Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4854/15.8T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
RESOLUÇÃO
NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
Nº do Documento: RP201610104854/15.8T8MTS.P1
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 633, FLS 379-385)
Área Temática: .
Sumário: I - A notificação judicial avulsa constitui um ato judicial que não se insere em qualquer processo pendente.
II - Ao apreciar o requerimento de notificação judicial avulsa, o juiz só tem de verificar a sua regularidade formal e de curar de saber se o direito existe abstratamente na lei.
III - No artigo 261º, na redação dos DLs nº 303/2007, de 24.8, e nº 226/2008, de 20.11, bem como no atual 256º, que reproduz aquele, a notificação avulsa é feita na própria pessoa do notificando.
IV - A notificação judicial avulsa não pode ser efetuada, nos termos do artigo 232º do C.P.C., através de nota com indicação de hora certa.
V - Para que se possa produzir a resolução do contrato-promessa, é necessário que a mora se tenha convertido em incumprimento definitivo; ou que, em consequência da mora, o credor tenha perdido o interesse na prestação; ou que a prestação não seja realizada dentro do prazo que razoavelmente o credor houvesse fixado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 4854/15.8T8MTS.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… e mulher C… intentaram a presente ação com processo comum de declaração contra D… e mulher E…, pedindo: a) Que se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado a 17 de Janeiro de 1989 e objeto de aditamento a 17 de Janeiro de 1990; b) Que o imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial lhes seja entregue definitivamente livre de pessoas e bens, com as respetivas chaves; c) Que os réus sejam condenados a reconhecer que pertence aos autores a importância de €14.939,00, que, em execução do contrato, lhes entregaram.

A fundamentar o pedido, alegam, em síntese, que são donos e legítimos proprietários de um imóvel composto de casa de rés-do-chão com garagem e logradouro, sito na Rua …, nº …, na freguesia …, concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº 4323 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1699, tendo celebrado com os réus contrato promessa de compra e venda, do referido imóvel, a 17 de Janeiro de 1989.
Por esse contrato, os autores prometeram vender aos réus e estes prometeram comprar o referido imóvel, tendo ficado acordado que a escritura pública se realizaria “logo que possível, ou seja logo que o prédio se encontre legalizado”.
Após a celebração do contrato promessa de compra e venda, os réus passaram a ocupar o imóvel.
Os autores iniciaram todos os procedimentos necessários à legalização do prédio prometido vender, o qual só a 29.01.2010 foi legalizado, em virtude de apenas nessa data existir o alvará de loteamento emitido pela Câmara Municipal ….
Os autores interpelaram, por diversas vezes, os réus a fim de se proceder à marcação da escritura de compra e venda do imóvel, tendo inclusive marcado escritura no Cartório Notarial de Valongo, para o dia 25 de Março de 2010. Contudo, os réus não compareceram à escritura.
Os autores interpelaram os réus por notificação judicial avulsa para a realização da escritura de compra e venda no dia 31 de Julho de 2015.
A falta de realização da escritura de compra e venda ficou a dever-se à não comparência dos réus, que manifestaram desinteresse no cumprimento do contrato.
Assim, os autores perderam o interesse na venda do referido imóvel, e consequente outorga da respectiva escritura, em virtude do incumprimento definitivo do contrato promessa por parte dos réus e por falta imputável exclusivamente aos mesmos.

Citados, os réus não contestaram no prazo legal, nem intervieram de qualquer outra forma no processo.

Foram considerados provados os factos alegados na petição inicial.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 567º do C.P.C., os autores alegaram, concluindo pela procedência da ação.

Foi proferida sentença, na qual a ação foi julgada improcedente.

Inconformados, os autores recorreram para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. Face à factualidade dada como provada nos presentes autos devia o Mmo. Juiz a quo ter considerado que face ao incumprimento definitivo dos ora apelados na outorga da competente escritura, após interpelação admonitória, o contrato estava definitivamente incumprido.
2. Isto porque, os ora apelantes realizaram interpelação admonitória dos apelados, através de notificação judicial avulsa, que só não foi pessoal, em virtude dos apelados se terem furtado à mesma;
3. A notificação judicial avulsa quando não se consegue efectuar nos termos do preceituado no artigo 256º do C.P.C., tem de se efectuar nos mesmos termos que se aplica para as citações;
4. Seguindo as regras da citação em processo civil, na impossibilidade de se realizar a citação pessoal deve-se recorrer à citação com hora certa nos termos do disposto no artigo 232º do C.P.C.
5. Prescrevendo o nº 4 daquele normativo que, “Não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, de nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 227º, …”
6. Considerando assim pessoal a citação que é feita nos termos do disposto no nº 2 e 4º do artigo 232º do C.P.C.
7. Assim, não podia o tribunal a quo considerar não ter sido validamente efectuada a notificação judicial avulsa, afastando assim a existência de interpelação admonitória aos apelados pelos ora apelantes.
8. Aliás, é entendimento do ilustre Professor Doutor Lebre de Freitas (Código Processo Civil anotado, 1º, 460/461) que as notificações judiciais avulsas se regem pelas suas regras próprias e pelo regime da citação pessoal.
9. Ora, no caso sub judice, tendo-se colocado à agente de execução a impossibilidade de efectuar na própria pessoa dos notificados a NJA, em virtude de não atenderem, esta efectuou a notificação com hora certa, que equivaleu à pessoal.
10. Aduz ainda o Mmo Juiz a quo que, não tendo ocorrido a interpelação admonitória dos ora apelados, que não pode ser declarada a resolução do contrato promessa de compra e venda por falta de cumprimento imputável culposamente aqueles;
11. Bem como, que não foram alegados pelos apelantes quaisquer factos que lhe permitissem concluir pela perda de modo objectivo do seu interesse na celebração do contrato prometido, de acordo com o preceituado no artigo 808º do Código Civil.
12. É pacífico que, a aplicação das sanções previstas nos artigos 442º do C.C. pressupõe o incumprimento do contrato promessa, não bastando a simples mora.
13. De acordo com o artigo 808º do C.C. são duas as causas que podem estar na origem do incumprimento definitivo: a perda objectiva de interesse do credor no cumprimento da prestação (causa subjectiva) e o decurso do prazo suplementar ou admonitório de cumprimento estabelecido pelo credor (causa objectiva).
14. A conversão da mora em incumprimento definitivo supõe uma interpelação admonitória, nos termos do nº 1 do artigo 808º do C.C.
15. A jurisprudência tem vindo a decidir que se considera a este propósito que “tem-se por razoável o prazo suplementar que fixado pelo credor, segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, aos usos correntes e aos ditames da boa-fé, permite ao devedor satisfazer, dentro dele, o seu dever de prestar”.
16. Resulta dos autos que os autores apelantes interpelaram os réus apelados para a realização da escritura prometida, tanto que marcaram escritura no Cartório Notarial de Valongo para o dia 25 de Março de 2010, e
17. Posteriormente para 31 de Julho de 2015, no Cartório Notarial da Maia do Licenciado F…, na Maia, não tendo os apelados comparecido.
18. Igualmente os apelantes notificaram os apelados que consideravam o contrato promessa definitivamente incumprido por perda de interesse na sua celebração, dado o incumprimento daqueles.
19. Ora, tendo os apelantes na NJA concedido aos apelados um prazo para comparecerem à escritura, fixado em 31 de Julho de 2015, como prazo limite, que se afigura razoável.
20. Não tendo os apelados comparecido à escritura, na data designada, o incumprimento daqueles tornou-se definitivo, havendo consequentemente fundamento para a resolução do contrato.
21. O incumprimento definitivo, tratando-se de um negócio bilateral, confere ao outro contraente o direito a resolver o contrato, constituindo o inadimplemento na obrigação de indemnização que, no âmbito do artigo 442º, nº 2, do C.C. acarreta perda do sinal ou restituição a restituição em dobro.

Não houve contra-alegações.

Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1. Os autores são donos e legítimos proprietários de um imóvel composto de casa de rés-do-chão com garagem e logradouro, sito na Rua …, nº …, na freguesia …, concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº 4323 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1699.
2. Os autores celebraram com os réus contrato promessa de compra e venda, do imóvel identificado no artigo anterior, a 17 de Janeiro de 1989, cujo teor consta de fls. 40-42 dos autos e aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Por esse contrato, os autores prometeram vender aos réus e estes prometeram comprar o imóvel identificado em 1.
4. Tendo sido estipulado o preço de aquisição de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), actualmente € 14.963,94.
5. Os réus em 17 de Janeiro de 1990 entregaram aos autores a quantia de 2.995.000$00 (€ 14.939,00) a título de sinal e princípio de pagamento.
6. Nessa data, foi efectuado novo contrato promessa de compra e venda, no qual estipularam que os requeridos aquando da assinatura do mesmo entregaram aqueles a quantia de 2.995.000$00, ficando a quantia de 5.000$00 (25 €) de ser paga no acto da outorga da escritura que titularia o contrato prometido.
7. Ficou ainda estipulado no citado contrato promessa de compra e venda que a escritura de compra e venda se realizaria “logo que possível ou seja logo que o prédio se encontrasse legalizado”.
8. Ficou também acordado que os vendedores se comprometiam a assinar todos os documentos necessários para a legalização do prédio.
9. Mais ficou acordado que as despesas ficavam a cargo dos promitentes-compradores.
10. Após o contrato promessa de compra e venda, os réus passaram a ocupar o imóvel.
11. Os autores iniciaram todos os procedimentos necessários à legalização do prédio prometido vender, o qual só a 29.01.2010 foi legalizado, em virtude de só nessa data existir o alvará de loteamento emitido pela Câmara Municipal ….
12. E ter sido proceder à divisão do prédio, que deu origem ao lote 10, aqui em apreço.
13. Após a legalização do prédio, os autores interpelaram por diversas vezes os réus, a fim de se proceder à marcação da escritura de compra e venda do imóvel, tendo marcado escritura no Cartório Notarial de Valongo para o dia 25 de Março de 2010.
14. Contudo, os réus não compareceram à escritura, da qual foram avisados.
15. Os réus estão a habitar o imóvel a título gratuito.
16. A fim de efectuar a notificação judicial avulsa dos réus, no dia 15 de Julho de 2015 a Agente de Execução, Dra. G…, deslocou-se à morada destes, tendo sido deixado aí aviso para citação com dia e hora certos para o dia 17 de Julho de 2015, pelas 9:15, relativamente ao Réu D… e para o dia 16 de Julho de 2015, pelas 9:15, para a ré E…, conforme melhor consta dos documentos de fls. 83-88, que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais.
17. Na notificação constava a informação de que: “… se encontra marcada a escritura de compra e venda do imóvel devidamente identificado em 1º desta peça, para o dia 31 de Julho de 2015, pelas 10 horas, no Cartório Notarial da Maia do Licenciado F…, sito no Edifício …, na Rua …, nº .., na Maia, bem como para comparecerem nessa data à citada escritura com todos os documentos necessários à sua realização”.
18. Mais constava o seguinte: “de que se considerará definitivamente incumprido o contrato promessa, se não comparecerem na escritura de compra e venda, por se considerar existir definitivamente perda de interesse na celebração do contrato prometido”.
19. E ainda que os autores fariam sua a quantia recebida dos réus a titulo de sinal e princípio de pagamento.
20. Os réus não entregaram no Cartório Notarial qualquer documentação necessária à realização da escritura que titularia definitivamente o contrato prometido.
21. Os réus não compareceram no dia 31 de Julho de 2015 no Cartório Notarial da Maia do Licenciado F…, para a realização da escritura de compra e venda.
22. Os réus não entregaram o imóvel aos autores e não pagaram o restante do preço acordado, continuando a usar e fruir o imóvel gratuitamente e sem título que os legitime.
23. A falta de realização da escritura de compra e venda referida em 17 ficou a dever-se à não comparência dos réus.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
As questões a decidir são as seguintes: se a notificação judicial avulsa pode ser efetuada, nos termos do artigo 232º do C.P.C., através de nota com indicação de hora certa; se se pode concluir pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa celebrado entre autores e réus.

I. Como se diz no nº 1 do artigo 256º do atual C.P.C., as notificações avulsas, dependem de despacho prévio que as ordene e são feitas pelo agente de execução, designado para o efeito pelo requerente ou pela secretaria, ou por funcionário de justiça, nos termos do nº 9 do artigo 231º, na própria pessoa do notificando, à vista do requerimento, entregando-se ao notificado o duplicado e cópia dos documentos que o acompanhem.
Por sua vez, o nº 2 do mesmo preceito determina que se lavre certidão do ato, que é assinada pelo notificado.
A notificação judicial avulsa constitui um acto judicial que não se insere em qualquer processo pendente. Tem lugar como que num processo ad hoc, para os efeitos declarados na lei substantiva, permitindo a realização de actos de comunicação sobre cuja verificação e termos se pretende não venha a haver dúvidas. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 115; e Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume II, pág. 530.
A notificação judicial avulsa esgota-se com a sua realização, sendo que dela não nascem direitos e obrigações.
Daí que seja comum dizer-se que, ao apreciar o requerimento de notificação avulsa, o juiz só tem de verificar a sua regularidade formal e de curar de saber se o direito invocado existe abstractamente na lei.
Os nºs 1 e 2 do citado artigo 256º não se limitam a remeter para as regras da citação, estabelecendo, pelo contrário, um regime exclusivo da notificação judicial avulsa, o que implica não poder esta ser substituída pela citação postal (artigo 228º), pela citação em domicílio convencionado (artigo 229º) ou pela citação com hora certa (artigo 232º).
Na versão anterior ao DL nº 242/85, de 9 de Julho, no nº 1 do artigo 261º estabelecia-se: «As notificações judiciais avulsas são feitas à vista do requerimento, entregando-se ao notificado um duplicado, no qual o oficial de justiça declarará o dia em que efetuou a diligência. Se o requerimento for acompanhado de documentos, o oficial facultará ao notificando a sua leitura».
Por sua vez, o nº 1 do artigo 257º determinava: «As notificações avulsas e as que tenham por fim chamar ao tribunal testemunhas, peritos e outras pessoas com intervenção acidental na causa são feitas na própria pessoa dos notificandos. Quando não seja possível efetuar a notificação e se dê a hipótese prevista no artigo 241º, observar-se-á o disposto neste artigo».
Finalmente, este último artigo 241º estabelecia: «Se não for possível citar o réu nos termos dos artigos anteriores e houver fundamento para crer, depois de duas tentativas malogradas, que ele procura subtrair-se à citação, o funcionário de justiça far-se-á acompanhar de um agente da autoridade ou da força pública e citará o réu em qualquer parte em que o encontre. A certidão assinada pelo funcionário e pelo agente faz prova plena do ato».
O referido DL nº 242/85, de 9 de Julho, alterou a redação aos artigos 257º e 261º, exigindo que a notificação judicial avulsa passasse a ser feita na própria pessoa do notificando. Retirou-se do nº 1 do artigo 257º a referência às notificações judiciais avulsas e a remissão para o artigo 241º, que permitia, como se disse, que a notificação avulsa fosse feita pelo funcionário judicial acompanhado de um agente da autoridade ou da força pública.
Ou seja, após a referida alteração dos artigos 257º e 261º pelo DL nº 242/85, passou a ser exigido que a notificação judicial avulsa fosse feita na própria pessoa do notificando.
Deixou de ter aplicação a doutrina defendida por Alberto dos Reis de que «não se prevê no artigo 261º o caso de o oficial não encontrar o notificando; mas também se não exige, como no artigo 257º, que a diligência seja feita na própria pessoa dele. Devem, por isso, aplicar-se por analogia as disposições que regulam a citação». Comentário ao Código do Processo Civil, Volume II, pág. 742.
No artigo 261º, na redação dos DLs nº 303/2007, de 24.8, e nº 226/2008, de 20.11, bem como no atual 256º, que reproduz aquele, a notificação avulsa é feita na própria pessoa do notificando.
«O facto de nem a notificação em pessoa diversa ou por afixação de nota de notificação (não excluída até ao diploma intercalar de 1985 e por isso entendida como admissível: Alberto dos Reis, Comentário citado, II, pág. 742) nem a forma edital serem admissíveis pode levar à necessidade de recorrer à propositura duma ação, ainda que de mera apreciação». Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, pág. 501.
Na altura, os réus não se encontravam no local, tendo sido deixado nota para a sua notificação com dia e hora certos, como resulta do ponto 16 da matéria assente: «A fim de efectuar a notificação judicial avulsa dos réus, no dia 15 de Julho de 2015, a Agente de Execução, Dra. G…, deslocou-se à morada destes, tendo sido deixado aí aviso para citação com dia e hora certos, para o dia 17 de Julho de 2015, pelas 9:15, relativamente ao Réu D… e para o dia 16 de Julho de 2015, pelas 9:15, para a ré E…».
Daí que, não podendo a notificação judicial avulsa ser efetuada, nos termos do artigo 232º do C.P.C., através de nota com indicação de hora certa, os réus não se devem considerar notificados.

II. A susceptibilidade de as partes, em vez de celebrarem imediatamente um contrato final, começarem por se vincularem, tão somente, à celebração de um contrato futuro, é reconhecida nos artigos 410º e seguintes do C.C., preceitos onde se consagra a disciplina da figura do contrato-promessa.
Nesse sentido, em 17 de Janeiro de 1989, autores e réus celebraram um contrato-promessa de compra e venda, no qual os primeiros declararam prometer vender e os segundos declararam comprar, pelo preço 3.000.000$00, actualmente €14.963,94, o imóvel composto de casa de rés-do-chão com garagem e logradouro, sito na Rua …, nº …, na freguesia …, concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº 4323 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1699.
Os réus, em 17 de Janeiro de 1990, entregaram aos autores, a quantia de 2.995.000$00 (€ 14.939,00), a título de sinal e princípio de pagamento.
Nessa data, foi efectuado novo contrato-promessa de compra e venda, no qual estipularam que os requeridos, aquando da assinatura do mesmo, entregaram àqueles a quantia de 2.995.000$00, ficando a quantia de 5.000$00 de ser paga no acto da outorga da escritura que titularia o contrato prometido.
Ficou ainda estipulado no citado contrato-promessa de compra e venda que a escritura de compra e venda se realizaria “logo que possível, ou seja, logo que o prédio se encontrasse legalizado”.
Na notificação que, como acima se referiu, não foi legalmente concretizada, constava que a escritura de compra e venda do imóvel seria realizada no dia 31 de Julho de 2015, pelas 10 horas, no Cartório Notarial da Maia do Licenciado F…, sito no Edifício …, na Rua …, nº .., na Maia.
Alegam os autores que, devido à falta de realização da escritura, que se ficou a dever à não comparência dos réus, perderam interesse na venda do imóvel e pretendem a resolução do contrato-promessa.
A resolução consiste na destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com fundamento num facto posterior à celebração do contrato.
A resolução pode ser caracterizada «como a relevância negocial negativa (a sua frustração) de um facto (tipicamente unilateral-humano ou atipicamente natural) extrínseco e superveniente (o facto relevante ocorre em momento posterior à formação do negócio e à verificação dos seus efeitos imediatos ou, pelo menos, de alguns).
O exercício do direito resolutivo compete, em regra, ao contraente lesado pelo evento condicionante da resolução ou àquele que se reservou (v. g., numa cláusula do contrato) tal direito. Com propriedade se poderá falar aqui da natureza relativa da legitimidade resolutiva». Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, págs. 20 e 26.
O direito de resolução é considerado como uma mera faculdade e uma das alternativas que se apresentam, num contrato bilateral, à parte que cumpre para reagir contra o incumprimento da outra.
E a resolução tutela «o duplo interesse liberatório-recuperatório e permite, ao contraente adimplente (ou com aptidão para tal) uma nova composição contratual». ob. cit., pág. 65.
Nos termos do artigo 808º, nº 1, do C.C., se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
Em princípio, o credor não pode resolver o negócio em consequência da mora do devedor. Para que possa fazê-lo, é necessário que a mora se tenha convertido em incumprimento definitivo – artigo 801º do C.C; ou que, em consequência da mora, o credor tenha perdido o interesse na prestação – artigo 808º, nº 1, 1ª parte; ou que a prestação não seja realizada dentro do prazo que razoavelmente o credor houvesse fixado – artigo 808º, nº 1, 2ª parte.
No caso, interessa analisar a referida situação em que o credor, no caso de mora, fixa ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena de se considerar a prestação como não efetuada.
Consiste na transformação da mora em incumprimento definitivo, resultante do decurso do prazo fixado na chamada interpelação admonitória.
«É esta notificação feita ao devedor para que cumpra dentro de certo prazo, depois de ter incorrido em mora, que alguns autores chamam notificação admonitória, enquanto outros falam em interpelação cominatória. Trata-se, na generalidade dos casos, de um ónus imposto ao credor que pretenda converter a mora em não cumprimento». A. Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, págs. 125 e 126.
A interpelação admonitória, que converte a mora em incumprimento definitivo, nos termos do nº 1 do citado artigo 808º do C.C., exige, no dizer de Gravato Morais, o preenchimento de três pressupostos: a existência de uma intimação para o cumprimento; a consagração de um prazo perentório, suplementar, razoável e exato para cumprir; a declaração (cominatória) de que findo o prazo fixado sem que ocorra a execução do contrato se considera este definitivamente incumprido». Contrato-promessa em Geral – Contratos-Promessa em Especial, pág. 161.
A notificação judicial avulsa, através da qual os autores pretendiam intimar os réus para a realização da escritura pública, no dia 30 de Julho de 2015, não foi legalmente efetuada, circunstância que implica a não concretização da interpelação admonitória, necessária para se ter o contrato-promessa celebrado como definitivamente incumprido.
Poderia, ainda assim, verificar-se outra via que levasse a concluir pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa – a de que os autores, em consequência da mora, tivessem perdido o interesse na prestação – artigo 808º, nº 1, 1ª parte.
Os autores, porém, não alegaram quaisquer factos dos quais se pudesse concluir pela perda do seu interesse na prestação apreciada objetivamente.
Na petição inicial – artigos 26º, 27º e 28º – os autores apenas alegam que a falta de realização da escritura de compra e venda se ficou a dever à não comparência dos réus, que manifestaram desinteresse no cumprimento do contrato. Por tal facto, os autores perderam interesse na venda do referido imóvel, e consequente outorga da respetiva escritura, em virtude do incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos réus e por falta imputável exclusivamente aos mesmos. Pelo que, pretendem a resolução do contrato-promessa outorgado em 17 de Janeiro de 1989.
Não ocorreu incumprimento definitivo do contrato-promessa e, por conseguinte, carece de fundamento o pedido de resolução formulado.
Improcede, assim, o recurso dos autores B… e mulher C….

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Sumário:
I. A notificação judicial avulsa constitui um ato judicial que não se insere em qualquer processo pendente.
II. Ao apreciar o requerimento de notificação judicial avulsa, o juiz só tem de verificar a sua regularidade formal e de curar de saber se o direito existe abstratamente na lei.
III. No artigo 261º, na redação dos DLs nº 303/2007, de 24.8, e nº 226/2008, de 20.11, bem como no atual 256º, que reproduz aquele, a notificação avulsa é feita na própria pessoa do notificando.
IV. A notificação judicial avulsa não pode ser efetuada, nos termos do artigo 232º do C.P.C., através de nota com indicação de hora certa.
V. Para que se possa produzir a resolução do contrato-promessa, é necessário que a mora se tenha convertido em incumprimento definitivo; ou que, em consequência da mora, o credor tenha perdido o interesse na prestação; ou que a prestação não seja realizada dentro do prazo que razoavelmente o credor houvesse fixado.

Porto, 10.10.2016
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido