Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
220/13.8TTBCL-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: PRESCRIÇÃO E PROVA DE CRÉDITO
DEPOIMENTO DE PARTE
CONVITE À CORRECÇÃO
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: RP20140428220/13.8TTBCL-A.P1
Data do Acordão: 04/28/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O n.º 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho não altera, para os créditos nele referidos, o prazo de prescrição estabelecido no n.º 1: apenas limita os meios de prova de que o trabalhador pode “lançar mão” para demonstrar a existência dos factos constitutivos desses mesmos créditos;
II - Não cominando a lei qualquer sanção no caso da parte requerente não ter feito a discriminação dos factos ao requerer o depoimento de parte, face ao dever de gestão processual e ao princípio da cooperação deve ser convidada a suprir tal omissão, e só em caso de não observar o convite formulado ser indeferido o depoimento de parte;
III - Incumbindo a uma parte o ónus da prova de determinados factos e não alegando que não pode obter, ou dificuldade em obter prova documental, deve indeferir-se o requerimento por ela formulado para que a outra parte apresente documentos com vista a essa prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 220/13.8TTBCL-A.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente em Rua …, n.º …, …, ….-… Barcelos) intentou no Tribunal do Trabalho de Barcelos acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C…, Lda. (NIPC ………, com sede na Rua …, n.º …, …, ….-… Barcelos), pedindo:
a) que seja “declarada lícita e eficaz a resolução unilateral do contrato de trabalho pelo autor, com fundamento em justa causa”;
b) a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 33.168,21 relativa a créditos emergentes de contrato individual de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a produção dos efeitos da resolução do contrato até integral pagamento.

Alegou para o efeito, no que ora releva, que foi admitido ao serviço da Ré em 12-11-2002, que esta não lhe pagou integralmente as quantias devidas a título de retribuições referente aos meses de Outubro, Novembro, Dezembro de 2012, retribuição de férias vencidas desde Novembro de 2002 a 08 de Janeiro de 2013, subsídio de férias e de Natal vencidos ao longo do ano de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, trabalho prestado ao longo do ano de 2012, encontrando-se assim em dívida a quantia total de € 33.168,21.

A Ré contestou a acção, sustentando, no que ora importa, que Autor não auferia as retribuições que alega e que não lhe deve as retribuições e subsídios por ele peticionados.
Além disso, em relação aos factos alegados pelo Autor nos artigos 30.º a 34.º da petição inicial, verifica-se prescrição e caducidade, “(…) já que o A. não alega quaisquer factos instrumentais, para prova dos mesmos, por meio documental, nem ofereceu prova documental idónea para comprovar os factos ocorridos há mais de cinco anos (…) [p]elo que, salvo melhor e douta opinião lhe está vedada e proibida a sua alegação, atendo o disposto no art. 337 do CT, quanto à prova”.
O articulado oferecido pela Ré é composto por 60 artigos e a final e quanto à “Prova” consta:
“A) Depoimento de parte do A. à matéria dos arts 1º a 60º da presente Contestação;
B) Notificação ao A. para juntar aos autos todos os extractos bancários desde a data da abertura da conta que identifica na agência D… para a qual a Ré por ordem do A. passou a fazer transferências de salários, subsídio de alimentação, subsídio de férias, remuneração de férias e subsídio de Natal, desde aquela data até à data de 7 de Janeiro de 2013”

Em sede de despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de prescrição suscitada pela Ré e quanto à caducidade afirmou-se que só por lapso terá sido alegado pela Ré tal instituto jurídico.
E quanto à mencionada prova requerida pela Ré, foi proferido despacho nos seguintes termos:
“Indefere-se o requerido depoimento de parte do autor por não ter sido observado o estatuído no artigo 452.º n.º 2 do CPC.
(…)
Indefere-se o requerido na al. B) de fls. 205, por inadmissibilidade legal, sendo que o ónus da prova de tais pagamentos incumbe à ré, não estando a mesma impossibilitada de obter a competente prova”.

Inconformado com o despacho saneador, a Ré dele interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
“a) Quer a decisão que declara improcedente a excepção da prescrição dos créditos reclamados relativos a factos ocorridos há mais de 5 anos, quer a que recusa os meios probatórios das als A) e B) estão feridas de nulidade, nos termos da al.b) nº1 do art.615 do C.P.C.;
b) A decisão da improcedência da prescrição viola ainda o disposto nos nºs 1 e 2 do art.337 do C.T., bem como o regime probatório previsto nos arts 413 e 417 ambos do C.P.C.;
c) A rejeição do meio de prova da al. A) viola o disposto no art.452 nº2 do C.P.C., porquanto a Ré requereu o depoimento de parte e indicou os respectivos factos, ao abrigo do mesmo regime legal que constava de norma do anterior Código, na parte em que não sofreu alteração, ou seja, o nº2;
d) Pelo que, o seu indeferimento viola ainda o disposto nos arts 6 nº2, 7, 8 e 9 do C.P.C.;
e) O indeferimento do meio de prova da al.B) para além de violar o disposto no art.415, viola ainda o disposto nos arts 411, 413 e 417 todos do C.P.C..
Nestes Termos e nos de Direito aplicáveis que doutamente serão supridos, deve o presente recurso ser julgado como provado e procedente e em consequência ser proferido douto Acórdão que revogue o Despacho, nas decisões recorrida desfavoráveis à Ré, devendo em consequência, ser proferido Acórdão que defina a sua procedência, tudo com as demais consequências legais”.

O recorrido respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.
Para tanto, nas contra-alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões:
“1. Aquando da sua contestação veio a ré, ora recorrente, nos arts. 42.º a 44.º invocar a prescrição dos créditos reclamados pelo autor, ora recorrido, nos arts.º 30 a 34.º da respetiva PI.
2. Sucede que veio o tribunal a quo, e muito bem, decidir que “nada é peticionado ao abrigo do n.º 2 do art. 337º, designadamente alguma compensação por violação do direito a férias (compensação essa prevista no art. 246º do CT) ou trabalho suplementar referente de há mais de 5 anos (o mencionado no art. 39º da PI reporta-se a Outubro/12). E, mesmo que o fosse, como supra se referiu, o prazo prescricional seria igualmente de um ano, simplesmente, o regime probatório exigido seria já diverso”.
3. Na verdade, o que o n.º 2 do art. 337.º do CT estabelece não é portanto, um novo prazo prescricional agora de cinco anos, mas tão somente um especial regime probatório relativamente aos créditos aí numerados e não prescritos nos termos do n.º 1, quando se trate de créditos vencidos há mais de cinco anos – não se refere portanto à prescrição dos créditos aí referidos, mas tão só à sua prova. Neste sentido vide Ac. RL de 09/04/2008 disponível em www.dgsi.pt.
4. Ora “a exigência probatória do presente número, como é lógico, não interfere com o prazo prescricional do n.º 1. O que o legislador procurou foi somente combater a perda de frescura probatória”. vide Paula Quintas e Hélder Quintas, in Código de trabalho anotado e comentado, Almedina, 3.ª Ed., pag. 962.
5. Portanto, o que vale para início da contagem de prescrição, a qual de resto se interrompe com a citação, é o momento da cessação do vínculo contratual, e isto porque presumiu o legislador que o trabalhador durante a vigência do contrato, não goza de plena liberdade na formação da sua vontade, dada a sua subordinação ao empregador. Neste sentido vide Paula quintas e Hélder Quintas, in Código de trabalho anotado e3 comentado, Almedina, 3.ª Ed., pag. 961 e ss.
6. Assim, in casu temos que o recorrente resolveu o seu contrato de trabalho fundado em justa causa em 07/01/2013.
7. Mais intentou a presente ação, requerendo o reconhecimento da licitude e eficácia da resolução do seu contrato de trabalho e consequente pagamento dos créditos laborais emergentes da relação laboral e sua cessação em 25/02/2013.
8. A recorrente foi citada para os presentes autos em 05/03/2013 conforme consta de informação disponível no portal citius.
9. Pelo que forçosamente ter-se-á que concluir que a presente ação foi tempestivamente intentada dentro do prazo de um ano a seguir ou da cessação do respetivo contrato de trabalho, tendo a recorrente ainda dentro do referido prazo sido citada, pelo que não se verifica in casu a invocada prescrição dos direitos do recorrido peticionada pela recorrente.
10. Ademais, no que respeita ao alegado nos arts. 30.º a 34.º da PI, o recorrido em momento algum peticionou qualquer compensação por violação de direito de férias, qualquer indemnização por aplicação de sanção abusiva e muito menos trabalho suplementar vencido há mais de 5 anos.
11. Onde de resto limitou-se o recorrido a peticionar única e exclusivamente a retribuição do período de férias em falta respeitante aos anos de 2002, 25003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, e 2013, os diferenciais de subsídio de férias e de subsídio de natal respeitante a 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013.
12. Direitos, estes, que não se encontram sujeitos ao regime de prova consagrado no art. 337.º, n.º 2 do CT.
13. Mas ainda que sujeitos – o que não se concede mas apenas se concebe por mero dever de patrocínio -, sempre se dirá que a não junção de documento aquando do articulado da PI não preclude a sua junção em momento posterior desde que o faça até encerramento de audiência de discussão e julgamento.
14. Ademais, no que respeita ao trabalho suplementar peticionado, o recorrido apenas o fez quanto ao prestado no ano de 2012 pelo que não está a prova do mesmo sujeita única e exclusivamente à prova documental, como a recorrente bem devia saber.
15. Por outro lado, muito bem andou o tribunal a quo ao indeferir que o recorrido fosse notificado para juntar aos autos todos os extratos bancários desde a data da abertura da conta que identifica na agência do D… para a qual a recorrente passou a fazer transferências de salários, subsídio de alimentação, subsídio de férias, remuneração de férias e subsídio de Natal, desde aquela data até à data de 7 de Janeiro de 2013.
16. Na verdade, o ónus de prova de tais pagamentos incumbe à recorrente (ré nos autos), não estando a mesma impossibilitada de obter a competente prova, nomeadamente através do comprovativo de transferência de tais quantias, os quais ficam em poder de quem dá ordem de transferência – in casu da entidade patronal, aqui recorrente.
17. Com efeito é possível dissociar o nome, a conta e o valor relativo aos pagamentos feitos ao autor, do nome, conta e valor relativos a todos os demais trabalhadores, porquanto tratarem-se de destinatários/beneficiários diferentes com contas bancárias diferentes (!!!) – haja sensatez no alegado!!!
18. Pelo que, salvo o devido respeito, o que impede a recorrente de juntar tais documentos não é certamente a impossibilidade fática de o fazer mas antes a “indolência” de não querer ter trabalho em compilar e obter tais documentos, sem prejuízo da mordaz curiosidade no conhecimento dos movimentos particulares da conta bancária do recorrido.
19. Pois se é certo que o recorrido ofereceu sem qualquer reserva os extratos da dita conta respeitante ao período temporal que medeia entre 02/10/2012 a 26/01/2013, fê-lo tão só porquanto tal se mostrava necessário à prova dos factos por si alegados.
20. Agora o direito ao sigilo bancário e reserva da vida privada do recorrido não tem que ceder ao interesse da recorrente, quando esta tem como obter por si, através das ordens de transferência dadas a alegada prova documental que sustenta a sua posição processual.
21. Seja como for é manifestamente reprovável o comportamento da requerente ao solicitar a junção aos autos do extrato detalhado da referida conta bancária respeitante ao período que medeia 02/10/2012 a 26/01/2013, na medida em que o mesmo foi já junto, sendo que o seu deferimento importa a prática de atos inúteis e repetidos nos autos com claro prejuízo para a celeridade processual.
22. Conclui-se, em face do exposto muito bem andou tribunal a quo ao ter julgado improcedente por não provada, a alegada exceção de prescrição suscitada pela recorrente e ao ter indeferido o requerido na al. b) de fls. 205, por inadmissibilidade legal, pelo que deverão improceder as alegações de recurso deduzidas pela recorrente, mantendo-se inalterável a decisão proferida em primeira instância”.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, em separado, e efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal em 26-02-2014, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, não objecto de resposta, no qual se pronuncia pela improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cabe, agora, apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso e factos
Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, ex vi dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a) e 87.º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam.
Assim, no caso, tendo em conta as conclusões do recurso apresentadas pela apelante, colocam-se à apreciação do tribunal as seguintes questões:
- saber se a decisão recorrida é nula;
- saber se ocorre prescrição dos direitos de crédito do Autor/recorrido;
- saber se deve revogar-se o despacho, na parte em que indeferiu o depoimento de parte do Autor/recorrido;
- saber se deve revogar-se o despacho que indeferiu os meios de prova referidos pela Ré na contestação, sob B), supra transcritos, ou seja, que indeferiu o pedido de notificação do Autor para juntar aos autos extractos bancários da conta que identifica na agência do D….

A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, que se dá aqui por reproduzido, sendo ainda de acrescentar a seguinte:
1. Por carta datada de 07-01-2013, recebida pela Ré por fax no mesmo dia e por correio no dia seguinte, o Autor comunicou-lhe a resolução do contrato com justa causa.

2. A presente acção foi intentada em 25-02-2013 e a Ré apresentou contestação em 24-05-2013 (fls. 70 e 90);
3. Na petição inicial, sob os artigos 30.º a 34.º, o Autor alegou o seguinte:
“30.º
Como também nunca lhe foi paga a retribuição respeitante ao período de férias a que tinha direito em cada ano civil, limitando-se a ré, enquanto entidade patronal, a pagar parte do valor devido a título de subsídio de férias bem como a retribuição referente à efetiva prestação de trabalho prestada no período respeitante ao período de férias, sem que para o efeito a cumulasse com a retribuição de férias, incorrendo assim na prática de uma contraordenação grave e de uma contraordenação muito grave, nos termos dos arts. 238.º, n.º 5 e n.º 6 e 264.º do CT.
31.º
E a situação é tanto mais grave porquanto ter a ré feito crer ao autor, em claro e culposo prejuízo dos interesses patrimoniais deste, que nada lhe era devido a título de retribuição de férias, sendo-lhe apenas devido o subsídio de férias e a retribuição pelo trabalho efetivamente prestado nesse período, o que constitui uma grave violação das garantias legais do trabalhador que tendo-se consciencializado do seu direito e consequente violação entendeu estar irremediavelmente comprometida a subsistência da relação de trabalho tendo de imediato requerido a sua resolução com justa causa.
32.º
Por outro lado, ao longo dos últimos anos de vigência do contrato de trabalho aqui em causa, concretamente desde pelo menos maio de 2009, a ré apenas tem pago ao autor a título de subsídio de férias e subsídio de natal a quantia líquida de € 700,00 (setecentos euros) – sendo que a título de subsídio de natal referente a 2012 apenas pagou a quantia de € 434,32 - quando o valor da retribuição base deste é bem superior, concretamente em 2009 e 2010 € 1.000,00 (mil euros), e em 2011 e 2012 de € 1010,00 (mil e dez euros). Cf. Recibos já juntos.
33.º
Ora, nos termos dos arts. 263.º e 264.º do CT o trabalhador tem direito a um subsídio de Natal e a um subsídio de férias de valor igual a um mês de retribuição, o qual como se referiu no parágrafo antecedente em 2009 e 2010 era € 1.000,00 (mil euros), e em 2011 e 2012 era de € 1010,00 (mil e dez euros).
34.º
Assim, encontram-se em dívida a retribuições de férias respeitantes aos anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, e 2013 bem como os diferenciais de subsídio de férias e de natal auferidos ao longo do ano de 2009, 2010, 2011 e 2012”.
4. Na contestação, sob os artigos 42.º a 45.º, a Ré alegou o seguinte:
“42º
E certo é que, não é pelo facto de o A., ao longo do vertido nos arts 30.º, 31.º, 32.º, 33.º e 34.º voltar a repetir, ainda que sub-repticiamente e de forma diferente, os mesmos factos falsos já antes invocados, que os mesmos passam a existir ou a serem verdadeiros, razão porque veementemente se impugna o vertido nesses arts.
43º
Em relação aos quais de resto se verifica ocorrer prescrição e caducidade, já que o A. não alega quaisquer factos instrumentais, para prova dos mesmos, por meio documental, nem ofereceu prova documental idónea para comprovar os factos ocorridos há mais de cinco anos.
44º
Pelo que, salvo melhor e douta opinião lhe está vedada e proibida a sua alegação, atento o disposto no art.337 do CT, quanto à prova.
45º
Prescrição e caducidade que nos termos e fundamentos da referida norma, expressamente se invocam e argúem para os devidos efeitos legais.”.

III. Fundamentação
Delimitadas supra as questões essenciais decidendas, é o momento de analisar, de per si, cada uma delas.

1. Da arguida nulidade da decisão recorrida
Nas alegações e conclusões de recurso, sustenta a recorrente que a decisão é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, b), do Código de Processo Civil (não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão).

Estipula o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, que «[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso».
Por sua vez, decorre do n.º 3 do mesmo preceito, que o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso.
A exigência em causa justifica-se por razões de celeridade e economia processual, que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento.
Daí que não sendo cumprida tal exigência, não cumpra ao tribunal superior conhecer da nulidade [vide, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2009 (Recurso n.º 2469/08), de 25-03-2009 (Recurso n.º 2575/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3363/08) e de 09-12-2010 (Recurso n.º 4158/05.4TTLSB.L1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt].
É certo que se tem admitido que aquela exigência se mostra cumprida nos casos em que o requerimento e a alegação de recurso constituem uma peça única, desde que no requerimento de interposição de recurso se indique que se argui a nulidade da sentença, fazendo-se a exposição dos fundamentos da nulidade na alegação de recurso, de forma clara e autónoma, imediatamente a seguir ao requerimento de interposição do recurso (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2007, Recurso n.º 1442/07 e de 12-03-2008, Recurso n.º 3527/07, sumariados in www.stj.pt, em consonância com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/05, de 8 de Junho de 2005, in Diário da República, II Série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2005).
Mas tem sido igualmente jurisprudência constante do Tribunal Constitucional não ser inconstitucional o entendimento de que o tribunal “ad quem” está impedido de apreciar as nulidades da sentença, em processo laboral, sempre que as mesmas não tenham sido expressamente arguidas no requerimento de interposição do recurso (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 403/2000, in D.R., II Série, de 13-12-2000, quanto ao artigo 72.º, n.º 1, do CPT de 1981 e n.º 439/2003, in www.tribunalconstitucional.pt, quanto ao artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1999).
Ao fim e ao resto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem-se pronunciado no sentido de ser desproporcionada a interpretação que não conhece da arguição de nulidade relativamente aos recursos interpostos das decisões proferidas em 1.ª instância - em que existe uma unidade formal do requerimento de interposição do recurso e das alegações -, e em que o recorrente, no referido requerimento, refere genericamente a existência do vício de nulidade, mas fundamenta o mesmo de forma clara e autónoma nas alegações de recurso: embora em tais situações não se observe inteiramente o disposto no artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, admite-se que o tribunal superior aprecie a questão da nulidade desde que na alegação de recurso, de forma clara e autónoma, a mesma se mostre explanada, permitindo assim ao juiz a imediata percepção da arguição e, assim, que sobre a mesma se pronuncie; contudo, se no requerimento de interposição do recurso não se faz qual referência a arguição de nulidade da sentença, o tribunal superior encontra-se impedido de conhecer da mesma.
Ora, no caso em apreciação, no requerimento de interposição do recurso a recorrente não argui qualquer nulidade, nem faz referência a qualquer nulidade, “limitando-se” a deixar consignado que não se conforma com o despacho saneador, na parte em que lhe é desfavorável, pelo vem interpor recurso (fls. 107 dos presentes autos de recurso); e apenas nas alegações e conclusões vem invocar a nulidade da decisão.
Por isso, tendo presente o disposto no referido artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, não pode este tribunal conhecer da arguida nulidade.
Não se conhece, pois, da arguida nulidade.

2. Quanto à (alegada) prescrição dos direitos de crédito do Autor/recorrido
Se bem interpretamos as alegações e conclusões da recorrente, ela sustenta que todos os créditos peticionados pelo Autor, que ultrapassem o prazo de cinco anos contados até à data da resolução do contrato devem ser declarados prescritos, “(…) por não ter sido alegada a factualidade necessária e indispensável à realização da respectiva prova, por documento idóneo, em clara violação do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 337 do C.T.”.
Sobre a problemática da prescrição dos créditos do Autor, escreveu-se na decisão recorrida:
“Aquando da contestação apresentada, veio a ré invocar a prescrição e caducidade dos créditos reclamados pelo autor nos arts. 30º a 34º da PI, já que sobre os mesmos decorreram mais de cinco anos e inexiste prova documental idónea, O autor respondeu a tal excepção, pugnando pela improcedência da mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o n.º 1 do art. 337º do CT que “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Já de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, “O crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo”.
Este último número não estabelece um prazo de prescrição diferente do previsto no n.º 1, mas tão somente um regime especial de prova para os créditos nele mencionados, vencidos há mais de cinco anos.
Na presente acção, a autora reclama, sem margem para dúvidas créditos resultantes do respectivo contrato de trabalho e violação deste último, pelo que ter-se-á de aplicar o citado n.º 1.
Nada é peticionado ao abrigo do n.º 2 do art. 337º, designadamente alguma compensação por violação do direito a férias (compensação essa prevista no art. 246º do CT) ou trabalho suplementar referente de há mais de 5 anos (o mencionado no art. 39º da PI reporta-se a Outubro/12). E, mesmo que o fosse, como supra se referiu, o prazo prescricional seria igualmente de um ano, simplesmente, o regime probatório exigido seria já diverso.
Termos em que, face ao exposto, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, se julga improcedente, por não provada, a alegada excepção de prescrição suscitada pela ré”.

Adiante-se, desde já, que se concorda, nesta parte, com a decisão recorrida.
O n.º 1 do artigo 337.º, do Código do Trabalho, estabelece a regra de que todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação se extinguem por prescrição decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
E o n.º 2 do mesmo preceito legal dispõe que o crédito correspondente a compensação por violação do direito de férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.
Assim, enquanto no n.º 1 do artigo se estabelece o prazo de prescrição de créditos, no n.º 2 fixa-se um regime probatório especial para certos créditos; tal significa que o referido n.º 2 do artigo 337.º, não altera, para os créditos nele referidos, o prazo de prescrição estabelecido no n.º 1, apenas limita os meios de prova de que o trabalhador pode “lançar mão” para demonstrar a existência dos factos constitutivos desses mesmos créditos: através de “documento idóneo” (neste sentido, embora no regime da LCT, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-01-2005, Proc. n.º 923/04, 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt).
De resto, tenha-se presente que a própria epígrafe do artigo é “Prescrição e prova de crédito”, referindo-se o n.º 1 à “prescrição” e o n.º 2 à “prova do crédito”.
Por isso, o que releva para aferir que os créditos se encontram ou não prescritos é saber se foram ou não peticionados após o ano seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Ora, no caso verifica-se que os créditos foram peticionados antes do decurso de um ano após a cessação do contrato, pois alegando o Autor a cessação do contrato de trabalho em 07-01-2013, ou no dia seguinte, tendo a acção sido intentada em 25-02-2013, não obstante se desconhecer nos presentes autos de recurso a data em concreto em que a Ré foi citada para a acção (cfr. artigo 323.º do Código Civil), o certo é que tendo apresentado contestação em 24-05-2013, manifestamente nessa data não tinha decorrido o prazo de um ano sobre a cessação do contrato, pelo que, não ocorre a prescrição dos créditos do Autor.

Quanto à junção ou não de “prova idónea” e tendo em vista o que dispõe o n.º 2 do artigo 337.º, do Código do Trabalho, como se afirmou, em nada altera o prazo de prescrição previsto no n.º 1, referindo-se apenas aos meios de prova.
Atente-se que de acordo com o disposto no artigo 246.º, n.º 1, do Código do Trabalho, “[c]aso o empregador obste culposamente ao gozo das férias […] o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta […]”.
Daquela norma decorre, pois, que se exige a prova por documento idóneo apenas quanto à compensação por violação do direito a férias vencido há mais de cinco anos, e não quanto ao direito à retribuição a título de férias.
Entende-se que a norma é expressa ao aludir a “compensação por violação do direito a férias” e não, por exemplo, a “direito à retribuição a título de férias”.
Neste mesmo sentido, e numa situação idêntica à dos presentes autos, embora no âmbito do artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2203, de 27 Agosto – a que correspondia, no direito anterior, ao artigo 38.º, n.º 2, da LCT –, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-01-2008 (Proc. n.º 2713/07, disponível em www.dgsi.pt): “De acordo com o disposto no artigo 381.º, n.º 2, do Código do Trabalho – que corresponde, no direito anterior, ao artigo 38.º, n.º 2, da LCT – os créditos correspondentes à indemnização por falta de gozo de férias, vencidos há mais de cinco anos, só podem ser provados por documento idóneo.
Tais preceitos reportam-se às consequências, de índole sancionatória, estatuídas, respectivamente, nos artigos 222.º do Código do Trabalho e 13.º da LFFF […], para o caso de violação do direito a férias […].
A prova dos créditos correspondentes a “remunerações a título de férias” vencidas há mais de cinco anos não está sujeita à restrição dos preceitos supra mencionados.”.
Ora, no caso, não se extrai da petição inicial que o Autor peticione qualquer compensação por violação do direito de férias ou o pagamento de trabalho suplementar prestado há mais de cinco anos, mas sim créditos correspondentes a retribuição por férias vencidas há mais de cinco anos, pelo que para prova destes não se exige o “documento idóneo” a que alude o referido n.º 2, do artigo 337.º, entendido, como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2007 (Proc. n.º 3788/07, disponível em www.dgsi.pt), por “[…] documento escrito com origem na própria entidade empregadora, que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito e que seja suficientemente elucidativo, de molde e dispensar a sua integração ou dilucidação através de outros meios de probatórios, designadamente testemunhas […]”.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Quanto a saber se deve revogar-se o despacho recorrido, na parte em que indeferiu o depoimento de parte do Autor/recorrido
No final da contestação, constituída por 60 artigos, a Ré requereu o “[d]epoimento de parte do A. à matéria dos arts 1º a 60º da presente Contestação”.
Quanto a tal prova, em sede de despacho saneador foi proferido o seguinte despacho: “Indefere-se o requerido depoimento de parte do autor por não ter sido observado o estatuído no art. 452º, n.º 2 do CPC”.
A recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, por um lado, que não incumpriu o disposto no n.º 2 do artigo 452.º, já que indicou que o depoimento devia recair sobre os artigos 1.º a 60.º da contestação, e, por outro lado, que caso assim se não entendesse, devia o juiz, em cumprimento ao disposto nos artigos 6.º, n.º 2 e 7.º do Código de Processo Civil, convidar a Ré para concretizar os factos sobre que pretende que incida o depoimento de parte.
Vejamos.
Determina o artigo 552.º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil (aqui aplicável, tendo em conta que à data em que foi requerido o depoimento de parte se encontrava em vigor tal diploma legal), a que corresponde o n.º 2 do artigo 452.º, do novo Código de Processo Civil, que quando o depoimento de parte seja requerido por alguma das partes, devem indicar-se logo, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair.
Atente-se que a referida redacção do artigo 552.º, n.º 2, foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25-09, e, à semelhança com o que sucede com a redacção do n.º 2 do artigo 452.º do novo Código de Processo Civil, não comina qualquer sanção no caso da parte requerente não ter feito a discriminação dos factos, ao requerer o depoimento de parte:
Isto contrariamente ao que se estipulava na anterior redacção do artigo 552.º, que consagrava a expressão “sob pena de não ser admitido”.
Por isso, como se afirmou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-03-2011 (Proc. n.º 167/10.0TTLRS-A.L1-4, disponível em www.dgsi.pt), “[d]a diferença de redacção claramente se intui que o legislador da redacção da norma actual não pretendeu manter, como consequência imediata, o indeferimento do depoimento de parte com fundamento na não indicação discriminada dos factos sobre os quais haverá de incidir.
Assim, hoje, perante requerimento para depoimento de parte formulado de forma imperfeita deve o juiz, no uso do poder de direcção e ainda tendo em conta o princípio da cooperação a que se referem os art.ºs 265.º e 266.º, ambos do CPC, convidar o requerente a aperfeiçoar o requerimento e, não, como foi feito no caso dos autos, indeferir de imediato o mencionado requerimento de prova”.
Idêntico entendimento se extrai do n.º 2 do artigo 452.º do novo Código de Processo Civil: não cominando a lei qualquer sanção no caso da parte requerente não ter feito a discriminação dos factos ao requerer o depoimento de parte, face ao estatuído nos artigos 6.º e 7.º, do compêndio legal em referência, maxime ao dever de gestão processual e ao princípio da cooperação processual, impõe-se ao juiz, perante a não discriminação pela parte dos factos sobre que pretende o depoimento da outra parte, que notifique o requerente para discriminar os mesmos, e só se este não cumprir o convite, então sim, indeferir o depoimento de parte.
No caso em apreciação, sendo certo que a indicação pela aqui recorrente de que pretende o depoimento de parte do Autor a todos os artigos da contestação não configura, para efeitos legais, uma indicação de forma discriminada dos factos sobre que deve recair o depoimento de parte, deveria, todavia, como se deixou assinalado, a parte ser convidada a indicar os factos sobre que pretende o depoimento e não indeferir-se de imediato o mesmo.
Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

4. Quanto a saber se deve revogar-se o despacho que indeferiu o pedido de notificação do Autor para juntar aos autos extractos bancários da conta de que é titular e que identifica
Como se mencionou supra, a decisão recorrida indeferiu o requerido nesta parte com o fundamento que o ónus da prova do pagamento compete à aqui recorrente, não estando a mesma impossibilitada de obter a competente prova.
A recorrente discorda deste entendimento, argumentando, em síntese, que o mesmo viola o disposto nos artigos 411.º, 413.º, 415.º e 417.º do novo Código de Processo Civil.

Como é consabido, numa acção em que pretende ver reconhecidos créditos salariais, deve o trabalhador alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (n.º 1 do art.º 342.º do Código Civil), ou seja, a celebração e vigência do contrato de trabalho e a prestação de trabalho em determinado período (ou a sua suspensão sem perda de retribuição) relativamente ao qual formula o seu pedido de pagamento destes créditos.
Deve ainda alegar as retribuições/subsídios que efectivamente auferiu no período em causa, para possibilitar a quantificação das diferenças que lhe sejam devidas.
Uma vez demonstrada a vigência do contrato de trabalho (como facto jurídico genético de direitos e obrigações para as partes) e igualmente demonstrado que o trabalhador realizou a prestação a que se obrigou pelo mesmo (ou que, apesar de suspenso, mantém o direito à mesma), será de concluir que nasceu na sua esfera jurídica o direito à contraprestação.
Esta contraprestação consubstancia-se na obrigação retributiva que recai sobre a entidade empregadora por força do disposto nos arts. 11.º e 258.º e segts. do Código do Trabalho.
O cumprimento desta obrigação (pagamento das retribuições e subsídios) traduz-se, pois, num facto extintivo dos direitos que o trabalhador pretende fazer valer (cfr. os arts. 762º e segts. do Código Civil).
E, sendo o pagamento um facto extintivo do direito do credor, constitui o mesmo uma excepção de cariz peremptório a invocar pelo eventual devedor, a quem incumbe o respectivo ónus probatório – vide, neste sentido, Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pp.132 e ss., e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2003 (Revistas nº 1198/03 e n.º 3707/02, da 4ª Secção), e de 30-01-2002 (Revista nº 1433/01 da 4ª Secção).
Ora, tendo o apelado invocado que vigorou entre as partes um contrato de trabalho e que a apelante não lhe pagou determinadas retribuições/subsídios, a esta compete o ónus da prova desse pagamento (n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil).
Ou seja, à Ré/recorrente compete o ónus de provar que procedeu ao pagamento das retribuições/subsídios peticionados.
Não pode olvidar-se que, como princípio geral, o impulso processual e a iniciativa incumbem às partes (artigo 264.º, do anterior Código de Processo Civil e artigo 5.º do novo Código de Processo Civil).
Contudo, existe um dever de cooperação que impende sobre todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, para a descoberta da verdade, dever esse que se pode corporizar em responder ao que lhe for solicitado, facultar o que lhe for requisitado ou praticar os actos que lhe forem ordenados (artigo 519.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); trata-se de um dever que se coloca, essencialmente, na fase de instrução e de produção de prova.
Neste âmbito, e quanto aos documentos em poder da parte contrária, prescreve o artigo 528.º, do anterior Código de Processo Civil e o artigo 429.º, do novo Código de Processo Civil, que quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requererá que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado, devendo no requerimento a parte identificará quanto possível o documento e especificará os factos que com ele quer provar.
Ora, no caso, a recorrente pretende que o recorrido junte os extractos bancários, donde resulta a transferência de retribuições/subsídios por ela efectuados.
Mas, como se analisou, sendo o ónus da prova da recorrente quanto a tais pagamentos e tendo esta feito transferências para esse efeito para a conta do recorrido terá em seu poder os respectivos documentos, ou poderá obtê-los, sendo certo que não alega qualquer impossibilidade de os obter, situação em que, porventura, se justificaria notificar a parte contrária para juntar os documentos.
Assim, não se compreende o porquê da recorrente, sobre quem impende o ónus da prova, pretender que seja o recorrido a juntar aos autos documentos para fazer essa prova, documentos esses (extractos bancários) que até podem contender com a reserva da vida privada na medida em que revelam a sua “vida financeira”.
Por isso, bem andou a 1.ª instância em indeferir o requerido.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

De acordo com o disposto no artigo 527.º, do Código de Processo Civil, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se como tal a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso, a recorrente obtém êxito quanto à questão do indeferimento do pedido de depoimento de parte, que não foi objecto de oposição no recurso por parte do recorrido, o que significa que deverá ser condenada na proporção do decaimento.
No entanto, a questão fundamental no recurso, e em que a recorrente decaiu, reporta-se à prescrição de créditos.
Por tal motivo, entende-se fixar em 75% a parte em que a recorrente decaiu, condenando-se, por isso, nessa parte no recurso, sendo os restantes 25% devidos pela parte vencida a final.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por C…, Lda., e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido na parte em que indeferiu o depoimento de parte, o qual deverá ser substituído por outro que convide a recorrente a aperfeiçoar o pedido de depoimento de parte, indicando, de forma discriminada, os factos sobre que há-de recair.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso na proporção do decaimento, que se fixa em 75% para a recorrente, sendo os restantes 25% devidos pela parte vencida a final.

Porto, 28 de Abril de 2014
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
____________
Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
(i) o n.º 2 do artigo 337.º do Código do Trabalho não altera, para os créditos nele referidos, o prazo de prescrição estabelecido no n.º 1: apenas limita os meios de prova de que o trabalhador pode “lançar mão” para demonstrar a existência dos factos constitutivos desses mesmos créditos;
(ii) não cominando a lei qualquer sanção no caso da parte requerente não ter feito a discriminação dos factos ao requerer o depoimento de parte, face ao dever de gestão processual e ao princípio da cooperação deve ser convidada a suprir tal omissão, e só em caso de não observar o convite formulado ser indeferido o depoimento de parte;
(iii) incumbindo a uma parte o ónus da prova de determinados factos e não alegando que não pode obter, ou dificuldade em obter prova documental, deve indeferir-se o requerimento por ela formulado para que a outra parte apresente documentos com vista a essa prova.