Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2294/17.3T9VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: CRIME DE DIFAMAÇÃO
HONRA
FACTOS
JUÍZOS DE VALOR
CAUSA DE EXCLUSÃO PUNIBILIDADE
CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
CONFLITO DE DIREITOS
TEDH
Nº do Documento: RP202011042294/17.3T9VFR.P1
Data do Acordão: 11/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A ofensa à honra no crime de difamação pode ser perpetrada através da imputação de factos ou da formulação de juízos.
II - Quando se trate da imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, a conduta não é punível caso se verifiquem os pressupostos de exclusão de punibilidade do artigo 180º nº 2 do CP.
III - Já quando se trate da formulação de juízos, a exclusão da ilicitude não está regulada nesse preceito mas sim na norma geral do artigo 31º do CP.
IV - Tanto o direito à liberdade de expressão como o direito à honra têm consagração constitucional (art.ºs 37º e 26º da CRP), sendo que nenhum se pode afirmar de forma absoluta sobre o outro.
V - Verificado que seja um conflito entre tais direitos, deverá procurar-se uma solução que passará pela realização óptima de cada um deles, harmonizando-os segundo um princípio de concordância prática, para o que se deverá atender aos dados do caso concreto, usando-os segundo critérios de proporcionalidade, razoabilidade e adequação.
VI - Necessária se tornará a compressão do direito á honra para salvaguarda da liberdade de expressão, no qual se inclui o direito à crítica objectiva, que se vem traduzindo, na prática jurisprudencial, na exigência da verificação de ataques à honra ou reputação social com certo nível de gravidade, pois só nestas circunstâncias uma eventual condenação, com base na violação desse direito, não poderá ser considerada uma interferência ilegítima no direito de liberdade de expressão, consagrado no art.º 10º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
VII – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem indicando as características básicas que definem uma sociedade democrática e o papel que nela desempenha a liberdade de expressão, não se cansando de repetir, que o regime democrático é o único compatível com o sistema instituído pela Convenção Europeia.
VIII - Características básicas de um qualquer regime democrático estão as noções de pluralismo, de tolerância e de espírito de abertura.
IX – O Tribunal Europeu tem sustentado consistentemente que a liberdade de expressão está no coração de um regime democrático, sendo muito liberal na protecção da liberdade de expressão, particularmente no domínio político, e isso, mesmo que a linguagem empregue seja objectivamente ofensiva e até algo provocatória, ou ainda que se trate de ideias que choquem ou perturbem.
X - Como adverte Manuel da Costa Andrade, o exercício do direito de crítica tende a provocar situações de conflito potencial com bens jurídicos como a honra e cuja relevância jurídico-penal está à partida excluída por razões de atipicidade. Tal vale, designadamente para os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc., ou sobre prestações conseguidas no domínio do desporto e do espectáculo.
XI - Segundo o entendimento hoje dominante, na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores – os juízos de valor caem já fora da tipicidade de incriminações como a Difamação. A atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do crítico, não havendo, por isso, lugar à busca da cobertura de uma qualquer dirimente da ilicitude.
XII - Para além disso, devem ainda considerar-se atípicos os juízos de facto feitos no contexto de uma valoração crítica objectiva, pressuposta a prova da verdade, como sucederá com a denúncia de que um trabalho de investigação assenta em plágio; ou a afirmação de um crítico desportivo que atribui a prestação de um atleta ao facto de ele actuar sob a influência de estimulantes proibidos pelos regulamentos.
XIII - Contudo, e como adverte Manuel da Costa Andrade, já não poderão considerar-se atípicos os juízos que, no extremo oposto, atingem a honra e consideração pessoal, perdendo todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou obra que, em princípio, legitimaria a crítica objectiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2294/17.3T9VFR.P1
Recurso Penal
Juízo Local Criminal de Aveiro – Juiz 2
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I. Relatório
No âmbito do processo comum singular que, sob o nº 2294/17.3T9VFR, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Aveiro, B… foi condenado na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 8 €, pela prática de um crime de crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal.
Na procedência parcial do pedido de indemnização civil formulado por C…, foi o arguido condenado no pagamento à demandante da quantia de €7.000,00, acrescida de juros legais de mora, desde a notificação, a título de indemnização dos danos não patrimoniais causados.
Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respectiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem: (…)
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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, por considerar que a impugnação da matéria de facto, não obedecendo aos requisitos legalmente previstos, não pode ser conhecida, com a consequência de que a factualidade descrita na sentença encontra-se definitivamente assente, para além de se mostrar correctamente efectuada a sua subsunção ao crime de difamação por que o recorrente foi condenado e processualmente inadmissível, nesta fase, a junção aos autos de documentos, como pretendido pelo recorrente.
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O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida, salientando, quanto ao mérito do recurso, a inexistência de qualquer causa de exclusão da tipicidade ou ilicitude da conduta do recorrente, mostrando-se, por isso, correctamente enquadrada jurídico-penalmente a factualidade assente.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, apresentando o arguido/recorrente, representando-se a si próprio, resposta ao parecer, tendo sido determinado o seu desentranhamento dos autos.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410º, nº 2 ou o art.º 379º, nº 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes:
1) Impugnação da matéria de facto.
2) Repetição do julgamento na primeira instância e renovação da prova neste tribunal de recurso.
3) Atipicidade do comportamento do recorrente e verificação de causas de exclusão da ilicitude.
4) Inadequação da medida concreta da pena de multa aplicada.
5) Excessividade do quantum indemnizatório fixado.
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Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a condenação proferida.
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Factos provados e não provados (transcrição dos factos que se afiguram relevantes para decisão do recurso):
“1 – A ofendida C… é Juiz de Direito e exerce funções no Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2, sita na Rua …, nº .., em Santa Maria da Feira;
2 - No decurso da sua actividade profissional a mesma teve intervenção no Processo de Instrução nº 512/15.1T9ESP, em que era assistente o aqui arguido B… e arguido o irmão deste, D…, no qual foi proferida Decisão de Não Pronúncia no dia 14/6/2016, posteriormente confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
3 - No dia 4 de Setembro de 2017 deu entrada no Processo de Instrução nº 512/15.1T9ESP do Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2 um requerimento elaborado pelo arguido B… dirigido àquela Magistrada no qual consta, entre outros considerandos, o seguinte:
“(…) E este é mais um entre vários exemples paradigmáticos da perversão ao seu mais alto nível, em que toda e qualquer acusação e chorrilho de injúrias ao Assistente foi bem-vinda ou ansiada, e ainda lamentavelmente supervalorizada pela juíza de instrução!
(…) convenientemente, para a juíza de instrução não é uma absurda e ridícula injúria gratuita através de um ato simulado, mas sim um facto real assente … o que uma vez mais atesta o cumprimento de um compromisso de total falta de isenção para incondicionalmente defender o Arguido infractor e diabolizar o Assistente/Cabeça de Casal.
Sendo mais que óbvio e claro, tudo isto foi feito ao contrário do que seria ou deveria ser feito por um correto e isento juiz de instrução que nunca promoveria tamanha Fraude à Lei.
O pedido do Assistente para Abertura de Instrução foi radicalmente declarado nulo e, consequentemente, indeferida a requerida Abertura de Instrução, pela juíza de instrução de Sª Mª Feira, que, em enorme consonância, assim, voltou a “matar” o processo …Abusivamente, recusando qualquer apuramento da verdade ou qualquer Direito ao Contraditório. (…) de novo, o Assistente se sinta ostracizado e defraudado ao pagar actos legalmente previstos em prol do apuramento da verdade que são tendenciosamente recusados, indubitavelmente, a prioridade é ignorar a verdade que não interessa e, obsessivamente, aproveitar as questões para, cegamente, penalizar a vítima queixosa e branquear todos os atos delituosos do infractor denunciado.
Este, é um claro e paradigmático exemplo de manipulação e utilização perversa da justiça que envergonha qualquer cidadão, especialmente porque é arquitectado, desenvolvido e executado por alguém que deveria ter uma idoneidade e dignidade acima da média, e uma imparcialidade inversa à que exibe! Por isso, num Estado de Direito, com todo o mérito, merece um Certificado de Falta de Idoneidade e de Falta de Dignidade.
É a própria juíza de instrução quem interroga o Assistente com perguntas alheias ao processo e profundamente tendenciosas e acusatórias com um obsessivo intuito incriminatório.
Ora bem para a juíza de instrução, estas eram desde o início, as questões mais FULCRAIS E DEFINITIVAS sobre o que ela própria designava com a matéria deste processo, a tal «carta bem concreta desse processo» …sempre, mas sempre com o cego objectivo de cumprir o claro compromisso a que se obrigou: exclusivamente, atacar, denegrir e prejudicar tanto quanto possível, a vítima-queixosa (o Assistente/Cabeça-de-casal)”;
4 - Tais expressões foram proferidas pelo arguido de forma livre, voluntária e com o manifesto propósito de atingir a ofendida na sua honra e consideração de Magistrada de conduta profissional irrepreensível;
5 - O arguido sabia que praticava factos proibidos e punidos por lei;
6 – O arguido possui os seguintes antecedentes criminais:
- Processo Comum Singular nº 535/09.0TAESP do extinto 2º juízo do Tribunal Judicial de Espinho, por sentença proferida em 02/06/2011 e transitada em julgado em 13/02/2012, foi condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €.:8,00 pela prática, em 24/04/2009, de um crime de injúria pena esta que, por decisão de 25/07/2011, foi declarada extinta pelo seu cumprimento;
- Processo Comum Singular nº 562/14.5TAESP do Juízo de Competência Genérica de Espinho, Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, por sentença proferida em 21/10/2015 e transitada em julgado em 06/06/2016, foi condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €.:20,00 pela prática, em 10/07/2014, de um crime de desobediência, pena esta que, por decisão de 31/10/2016 foi declarada extinta pelo seu cumprimento;
7 - O arguido é engenheiro electrotécnico não estando actualmente a exercer a sua profissão vivendo com os proventos que obteve durante os anos em que esteve activo profissionalmente;
8 - Reside em casa própria;
9 - É mestre e perito na Ordem dos Engenheiros;
10 - Efectuou várias especializações técnicas no estrangeiro;
11 - Foi premiado em Portugal por ser o melhor aluno em Aveiro;
12 - Recebeu inúmeros prémios e certificados honoríficos no estrangeiro;
13 - Foi responsável em Portugal pela instalação de ATMs tendo dado formação aos engenheiros que faziam parte da equipa
14 – O arguido é cabeça-de-casal de uma herança de onde diz que já foram retirados cerca de um milhão de euros.
Do pedido de indemnização civil:
15 - O comportamento do demandado incomodou a demandante pois sentiu postas em causa as suas isenções, imparcialidade e honestidade;
16 - E esse incómodo foi tão mais intenso quanto o comportamento do arguido foi despropositado e assumido no contexto de um processo judicial por natureza acessível a toda a secção de processos, colegas, magistrados e eventualmente a terceiros que o quisessem ou queiram consultar;
17 - O comportamento do arguido não cessou com a queixa apresentada nestes autos uma vez que no âmbito do processo de inquérito nº 478/18.6T9ESP, da 2ª secção do DIAP de Santa Maria da Feira voltou a formular juízos ofensivos da sua honra e consideração profissionais;
18 - Tendo esses autos sido conclusos à demandante para a prática de acto jurisdicional, formulou e foi-lhe deferido pedido de escusa.
Inexistem factos não provados.”.
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Apreciando os fundamentos do recurso.
A) Impugnação da matéria de facto. (…)
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B) Repetição do julgamento na 1ª instância. Renovação da prova neste tribunal de recurso. (…)
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C) Atipicidade do comportamento do recorrente e verificação de causas de exclusão da ilicitude.
Considera o recorrente, em primeiro lugar, que para o preenchimento do tipo de ilícito do crime de difamação importa distinguir factos desonrosos de juízos de valor desonrosos e que a manifestação de juízos de valor, ainda que desonrosos, não será ilícita quando resulte da liberdade de expressão.
Em conclusão, sustenta o recorrente que, tendo expressado juízos de valor relativamente à actuação da Sra. Juíza de Instrução no processo n.º 512/15.1T9ESP, o seu comportamento não se reveste da necessária tipicidade, mesmo que esses juízos devam ser considerados ofensivos da sua honra e consideração social e profissional.
Considera o recorrente, por outro lado, que se limitou a exercer o seu legítimo direito de indignação e de defesa perante actuações que entende serem ilegais e altamente lesivas dos seus interesses, não tendo feito constar do requerimento dirigido á Sra. Juíza de Instrução qualquer facto falso, tendo usado, para além disso, do meio e instâncias próprias para o efeito.
Entende, por isso, o recorrente que nos encontramos perante situações que se enquadram claramente no art.º 180.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal (CP), estando ainda perfectibilizada a causa de exclusão da ilicitude prevista no art.º 31.º, n.º 2, alíneas b) e c) do mesmo diploma legal, uma vez que “não só as imputações foram feitas para realizar interesses legítimos, como o agente tem fundamento sério para, em boa fé, as reputar como verdadeiras.”.
A propósito da análise do comportamento do recorrente e da verificação dos tipos de ilícito e de culpa pressupostos pelo tipo de crime em apreço, foi afirmado pelo tribunal a quo o seguinte na sentença recorrida:
“[…]
O arguido vem acusado, em autoria material e na forma consumada da prática de um crime de difamação agravada, p.e p., pelos artigos 180º, nº 1, 184º por referência ao artigo 132º, nº 2 al. l) do Código Penal.
Segundo o artigo 180º do Código Penal:
«1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n. o 2 do artigo 31. º o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n. o 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.»
Dispõe o artigo 184º, que respeita à prática deste crime na forma agravada que:
«As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea 1) do n. o 2 do artigo 132.º no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.»
Por outro lado, preceitua a alínea l) do n° 2 do art.° 132º do Código Penal que:
«I) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das \autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas;»
O bem jurídico protegido pelo crime imputado ao arguido é a honra.
“A honra (e por aproximação, o bom nome) está ligada à imagem que cada um tem de si próprio, construída interiormente mas também a partir de reflexões exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e honestidade; a reputação (e também a boa fama) representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, ao apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 2000 in BMJ 493 – 156 (citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/03/2006, in www.dgsi.pt).
À luz da nossa lei, “a honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicando na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior” (cfr. José de Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 607). Não tem, assim, entre nós, aceitação a restrição da honra ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade.
Ensina o Professor Beleza dos Santos, a propósito, que a honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale, e que a consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal forma que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa ao desprezo público (R.L.J., ano 92º, pág.164).
A difamação (assim como a injúria) compreendem, portanto, comportamentos lesivos da honra e consideração de alguém.
Honra será a dignidade subjectiva da pessoa, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa possui, dizendo respeito ao património pessoal e interno de cada um - o próprio eu.
A consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fé, a estima, a dignidade objectiva, ou seja, a forma como a sociedade vê cada cidadão - a opinião pública.” Cfr. Código Penal anotado, Simas Santos e Leal-Henriques, vol. II, pág. 317 e Ac. da Relação de Lisboa de 6-2-96, CJ tomo I, pág. 156.
O crime de difamação pode ser preenchido mediante as seguintes acções típicas:
- a imputação de um facto ofensivo (ainda que meramente suspeito);
- a formulação de um juízo de desvalor;
- a reprodução de uma imputação ou de um juízo.
A essência do crime de difamação, designadamente por contraposição ao crime de injúrias, consiste no facto de a imputação ser levada ao conhecimento de terceiros.
Não há dúvidas que “o ponto nevrálgico da difamação se centra “(...) na imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos efectuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros”. Cfr. Comentário conimbricense do Código Penal, vol. I, pag. 608.
Tendo em consideração que a lei distingue entre juízos de valor desonrosos e imputações de factos desonrosos, é imprescindível, para uma melhor compreensão do fenómeno, fazer a distinção entre facto e juízo.
A referida distinção também será importante para os casos em que a noção e facto são um ponto essencial para a exclusão do ilícito (imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar, nº 3 do artigo 180.º do CP).
A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou de juízo que encerre em si uma reprovação ético-social por serem ofensivos da honra e consideração do ofendido, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento dessa dignidade por parte dos outros, quer no período moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político (aqui seguimos de perto o Acórdão da Relação de Guimarães de 05/03/2018, in www. dgsi.pt).
Tendo em consideração que a lei distingue entre juízos de valor desonrosos e imputações de factos desonrosos, é imprescindível, para uma melhor compreensão do fenómeno, fazer a distinção entre facto e juízo.
A referida distinção também será importante para os casos em que a noção e facto são um ponto essencial para a exclusão do ilícito (imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar, nº 3 do artigo 180.º do CP).
Facto é aquilo que é ou acontece – a sua existência é incontestável, e tem um tempo e espaço precisos e determináveis. É o acontecimento da vida real cuja revelação atinge a honra do seu protagonista. Um facto pode ser comunicado sob a forma de uma suspeita e sob a forma de uma preposição incompleta sobre a realidade, omitindo-se a parte da realidade favorável ao visado. A imputação de factos desonrosos não é ilícita quando é verdadeira e prossegue interesses legítimos.
Por seu lado, o juízo deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto – dizer que alguém não pode fazer algo por ser incapacitado é elaborar um juízo sobre a capacidade de alguém. É um raciocínio cuja revelação atinge a honra da pessoa, podendo ser formulado de modo afirmativo, negativo ou dubitativo. Um juízo de valor não é ilícito quando resulta do exercício da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e da liberdade de criação artística.
Quanto ao elemento subjectivo, a orientação dos nossos tribunais superiores tem sido a de não exigir um dolo específico, um propósito de ofender a honra e consideração de alguém. Não será, assim, exigível a especial intenção de ofender alguém. Isto tanto no crime de difamação como no crime de injuria. Neste sentido, o Ac. STJ de 1-7-87, BMJ nº 369, pág. 593.
Por último, a agravação do crime deve-se ao facto de a ofendida ser juiz.
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É líquido que nem todo o comportamento incorrecto de um indivíduo merece tutela penal, havendo que distinguir entre situações que traduzem apenas indelicadeza, grosseirismo ou má educação e aquelas que traduzem, de facto, uma ofensa da honra de terceiros merecedoras de tutela penal.
E assim é pois, como é normal, entre os membros de uma comunidade há um certo grau de conflitualidade e animosidade, ocorrendo situações em que os cidadãos se podem expressar de forma deselegante ou indelicada, só devendo o direito intervir nas situações em que é atingido o núcleo essencial das qualidades morais inerentes à dignidade humana.
No caso do crime de difamação, o direito tem que intervir quando é posto em causa a tutela constitucional do direito fundamental ao bom nome e reputação de qualquer pessoa, direito esse que se encontra consagrado no artigo 26º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.
Contudo este direito tem de ser compatibilizado com outro direito fundamental que é a liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos.
É o que decorre do art. 37.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, quando preceitua que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem descriminações. ",
A liberdade de expressão assume o caráter de um direito individual do cidadão, enquanto manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas.
O direito à liberdade de expressão e de opinião encontra igualmente consagração a nível do direito internacional, como a Convenção dos Direitos do Homem (artigo 10º) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 19º), compreendendo, nomeadamente a liberdade de transmitir e difundir ideias por qualquer meio de expressão.
Contudo, uma vez que o exercício desse direito pode entrar em conflito com bens jurídicos como a honra e consideração, é importante que as expressões utilizadas se circunscrevam ao sentido próprio da crítica, não atingindo o nível de ofensa pessoal desnecessária, inadequada ou desproporcional ao normal exercício do direito de expressar opinião.
Atentos os múltiplos factores que concorrem para a identificação das condutas ofensivas da honra e consideração de um indivíduo, só no caso concreto é que é possível discernir quais as palavras ou afirmações que comportem uma carga ofensiva.
Para este efeito, há que considerar não só as expressões em si mesmas ou o seu significado, mas todas as circunstâncias envolventes, como sejam a comunidade mais ou menos restrita a que pertencem os intervenientes, a relação existente entre estes, o contexto em que as palavras são produzidas e a forma como o são.
Voltando ao presente caso, descontente com a decisão de não pronúncia proferida pela ofendida no âmbito do processo de instrução nº 512/15.1T9ESP, onde o aqui arguido era assistente e um seu irmão arguido, decisão essa confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, o arguido enviou ao referido processo o requerimento constante da matéria dada como provada e onde se destacam as seguintes expressões dirigidas à pessoa da ofendida enquanto Magistrada Judicial:
Desde logo, o arguido expressamente declara que a ofendida actuou com falta de isenção, acusando-a de ignorar a verdade que não interessa e obsessivamente aproveitar as questões para cegamente penalizar a vítima queixosa e branquear todos os actos delituosos do infractor delituoso.
Declara que tudo foi feito ao contrário do que seria ou deveria ser feito por um correcto e isento juiz de instrução que nunca promoveria tamanha fraude à lei.
Acusa-a, ainda, de manipular e utilizar perversamente a justiça que envergonha qualquer cidadão, merecendo, por isso, um certificado de falta de idoneidade e da falta de dignidade.
Acusa-a de sempre ter tentado denegrir, prejudicar o aqui arguido.
Ou seja, apelida a ofendida C… de falta de isenção, de falta de dignidade, de falta de imparcialidade, de agir tendenciosamente, de branquear actos, de sonegação e de falsificação de documentos.
Tais expressões exprimem juízos de apreciação e de valoração pessoais pejorativos que ultrapassam o âmbito da crítica objectiva, visando o núcleo essencial das qualidades morais da ofendida, uma vez que, caso fosse verdadeira tal imputação, tornaria a ofendida socialmente “inadequada” para o exercício da sua profissão por, nessa linha de raciocínio, carecer das condições de natureza moral consideradas essenciais para o exercício do cargo.
Tais expressões colocam manifesta e objectivamente em causa a dignidade da visada, a sua honorabilidade pessoal e profissional, atingindo-a como pessoa, desde logo, mas também como magistrada judicial: imputa-lhe uma conduta intencionalmente contrária ao seu dever de imparcialidade como juíza, conduta que configuraria a prática de crimes de denegação de justiça, de falsificação, entre outros.
O arguido imputa à ofendida factos ofensivos da sua honra pessoal e da sua honra profissional. Não se está perante um juízo ou crítica relativos à sua actuação objectiva mas perante a imputação de uma conduta consciente de violação do dever de imparcialidade, imputação que não tem qualquer fundamento pois o arguido nunca provou a verdade dessa imputação e não tinha qualquer fundamento, para em boa-fé, acreditar numa eventual verdade dessa imputação, o que afasta a previsão do artigo 180º, nº 2, alíneas a) e b) do Código Penal, ou do artigo 31º, do Código Penal, mormente nº 2, alíneas b) e c).
Face o teor das expressões constantes da matéria de facto considerada provada impõe-se concluir que não se verifica qualquer causa justificativa, uma vez que o conteúdo de tais expressões ultrapassa, quanto a nós e tal como acima se deixou dito, o livre direito de crítica objectiva, porquanto atingem a honra e consideração devida à ofendida, com idoneidade para a desprestigiar perante terceiros, sendo que se revelam excessivas e desnecessárias ao exercício do direito de crítica por parte do arguido ao exercício de funções daquela enquanto juiz subscritora de um despacho de não pronúncia, ultrapassando o seu direito de expressão.
A forma que o arguido poderia reagir contra comportamentos que, no seu entender o prejudicavam deliberadamente, seria apresentar uma queixa crime e nunca juntar a um processo, que tem carácter público e a que qualquer pessoa pode aceder, o requerimento em causa nos autos.
O arguido até poderia ter manifestado o seu desagrado, exercendo o seu livre direito de crítica, de modo objectivo, não utilizando as supra referidas expressões, ofensivas aos olhos de qualquer cidadão de média compreensão.
Dito de outro modo, as expressões supra referidas, porque desde logo colocam em causa a parcialidade da ofendida juiz, ultrapassam o admissível no âmbito da “normal” conflitualidade processual.
Do mesmo modo verifica-se a qualificativa, prevista no artigo 184º, do Código Penal, por referência ao artigo 132º, nº 2, alínea l) do Código Penal atenta a data dos factos e não alínea l) conforme consta da acusação, decorrente da qualidade profissional da ofendida, juiz subscritora do despacho de não pronúncia.
O arguido bem sabia que os factos e comportamentos acima referidos não haviam ocorrido, não tendo a ofendida em qualquer momento do processo, agido de forma imparcial, tendenciosa, com a intenção de denegrir o aqui arguido.
O arguido sabia que a ofendida era, como é actualmente, juiz de direito e que nessa qualidade interviera no referido processo nº 216/13.0T2ILH, mais sabendo que ao formular o requerimento em causa nos termos descritos, fazia constar do mesmo factos falsos.
O arguido agiu de modo consciente, livre e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta.”.

A propósito da configuração do crime de difamação, afirma-se no acórdão deste TRP, de 21/3/2018[1] que “É pacífico que a ofensa à honra no crime de difamação pode ser perpetrada através da imputação de factos ou da formulação de juízos. Quando se trate da imputação de factos, ainda que sob a forma de suspeita, a conduta não é crime caso se verifiquem os pressupostos de exclusão de punibilidade do artigo 180º nº 2 do CP. Já quando se trate da formulação de juízos, a exclusão da ilicitude não está regulada nesse preceito mas sim na norma geral do artigo 31º do CP.” [2].
Com efeito, e como salienta Faria Costa (“Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial. Tomo I”, pág. 611), evitando uma eventual querela em redor de formulações, o legislador equiparou as duas situações, pois tanto monta fazer a imputação desonrosa de um facto como formular um juízo, também ele desonroso.
É a dignidade penal que dá expressão ao mandamento constitucional segundo o qual só os bens jurídicos fundamentais merecem a tutela penal e, por vias disso, assegura eficácia à exigência constitucional da proporcionalidade. Por seu turno, é a carência de tutela penal que garante vigência ao imperativo constitucional da subsidiaridade (ou ultima ratio), por força do qual só será admissível o recurso à criminalização de condutas quando esta se revele idónea e necessária. Isto é, quando não seja possível assegurar a protecção dos bens jurídico-criminais por forma igualmente eficaz e menos gravosa para a liberdade [3].
Como refere Manuel da Costa Andrade (in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal. Uma perspectiva jurídico-criminal”, Coimbra Editora, 1996, pág. 170), na axiologia constitucional do moderno Estado de direito só a dignidade humana – “critério supremo e princípio de interpretação de todo o direito” (F…) – conhece uma protecção absoluta e sem limites.
Tanto o direito à liberdade de expressão como o direito à honra têm consagração constitucional (art.ºs 37º e 26º da CRP), sendo que nenhum se pode afirmar absolutamente sobre o outro. E verificado que seja um conflito entre tais direitos, deverá procurar-se uma solução que não passará pelo estabelecimento de uma ordem hierárquica entre eles, mas antes pela realização óptima de cada um, harmonizando-os segundo um princípio de concordância prática, para o que se deverá atender aos dados do caso concreto, usando-os segundo critérios de proporcionalidade, razoabilidade e adequação. Mas mesmo que na actuação individual concreta se possa considerar a existência de um desequilíbrio voluntariamente criado, designadamente um excesso no uso da liberdade de expressão, em violação do direito à honra ou consideração, vistas as coisas à luz do direito penal haverá sempre que ponderar a existência ou não de uma gravidade tal, em tal violação, que justifique a aplicação de uma sanção penal, isto é, de uma pena de prisão ou de multa (cfr. o acórdão deste TRP de 11/4/2019 – Francisco Mota Ribeiro, in www.dgsi.pt).
Necessária compressão do direito á honra para salvaguarda da liberdade de expressão, no qual se inclui o direito à crítica objectiva, que se vem traduzindo, na prática jurisprudencial, na exigência da verificação de ataques à honra ou reputação social com certo nível de gravidade, pois só nestas circunstâncias uma eventual condenação, com base na violação desse direito, não poderá ser considerada uma interferência ilegítima no direito de liberdade de expressão, consagrado no art.º 10º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
É abundante a jurisprudência nacional que, na ponderação dos dois direitos constitucionais em conflito, salienta a necessidade de uma ofensa grave, desproporcionada e ilegítima à honra por forma a justificar o sacrifício do direito à liberdade de expressão - sendo certo que, como salienta Manuel da Costa Andrade (obra citada, pág. 153), evocando E…, para a superação normativa do conflito há-de ter-se sempre presente “que não é possível tomar uma decisão definitiva no caso concreto sem a apreciação pelo julgador das circunstâncias relevantes para a ponderação, que no caso comprovadamente se conjuguem”.
Exemplificativos do que acaba de se expor, encontramos, entre muitos outros, os seguintes arestos deste Tribunal da Relação do Porto, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt:
- Acórdão do TRP de 9/3/2020 – Estelita de Mendonça.
“Vem-se entendendo, unanimemente, que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts 180º e 181º do Código Penal, tudo dependendo da «intensidade» da ofensa ou perigo de ofensa (uma vez que os crimes de difamação e de injúria são crimes de perigo). Como escreveu Beleza dos Santos «nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (…).” v. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 92º, pág. 167.
Com efeito, aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não pode considerar difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena – ob. cit. págs 165 e 166.
Aliás, nesta linha, decidiu o Ac. da Rel. de Évora, de 02/07/96, onde se escreveu: «Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético-necessário à salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração” – (negrito nosso) (CJ, Ano 1996, T. IV, pág. 295). É hoje claro, de resto, o “estreitamento” da honra enquanto bem jurídico, a acompanhar “uma certa perda da sua importância relativa”, (José de Faria Costa, Direito Penal Especial, Coimbra, 2004, pág. 104), que igualmente aponta para uma “verdadeira erosão interna” e para uma indesmentível “erosão externa” a que a honra tem sido sujeita.”.

- Acórdão do TRP de 11/4/2019 – Francisco Mota Ribeiro (já citado).
“[…] para haver uma violação de tal direito, o concreto ataque à honra ou consideração (“reputação”) terá de atingir um certo nível de gravidade, de molde a prejudicar o gozo daquele direito. Porquanto só um determinado nível de gravidade permitirá que uma eventual condenação, com base na violação desse direito, não possa ser considerada uma interferência ilegítima no direito de liberdade de expressão, consagrado no art.º 10º, § 1º, da mesma Convenção, pressupondo-se assim que uma tal condenação só possa ser aceitável, nos termos do art.º 10º, § 2, da CEDH, na medida em que se mostre necessária, numa sociedade democrática, à proteção da reputação ou de direitos de outrem.”.
- Acórdão do TRP de 25/9/2019 – Paulo Costa.
“Para que um facto ou um juízo possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devidas a qualquer pessoa, deve constituir comportamento objetiva e eticamente reprovável de forma que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando, assim, a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento.”.
- Acórdão do TRP de 11/9/2019 – Jorge Langweg.
“Como se refere no Acórdão do TR do Porto de 11.11.2015, in www.dgsi.pt “A protecção penal conferida à honra só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém”.
- Acórdão do TRP de 27/11/2019 – Raúl Esteves.
“[…] O artº 25º nº1 da Constituição da República dispõe que “A integridade moral e física das pessoas é inviolável”, dispondo o artº 26º do mesmo diploma que, “a todos são reconhecidos os direitos á identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, á capacidade civil, á cidadania, ao bom nome e reputação, á imagem, á palavra, á reserva da intimidade da vida privada e familiar e á protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Por seu lado, estabelece o artº 37º da Constituição da República que “todos têm o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento por palavras, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar, e ser informados, sem impedimentos ou discriminações”.
Ambos os direitos, merecem tutela e garantia constitucionais, enquanto direitos fundamentais das pessoas, inscritos na Constituição da República. “O direito de liberdade de expressão e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e de outro” (Cfr. neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, pag. 110-111). O conflito entre esses dois direitos, haverá assim de ser resolvido mediante uma convivência pacífica onde ressalta os interesses legítimos que importa, em cada caso, acautelar, sendo chamado, em sede penal, a protecção enérgica do direito à Honra e ao bom Nome se, no caso, repete-se, se mostrar violado, sem qualquer fundamento legitimador, o exercício do direito de expressão, onde se insere o direito à critica.
Neste contexto, é crucial o contributo do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, definindo nos seus arestos quais são as características básicas que definem uma sociedade democrática e o papel que nela desempenha a liberdade de expressão.
Aquela alta instância não se tem cansado, pois, de repetir, decisão após decisão, que o regime democrático é o único compatível com o sistema instituído pela Convenção Europeia, o que de resto decorre desde logo do próprio preâmbulo desta, como tem ainda sublinhado que de entre as características básicas de um qualquer regime democrático estão as noções de pluralismo, de tolerância e de espírito de abertura. Mais: nesta linha de reconhecimento do valor do confronto livre de ideias, tem o Tribunal Europeu sustentado consistentemente que a liberdade de expressão, está no coração de um regime democrático. Assim se compreende que a jurisprudência do Tribunal Europeu tenda a ser muito liberal na protecção da liberdade de expressão, particularmente no domínio político, e isso, mesmo que a linguagem empregue seja objectivamente ofensiva e até algo provocatória, ou ainda que se trate de ideias que choquem ou perturbem. […]”.

Acórdão do TRP de 7/11/2018 – Cravo Roxo.
“Fazendo apelo ao que se escreveu no Ac. desta Relação, de 26.04.2006 (www.dgsi.pt, nº RP………….): “um dos princípios estruturais do direito criminal é o da subsidiariedade (ou da mínima intervenção criminal), que implica que o apelo àquele só se legitima quando a tutela dos bens jurídicos não puder ser garantida por outras vias, com incidências menos drásticas para os direitos das pessoas, sejam elas estaduais ou privadas, destacando-se nestas a autotutela por banda dos concretos portadores dos bens jurídico-penais. Estes considerandos aferem-se pela conduta da vítima, enquanto carente de tutela jurídica, designadamente em certas expressões da vida; e também pela acção do agente, para se apreciar da possibilidade de os factos praticados se revestirem de tipicidade, ou seja, para se verificar se estamos perante factualidade típica com natureza e índole criminal.”.
Acórdão do TRP de 14/6/2017 – Maria Ermelinda Carneiro.
“Como é referido, a este propósito, no Acórdão da Relação do Porto, de 26/03/2011, disponível em www.dgsi.pt “Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível. Até onde vai o exercício do direito e quando passa ele a ser ilegítimo? O art. 334.º do Código Civil estatui que «é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». Uma definição idêntica não se encontra no Código Penal. Acompanhando o acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Abril de 1998 diremos que «Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros [...]. Do elenco desses limites ou normas de conduta fazem parte as que estabelecem a “obrigação e o dever” de cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social, mínimo esse de respeito que não se confunde, porém, com educação ou cortesia, pelo que os comportamentos indelicados, e mesmo boçais, não fazem parte daquele mínimo de respeito, consabido que o direito penal, neste particular, não deve nem pode proteger as pessoas face a meras impertinências». Tal interpretação está de acordo com o princípio da mínima intervenção do aparelho sancionatório do Estado, que subjaz ao direito penal. E deste princípio não podemos esquecer-nos na determinação dos elementos objetivos previstos no art. 180.º n.º1 do Código Penal. Para a correta determinação dos elementos objetivos do tipo importa atender ao contexto em que os factos ou juízos pretensamente atentatórios da “honra ou consideração” são produzidos (…)”.
- Acórdão do TRP de 9/11/2016 - Raúl Esteves.
“É próprio da vida social a ocorrência de algum grau de conflitualidade entre os membros da comunidade. Fazem parte da sua estrutura ontológica as desavenças, diferentes opiniões, choques de interesses incompatíveis que causam grandes animosidades – Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 07/12/2005. O direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função. Pelo que não há que considerar típicas sem mais, para efeitos das incriminações que tutelam o bem jurídico honra, todas e quaisquer expressões, imputações e juízos de valor que impliquem uma imagem negativa da pessoa que por eles é visada, por mais grave que essa imagem possa, a priori, afigurar-se – Cfr. Ac. da Relação do Porto de 12.06.2002, 05.11.2008 e 8.05.2013, dgsi, que se seguem de perto. […]”.
Acórdão do TRP de 2/12/2015 – Ernesto Nascimento.
“I – A fronteira do permitido só é ultrapassada quando a valoração negativa passa a atingir directamente a substância pessoal, passa a denegar aquele respeito de que toda a pessoa é credora por força da sua dignidade humana.
II – Mesmo no exercício do seu direito de cidadania, não pode ser afectado o bom nome de uma pessoa sem qualquer necessidade ou proporcionalidade, através do uso de expressões que apenas visam o enxovalho e a humilhação pública do visado.”.
Acórdão do TRP de 20/6/2012 – Ernesto Nascimento.
“I - A liberdade de expressão tem longínquas raízes históricas, surpreendendo-se na Constituição dos EUA, o primeiro texto legal a referir-se claramente a tal liberdade.
II - São cada vez mais frequentes os conflitos entre o direito à honra, bom nome e reputação, por um lado, e o direito de expressão do pensamento, por outro.
III - Numa sociedade democrática, a liberdade de expressão reveste a natureza de verdadeira garantia institucional, impondo por vezes, um recuo da tutela jurídico-penal da honra. Recuo, que tem que ser justificado por um correcto exercício da liberdade de expressão, aferido pelo interesse geral.
IV - Sendo inevitável o conflito entre a liberdade de expressão, na mais ampla acepção do termo e o direito à honra e consideração, a solução do caso concreto, há-de ser encontrada através da “convivência democrática” desses mesmos direitos: i. é., consoante as situações, assim haverá uma compressão maior ou menor de um ou outro.
V - Costa Andrade defende que se devem considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto, esclarecendo, no entanto, que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar. […]”.
Defende o recorrente que a sua actuação decorre do exercício do direito de crítica, encontrando-se por esse motivo legitimada, independentemente do conteúdo e natureza valorativa dos juízos formulados, pretensamente atentatórios da honra e consideração social e profissional da magistrada judicial afectada.
Como adverte Manuel da Costa Andrade [4], o exercício do direito de crítica tende a provocar situações de conflito potencial com bens jurídicos como a honra e cuja relevância jurídico-penal está à partida excluída por razões de atipicidade. Tal vale, designadamente para os juízos de apreciação e valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc, ou sobre prestações conseguidas no domínio do desporto e do espectáculo. Segundo o entendimento hoje dominante, na medida em que não se ultrapassa o âmbito da crítica objectiva – isto é: enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadoresaqueles juízos caem já fora da tipicidade de incriminações como a Difamação. A atipicidade afasta, sem mais e em definitivo, a responsabilidade criminal do crítico, não havendo, por isso, lugar à busca da cobertura de uma qualquer dirimente da ilicitude.
É hoje igualmente pacífico o entendimento que submete a actuação das instâncias públicas ao escrutínio do direito de crítica (objectiva) com o sentido, alcance e estatuto jurídico-penal que ficam consignados.
Isto vale sobremaneira para os actos da administração pública, as sentenças e despachos dos juízes, as promoções do ministério público, as decisões e o desempenho político de órgãos de soberania como o Governo ou o Parlamento, como adverte Manuel da Costa Andrade (obra citada, pág. 237).
Para além disso, devem ainda considerar-se atípicos os juízos de facto feitos no contexto de uma valoração crítica objectiva, pressuposta a prova da verdade. Como sucederá com a denúncia de que um trabalho de investigação assenta em plágio; ou a afirmação de um crítico desportivo que atribui a prestação de um atleta ao facto de ele actuar sob a influência de estimulantes proibidos pelos regulamentos [5].
Contudo, e como adverte Manuel da Costa Andrade (obra citada, pág. 239), já não poderão considerar-se atípicos os juízos que, no extremo oposto, atingem a honra e consideração pessoal, perdendo todo e qualquer ponto de conexão com a prestação ou obra que, em princípio, legitimaria a crítica objectiva.
Parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sufragando tal entendimento, sendo que, de acordo com a mesma, o direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e de crítica, quando se exerça e recaia nas concretas áreas atrás referidas e com o conteúdo e âmbito mencionados, caso redunde em ofensa á honra, se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor ao quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e humilhar, como nos dá conta o acórdão deste TRP, de 19/4/2017 (Pedro Vaz Pato, in www.dgsi.pt).
Os crimes de difamação e injúria supõem, assim, a imputação de factos ou a formulação de juízos sobre uma pessoa, não a formulação de juízos sobre factos, actuações, obras, prestações ou realizações. Estes juízos, que são cobertos pela liberdade de expressão e crítica, não configuram elemento constitutivo de algum desses dois tipos de crime [6].
Refere-se no acórdão do TRP, de 11/12/2013 (Pedro Vaz Pato, in www.dgsi.pt): “Uma linha de fronteira entre o exercício livre do direito de crítica e a criminal ofensa à honra passa pela distinção entre a crítica de atos, atitudes e procedimentos concretos e delimitados, ou obras que deles são fruto, por um lado, e o juízo sobre a própria pessoa, por outro lado. A distinção vale para o campo da crítica política (é lícita a crítica negativa da atuação de um político, numa ou mais situações concretas e determinadas, não a ofensa à sua pessoa), como para o da crítica artística ou desportiva (é lícita a crítica negativa de uma obra ou prestação, não a ofensa à pessoa do seu autor). E vale também para o âmbito da crítica a uma decisão judicial ou a uma peça processual: não constitui crime de difamação a crítica (ainda que exagerada, injusta ou descortês) a uma decisão judicial que não atinge a pessoa do juiz seu autor.”.
No presente caso, parece-nos evidente que o arguido/recorrente ultrapassou a linha que demarca a fronteira entre os comportamentos atípicos dos típicos e que, por isso, podem revestir-se de antijuridicidade: insurgindo-se quanto à decisão tomada nos autos de instrução, direcionou a crítica à magistrada judicial/autora, dando expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.
Com efeito, e de acordo com a factualidade assente, as considerações tecidas pelo arguido no requerimento apresentado no Processo de Instrução nº 512/15.1T9ESP, do Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2, são as seguintes (destacando-se as mais significativas com sublinhados):
“(…) E este é mais um entre vários exemplos paradigmáticos da perversão ao seu mais alto nível, em que toda e qualquer acusação e chorrilho de injúrias ao Assistente foi bem-vinda ou ansiada, e ainda lamentavelmente supervalorizada pela juíza de instrução!
(…) convenientemente, para a juíza de instrução não é uma absurda e ridícula injúria gratuita através de um ato simulado, mas sim um facto real assente … o que uma vez mais atesta o cumprimento de um compromisso de total falta de isenção para incondicionalmente defender o Arguido infractor e diabolizar o Assistente/Cabeça de Casal.
Sendo mais que óbvio e claro, tudo isto foi feito ao contrário do que seria ou deveria ser feito por um correto e isento juiz de instrução que nunca promoveria tamanha Fraude à Lei.
O pedido do Assistente para Abertura de Instrução foi radicalmente declarado nulo e, consequentemente, indeferida a requerida Abertura de Instrução, pela juíza de instrução de Sª Mª Feira, que, em enorme consonância, assim, voltou a “matar” o processo …Abusivamente, recusando qualquer apuramento da verdade ou qualquer Direito ao Contraditório. (…) de novo, o Assistente se sinta ostracizado e defraudado ao pagar actos legalmente previstos em prol do apuramento da verdade que são tendenciosamente recusados, indubitavelmente, a prioridade é ignorar a verdade que não interessa e, obsessivamente, aproveitar as questões para, cegamente, penalizar a vítima queixosa e branquear todos os atos delituosos do infractor denunciado.
Este, é um claro e paradigmático exemplo de manipulação e utilização perversa da justiça que envergonha qualquer cidadão, especialmente porque é arquitectado, desenvolvido e executado por alguém que deveria ter uma idoneidade e dignidade acima da média, e uma imparcialidade inversa à que exibe! Por isso, num Estado de Direito, com todo o mérito, merece um Certificado de Falta de Idoneidade e de Falta de Dignidade.
É a própria juíza de instrução quem interroga o Assistente com perguntas alheias ao processo e profundamente tendenciosas e acusatórias com um obsessivo intuito incriminatório.
Ora bem para a juíza de instrução, estas eram desde o início, as questões mais FULCRAIS E DEFINITIVAS sobre o que ela própria designava com a matéria deste processo, a tal «carta bem concreta desse processo» …sempre, mas sempre com o cego objectivo de cumprir o claro compromisso a que se obrigou: exclusivamente, atacar, denegrir e prejudicar tanto quanto possível, a vítima-queixosa (o Assistente/Cabeça-de-casal)”.
É, por isso, por demais evidente que o recorrente, tecendo estas considerações, não se focou em criticar a decisão – o que, em princípio, seria legítimo, a coberto do direito de crítica objectiva -, antes agrediu pessoalmente a respectiva autora, formulando juízos de valor gravemente atentatórios da sua honra e consideração pessoal e profissional, dando expressão, por esta via, a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.
É de notar, ainda, que não podemos deixar de considerar o modo de exercício da liberdade de expressão desproporcionado em relação ao fim prosseguido e totalmente abusivo, ofendendo de maneira irrazoável a esfera de dignidade pessoal da magistrada judicial visada, revelando o recorrente o intuito de humilhar, rebaixar e denegrir a sua honra e consideração profissional – bem evidenciada pela circunstância de o requerimento dirigido aos autos de instrução ser processualmente inócuo, não tendo a virtualidade de provocar uma inflexão no sentido da decisão tomada, desde logo porque esta, como o recorrente bem sabia, havia sido confirmada pelo Tribunal da Relação, na sequência de recurso interposto, não podendo ser alterada.
Assim, diversamente do que defende o arguido/recorrente, o seu comportamento não configura o exercício legítimo de um direito, independentemente do meio usado. Na verdade, fundamental para a caracterização da conduta do recorrente e afirmação da sua ilicitude não é a consideração da forma ou meio utilizado, mas antes o respectivo conteúdo ou substância. Por outras palavras: não é porque usou o processo judicial e não outro meio (como a comunicação social) para expressar a sua discordância que o seu comportamento se torna lícito. Dada a inadequação no exercício da liberdade de expressão que a todos é reconhecida numa sociedade democrática, sempre a actuação do recorrente seria ilícita, independentemente do meio comunicacional concretamente utilizado.
Concordamos, por isso, com o tribunal a quo, quando, analisando a actuação do recorrente (que se trata, não nos esqueçamos, de pessoa sócio-culturalmente diferenciada), considerando-a inequivocamente ilícita, afirma: “O arguido imputa à ofendida factos ofensivos da sua honra pessoal e da sua honra profissional. Não se está perante um juízo ou crítica relativos à sua actuação objectiva mas perante a imputação de uma conduta consciente de violação do dever de imparcialidade, imputação que não tem qualquer fundamento pois o arguido nunca provou a verdade dessa imputação e não tinha qualquer fundamento, para em boa-fé, acreditar numa eventual verdade dessa imputação, o que afasta a previsão do artigo 180º, nº 2, alíneas a) e b) do Código Penal, ou do artigo 31º, do Código Penal, mormente nº 2, alíneas b) e c).
Face o teor das expressões constantes da matéria de facto considerada provada impõe-se concluir que não se verifica qualquer causa justificativa, uma vez que o conteúdo de tais expressões ultrapassa, quanto a nós e tal como acima se deixou dito, o livre direito de crítica objectiva, porquanto atingem a honra e consideração devida à ofendida, com idoneidade para a desprestigiar perante terceiros, sendo que se revelam excessivas e desnecessárias ao exercício do direito de crítica por parte do arguido ao exercício de funções daquela enquanto juiz subscritora de um despacho de não pronúncia, ultrapassando o seu direito de expressão.
A forma que o arguido poderia reagir contra comportamentos que, no seu entender o prejudicavam deliberadamente, seria apresentar uma queixa crime e nunca juntar a um processo, que tem carácter público e a que qualquer pessoa pode aceder, o requerimento em causa nos autos.
O arguido até poderia ter manifestado o seu desagrado, exercendo o seu livre direito de crítica, de modo objectivo, não utilizando as supra referidas expressões, ofensivas aos olhos de qualquer cidadão de média compreensão.
Dito de outro modo, as expressões supra referidas, porque desde logo colocam em causa a parcialidade da ofendida juiz, ultrapassam o admissível no âmbito da “normal” conflitualidade processual.”.

Tratando-se de juízos de valor objectivamente ofensivos da honra e consideração social e profissional devidas à magistrada judicial atingida, e não tendo ficado demonstrado que o arguido agiu de boa fé, no exercício legítimo de um justificado direito de defesa ou de crítica [7], sem extravasar os respectivos limites ou finalidades, é manifesto que não se verifica qualquer causa de exclusão da ilicitude (decorrente do n.º 2 do art.º 180.º ou do n.º 2 do art.º 31.º, ambos do CP) [8], como justamente foi salientado pelo tribunal de primeira instância.
Integrando o comportamento do arguido na previsão do tipo legal de difamação agravada, nenhuma censura merece a decisão recorrida, improcedendo também este fundamento do recurso.
*
C) Dosimetria da pena de multa. (…)

Improcede, assim, na totalidade o presente recurso.
*
III – Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa).
Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente)
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Porto, 4 de Novembro de 2020.
Liliana de Páris Dias
Cláudia Rodrigues
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[1] Relatado por Manuel Soares, in www.dgsi.pt.
[2] A propósito desta questão, salienta Manuel da Costa Andrade (“Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal. Uma perspectiva jurídico-criminal”, Coimbra Editora, 1996, pág. 274) que “Os juízos de valor ofensivos da honra podem buscar a justificação na derimente geral do Exercício de um direito, concretização dogmática-normativa da ponderação de interesses como princípio comum da justificação. Diferentemente, as imputações de factos terão preferencialmente de encontrar a justificação numa derimente específica e típica – a Prossecução de interesses legítimos – em que, a par da ponderação de interesses, avulta também o princípio do risco permitido. Tudo diferenças com reflexos óbvios no plano normativo: a tolerância dispensada aos juízos de valor é ostensivamente mais generosa do que a outorgada às imputações de factos”.
[3] Cfr. Manuel da Costa Andrade, obra citada, pág. 178.
[4] Seguimos de perto Manuel da Costa Andrade, obra citada, páginas 232/233.
[5] Neste sentido, Manuel da Costa Andrade, obra citada, pág. 238.
[6] Cfr. no mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do TRP de 12/7/2017 e de 9/11/2016 (Raúl Esteves), de 26/3/2014 (Eduarda Lobo), de 11/12/2013 (Pedro Vaz Pato) e de 20/6/2012 (Ernesto Nascimento), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] O comportamento do recorrente não se atém nos limites do direito de crítica objectiva, como verificámos, e o meio por ele utlizado era inidóneo para exercitar um legítimo direito de defesa, mostrando-se, além do mais, desproporcionado e exagerado – numa palavra, abusivamente ofensivo.
[8] Como se refere no acórdão do TRP, de 26/3/2014 (Eduarda Lobo): “Se é legítimo o direito de crítica do arguido à atuação do assistente na instauração de um processo disciplinar e na imposição da respetiva pena (que foi anulada em recurso), já a imputação desonrosa não o é, e o arguido usou-a sem que se revele a respetiva necessidade e proporcionalidade para o fim visado. IV - Para viabilizar a causa de justificação prevista na alínea a) do n.° 2 do artigo 180.° ou a causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 31° n° 2 al. b), ambos do Cód. Penal, é necessário haver proporcionalidade e necessidade do meio utilizado em função dos interesses a salvaguardar: "a necessidade só existe quando a forma utilizada para a divulgação da notícia se mostra indispensável para a realização dos interesses protegidos" [José de Faria Costa, Comentário Conimbricense… p. 620].