Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11/19.2GBSTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NARCISO MAGALHÃES RODRIGUES
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Nº do Documento: RP2019102311/19.2GBSTS-A.P1
Data do Acordão: 10/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O justo impedimento pode ser invocado no período de três dias úteis estabelecido pelos art.ºs 139º, n.º5 do NCPC e 107º-A, do CPP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal n.º 11/19.2GBSTS-A.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal de Santo Tirso – Juiz 2

Acordam em conferência na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
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Relatório.
A Exma. Sra. Juiz do Juízo Local Criminal de Santo Tirso decidiu, por despacho proferido em 14-03-2019, julgar não verificado o justo impedimento invocado pelo mandatário do arguido, B…, considerando que o mesmo ocorreu após o decurso do prazo para interpor recurso da sentença, sendo certo que o justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo perentório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis estabelecido pelo art. 139º n.º 5, do NCPC.
Inconformado, o arguido B… interpôs o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida.
Alegou para o efeito, em síntese, que nada impede a invocação de justo impedimento no prazo a que alude o art.º 139.º n.º 5 do N.C.P.C., pelo que, tendo-o feito neste dentro deste período de tempo, deveria o mesmo ter sido objeto de apreciação e decisão.
Concluiu pela revogação do despacho e, consequentemente, pela apreciação e deferimento do invocado “justo impedimento”, com a consequente admissão do recurso e revogação da sentença recorrida por nulidade insuprível que lhe aponta.
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A Exma. Magistrada do Ministério Público na primeira instância pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso sufragando igual entendimento de que o justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo perentório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis estabelecido pelo art. 139º n.º 5, do NCPC, assim como o entendimento de que a sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade, nomeadamente a que o recorrente lhe aponta.
Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso, aderindo à motivação da Magistrada do Ministério Público na primeira instância, acrescentando, todavia, que a improcedência do recurso obsta à apreciação da suscitada nulidade da sentença.
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Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
A questão objecto do presente recurso, cuja resposta prejudicará as demais, consiste em saber se o justo impedimento pode, ou não, ser invocado no período temporal de três dias úteis estabelecido pelos artigos 179º-A, do CPP e 139º n.º 5, do NCPC.
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Fundamentação.
Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar os seguintes factos documentados nos autos:
- Por sentença proferida no Juízo Local Criminal de Santo Tirso - Juiz 2 em 4.2.2019 e depositada em 6.2.2019, foi decidido: - “Condenar o arguido B… pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo a quantia global de €360,00 (trezentos e sessenta euros) e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.”
- Em 13.3.2019, C…, advogado e mandatário constituído pelo arguido, juntou aos autos o seguinte requerimento: - “C…, advogado e mandatário do arguido aos autos à margem referenciados, no momento em que se encontrava a concluir e ultimar o Recurso, que já manifestou intenção de interpor em sede de audiência de julgamento, para submeter no 2.º dia útil seguinte ao final o prazo normal, isto é, na data de hoje, dia 12 de Março de 2019, viu-se acometido de uma infecção respiratória aguda, de origem vírica, que o impedem de terminar nesta data e previsivelmente pelos próximos 3 dias, conforme Certificado de Incapacidade Temporária em anexo, o qual se considera integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, emitido pelo médico Dr. D…, da Unidade de Saúde Familiar E…, onde o aqui signatário teve que recorrer na presente data porque o seu estado de saúde tal obrigou. Mais remete e para comprovação a receita médica prescrita pelo mesmo médico para tratamento da infecção respiratória. Em face do exposto e uma vez que se encontra impedido de exercer a actividade profissional por um período de três (3) dias por uma situação de doença que não lhe é imputável e que impede a prática do acto de interposição do Recurso no 2.º dia útil seguinte e também no 3.º dia útil seguinte ao fim do prazo normal, conforme CIT em anexo, requer-se a V. Ex.ª, nos termos do art.º140.ºn.º2 do C.P.C, que julgue verificado o justo impedimento e conceda ao aqui requerente a possibilidade de praticar o pretendido acto até ao próximo dia 15 de Março de 2019, data em que já deverá estar a trabalhar normalmente, com a cominação de ter que liquidar a respectiva multa por prática de acto no 3.º dia útil seguinte ao final do prazo normal.
- Em 14-03-2019 pela Exma. Sra. Juiz do Juízo Local Criminal de Santo Tirso foi proferido o despacho objeto do presente recurso, cujo teor integral é o seguinte: -“Do justo impedimento.
C…, Exmo. mandatário do arguido, veio invocar o justo impedimento à interposição de recurso da sentença proferida nos autos, por requerimento de 13.3.2019, nos termos que melhor constam de fls.42 e ss.
Decidindo.
A sentença de que o arguido pretende recorrer foi depositada em 6.2.2019, pelo que o termo do prazo para interposição de recurso, com a competente motivação, terminou em 8.3.2019 (30 dias).
Ora, o alegado impedimento da prática do acto ocorreu após o decurso do prazo peremptório que extingue o direito de interpor recurso da sentença condenatória, i. e. em 12.3.2019.
E o justo impedimento ocorrido fora do tempo legal para a realização de um acto processual não permite às partes praticá-lo.
Mesmo que aconteça na fase do seu alargamento excepcional previsto para a prática posterior ao seu termo, acompanhado do pagamento de multa.
Assim, só pode ser invocado justo impedimento quando o evento aconteça antes ou no último dia do prazo processual previsto para a prática do acto – arts.107º, nº2, 3, 4 do Código de Processo Penal e 140º do Código de Processo Civil.
Pelo acima exposto, julgo não verificado o justo impedimento e considero perdido o direito de interpor recurso da sentença proferida nos autos.”
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Do mérito do recurso.
Conforme consta do despacho recorrido, a sentença de que o arguido pretende recorrer foi depositada em 6.2.2019, pelo que o termo do prazo de 30 dias para interposição de recurso terminou em 8.3.2019.
Resulta, pois, que o mandatário do arguido ao invocar, em 13.3.2019, a existência de justo impedimento para apresentar recurso, com a correspondente motivação, fê-lo no terceiro dia útil subsequente ao termo de tal prazo, ou seja, dentro do prazo adicional a que aludem os arts. 139º n.º 5, do NCPC e 107º-A, do CPP.
Por essa razão e tendo subjacente o entendimento de que o justo impedimento não pode ser invocado no período temporal adicional de três dias úteis estabelecido pelo art. 139º n.º 5, do NCPC 107º-A, do CPP, a Sra. Juiz a quo julgou não verificado o justo impedimento e considerou perdido o direito de interpor recurso da sentença proferida nos autos.
O arguido interpôs o presente recurso por discordar do assim decidido e entender que nada impede a invocação de justo impedimento no prazo a que aludem os art.sº 139.º n.º 5 do NCPC e 107º-A, do CPP, pelo que importa dar resposta a tal questão.
A enunciada questão tem merecido, conforme dão conta o recorrente e o MP nas respetivas alegações de recurso, distinta resposta na jurisprudência dos tribunais superiores.
Assim:
- O entendimento de que o justo impedimento não pode ser invocado no período temporal adicional de três dias úteis estabelecido pelo atual art. 139º n.º 5, do CPC foi sufragado, nomeadamente, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04/05/2006 - processo n° 2786/05 in www.stj.pt, e de 27/11/2008 – proc. 08B2372 in www.dgsi.pt; nos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19.05.97 - publicado no BMJ 467/632 e de 01-07-2015 -proc. 9529/12.7TDPRT-B.P1 in www.dgsi.pt; nos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.07.95 - publicado na Col.Jur., ano XX, tomo IV, pag. 18, e de 6 de Março de 2012 - processo 1627104.7TBFIG-A.C1.S1 in www.dgsi.pt; e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-12-2016 - processo 273/14.1TTVRL in www.dgsi.pt.
- O entendimento de que o justo impedimento pode ser invocado no período temporal adicional de três dias úteis estabelecido pelo atual art. 139º n.º 5, do CPC, foi sufragado, nomeadamente, no Acórdão do Supremo Tribunal de 25.10.2012 - Proc. n.º1627/04.7TBFIG-A.C1.S1, in www.dgsi.pt; no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31.10.2018 – proc. 49/18.7T8BRG in www.dgsi.pt e no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.09.2017 - proc. 10805/15.2T8SNT in www.dgsi.pt
As razões subjacentes a tais entendimentos são conhecidas e poderão, no essencial, ser sintetizadas nos seguintes fundamentos expressos nos citados acórdãos do STJ de, respetivamente, 4/5/2006 e 25/10/2012:
- “O justo impedimento não vale para o prazo de complacência condescendido residualmente pelo art. 145º/5 do CPC. Esse prazo residual, concedendo uma última oportunidade para a prática do acto e constituindo já de si uma «condescendência», não poderá contar – sob pena de descaracterização dos prazos peremptórios e da finalidade da sua peremptoriedade (maxime, a celeridade da marcha processual) – com o amparo concedido ao prazo peremptório pelo instituto do justo impedimento” - ac. do STJ de 4/5/206 proc. 2786/05.
- “Ao permitir a prática de actos sujeitos a prazos peremptórios depois de estes terem terminado, fora dos casos de justo impedimento, a lei veio, na prática, alongar os prazos, sem impor a apresentação em juízo de qualquer justificação. (…) Este regime possibilita ainda às partes e aos seus mandatários a gestão do tempo disponível, de acordo com as respectivas conveniências, ponderando se compensa ou não dilatar o prazo mediante o pagamento da multa; mas não legitima qualquer juízo de censura em relação à parte (ou ao seu mandatário) que dele decide beneficiar” - ac. do STJ de 25/10/2012, proc. n.º1627/04.7TBFIG.
Pela nossa parte e sem prejuízo de uma desejável uniformização de jurisprudência no nosso mais alto Tribunal, sufragamos o entendimento expresso pelo citado acórdão do STJ de 25/10/2012, a cuja fundamentação aderimos na íntegra na medida em que, não sendo de forma alguma contrariado pela literalidade da lei, se nos afigura como o mais consentâneo com a teleologia das normas aplicáveis e espírito do sistema todo ele, conforme refere Abrantes Geraldes - in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. 1 pg. 86 – “virado para interpretações que acautelem efeitos preclusivos derivados do simples decurso de um prazo processual”, pelos seguintes fundamentos:
- Dispõe o nº5 do artigo 139.º do NCPC – aplicável por força do disposto pelos arts. 107º e 107ºA do CPP – que, independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa.
Da literalidade deste normativo resulta que a parte pode praticar o acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo sem outra limitação ou condicionalismo que o pagamento de uma sanção pecuniária. Ou seja, exista ou não justo impedimento, a parte poderá sempre praticar o acto dentro desses três dias desde que pague a multa devida, criando desta forma uma legítima expectativa ou confiança de que o efeito preclusivo do prazo não ocorre antes do decurso desse prazo adicional ou complementar de três dias, ou seja, que o acto será praticado atempadamente.
Dispõe o artigo 140.º nº1 do NCPC que se considera “justo impedimento” o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
Ora, em lado algum da letra da lei é dito que a prática do acto dentro do referido prazo de três dias do nº5 do artigo 139.º do NCPC, não é considerada como “atempada” nos termos e para os efeitos do citado artigo 140.º nº1 do NCPC.
A literalidade legal permitirá, aliás, concluir em sentido oposto tendo em conta a unidade do sistema jurídico, porquanto inexiste, em termos de efeitos legais, distinção entre o acto praticado no prazo peremptório inicial e o praticado no referido prazo complementar, ou seja, a prática do acto é sempre atempada em ambos os casos.
A consagração legal da possibilidade de praticar um acto dependente de um prazo perentório, depois de o mesmo ter terminado, foi introduzida no Código de Processo Civil pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 323/70, de 11 de Julho, que passou a permitir a prática do acto - art. 145º nº5 - “no primeiro dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo ficando, porém, a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa”, explicando-se no respectivo preâmbulo que “Pela modificação do artigo 145.º, torna-se possível a prática de actos no primeiro dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo, sem necessidade da prova – que nem sempre é fácil – do justo impedimento.”, ou seja, censura ou ónus algum, para além do pagamento da multa, é feito à parte que decida beneficiar deste novo regime actualmente previsto de forma alargada pelo art. 139º nº5 do NCPC.
Tal entendimento será também, a nosso ver, o que melhor defende os objetivos - ratio legis - e acautela os perigos que estiveram na génese da consagração do referido regime jurídico, ou seja, evitar que a omissão duma simples formalidade processual possa acarretar a perda definitiva dum direito, o que revestirá acrescida acuidade nas situações, como a ora em apreço, em que a expectativa da parte na invocação atempada do justo impedimento e consequente afastamento imediato do efeito preclusivo do prazo, se revela legítima.
Este regime possibilita ainda, conforme se refere no citado ac. do STJ de 25/10/2012, às partes e aos seus mandatários, a gestão do tempo disponível de acordo com as respectivas agendas e conveniências, ponderando se compensa ou não dilatar o prazo mediante o pagamento da multa; mas não legitima qualquer juízo de censura em relação à parte (ou ao seu mandatário) que dele decide beneficiar.
No sentido de tal entendimento subjacente ao citado ac. do STJ de 25/10/2012, que sufragamos, defende Abrantes Geraldes - in “Temas Judiciários, Vol. I, Almedina, 1998, pág. 352 – que, “Qualquer que seja a natureza dos prazos, nada obsta à aplicação do instituto do justo impedimento, regulado no art.º 146.º do CPC, agora ampliado pelo Dec. Lei n.º 125/98, de 12 de Maio (…)”.
Tal sentido e interpretação do desiderato legal é, aliás, o que melhor se coaduna com o espírito e princípio normativo subjacente à reforma do processo civil, consagrada pelo Decreto-Lei nº 180/96 de 25 de Setembro, em cujas linhas orientadoras se fez constar que, “ flexibiliza-se a definição conceitual de «justo impedimento», em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam.”.
Assim e dando resposta à enunciada questão que constitui o objeto do presente recurso diremos, pelos fundamentos vindos de expor, que o justo impedimento pode ser invocado no período temporal de três dias úteis estabelecido pelos arts. 139º n.º 5, do NCPC e 107º-A, do CPP.
Dispõe o artigo 140.º do NCPC.
1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte em aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Resultando documentado que, quando veio invocar, em 13.3.2019, a existência de justo impedimento para apresentar recurso, o recorrente fê-lo dentro do prazo a que aludem os arts. 139º n.º 5, do NCPC e 107º-A, do CPP e, como tal, atempadamente, pelo que incumbia ao tribunal recorrido proceder à sua apreciação e decisão.
Não tendo o tribunal recorrido procedido, conforme lhe era devido, à apreciação e decisão do invocado justo impedimento, importa determinar o regresso dos autos à primeira instância para o efeito, assim como para, em momento subsequente, decidir sobre a admissibilidade do recurso, com a consequente procedência do presente recurso porquanto que as demais questões nele suscitadas quedam prejudicadas.
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Decisão.
Termos em que se decide conceder provimento ao recurso interposto por B…, revogar o despacho recorrido e determinar que o processo regresse à primeira instância para apreciação da alegação de justo impedimento e do requerimento de interposição de recurso.
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Porto, 23 de outubro de 2019
(processado e revisto pelo relator)
Narciso Magalhães Rodrigues
Liliana de Páris Dias