aberto o limite temporal de semelhante sujeição.”[9]
De facto, como refere, a discrepância entre a prescrição ordinária (prazo máximo de vinte anos–artigo 309.º, do Cód. Civil) e a prescrição cambiária (três anos para o aceitante/subscritor e o seu avalista–artigo 70.º da LULL) “exprime uma valoração legislativa: a exigência de que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito. Se o credor, pela sua inércia, deixar esgotar tais prazos, o direito cambiário extinguiu-se [por prescrição]–sem embargo, naturalmente, de continuar a poder exercer o direito de crédito emergente da relação fundamental.”[10]
Como assim, acrescenta, ainda, a mesma Autora, “É incontornável, portanto, a exortação legal a que o credor, uma vez exercitável o direito cambiário, efectivamente o exerça num breve espaço de tempo. Mas (e é este o busílis da questão) quando se pode dizer exercitável o direito cambiário nas hipóteses de subscrição em branco? Justamente a partir do momento em que o respectivo portador está legitimado a preencher o título–ou seja (tipicamente) a partir da ocorrência do incumprimento e eventual resolução do contrato fundamental.”
E se é verdade que o credor não está propriamente obrigado a preencher o título nesse exacto momento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário contra o obrigado principal.
Se persistir em preencher e/ou accionar o título para lá desse limite temporal, ou em indicar uma data de vencimento posterior a ele, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10º LU e, por referência, à data de vencimento correcta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito.”[11]-[12]

Não obstante a argumentação aduzida se revele certeira sob o ponto de vista da protecção dos obrigados cambiários, o certo é que acaba por esvaziar aquilo que é a liberdade e autonomia (artigo 405.º do CCivil) das partes em fixar o conteúdo do pacto de preenchimento que pode estar subjacente à emissão do título.
Como supra se referiu o preenchimento da data de vencimento não pode prescindir do que, nesse conspecto, foi pactuado entre as partes e do que ambas (obrigado e credor que intervieram no acordo) podiam objectivamente deduzir ou interpretar a partir do assim pactuado, o que há-de resultar da aplicação ao pacto outorgado das regras de interpretação previstas no artigo 236.º do Cód. Civil.
E nada na lei proíbe que as partes, aquando da celebração do referido pacto de preenchimento, possam acordar a que a data de vencimento a apor no título coincida com a do incumprimento e consequente resolução da relação jurídica causal, coisa que, manifestamente no caso em apreço não ocorreu.
Portanto, tal como já noutro passo se referiu a obrigatoriedade do apelado preencher as livranças na data do incumprimento ou do vencimento da obrigação subjacente ou, ainda, no prazo máximo de três anos após esse momento, não encontra, apoio na declaração contida no pacto de preenchimento acima referido, interpretado este segundo os cânones previstos no artigo 236.º, do Cód. Civil.
Destarte, não se nos afigura sustentável que as livranças em apreço se encontram prescritas–pois que não se evidencia, à luz do pacto de preenchimento e na interpretação que dele achamos por correcta que o embargado/recorrido tivesse que nela inserir obrigatoriamente como data de vencimento a data do incumprimento e resolução contratual da relação subjacente-24/12/2010 ou, ainda, no máximo, a data correspondente aos três anos subsequentes a partir daquela data.
Da mesma forma se não pode dizer que a circunstância de as livranças em apreço não se encontrarem ainda preenchidas quanto à data do seu vencimento corresponda a uma aplicação ou interpretação abusiva do pacto de preenchimento, já que como se viu, para tanto era suposto que esta conduta afrontasse o estipulado no pacto, o que também não tem fundamento, ou, ainda, que essa circunstância se traduz numa situação de abuso de direito (artigo 334.º, do Cód. Civil), na modalidade de suppressio ou venire contra factum proprium, sendo certo que, como tem sido afirmado pela jurisprudência, o mero decurso do prazo, sem mais, não permite ao devedor invocar uma legítima confiança na renúncia por parte do credor ao exercício dos direitos que lhe assistem. [13]
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Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pelo recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente por não provada e consequentemente confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 11 de Maio de 2020.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] Aplicável à livranças ex vi artigo 77.º da LULL.
[2] Cfr. neste sentido Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, III, 1966, págs. 123 e seguintes; Pinto Coelho, As letras, Fasc. II, 2ª ed. págs. 31 e seguintes e Marnoco e Sousa, Letras, Livranças e Cheques, I, 2ª ed. pág. 134.
[3] Cfr. Ferrer Correia, obra citada, pág. 128 e, entre outros, o Ac. da Rel. de Lisboa de 27-01-98, CJ, 1998, tomo I, pág. 95.
[4] In B.M.J. nº 247, pág. 107
[5] In B.M.J. 240. pág. 273.
[6] In Cod. Proc. Civil Anot. Volume III, 4 Ed. pág. 421.
[7] Cfr. com menção das soluções encontradas nessa matéria, no direito italiano e no direito inglês, Carolina Cunha, “Letras e Livranças Paradigmas Actuais, Recompreensão de um Regime”, Almedina, 2012, pág. 604 ou, ainda, da mesma Autora, “Manual de Letras e Livranças”, Almedina, 2016, pág. 200, nota 544, ou, ainda, da mesma Autora, “Aval e Insolvência ”, Almedina, 2017, pág. 80, nota 203.
[8] Cfr. entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 12/11/2002 (proc. nº 3366/02), de 30/09/2003 (proc. n.º 2113/03), de 29/11/2005 (proc. nº 3179/05), de 09/02/2012 (proc. n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1), de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1) e o recente acórdão proferido, em 19/06/2019 todos consultáveis em www.dgsi.pt e ainda o T. R. P. de 29.1.2019, relatado por Lina Baptista, e de 7.1.2019, relatado por Jorge Seabra-confirmado por Ac. do STJ de 19/06/2019-, do T. R. G. de 28.2.2019, relatado por Fernando Freitas, e de 25.10.2018, relatado por Raquel Tavares, e ainda do T. R. E. de 23.3.2017, relatado por Isabel Imaginário, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[9] Carolina Cunha “Letras e Livranças …”, cit., pág. 607-608.
[10] Carolina Cunha, “Manual …”, cit., pág. 204.
[11] Carolina Cunha, “Aval…”, cit., pág. 81-82.
[12] Seguindo esta linha de argumentação cfr. e os Acórdãos do S.T.J. de 30/04/2002, relatado por Ribeiro Coelho, da Relação de Lisboa de 10/11/2005, relatado por Gil Roque, do T. R. C. de 28/11/2018, relatado por Arlindo Oliveira e que veio a ser revogado por Ac. do STJ de 04/07/2019, e do T. R. G. de 20/10/2016 e de 16/11/2017, relatados por Damião da Cunha.
[13] Cfr. a este respeito o já citado acórdão do STJ de 19/10/2017 na nota 8.