Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
786/15.8GAFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: PROCESSO PENAL
FALTA DE ARGUIDO
FALTA A DILIGÊNCIA
REPRESENTAÇÃO
DEFENSOR OFICIOSO
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO
SENTENÇA
NULIDADE
Nº do Documento: RP20180613786/15.8GAFLG.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º28/2018, FLS.92-102)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a audiência decorrido na ausência da arguida, devidamente notificada, encontrando-se representada pela sua defensora, aí se inclui a notificação para a leitura da sentença.
II - De resto, nenhum efeito útil teria a declaração da invocada nulidade – de falta de notificação da data da leitura da sentença – se a arguida, entretanto, foi já notificada pessoalmente da sentença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 786/15.8GAFLG.P1

Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
Nestes autos de processo comum singular com o número acima referido que correram termos no Tribunal da Comarca do Porto Este, Juízo Local Criminal de Felgueiras foi julgada a arguida B….
Após julgamento, por sentença de 21/06/2017, foi a arguida condenada pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6.00 (seis euros), no montante de €480,00 (quatrocentos e oitenta euros).
Foi ainda condenada no pedido de indemnização civil a pagar à lesada, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros), acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal a contar desde a notificação e até efetivo e integral pagamento.
Inconformada com a decisão quanto a si proferida dela veio a arguida intentar recurso nos termos que constam de folhas 123 a 147 dos autos concluindo da seguinte forma: (transcrição)
«CONCLUSÕES:
1. O presente recurso tem como objeto a arguição de nulidade insanável, bem como toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou a Recorrente como autora material de um crime de injúrias.
2. O tribunal a quo designou para a realização da audiência de julgamento os dias 26 de Maio de 2017 e 2 de Junho de 2017.
3. A audiência de julgamento realizou-se na ausência da arguida, na primeira data para o efeito designada.
4. A leitura da sentença realizou-se não na segunda data designada, mas sim no dia 21 de Junho de 2017.
5. A Arguida, ora Recorrente, não foi notificada por nenhum meio para comparecer na audiência de leitura de sentença, o que configura uma nulidade insanável nos termos do art.º 119.º c) do CPP.
6. Pelo que, nestes termos, conforme consagra o art.º 122.º do CPP, todos os atos subsequentes à audiência de julgamento deverão ser repetidos.
7. Sem prescindir, o tribunal a quo deu como provado que a Arguida é titular/utilizadora do número de telefone ………, e que sempre foi recorrendo a esse número que contactou e foi contactada pelas suas trabalhadoras e outros, quer por chamadas de voz quer por SMS, baseando a sua convicção no depoimento da Assistente e das testemunhas (factos provados n.º 1 e 2).
8. Entende a Recorrente que o tribunal a quo desconsiderou a informação prestada pela operadora C…, a fls. 60 a 62, que refere que este número não efetuou qualquer carregamento, bem como que não dispõe de qualquer identificação quanto à titularidade daquele número.
9. Pese embora o facto de a Assistente e as testemunhas terem mostrado os respetivos telemóveis em sede de audiência de julgamento, tendo mostrado nos contactos que o número de telefone ……….. estava associado o nome B… ou D. B…, no entender da Recorrente tal não é suficiente para dar como provado que este número era titulado ou pelo menos utilizado por ela.
10. De facto, não só o nome B… não é utilizado exclusivamente pela Arguida, como o facto de aquele número estar gravado naqueles três telemóveis com o nome B… não significa que seja pertença da Arguida ou sequer de alguém com o nome B…, podendo por isso tratar-se de qualquer pessoa.
11. Acresce que, em momento algum se demonstra que efetivamente existiu troca de mensagens ou de chamadas entre a Arguida e a Assistente ou as testemunhas arroladas, e muito menos da suposta mensagem pretensamente rececionada pela Assistente se infere que foi a Arguida que a enviou, ou sequer alguém chamado B….
12. Por último, ainda que por mera hipótese de raciocínio se equaciona, se o número de telemóvel ……… pertencesse efetivamente à Recorrente à data em que existia uma relação de trabalho entre Assistente e Arguida, nada permite concluir com toda a certeza a que o Direito obriga, que à data do envio da pretensa mensagem tal número fosse ainda utilizado por aquela.
13. Efetivamente, a testemunha D…, marido da Assistente, referiu que trabalhou na empresa E… até Junho de 2015, sendo que desde essa data e até à data em que aquela mensagem terá sido rececionada no telefone da sua esposa não mais contactou ou foi contactado pela Arguida.
14. Ou seja, nada permite concluir que, ainda que o número em causa fosse efetivamente utilizado pela Arguida (o que por mera hipótese de raciocínio se equaciona), entre Junho e Setembro não tenha ocorrido uma mudança de titularidade do mesmo.
15. No que se refere aos outros elementos de provas, não é possível extrair de nenhum deles que o número de telefone aqui em causa fosse efetivamente e com toda a certeza utilizado pela Arguida,
16. Pelo que, o tribunal a quo devia ter julgado como não provados os factos n.º 1 e 2 constantes da sentença objeto de recurso, o que, para efeitos do art.º 412.º n.º 3 a) do CPP, foram os mesmos incorretamente julgados.
17. O tribunal a quo considerou provado que:
“No dia 2 de Setembro de 2015, a Arguida, através do telemóvel nº ………, dirigindo-se à Assistente, visando ofendê-la, como aliás ofendeu, no seu bom nome, consideração, honra e boa reputação de que goza no meio social onde vive, enviou uma mensagem escrita (SMS) com o seguinte teor:
“Sua porca tens os móveis da cozinha encardidos de tanta gordura, vives no bairro da lata corte pra porcos e ainda andas a pagar o banco. O banco só empresta dinheiro pra casa não para corte dos porcos. Olha um dia deu-nos uma diarreia e cagamos nas panelas e nos pratos e a terrina era o penico por isso eu nunca fiz de comer nem comi nesses pratos. És uma mentirosa disseste k a ramboia quis matar a mãe com uma faca e uma tia disse k é mentira, quem te dera ter coração dela. Mas tu és bruxa fizeste-lhe um bruxedo esperavas k o homem dela fosse pra ti. Ele tinha nojo cheiras mal chegas óleo de fritar ao cabelo mas ficas mais feia duque uma cadela. Mulher homem corres os cafés todos e jogas as cartas, se soubesses o k os homens falam de ti por trás ko teu homem gosta de ser xifrudo tens uma panda parece uma batoteira, e das cervejas e dos bagaços não vales nada sua mete nojo aos cães. Feia porca e travesti tens dois sexos podes fazer um bruxedo k eu já me protejo de mim desejares na tua casa vai para ia me esquecer és conhecida pela soc de … sua cabra só queres comer os homens das outras, já comeste os teus cunhados todos. Mas todos tivera de parar ao hospital os teus filhos são filhos de outros. Julgas k vestes o lengrinhas do teu homem muito bem são camisas de cantores e ainda por cima. Já nem são brancas são amarelas e da gordura do cabelo chega andar duas semanas com a mesma. Quando vai ao danciddaeis tem sempre a mesma uma velha de oitenta anos pk as outras tem. Nojo dele com aquele perfume comprado na drogaria prai a 20 anos vai diser pra tua fábrica que a ramboia chamou-te puta e não estava bêbada estavas em guerra querias as duas o mesmo homem. Mas ele até com um dedo tinha nojo de te tocar. Feia porca vaca não vales nada és uma merda.”
18. Na formação da sua convicção, o tribunal a quo teve em consideração as declarações da Assistente, os depoimentos das testemunhas arroladas e o auto de notícia de fls. 3 a 4.
19. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não entende a Recorrente como pode o tribunal a quo ter dado provado que tal mensagem foi rececionada no telemóvel da Assistente, qual o seu conteúdo e que esta foi remetida pelo número de telemóvel ……… pela Arguida.
20. Efetivamente, em primeiro lugar, quer à data da audiência de julgamento, quer durante o inquérito, a Assistente não dispunha da mensagem no seu telemóvel, tendo referido que a apagou.
21. Nas suas declarações, a Assistente referiu que o seu filho apagou aquela mensagem do seu telemóvel porque a via sempre a chorar.
22. O que se revela contraditório com o depoimento prestado pelo seu marido, D…, que referiu que a sua esposa já não possuía a mensagem no seu telefone porque o seu filho apagou todas as mensagens do telemóvel sem querer.
23. Esta testemunha afirma ainda que nunca leu a mensagem, tendo tomado conhecimento do seu conteúdo porque a sua esposa a leu em voz alta.
Em segundo lugar, entende a Recorrente que no auto de denúncia de fls. 3 a 4 não está transcrita qualquer mensagem, uma vez que este apenas menciona:
“F…, dirigiu-se a este Posto da Guarda Nacional Republicana em …, denunciando os seguintes factos.
(…)
A denunciante no dia seguinte dia 2 de Setembro, recebeu uma mensagem no seu telemóvel da Sra. B… através do número ……… dizendo o seguinte: “Sua porca tens os móveis da cozinha encardidos de tanta gordura, vives no bairro da lata corte pra porcos e ainda andas a pagar o banco. O banco só empresta dinheiro pra casa não para corte dos porcos. Olha um dia deu-nos uma diarreia e cagamos nas panelas e nos pratos e a terrina era o penico por isso eu nunca fiz de comer nem comi nesses pratos. És uma mentirosa disseste k a ramboia quis matar a mãe com uma faca e uma tia disse k é mentira, quem te dera ter coração dela. Mas tu és bruxa fizeste-lhe um bruxedo esperavas k o homem dela fosse pra ti. Ele tinha nojo cheiras mal chegas óleo de fritar ao cabelo mas ficas mais feia duque uma cadela. Mulher homem corres os cafés todos e jogas as cartas, se soubesses o k os homens falam de ti por trás ko teu homem gosta de ser xifrudo tens uma panda parece uma batoteira, e das cervejas e dos bagaços não vales nada sua mete nojo aos cães. Feia porca e travesti tens dois sexos podes fazer um bruxedo k eu já me protejo de mim desejares na tua casa vai para ia me esquecer és conhecida pela soc de … sua cabra só queres comer os homens das outras, já comeste os teus cunhados todos. Mas todos tivera de parar ao hospital os teus filhos são filhos de outros. Julgas k vestes o lengrinhas do teu homem muito bem são camisas de cantores e ainda por cima. Já nem são brancas são amarelas e da gordura do cabelo chega andar duas semanas com a mesma. Quando vai ao danciddaeis tem sempre a mesma uma velha de oitenta anos pk as outras tem. Nojo dele com aquele perfume comprado na drogaria prai a 20 anos vai diser pra tua fábrica que a ramboia chamou-te puta e não estava bêbada estavas em guerra querias as duas o mesmo homem. Mas ele até com um dedo tinha nojo de te tocar. Feia porca vaca não vales nada és uma merda.”
24. Em momento algum se refere que por aquela entidade policial foi realizada uma transcrição da mensagem recebida no número de telefone da Assistente, qual o número remetente da mensagem e que o teor da denúncia da Assistente corresponde ao teor da mensagem no telemóvel, antes sim é referido que o auto de denúncia corresponde a factos denunciados pela Assistente.
25. Em terceiro lugar, não resulta do auto de denúncia nem sequer da acusação pela Assistente qual o número de telefone destinatário da suposta mensagem supra mencionada, pois que ambos se referem apenas que foi enviada uma SMS para o telemóvel da Assistente, não se aludindo em momento algum qual o seu número de telefone.
26. Mais, a fls. 42 a 46, constam o termo de consentimento, o auto de transcrição e fotografias ao telemóvel da Assistente, para documentar uma SMS por esta recebida do número ………, documentos estes elaborados por aquela mesma entidade policial.
27. Ora, se o auto de denúncia de fls. 3 a 4 contivesse a transcrição da mensagem, entende a Recorrente que teria a entidade policial que efetuar os passos realizados no auto de fls. 42 a 46, o que não aconteceu, pelo que se reforça que o teor do auto de denúncia não pode ser entendido como contendo qualquer transcrição de uma suposta mensagem.
28. Pelo exposto, não deveria ter o tribunal a quo considerado que tal denúncia constitui a transcrição da mensagem, dado que não só no teor da mesma não se refere ao termo transcrição, como também não foi sucedido de eventuais fotografias ao telemóvel para comprovar que a mensagem constava no telefone da Assistente, qual era sequer o número de telefone desta, qual o número que enviou essa mesma mensagem, a data da receção, etc.
29. Acresce que, ainda que se entendesse que aquele auto de denúncia poderia configurar também um auto de transcrição da mensagem, o que por mera hipótese de raciocínio se equaciona, salvo o devido respeito por melhor opinião, desta factualidade nunca se poderia retirar que foi a Arguida a enviar tal mensagem naquele dia e hora e mais uma vez qual o número de telemóvel que rececionou tal mensagem.
30. É que, como já referido supra, nada nos autos pode corroborar que aquele número de telefone era pertença da Arguida, ou sequer utilizado por esta, nomeadamente tendo em conta a informação prestada pela C…, isto é, que o seu titular não está registado e que não foram efetuados carregamentos.
31. Nas suas declarações limita-se a Assistente a referir que tem a certeza que aquele número de telefone é da Arguida, dado que o gravou no seu telefone como pertencendo à mesma e que pelo teor da mensagem tal só pode ter sido escrito por aquela porque “quem conhece a D. B… sabe a pessoa que ela é”.
32. A Recorrente desconhece o que significa tal afirmação, mas certo é que do teor da mensagem aqui em causa em nada se pode retirar que esta se refira à Assistente, dado que não há quaisquer dados que nos permitam concluir que os factos ali indicados tenham como destinatário a D. F…, bem como não é possível concluir que o remetente da mensagem foi a Arguida, pois que nenhum facto ali constante demonstra o tipo de relação que o remetente e o destinatário possuíam, se foi uma mulher que redigiu tal pretensa mensagem e muito menos que terá sido a Arguida a fazê-lo.
33. Neste contexto, é evidente que da prova produzida não resulta como provado que a Arguida tenha enviado através do número de telemóvel ……… uma mensagem com o teor mencionado na acusação, para o telemóvel da Assistente.
34. Assim, o tribunal a quo devia ter julgado como não provado o facto n.º 5 constante da sentença ora objeto de recurso, pelo que para efeitos do art.º 412.º n.º 3 a) do CPP foi o mesmo incorretamente julgado.
35. Analisando rigorosamente a prova produzida, constata-se que as declarações da Assistente e os depoimentos das testemunhas contrastam com nomeadamente com a informação prestada pela C… de fls. 60 a 62.
36. O tribunal a quo ao dar como provados, designadamente os factos n.º 1, 2 e 5, os quais não resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, violou entre outros o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º bem como o disposto no art.º 355.º n.1 do CPP.
37. De facto, se os factos n.º 1, 2 e 5 da sentença ora objeto de recurso tivessem sido dados como não provados, a Recorrente teria necessariamente de ser absolvida do crime de injúrias pelo qual foi condenada.
38. Por outro lado, a prova produzida criou, na melhor das hipóteses, apenas dúvidas sobre a veracidade dos factos provados n.º 1, 2 e 5.
39. Pelo que é evidente a insuficiência probatória para a decisão da matéria de facto provada.
40. Pelo exposto, o tribunal a quo, condenando a Recorrente, violou ainda o princípio in dubio pro reo, consagrado no art.º 32.º n.º 2 da CRP, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da sua absolvição.
41. Nos termos de todo o alegado supra, não tendo a Recorrente praticado o crime pela qual veio condenada, deve o pedido de indemnização civil ser julgado improcedente por não provado.
42. Sem prescindir, sempre se diga que o montante a que a Arguida foi condenada a título de danos não patrimoniais é manifestamente excessivo.»
Admitido o recurso o Ministério Público junto da primeira instância a fls. 152 a 156, respondeu ao mesmo, concluindo do seguinte modo: (transcrição)
«CONCLUSÕES:
1. Tem razão a Recorrente no que concerne à alegada nulidade prevista no art. 119.º, al. c) do Código de Proc. Penal, pois na primeira sessão da audiência de julgamento do dia 26/05/2017 (Referência 73903144) consta a ora Recorrente como faltosa, e embora certamente por lapso conste igualmente a referência "Desconhece-se se está notificada", porque estava efectivamente notificada para a morada declarada no TIR (tanto que foi condenada e ainda se iniciou nos termos legais a audiência na sua ausência), verifica-se que na segunda sessão do dia 21/06/2017 (Referência 74115338), onde ocorreu a leitura da douta decisão em crise, igualmente consta aquela como faltosa.
2. Não foi a Recorrente notificada para estar presente naquela segunda data e muito embora tenha sido na sessão anterior ordenada a notificação e só tivessem de facto sido notificados os presentes, e não se tratando ainda de notificação da sentença nos termos do disposto pelos arts. 333 .º, n.º 5 e 373.º, n.º 3 do Código de Proc. Penal, mas sim da consequência a retirar da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência de julgamento.
3. É dever processual dos arguidos comparecer nas audiências de julgamento, podendo o arguido consentir que o julgamento ocorra na sua ausência quando se encontre impossibilitado de comparecer, o que deve alegar e justificar demonstrativamente - arts. 60.º, 61.º, n.º 3, al. a), 116.º, n.º 1, 117º°, n.º 1 a 3, 332.º, n.º 1, e 334.º, n.º 2 do Código de Proc. Penal
4. Assim sendo, muito embora não tenha estado presente na primeira sessão, e tenha sido o julgamento iniciado sem a sua presença nos termos legais, a consequência a extrair da obrigatoriedade da sua presença só pode implicar, efectivamente, que deve a mesma ser notificada para comparecer nas demais sessões.
5. Não o tendo sido, concorda-se que a sessão do dia 21/06/2017 é nula, como são os actos processuais posteriores, nos termos e ao abrigo do disposto pelos arts. 119.º, al. c) e 122.º, n.º 1 e 2 do Código de Proc. Penal, devendo na sequência ser agendada continuação da audiência de julgamento e notificada para a morada do TIR a ora Recorrente.
6. Caso se não entenda como defendido supra, sempre se dirá que o Ministério Público alegou nos termos do segmento do recurso relativo à impugnação da matéria de facto, entendendo igualmente que a prova documental e testemunhal citada não permite dar como provada a materialidade fáctica elencada.».
Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer que consta a fls 161 a 163 no qual, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público na resposta apresentada, entende dever ser julgado procedente o recurso, conhecendo-se da invocada nulidade.
No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
***
II - Fundamentação
Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
No caso vertente, vistas as conclusões do recurso interposto, as questões colocadas são as seguintes: nulidade insanável estatuída no artigo 119º alínea c) do Código Processo Penal, por falta de notificação da arguida da data designada para a leitura da sentença; impugnação da matéria de facto dada como provada; violação do princípio in dubio pro reo; inexistência de prova que fundamente o pedido de indemnização civil e, de qualquer modo, excessividade do quantum indemnizatório fixado.
Cumpre apreciar e decidir.
Antes de mais cumpre realçar que, como bem evidenciou o Digno Ministério Público na resposta apresentada, na data da audiência de julgamento de 26 de maio de 2017 ressalta a existência de um evidente lapso de escrita.
De facto, logo a seguir à indicação da arguida como faltosa consta ainda a referência “desconhece-se se está notificada” sendo certo que, efetivamente, a arguida se encontrava notificada como claramente se verifica de fls 94. Consequentemente, foi proferido despacho a condenar a arguida faltosa na correspondente sanção em multa e, por se considerar desnecessária a sua presença, determinado o julgamento na ausência da mesma.
Como assim, revelando-se o erro referido nos elementos existentes nos autos e no próprio contexto da ata deve o mesmo ter-se por corrigido nos termos do princípio geral consagrado no artigo 249º do Código Civil.
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A recorrente, como supra se deixou já enunciado, coloca a questão da verificação da nulidade insanável a que se reporta a alínea c) do artigo 119º do Código Processo Penal, porquanto invoca não ter sido notificada do dia designado para a leitura pública da sentença.
Com relevância para a análise desta questão recursiva existem nos autos os seguintes elementos:
- Na sequência do despacho judicial de 30 de março de 2017, a secretaria expediu ofício de notificação para a arguida B… para esta comparecer no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo Local Criminal de Felgueiras, em 26 de maio de 2017, pelas 10,00 horas, a fim de se proceder à audiência de julgamento nestes autos, sendo advertida de que faltando, a audiência poderia ter lugar na sua ausência sendo representada para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor; Mais lhe foi comunicado que em caso de adiamento, se designava, como segunda data, o dia 2 de junho de 2017, pelas 14,00 horas. Foi, ainda, a arguida informada que nesta última data poderia ter lugar a sua audição, a requerimento do seu advogado ou defensora nomeada.
- Em 4 de abril de 2017 o funcionário dos Correios efetuou o depósito da carta de notificação na caixa do correio na morada indicada pela arguida no termo de identidade e residência prestado nos autos (cfr. fls 94).
- No dia 26 de maio de 2017 constatou-se que a arguida não compareceu no Tribunal, encontrando-se presente a ilustre defensora oficiosa.
- Aberta a audiência o Exm.º Sr. Juiz, na sequência da promoção apresentada pelo Ministério Público e na ausência de qualquer oposição ou requerimento da Ilustre defensora oficiosa, proferiu o seguinte despacho:
«Uma vez que a arguida se encontra regularmente notificada para a morada do TIR, não se encontra presente nem justificou a sua falta, vai condenada numa multa penal de 2 UC´s por falta injustificada à presente audiência de discussão e julgamento.
Face à promoção que antecede e por não se vislumbrar que a mesma, por ora, seja necessário a sua presença, a mesma será julgada na sua ausência, nos termos da citada disposição legal.».
- Prosseguiu a audiência de julgamento, com a presença da ilustre defensora oficiosa, procedendo-se a análise da prova e alegações, após o que o Exm.º Sr.º juiz designou para a leitura da sentença o dia 21 de junho pelas 14,00 horas;
- Deste despacho foram notificados todos os presentes.
- Na data agendada foi consignando na respetiva ata (fls 102) encontrem-se presentes as pessoas notificadas para o efeito e ausente a arguida não notificada, tendo-se procedido à respetiva leitura pública da sentença.
- A sentença foi notificada pessoalmente à arguida, pela autoridade policial competente, no dia 20 de setembro de 2017 (cfr. fls. 21).
*
Vejamos então se assiste razão à recorrente quanto à invocada nulidade insanável.
Conforme estatui o artigo 332º nº 1 do Código Processo Penal, a regra geral é da obrigatoriedade da presença do arguido na audiência.
Tal regra destina-se a consagrar a garantia constitucional de um processo penal equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), o qual obrigatoriamente deve assegurar todas as garantias de defesa ao arguido (artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa).
Contudo, referindo-se o preceito ao princípio geral da obrigatoriedade da presença do arguido, acrescenta, a parte final do seu nº 1 “sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333º e nos nºs 1 e 2 do artigo 334º”.
O mencionado artigo 333º sob a epígrafe “Falta e julgamento do arguido notificado para a audiência” estabelece no seu nº 1 “Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde início da audiência.”.
O legislador pretendeu, deste modo, ultrapassar o bloqueio provocado pela regra da obrigatoriedade absoluta da presença do arguido na audiência, conciliando a salvaguarda dos interesses da defesa no caso de o arguido estar ausente do julgamento, com o interesse público da administração célere e eficiente da justiça.
Assim, tendo em vista a possibilidade de realização da audiência nos termos insertos no referido preceito, o despacho que designa a data da audiência contém, desde logo, nos termos do nº 2 do artigo 312º do Código Processo Penal, aprazada data para a realização da audiência em caso de adiamento nos termos do nº 1 do artigo artigo 333.º, ou para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do nº 3 do mesmo normativo legal.
No caso em análise resulta que a arguida, regularmente notificada, faltou injustificadamente à audiência de julgamento designada para a primeira data, tendo sido condenada em multa processual. Na ocasião, foi proferido despacho considerando a presença da arguida desnecessária, procedendo-se então ao julgamento em conformidade com o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 333º do Código Processo Penal.
Após produção de toda a prova e findas as alegações – cfr nº 2 do artigo 361º do Código Processo Penal - nada foi oposto ou requerido pela ilustre defensora oficiosa nos termos consentidos pelo artigo 312º, nº 2 do Código Processo Penal, designando o tribunal data para a leitura da sentença, conforme previsto no artigo 373º do diploma legal citado. De tal data foi, na circunstância, notificada a ilustre defensora nomeada.
Não foi, porém, notificada pessoalmente a arguida da data designada para a leitura da sentença. E é relativamente a esta ausência de notificação pessoal que a arguida se insurge, considerando a existência de nulidade insanável contida na alínea c) do artigo 119º do Código Processo Penal. Sustenta a invocada nulidade, convocando os argumentos aduzidos no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11de julho de 2013.
É certo – e não desconhecemos – o entendimento jurisprudencial (não só do douto acórdão referido pela recorrente como em outros doutos arestos, v.g. recentes acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 05 de junho de 2017 proferido no processo nº 512/15.1 PBVCT.G1, e do Tribunal da Relação de Évora de 26 de abril de 2018, processo nº 214/13.3PAVRS.E1, disponíveis in www.dgsi.pt), que considera a verificação da nulidade insanável por falta de notificação do arguido em situações em tudo idênticas à verificada nos presentes autos.
Contudo, com o maior respeito, discordamos de tal entendimento.
Vejamos porquê.
Conforme decorre do nº 4 do artigo 334º para o qual remete o nº 7 do artigo 333º do Código Processo Penal “sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor.”
Retornando aos autos, nada tendo sido requerido pela ilustre defensora oficiosa nos termos consentidos pelo artigo 312º, nº 2 do Código Processo Penal, após a produção de toda a prova e findas as alegações, nos termos do disposto no artigo 361º do Código Processo Penal, teve-se a discussão por encerrada, tendo sido designada data para a leitura da sentença nos termos do disposto no nº 1 do artigo 373º do Código Processo Penal.
Ora, tendo a audiência decorrido na ausência da arguida encontrava-se a mesma representada pela sua defensora nos termos nº 4 do artigo 334º para o qual remete o nº 7 do artigo 333º do Código Processo Penal supra aludidos, nos quais entendemos incluir-se a notificação para a leitura da sentença.
Situação diversa é a notificação da sentença, com a qual não se confunde a notificação da data para a sua leitura.
Com efeito, em obediência ao disposto no artigo 113º nº 10 do Código Processo Penal a notificação da sentença, no caso do julgamento nos termos do artigo 333º, não poderá ser considerada como efetuada ao arguido ausente mediante a notificação ao seu defensor. O nº 10 do artigo 113º impõe que a sentença seja notificada, quer ao arguido, quer ao seu defensor.
Trata-se de uma imposição que encontra a sua justificação pelo facto de a sentença constituir ato processual através do qual se conhece a final do objeto do processo. Por isso, terá de conjugar-se este normativo com o disposto no artigo 333º nº 5 do Código Processo Penal.
É que, conforme ressalta do teor do nº 5 do artigo 333º, a sentença terá de ser notificada pessoalmente ao arguido, não se incluindo “nos efeitos possíveis” referidos no nº 4 do artigo 334º a notificação da sentença. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque in “Código de Processo Penal Comentado” pag. 821, «afinal o arguido ausente no caso do artigo 333 não é representado “para todos os efeitos possíveis” pelo defensor, como manda o artigo 333 nº 6, ao remeter para o artigo 334 nº 4. É que o artigo 333, nº 5 não inclui entre esses “efeitos possíveis” a notificação da sentença.».
Neste caso, a notificação pessoal da sentença traduz-se numa garantia de defesa do arguido, com destaque para o direito de recurso, o que não ocorre com a notificação para a leitura da sentença.
Como se expôs supra, consideramos que a arguida tendo sido notificada pessoalmente da sentença através da autoridade policial em 20 de setembro de 2017 (cfr certidão de fls 121), nos termos impostos no nº 5 do artigo 333º do Código Processo Penal, encontram-se garantidos todos os direitos constitucional e processualmente consagrados, pelo que nulidade alguma foi cometida, designadamente a nulidade insanável que lhe é assacada.
Nem se nos lobriga razão para entendimento divergente. Efetivamente, qual o efeito útil que poderia ocorrer com a nulidade deste ato? A consequência seria a nulidade da reabertura da audiência e do ato de leitura da sentença, sanando-se a referida nulidade com a reabertura da audiência após notificação da arguida para o efeito, procedendo-se então à leitura da sentença na presença da arguida. Sentença da qual a mesma arguida foi já pessoalmente notificada e dela tomou devido conhecimento mediante notificação pessoal.
Destarte, ao proceder-se ao julgamento da arguida na primeira data para a qual a mesma se encontrava regularmente notificada nos termos do disposto no artigo 333º nº 2 do Código Processo Penal, a arguida é representada para todos os efeitos possíveis pelo defensor – cfr. nº 4 do artigo 334º do Código Processo Penal para o qual remete o nº 7 artigo precedente – neles se incluindo a notificação da data designada para a leitura da sentença.
Ao notificar-se a arguida pessoalmente da sentença, nos termos impostos pelo nº 5 do pré-citado artigo 333º do Código Processo Penal revelam-se salvaguardados todos os direitos do arguida.
Acresce que, da conjugação do disposto nos artigos 332º nº 1 e 119º alínea c), ambos do Código Processo Penal, apenas resulta que a realização da audiência sem a presença do arguido, constitui nulidade insanável, se aquele não se encontrar devidamente notificado.
E isto porque, como se disse, o legislador pretendeu que sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido, sendo na audiência de julgamento, com produção de prova, que o direito de defesa será, por excelência, exercido e tais garantias asseguradas.
Já o ato processual de leitura pública da sentença não visa dar oportunidade ao arguido para exercer a sua defesa. Trata-se de um ato de mera comunicação do conteúdo da decisão final proferida no processo, após a produção de prova em que o arguido já exerceu plenamente a sua defesa (ou teve oportunidade de o fazer, querendo), terminando, em caso de condenação, com uma breve alocução dirigida ao arguido pelo juiz, exortando-o a corrigir-se – artigo 375º nº 2 do Código Processo Penal.
Ora, para esse ato – de leitura da sentença – não existe disposição legal que determine a obrigatoriedade da presença do arguido, nem da sua notificação expressa para estar presente. Aliás, se a lei estabelece a obrigatoriedade de notificação pessoal da sentença ao arguido na situação prevista no nº 5 do artigo 333º do Código Processo Penal, não se compreenderia que impusesse a notificação pessoal do arguido para estar presente no ato de leitura pública da sentença.
Se assim fosse, mal se entenderia que o legislador estabelecesse como regra geral, no artigo 373º nº 1 do Código Processo Penal, que encerrada a audiência de produção de prova, o presidente procedesse à leitura da sentença imediatamente após as alegações orais.
A proceder o argumento invocado pela recorrente, igualmente sustentado na jurisprudência citada, sempre que a audiência decorra na ausência do arguido nos termos permitidos pelo artigo 333º nº 2 do Código Processo Penal, o tribunal não poderá proceder à leitura da sentença em conformidade com o disposto no artigo 373º nº 1 do Código Processo Penal, impondo-se-lhe que interrompa a audiência para notificar a arguida para a leitura da sentença, solução que manifestamente contraria a própria letra e o espírito da lei.
Aliás, entre os atos processuais que a lei determina que sejam obrigatoriamente notificados ao arguido, para além do defensor, contam-se a acusação, a decisão instrutória, a designação de dia para julgamento e a sentença, para além da aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do PIC – artigo 113º nº 10 do Código Processo Penal.
Entre tais atos não se mostra incluído o da notificação da designação de dia para a leitura da sentença, pelo que, “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.
Por outro lado, como salienta o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de março de 1997 in CJ, tomo II, pág. 47, « no nº 2 do artigo 361º, uma das últimas normas deste título II, estabelece-se que, ouvido o arguido in bonam partem, o presidente declara encerrada a discussão, sem prejuízo da reabertura da audiência para produção de prova suplementar nos termos do artigo 371º, o que tudo permite concluir que o encerramento da discussão referido naquele artigo 361º significa o encerramento da audiência (neste sentido confr. José da Costa Pimenta, CPP ANOTADO, 2ª edição, pág.729).»
Conclui-se, assim, que só constitui nulidade insanável a que alude o artigo 119º alínea c) do Código Processo Penal a realização da audiência de julgamento com produção de prova sem que o arguido se encontre devidamente notificado, não padecendo de qualquer invalidade a realização do ato de leitura da sentença a que não está presente o arguido que, regularmente notificado para a audiência de julgamento, optou por se alhear do que nela iria proceder-se.
*
A recorrente impugna a matéria de facto pugnando pela sua alteração, considerando a verificação de erro de julgamento.
Vejamos antes de mais o teor da sentença recorrida (transcrição na parte atinente aos factos provados e não provados, bem como quanto à respetiva motivação).
«1 - Factos Provados:
1) A Arguida é titular/utilizadora do telemóvel n° ………, da operadora de rede móvel C….
2) Sempre foi recorrendo a este número de telemóvel que a Arguida contactou e foi contactada pelas suas trabalhadoras e outros, quer por chamadas de voz quer por mensagens escritas (SMS), a Arguida sempre contactou a ora Assistente utilizando o número de telemóvel supra referido.
3) A Assistente foi trabalhadora da Arguida, prestando o seu serviço na sociedade comercial "G…, Lda.".
4) A Assistente denunciou o seu contrato de trabalho com justa causa, tendo intentado a respectiva acção judicial junto da Secção de Trabalho - Penafiel, Instância Central da Comarca do Porto Este, visando o ressarcimento dos seus créditos laborais.
5) No dia 2 de Setembro de 2015, a Arguida, através do telemóvel n° ………, dirigindo-se à Assistente, visando ofendê-la, como aliás ofendeu, no seu bom nome, consideração, honra e boa reputação de que goza no meio social onde vive, enviou uma mensagem escrita (SMS) com o seguinte teor:
“Sua porca tens os móveis da cozinha encardidos de tanta gordura, vives no bairro da lata corte pra porcos e ainda andas a pagar o banco. O banco só empresta dinheiro pra casa não para corte dos porcos. Olha um dia deu-nos uma diarreia e cagamos nas panelas e nos pratos e a terrina era o penico por isso eu nunca fiz de comer nem comi nesses pratos. És uma mentirosa disseste k a ramboia quis matar a mãe com uma faca e uma tia disse k é mentira, quem te dera ter coração dela. Mas tu és bruxa fizeste-lhe um bruxedo esperavas k o homem dela fosse pra ti. Ele tinha nojo cheiras mal chegas óleo de fritar ao cabelo mas ficas mais feia duque uma cadela. Mulher homem corres os cafés todos e jogas as cartas, se soubesses o k os homens falam de ti por trás ko teu homem gosta de ser xifrudo tens uma panda parece uma batoteira, e das cervejas e dos bagaços não vales nada sua mete nojo aos cães. Feia porca e travesti tens dois sexos podes fazer um bruxedo k eu já me protejo de mim desejares na tua casa vai para ia me esquecer és conhecida pela soc de … sua cabra só queres comer os homens das outras, já comeste os teus cunhados todos. Mas todos tivera de parar ao hospital os teus filhos são filhos de outros. Julgas k vestes o lengrinhas do teu homem muito bem são camisas de cantores e ainda por cima. Já nem são brancas são amarelas e da gordura do cabelo chega andar duas semanas com a mesma. Quando vai ao danciddaeis tem sempre a mesma uma velha de oitenta anos pk as outras tem. Nojo dele com aquele perfume comprado na drogaria prai a 20 anos vai diser pra tua fábrica que a ramboia chamou-te puta e não estava bêbada estavas em guerra querias as duas o mesmo homem. Mas ele até com um dedo tinha nojo de te tocar. Feia porca vaca não vales nada és uma merda”
6) As expressões proferidas são objectiva e subjectivamente ofensivas e com as mesmas pretendia a Arguida qualificar a Assistente como pessoa pouco digna e de baixo porte moral.
7) A Arguida agiu livre e conscientemente, com perfeita consciência de que a sua conduta era proibida por lei.
Mais se provou:
8) As expressões injuriosas proferidas pela Arguida e dirigida à Assistente, deixaram-na profundamente chocada, triste, e a mesma sentiu-se ainda humilhada.
9) A Arguida B…:
a) segundo o TIR prestado a fls, 53, e na altura, tinha como estado civil de divorciada e afirmou estar desempregada;
b) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls, 95, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2- Factos não Provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação particular, pedido de indemnização civil ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
3- Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados e não provados, baseou-se, fundamentalmente:
- nas declarações da Assistente, F…, a qual pese embora o facto de ter tido uma questão laborar com a aqui arguida, uma vez que a mesma era sua patroa, mais o companheiro da mesma, e que se limitou a confirmar que a mesma, e através daquele número de telefone lhe enviou a mensagem constante dos factos dados como provados. Mais referiu que o n° de telefone é o correspondente ao da Assistente, dado que era o número que, por um lado a mesma lhe havia dado, quando a contrataram, e por outro lado, era desse número que a aqui arguida lhe ligava, quando era necessário irem trabalhar. Explicou como foi contratada e que deixou de trabalhar na firma do companheiro da arguida no dia 19 de Junho, dado que já não lhe pagavam o salário há mais de 3 meses. Mais referiu que, como tiveram esta questão laboral, a mensagem enviada pela arguida para o seu telemóvel teria a ver com essa situação.
- no depoimento da testemunha D…, marido da Assistente, o qual pese embora tal vínculo matrimonial, se limitou, e de uma forma essencialmente, espontânea, a confirmar que a sua esposa recebeu a dita mensagem, a qual teve origem num número de telefone que estava associado à aqui arguida e sua ex-patroa. Exibiu o seu telemóvel e de onde consta o número de onde foi enviada a mensagem como sendo "D. B…". Avançou que a referida mensagem foi enviada dado que os mesmos algum tempo antes se haviam despedido, com justa causa, dado que não lhe pagaram 3 meses de remunerações. Mais afirmou que a sua esposa ficou ofendida com a referida mensagem, sentiu-se humilhada e chorava, quando lia a mensagem, que entretanto foi apagada pelo filho do casal, sem querer.
O tribunal firmou ainda a sua convicção, no depoimento da testemunha H…, cuja inquirição foi requerida e autorizada ao abrigo do disposto no art. 340° do C.P.P., colega de trabalho da ofendida, e que, no fundo se limitou a confirmar que o número de telefone em causa, ou seja, de onde proveio a mensagem pertencia à D. B…, a aqui arguida, a qual, mais o companheiro da mesma, eram os seus patrões. Mais referiu que a aqui assistente lhe ligou a chorar por causa da mensagem.
Em jeito de conclusão, e pese embora não se tenha conseguido apurar junto da respectiva operadora móvel em nome de quem estava o referido número de telemóvel, o que é certo é que a prova carreada e produzida em sede de julgamento, apontam, com um mínimo de certeza exigível, para o facto de que, de facto, o referido número de telemóvel e de onde proveio a mensagem injuriosa á aqui assistente, era utilizado pela aqui arguida - disso não resultaram quaisquer dúvidas.
O tribunal teve ainda em consideração o auto de denúncia de fls. 3 e 4, e onde está transcrita a mensagem, o TIR da arguida de fls. 53, informação da "C…" de fls. 60 a 62, consulta à base de dados da Segurança Social de fls. 96 e o CRC da arguida junto a fls. 95.».
Situando-se o erro de julgamento no âmbito da impugnação ampla da matéria de facto, a mesma estende-se à prova produzida em audiência (se documentada).
Quando for este o desiderato, impõe a lei que o recorrente deve especificar “os pontos de facto que considera incorretamente julgados”; as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida” e “as provas que devem ser renovadas” – cfr. alíneas a), b) e c) do artigo 412º nº 3 do Código Processo Penal.
Ainda, e nos termos do nº 4 do mesmo normativo “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Impõe-se, contudo, realçar que tal recurso não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria com base na audição de gravações, constituindo apenas um remédio para eventuais erros ou incorreções da decisão em crise na forma como o tribunal a quo apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Quer isto significar que não está em causa a reapreciação total dos elementos de prova produzidos em audiência e que fundamentaram a decisão recorrida, mas apenas aqueles sindicados pelo recorrente - e no concreto ponto questionado, constituindo uma reapreciação autónoma sobre a bondade e razoabilidade da apreciação e decisão do tribunal recorrido quanto aos "concretos pontos de facto" que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
A especificação dos "concretos pontos de facto" constituem a indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, e as "concretas provas" consistem na identificação e indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova, com a explicitação da razão pela qual essas "provas" impõem decisão diversa da recorrida. Havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, e dentro destas tem o recorrente de indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Na reapreciação a levar a efeito, o tribunal de recurso verifica se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e, em caso afirmativo, avalia-os e compara-os de molde a apurar se impõem, ou não, decisão diversa. (Neste sentido, se pronuncia o Supremo Tribunal de Justiça, Acórdãos de 14/03/2007, Proc. 07P21, e 23/05/2007, Proc. 07P1498, disponíveis in www.dgsi.pt).
Estas precisas exigências legais advêm da circunstância de ser insindicável a credibilidade que as provas produzidas e examinadas em audiência mereceram ao tribunal, relativamente ao que assume particular relevo os princípios da imediação e a oralidade, concatenados com a credibilidade que o julgador, na sua íntima e cuidada ponderação, decidiu atribuir a cada uma delas, bem como as ilações e as conclusões que retirou a partir dos meios probatórios com base nas regras da lógica, da experiência e nas razões de ciência.
É que, quanto à reapreciação da prova, como bem é salientado no Ac. STJ de 12/06/2008, processo nº 07P4375, disponível in www.dgsi.pt «sofre, no entanto, quatro tipos de limitações: - desde logo, uma limitação decorrente da necessidade de observância, por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso; - já ao nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações e/ou, ainda, das transcrições; - por outro lado, há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação;- a juzante impor-se-á um último limite, que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto se se concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.».
Daí que o recurso da decisão da primeira instância em matéria de facto não sirva para suprir ou substituir o juízo que aquele tribunal formulou, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. O que a imediação dá, nunca poderá ser suprimido pelo tribunal da segunda instância. Este não é chamado a fazer um novo julgamento, mas a remediar erros que não têm a ver com o juízo de maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas. Esses erros ocorrerão quando, por exemplo, o tribunal pura e simplesmente ignora determinado meio de prova (não apenas quando não o valoriza por falta de credibilidade), ou considera provados factos com base em depoimentos de testemunhas que nem sequer aludem aos mesmos, ou afirmam o contrário.
De regresso ao caso concreto, a recorrente cumpre as exigências legais para a impugnação da matéria de facto, considerando inexistir prova bastante que sustente a matéria de facto provada nos pontos 1), 2) e 5) dos Factos Provados.
Para tanto refere, desde logo, não ter sido devidamente valorados pelo tribunal a quo os documentos juntos pela operadora C… e que se encontram a fls 60 a 62 dos autos.
Considera a recorrente que tendo sido remetido pela C… documentos com a informação que o número de telemóvel referido pela assistente e aludido nos autos como pertencendo à arguida não dispõe de qualquer identificação, nem foi efetuado qualquer carregamento, não obstante o depoimento das testemunhas, nunca poderia ser considerado esse facto como assente. A propósito do depoimento das testemunhas a recorrente coloca em crise não só a credibilidade das mesmas, como aventa a hipótese de, ainda a considerar-se como verdadeiros os respetivos depoimentos, nunca poderia extrair-se que à data dos factos, ou seja, do envio da mensagem, o telefone pelo qual a mesma foi remetida, estivesse ainda na posse da arguida.
Por último, coloca em crise a existência da mensagem referida nos autos, estribando-se no auto de notícia de fls 2, por dele não constar expressamente tratar-se de transcrição da mensagem, mas antes e apenas de simples denúncia de factos transmitidos pela assistente.
Conclui, assim, não ter sido devidamente valorada a prova, tendo sido violado o princípio ínsito no artigo 127º do Código Processo Penal.
Procedeu-se à audição integral dos depoimentos das testemunhas. E, desde já adiantamos, que os mesmos em concatenação com os documentos juntos pela C… referidos pela recorrente e auto de notícia igualmente mencionado, não são suscetíveis de impor decisão divergente daquela a que chegou o tribunal recorrido.
Vejamos.
Contrariamente à pretensão da recorrente, a informação remetida pela C… em nada contraria a existência do telemóvel em causa pela arguida e o envio de mensagens através do mesmo. O que da informação se retira é que o número em causa não tem identificação e não foram efetuados carregamentos.
Porém, é do conhecimento comum, a existência de telemóveis cujos números não se encontram identificados, nem carecem de carregamento. É o caso, desde logo, dos “cartões pré-pagos”. A aquisição de tais cartões possibilita a qualquer pessoa, sem necessidade de identificação ou tão pouco registo, proceder às chamadas ou mensagens enquanto perdurar o valor do cartão. E, acrescente-se, que os mesmos se encontram disponíveis em diversos locais, incluindo estabelecimentos de papelaria ou estações de serviço existentes nos postos de abastecimento de combustíveis.
Não colhe, assim, o argumento esgrimido pela recorrente que, necessariamente, teria de proceder a arguida a, pelo menos, um carregamento para poder efetuar chamadas de voz ou enviar “sms”.
Por outro lado, e do depoimento das três testemunhas inquiridas (F…, D… e H…) é expressamente referido, pertencer o telemóvel com o número ……… à arguida, porquanto foi sempre através desse número que a mesma contactou com aquelas.
E o modo como o referem, explicando a razão desses contactos (a arguida foi patroa das testemunhas em causa e, nessa qualidade, remetia mensagens ou fazia chamadas de voz, com vista a instruções relacionadas com trabalho) não deixou dúvidas ao tribunal quanto aos factos números 1) e 2) que deu como provados e com os quais a recorrente se insurge.
Ainda, e relativamente à hipótese aventada pela recorrente de o número de telemóvel ter sido transmitido para outrem no período que mediou entre o despedimento com justa causa das testemunhas a cuja audição se procedeu e o envio da “sms” à assistente, cumpre esclarecer que foi referido, designadamente, pela testemunha H…, ter ligado à sua patroa (aqui recorrente) já após ter cessado a relação laboral a fim de reclamar dos salários em atraso. Aliás, refira-se que as três testemunhas declararam como razão do seu despedimento com justa causa, a falta de pagamento dos respetivos salários, o que determinou o recurso das mesmas ao Tribunal do Trabalho. E foi após essa ocorrência que a assistente, segundo declarou, começou a receber chamadas e mensagens da arguida de caráter que aquela entendia injuriosos, entre as quais, aquela que os autos se reportam.
Dos depoimentos das testemunhas e documentos juntos (informação da C…) não resultam elementos de prova suscetíveis de colocar em crise a factualidade apurada sob os aludidos itens 1) e 2) constante na decisão proferida. Como igualmente não resultam dos restantes elementos de prova a que o tribunal recorrido deitou mão e se encontram nos autos para dar como provado o facto constante da factualidade provada com o nº 5).
Recorde-se que o tribunal a quo considerou provado o aludido ponto da matéria de facto, mediante a valoração do depoimento das testemunhas que elenca na motivação da matéria de facto. E, das declarações das referidas testemunhas, verifica-se que as mesmas são unanimes em afirmar a existência da referida “sms”, mais demonstrando recordar o teor da mesma. A assistente, bem como o seu marido, aludem ao facto do recebimento da mensagem em causa e a forma como a mesma ofendeu a assistente que, de viva voz e em choro a leu ao seu marido, pelo que ambos se dirigiram ao posto policial a fim de apresentarem a respetiva denúncia o que foi feito mediante a entrega do telemóvel da assistente ao agente do posto policial que a transcreveu no auto de denúncia.
Não colhe, por isso, a argumentação aduzida pela recorrente no que concerne à inexistência de transcrição da “sms” no auto de notícia. Aliás, atentando-se no teor da mesma extrai-se a transcrição de uma mensagem retirada do telemóvel número ………, número este que consta na parte respeitante à identificação da denunciada, mesmo antes de ter-se procedido à descrição dos factos.
Ademais, a testemunha H…, ex-colega da assistente, relatou no seu depoimento como teve conhecimento através desta da “sms” que lhe fora enviada pela ex-patroa de ambas. Enfatizou o modo ofendido e triste como a assistente se encontrava com a referida mensagem. Afirmou ter visualizado posteriormente a “sms” em questão, mediante a exibição do telefone que lhe foi feita pela assistente. Daí a testemunha ter afirmado a existência da “sms”; o seu teor (que recordava genericamente, sobretudo, na parte em que era posta em causa a honestidade e fidelidade da assistente) e o número de telefone do qual a mensagem fora remetida.
Em síntese, analisadas as conclusões do recurso e a fundamentação da sentença sob escrutínio, não se lobriga ter sido apresentada qualquer prova que imponha decisão diversa da encontrada pelo tribunal a quo. Aliás, o que ressalta da motivação de recurso é a pretensão da recorrente em sobrepor a sua convicção pessoal da prova produzida à convicção do tribunal recorrido.
Contudo, a este conspecto, importa chamar à colação o preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal, o qual consagra de modo muito claro: “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Neste preceito legal encontra-se a consagração do princípio da livre apreciação da prova, o qual tem, na fase de julgamento, o momento por excelência para ser atuado; é ali que o julgador, de modo direto, oral e imediato, toma contacto com todos os elementos de prova existentes no processo, livremente os analisa e, a partir deles, forma a sua convicção.
Consabidamente a “livre convicção” não significa apreciação meramente subjetiva e/ou arbitrária da prova; deverá antes o julgador, visando alcançar a “verdade material” conduzir-se, na apreciação que fará da prova que perante si se produzir, de forma racional e lógica, estribado sempre nos ensinamentos resultantes da experiência comum, que terá de demonstrar de modo claro, plasmando, na fundamentação da matéria de facto, o percurso intelectual percorrido desde a produção da prova até à decisão. A livre convicção «não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica» (cfr. Código Processo Penal de Maia Gonçalves, 12ª ed., pág. 339). Sendo «a liberdade de apreciação da prova (…), no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir chamada «verdade material.»» Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º vol., pág. 202.) que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.
Daí a lei impor ao julgador um especial dever de fundamentação (cfr. número 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal), exigindo-lhe que evidencie (demonstre) o percurso trilhado na formação da sua convicção, concretamente indicando os meios de prova em que se escorou, mas, também, explicando as razões pelas quais credibilizou uns em detrimento de outros que desconsiderou. Só assim justificada a decisão se impõe, desde logo, aos diferentes intervenientes processuais, permitindo-lhes que a compreendam e que compreendendo-a melhor a aceitem, mas igualmente à comunidade no seu todo que, querendo, poderá inteirar-se das razões pelas quais a decisão proferida foi a que foi e não qualquer outra. É também pela fundamentação da decisão que se possibilita ao tribunal de recurso controlar a correção do que foi decidido.
Acrescente-se ainda ao que vem de dizer-se e que importa sobremaneira para o caso em apreço que, muitas das vezes, a prova dos factos não se faz por prova direta; com efeito, a demonstração da verdade dos factos juridicamente relevantes não se faz exclusivamente através da prova direta dos mesmos – que frequentemente não existe, não se encontra disponível ou é inconcludente -, a convicção também se pode formar a partir de prova indiciária «A verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.» cfr. Ac. STJ 6/10/10, proc. nº 936/08.JAPRT ou seja, com base em factos «considerados em si mesmos irrelevantes, mas dos quais se pode, por raciocínio lógico, inferir a existência dos primeiros» «Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão. Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções. A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido». Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido. As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ». (Vaz Serra, "Direito Probatório Material" in BMJ, n° 112 pág, 190).” cfr. Ac. STJ 07-01-2004, proc. 03P3213.
In casu, a leitura da prova efetuada pelo tribunal a quo, escorada nas declarações das testemunhas aludidas na respetiva motivação é perfeitamente admissível e plausível e mostra-se de acordo com as regras da experiência, o que leva a concluir pela falta de razão da recorrente quando alega que a prova que indica deveria levar a serem julgados não provados os factos que impugna.
Dos elementos probatórios em que a recorrente estriba a sua impugnação da matéria de facto, nada resulta em contrário do que se mostra vertido na motivação referida e supra transcrita. Como já se deixou dito, o que a recorrente não aceita é a valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas e valorados pelo tribunal. É um direito que lhe assiste, mas a valoração da prova incumbe ao tribunal e só esta é relevante.
Assim, a sentença recorrida, fazendo a análise crítica de toda a prova produzida em audiência de julgamento, expressa o motivo por que atendeu, e em que medida, aos documentos e depoimentos prestados por cada uma das testemunhas, conjugando todos os elementos probatórios que teve ao seu dispor, com pleno gozo da imediação e da oralidade e fazendo ainda apelo às regras da experiência, tudo em conformidade o disposto no artigo 127º do Código Processo Penal.
De resto, como supra já se fez referência, este tribunal de recurso não se pode substituir à convicção formada pelo tribunal de julgamento; apenas lhe incumbe aquilatar se aquela se encontra devidamente fundamentada, ou seja, se não se firmou postergando princípios da lógica ou da experiência comum. Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância. Não já quando a resposta encontrada é uma de entre as possíveis e plausíveis que se podem retirar dos meios de prova postos à disposição do tribunal recorrido e que este devidamente ponderou. Se assim for, atendendo à posição privilegiada, proporcionada pela imediação e pela oralidade, e desde que não se patenteie, como se referiu acima, qualquer atropelo às regras da lógica ou da experiência comum deve manter-se a resposta dada pela 1ª instância.
Improcede, pois, esta pretensão da recorrente respeitante à impugnação da matéria de facto.
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Invoca, ainda, a recorrente ter sido violado o princípio in dubio pro reo.
O princípio do in dubio pro reo apresenta-se como corolário do princípio da presunção de inocência decorrente do artigo 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa. Em obediência a tal princípio, impõe-se que, em caso de dúvida acerca de factos referentes ao objeto do processo (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), essa dúvida deve ser sempre desfeita em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à absolvição (cfr. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, págs 50 e 51).
Afirmando-se tal princípio relativamente à prova, implica que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal.
«Um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz – que omita decisão … - tem que ser sempre valorado a favor do arguido (…) com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo». - Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, I vol, pág. 213.
Tal não significa, porém, como reclama a recorrente que, na ocorrência de provas díspares sobre factos relevantes, fique o tribunal condicionado, em obediência a tal princípio, à formulação da sua convicção no sentido de uma delas.
O que a violação deste princípio pressupõe, é um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo esta ser afirmada, quando do texto da decisão recorrida decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Como é salientado no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 17-11-2010, relatado pelo Sr. Desembargador Artur Oliveira, acessível em www.gde.mj.pt: « (…) sobre este tema a jurisprudência tem-se apresentado uniforme e constante: o princípio in dubio pro reo pressupõe que, após a produção e apreciação exaustiva de todos os meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos. Não se trata de uma dúvida hipotética ou abstrata, sugerida pela apreciação da prova que o recorrente faz. Trata-se de uma dúvida assumida pelo julgador: só há violação do princípio in dubio pro reo quando for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece [nesse sentido, Ac. STJ, de 15-07-2008, Processo nº 1787/08-5ª Secção: ”I – A invocação do princípio in dubio pro reo só tem razão de ser se, depois do tribunal a quo reconhecer ter caído num estado de dúvida, contornasse um non liquet decidindo-se, sem mais, no sentido mais desfavorável para o arguido. Mas já não assim se, depois de ultrapassadas as dúvidas que o pudessem ter assaltado, perfilhasse uma determinada convicção e decidisse coerentemente” – in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Secções Criminais, disponível em www.stj.pt]».
No caso vertente tal inequivocamente não ocorre. Da decisão ora em recurso, não se manifesta ter assolado ao tribunal a quo quaisquer dúvidas relativamente aos factos que julgou provados quanto à recorrente. Como se extrai da motivação da materialidade fáctica constante da sentença recorrida, o tribunal a quo formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova (maxime, segundo o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal) e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à ocorrência e prática dos factos submetidos à sua apreciação que considerou que se provaram.
Aliás, o tribunal a quo, na motivação respeitante a esta concreta matéria de facto, apresenta uma tomada de posição clara e detalhada sobre os motivos que fundamentaram a sua convicção
Improcede, por isso, também quanto a esta parte, o recurso apresentado.
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Uma última questão aduzida pela recorrente, ou seja, relativa à condenação no pedido de indemnização civil.
Nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 400º do Código de Processo Penal “sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.
Resulta do artigo 24º nº 1 da LOTJ (Lei nº 3/99 de 13 de Janeiro com a redação atual introduzida pelo Decreto Lei 303/2007 de 24 de Agosto) que, atualmente a alçada dos tribunais da 1ª instância é de €5.000,00.
O pedido de indemnização civil formulado pela demandante, I… foi de €1.500,00.
Assim, e uma vez que o valor do pedido da demandante é inferior a €5.000,00, claro se torna não estarem verificados no caso em apreço a cumulação dos requisitos pressuposta por lei para a admissibilidade do recurso relativo ao pedido cível deduzido.
Como assim, não sendo o valor do pedido civil deduzido pela demandante superior ao valor da alçada do tribunal recorrido, esta parte da decisão não é passível de recurso.
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III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida, B… confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC´s.
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Porto, 13 de junho de 2018
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal)
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves