Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
296/07.7TBMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Nº do Documento: RP20160530296/07.7TBMCN.P1
Data do Acordão: 05/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 626, FLS.55-87)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a Autora demandado a ré alegando ser esta a responsável pelos danos que sofreu em virtude de uma intervenção cirúrgica realizada pelos serviços da Ré na pessoa da Autora e vindo a Ré requerer a Intervenção Principal Provocada da Companhia de Seguros, com base no contrato de seguro que com ela havia celebrado, o incidente próprio para fazer intervir a Seguradora é (era) o da intervenção acessória provocada e não o incidente de intervenção principal provocada.
II - Se a Seguradora é admitida a intervir não como Interveniente Principal mas apenas Acessória não pode a mesma vir a ser condenada.
III - A responsabilidade médica pode assumir natureza extracontratual, na qual caberá ao lesado provar a culpa do médico, ou natureza contratual na qual a simples verificação do incumprimento faz presumir a culpa do médico (cabendo a este a prova do contrário).
IV - Perante uma situação de concurso entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, a opção deve ser feita pelo regime da responsabilidade contratual por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO de APELAÇÃO Nº 296/07.7TBMCN.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1- No Tribunal da Comarca do Porto, Comarca do Porto Este, Penafiel - Inst. Central - Secção Cível - J4 a Autora B… intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra Dr. C…, e contra o Hospital da D… alegando que:
Em meados de 2001, foi-lhe detectada lesão da cabeça femural direita, tendo sido encaminhada para os serviços de ortopedia do R. Hospital, onde foi consultada várias vezes pelo Dr. C…, contra o pagamento de honorários ao R. Hospital, quase sempre de Esc.6.500$00.
Foi-lhe detectada uma “Osteonecrose” numa fase precoce da cabeça femoral direita, tendo, em consequência por ordem e sugestão do Dr. C… sido sujeita a intervenção cirúrgica em 03.09.2001, num acto cirúrgico que é tido em meios médicos como muito simples e sem riscos.
Devido a um mau uso das técnicas cirúrgicas foi utilizada uma técnica denominada “mielectomia”, muito pouco usada já ao tempo por os resultados não serem muito eficazes.
Como consequência do acto cirúrgico, de forma de todo anómala a A. sofreu paralisia do ciático à direita.
Passou a ter dores intensas e sem aparente solução, muito embora o Dr. C… aconselhasse calma, tendo sido ao longo dos três anos subsequentes ao acto cirúrgico assistida pelo R. Dr. C… e pelos serviços clínicos do R. Hospital.
Ao fim de três anos de total sofrimento, foi a A. aconselhada a submeter-se a nova intervenção cirúrgica destinada a corrigir todas as consequências do acto cirúrgico anterior.
Em 22.3.2004 foi a A. de novo sujeita a nova intervenção cirúrgica, agora com prótese total da anca direita, tendo tido alta hospitalar em 27.03.2004.
Em consequência de tal acto a A. ficou totalmente incapacitada. Anda, agora, com extrema dificuldade. Para poder andar só de canadianas e ficou totalmente incapacitada para o trabalho – nada pode executar, não conseguindo fazer o que quer que seja na vida de casa, como cozinhar, brunir, lavar ou fazer as camas.
O limite da perna intervencionada ficou com mais 3,5 cm, apresentando um atrofiamento do membro inferior direito, à custa da prótese da anca, de 3,5 cm e o pé direito ficou sem movimentos, não conseguindo levantar a perna direita, não podendo dormir para o lado direito, não consegue sair de casa sozinha, não é capaz de se calçar sozinha, não pode nada ou quase nada fazer, passando a vida de casa a ser feita pelo marido e filho.
A A. nasceu em 04.03.56, tendo, em 2004, 48 anos de idade e executava todas as tarefas da casa: cozinhava, lavava, brunia e limpava e ainda prestava o seu trabalho como empregada doméstica, auferindo então € 2,49 á hora, trabalhando por mês 80 horas, auferindo por mês € 199,20.
Nunca mais trabalhou nem pode trabalhar, tendo deixado de fazer coisas simples como fazer as camas e arrumar a casa, não podendo mais ter animais em casa, como porcos e galinhas.
A sua incapacidade para o trabalho é total, peticionando a esse título uma indemnização de €150.000.
A A. sofreu e sofre todos os dias: sente-se uma inválida, a sua vida sexual desapareceu, não pode caminhar, nem deslocar-se sozinha, por saber que será uma inválida para o resto da vida e sofre por ver que o seu marido e seu filho têm que a substituir na vida de casa, quando a A. trabalhava de sol a sol todos os dias.
Era uma mulher cheia de vida e de força, com alegria de viver e “tudo perdeu” (sic), peticionando a indemnização pelo dano não patrimonial assim sofrido, a quantia de € 75.000.
Em consultas médicas a A. pagou ao R. Hospital € 545 e em fisioterapia despendeu € 250, peticionando a indemnização total de 225.795 €.
As lesões graves de que a A. padece resultaram do uso de técnicas cirúrgicas erradas, bem como de erro grave na condução e execução da cirurgia, não tendo sido usadas as melhores técnicas ou, pelo menos, foram usadas de forma totalmente errada: a prótese de uma anca desde que usadas as técnicas comuns, nunca gera as sequelas de que a A. hoje padece, muito menos sendo sequer admissível que gere a incapacidade total de uma pessoa.
A prótese de uma anca é hoje e já ao tempo o era um processo muito simples e quase sem risco, nunca será de aceitar ter ocorrido um alongamento da perna”, considerando que “o Senhor Dr. C… agiu com um mau uso das técnicas cirúrgicas”, tendo todos os actos médicos sido executados sob ordem e direcção daquele ortopedista, contra o pagamento de um preço ao Hospital R..
Não é admissível que os actos médicos executados pelo R. possam gerar como resultado as sequelas de que padece a A.”.
O “DR. C…, aqui R., não usou os conhecimentos científicos existentes; antes usou técnicas cirúrgicas erradas” e o Hospital aqui também R. é solidariamente responsável sempre por os serviços serem prestados nas suas instalações contra o pagamento de um preço; estava obrigado a prestar esses serviços sem erros dos seus agentes, tendo o R. Dr. C… prestado esses serviços nas instalações do R. Hospital com o conhecimento e consentimento deste.
Conclui pedindo a condenação solidária dos Réus a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 225.795 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação.
2 – O Réu Dr. C… contestou, excepcionando a prescrição do direito á indemnização da autora nos termos do artº498º, nº1, do CC, a sua ilegitimidade por ter sido estranho “à relação jurídica estabelecida entre o estabelecimento hospitalar e a Autora, no âmbito da qual ocorreram ambas as operações”, tendo o Réu contestante operado a A. ao serviço da D…, a “incompatibilidade entre responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual” e impugnando a alegação factológica da autora e sustentando, factualmente, que observou «in casu» as «leges artis» a que estava obrigado e que explicou á A. os riscos associados á sua particular situação, antes de cada uma das operações tendo a A. dado o seu consentimento informado para ambas as operações, tendo assinado os correspondentes termos de responsabilidade, e que foi devido a factores pessoais atinentes á própria pessoa da Autora que “os resultados in casu não foram tão excelentes”, (sic), por se tratar de “uma pessoa marcadamente obesa, pesando – na altura- com os seus 45 anos, mais de 80 kgs, adentro do seu metro e meio de altura”, era hipertensa e com tendência para artroses.
Mais invocou litigar a A. de má-fé.
Pugnou pela improcedência da acção e pela sua absolvição da instância ou do pedido.
Em sede reconvencional, o Réu contestante invocou que a presente demanda “representa um ilícito atentado contra o bom nome profissional do Réu-Contestante”, já que nela “falsamente afirma a A., tal como tem propalado aos quatro ventos, que este não seguiu as melhores técnicas ou as boas “legis artis” nas suas operações e que ambas elas errou”, exigindo á A. ser ressarcido pelas perdas e danos causados ao seu bom nome ou boa fama de competente ortopedista; “já houve pacientes que, por causa da queixa da autora, optaram por outro ortopedista”; “se não fossem as cirurgias que lhe fez o Reconvinte, não tinha hoje o residual de qualidade de vida de que ainda goza nem as perspectivas de poder melhorar” (sic), concluindo estar a ser “difamado pela Autora, o que lhe acarreta, do mesmo passo, grandes danos patrimoniais”, peticionando a condenação da Autora em quantia a liquidar em execução da sentença.
3 – A ré D… contestou a presente acção, excepcionando a sua ilegitimidade, por considerar que a haver qualquer erro só ao Dr. C… podia ser imputado e nunca á contestante, excepcionando a prescrição dos eventuais direitos da Autora, e impugnando a alegação factológica da autora e sustentando, factualmente, que observaram «in casu» as «leges artis» a que estava obrigada e que quem agiu culposamente foi a demandante.
Pugnou igualmente pela improcedência da acção e pela sua absolvição da instância ou, se assim se não entender, do pedido.
Alegando que transferiu a responsabilidade civil decorrente da sua actividade de prestação de serviços médico-cirúrgicos para a Companhia de Seguros E…, SA, requereu a intervenção principal desta.
4 – Houve réplicas, separadamente para cada uma das contestações apresentadas, concluindo em ambas a Autora como na P.I. e pugnando, no que à contestação do 1º Réu diz respeito, pela improcedência do pedido reconvencional.
A fls. 102 e 103 foi então proferido Despacho a admitir o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela Ré, no seguinte teor:
«Na presente acção declarativa com processo ordinário, destinada a exigir a responsabilidade do Hospital da D… e do Dr. C… na prestação de cuidados médicos, veio a Ré D… deduzir a intervenção principal provocada de Companhia de - Seguros E…, S.A. para quem havia sido transferido a responsabilidade dos riscos de serviços médico-cirúrgicos.
Cumprido o disposto no art. 326°, n.º 2, do C. Proc. Civil, nenhuma oposição foi deduzida.
Cumpre decidir.
O art. 268° do C.P.C. consagra o princípio da estabilidade da instância.
Segundo este normativo, depois de citado o réu a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidade de modificação consignadas na lei.
As modificações subjectivas da instância são permitidas em virtude dos incidentes de intervenção de terceiros, art. 270, b) do C.P.C..
O incidente de intervenção principal provocada é aplicável quando qualquer das partes pretende chamar a juízo interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária, e quando o autor, nos casos do art. 31°-B do C.P.C., pretende chamar a intervir como réu o terceiro contra quem passará a dirigir o pedido (art. 325°, n°1 e 2 do C.P.C.).
Na primeira hipótese estão em causa as pessoas a que se refere o art. 320 do C.P.C., não sendo admissível, desde logo, o chamamento “se forem contrapostos os interesses, substantivos ou processuais, do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha” (Salvador da Costa, in Incidentes da Instância, pág. 76).
Na segunda hipótese, possibilita-se, no fundo, através do accionamento de quem interesse directo em contradizer, a sanação do vício da ilegitimidade singular.
Ora, o caso vertente, enquadra-se na primeira das situações descritas. Daqui que o presente incidente seja admissível.
Pelo exposto, admite-se o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela Ré.
Custas do incidente pela Ré»

5 – Citada, a Companhia de Seguros F…, S.A. interpôs recurso de agravo do Despacho de 30-04-2008 que a admitiu como interveniente principal provocada, tendo o recurso sido admitido por Despacho de fls.144, como recurso de agravo, com subida diferida, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Formulou as seguintes conclusões:
O contrato de seguro invocado pela Ré D… gera apenas direitos e obrigações entre ela e a recorrente, pelo que esta nunca poderia ser chamada aos autos em intervenção principal.
O incidente adequado a fazer intervir a ora agravante era o da intervenção acessória provocada, previsto no artº 330º do C.P.C..
Conclui pedindo que se revogue a decisão de fls. 102 dos autos.
6 – A Companhia de Seguros F…, S.A apresentou contestação, invocando que a sua intervenção adequada teria sido a acessória, invocando estar prescrito o direito invocado, concluindo pela improcedência do pedido e pela sua absolvição.
Houve réplica da autora, concluindo como na P.I.
Também replicou a D…, pugnando não ocorrer a prescrição em relação à Ré Seguradora porque esta responderá na medida da sua segurada, concluindo como na contestação.
7 – O processo prosseguiu termos e findos os articulados foi dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador onde se indeferiu a deduzida reconvenção, considerando-se não ser a mesma admissível nos termos do disposto no art.274º do CPC (cfr. fls.174 a 179), onde foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade alegada pelo Réu C… e a Ré D… (cfr. fls.179 a 181), não admitiu a excepção invocada pelo 1º Réu da incompatibilidade entre responsabilidade contratual e extracontratual invocadas na P.I. (cfr. fls.181 a 187), julgou improcedente a excepção da prescrição, (cfr. fls.188 a 192) e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória, (cfr. fls.193 a 203).
Houve reclamação da Interveniente Principal aos factos assentes, a qual foi indeferida. Foi realizada perícia médico-legal de avaliação do dano corporal em direito cível, cujo relatório está junto a fls. 257 a 264.
A fls. 286 a 289 foi junto o parecer de consulta técnico-científica do Conselho Médico-legal, com os esclarecimentos juntos a fls.316, 378 e 407.
Em 30 de Novembro de 2012 faleceu o Dr. C…, tendo-se procedido à respectiva habilitação de herdeiros, tendo a fls. 23 do Apenso A) sido declarados habilitados a sua cônjuge sobreviva, G… e as suas filhas, H…, I… e J…, para com elas prosseguir a causa, na qualidade de sucessoras do falecido co-Réu.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, conforme se constata pelas actas de fls.524 a 532, 638 a 653, 662 a 667, 693 a 695, 789 a 800, 822 a 828, 849 e 850 tendo, após efectuada a produção da prova, sido proferida a competente sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência decidiu:
«a) condeno a Interveniente Principal F… Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Autora a quantia de € 186.849,40 (cento e oitenta e seis mil oitocentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €186.054,40 a contar da presente data em que foi proferida a presente sentença até integral e efectivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €795 a partir da citação até integral e efectivo pagamento;
b) absolvo a Interveniente Principal F… Companhia de Seguros, S.A. do demais contra si peticionado na presente causa;
c) em face do decidido em a) considero prejudicado o pedido relativamente ás rés habilitadas e á ré segurada D…».

8 – Apelou a Interveniente F… Companhia de Seguros, S.A., nos termos das suas alegações de fls. 285 e ss, formulando as seguintes conclusões:
1. Foram incorrectamente julgados os concretos pontos 18, 19, 25, 28, 33 e 55 dos factos provados que constam da douta sentença, bem como, os seguintes pontos de facto que constam como não provados da referida:
(i) em ambas as operações, o 1º Réu tenha usado as técnicas cirúrgicas mais adequadas; (ii) feita a 1ª cirurgia, a Autora tenha verificado um alívio sintomático e (iii) estaria mais incapacitada e sofredora se não tivesse sido submetida às operações. [cfr págs 3 a 39 destas alegações]
2. Em cumprimento da norma do art 640º/1 do CPC, deve o Tribunal “ad quem” considerar apenas provados, a propósito daqueles concretos pontos de facto, que:
“28) O 1º Réu prestou os serviços referidos, tendo chefiado as equipas cirúrgicas em ambas as operações, nas instalações da 2ª Ré, com o conhecimento e consentimento desta, mediante pagamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e comparticipação da Autora na parte não suportada pelo SNS. – F).”
“25) Nesta última cirurgia, o Senhor Dr. C… provocou um alongamento de +- 24mm do membro operado -14º e fls754.”
“33) A Autora ficou com grande dificuldade em deslocar-se de um local para o outro, carecendo sempre de ajuda de duas canadianas, apresentando marcha claudicante, com recurso a canadianas – 10º e 12º.”
i) em ambas as operações, o 1º Réu tenha usado as técnicas cirúrgicas mais adequadas;
ii) feita a 1ª cirurgia, a Autora tenha verificado um alívio sintomático;
ii) A A. estaria mais incapacitada e sofredora se não tivesse sido submetida às operações.
3. Os depoimentos das testemunhas, bem como, o teor dos documentos juntos, impunham decisão de facto em conformidade com o supra referido.
4. Deve ser valorizado o depoimento da testemunha Sr. Dr. K…, por ser o médico que acompanhou a A. e confirmou que se tratava de doente do Serviço Nacional de Saúde, bem como, o depoimentos do Sr. Dr. L… e M…, os quais confirmam igualmente que a A. era doente do Serviço Nacional de Saúde.
5. Os documentos juntos confirmam que a A. apenas pagou cerca de 10% do custo das cirurgias, tanto da 1ª como da 2ª tendo o preço sido pago pelo Serviço Nacional de Saúde, pelo que, impõe-se concluir que estamos alegadamente no âmbito da responsabilidade extracontratual. [cfr págs 4 a 13 destas alegações]
6. Estamos pois perante matéria estranha a qualquer responsabilidade contratual
7. E estando-se perante alegada responsabilidade extracontratual, impõe-se concluir pela verificação da sua extinção por prescrição, devendo por isso absolver-se a recorrente e Rés do pedido;
8. Do exposto resulta que a A. foi operada pelo 1º Réu, nas instalações da 2ª Ré, com a despesa suportada pelo Estado, isto é, pelo Serviço Nacional de Saúde, apenas com a comparticipação da autora.
9. Resulta de tal factualidade que não ocorreu, ao contrário do que consta da sentença recorrida, simples pagamento pela A. dos serviços realizados pelos Réus, pois é certo que tais serviços foram pagos pelo Estado (com todas as consequências advenientes), sendo apenas, conforme se constatará, parte residual suportada pela A.. Aliás, se a A. pretendesse contratar simplesmente os serviços dos Réus, sem comparticipação do Estado e do SNS, certamente poderia beneficiar e escolher determinados serviços no Hospital que o SNS não comparticipa, por se considerarem desnecessários, Isto é, ao solicitar os serviços dos Réus com comparticipação do Estado e do SNS a A. obrigatoriamente sujeitava-se às condições do serviço prestado, conforme decorre do regime vigente de comparticipação do Estado [cfr págs 4 a 13 destas alegações]
10. Nesta parte, é inquestionável que a sentença recorrida, ao partir de um pressuposto de estarmos no domínio da responsabilidade contratual – por reputar erradamente poder consubstanciar um contrato o pagamento de uma «comparticipação» realizada pela paciente, a que designa por «preço», se orienta e decide à revelia e contra a prova produzida, a qual é clara e única no sentido de que a paciente beneficiou de uma intervenção cirúrgica em 2001 e de outra em 2004, sempre ao abrigo do SNS e mediante uma «comparticipação» de 10% do custo do preço convencionado no quadro regulamentar do SNS. [cfr págs 41 a 48 destas alegações]
11. O Tribunal a quo valorizou erradamente apenas parte dos documentos alegadamente subscritos pelo Sr. Dr. C…, tendo tais documentos inclusivamente sido impugnados em audiência, pelo que, se impunha confirmar tais alegações com a restante prova produzida, o que não ocorreu.
12. Também ocorreu valorização parcial dos documentos subscritos alegadamente pelo Sr. Dr. C… por os mesmos terem sido subscritos após instauração da presente acção, inexistindo fundamento, conforme se alegou, para serem, por esse facto, desconsiderados tais documentos, uma vez que não resulta dos mesmos que o seu alegado subscritor tenha tentado fundamentar e justificar as alegações da Petição Inicial, cujos fundamentos de facto correspondem ao mau uso de técnicas médicas.
13. Um documento, quanto à sua idoneidade, não pode ser valorado em parte e desconsiderado noutra, sob pena de violação do princípio da unidade da prova;
14. A valorização do depoimento do Sr. Dr. N… sobre alegados factos que lhe foram transmitidos em audiência e que não correspondem à verdade impossibilitam seja considerado o seu depoimento, uma vez que a mesma testemunha não teve conhecimento directo dos factos e afirmou conclusões sobre hipotéticas situações que nem sequer foram confirmadas em audiência, pelo que, nesta parte, mal andou o Tribunal a quo ao valorizar desta forma o seu depoimento.
15. O ensinamento - estabilizado na jurisprudência (nenhum Tribunal julga sem ser apoiado em prova qualificada) foi totalmente arredado pelo Tribunal a quo: só houve prova pericial para a fixação do dano e NENHUMA PROVA qualificada quanto aos demais pressupostos, ilicitude (indicação médica, leges artis e dever de cuidado) e culpa (agir de modo diferente daquele em concreto possível e ao alcance do agente dos factos)
16. Neste particular, como se vê do teor da douta sentença, as leges artis das cirurgias (texto em língua castelhana) das páginas 23 a 27 da douta sentença, foram consideradas AGORA, com a sentença, e nunca antes... como se impunha em ordem a uma decisão rigorosa; [cfr págs 49 a 60 destas alegações]
17. É impossível, através da técnica cirúrgica utilizada na operação de 2001 atingir o nervo ciático, por inexistir, na referida técnica cirúrgica, qualquer contacto com o referido nervo, sendo anatomicamente impossível tal lesão.
18. Mas já não, até por que tal aconteceu, que a iatrogenia (os ajustamentos do próprio organismo à movimentação dos tecidos para acesso ao osso), um efeito adverso, uma complicação, dentro do círculo de riscos associados à cirurgia;
19. Tudo o que não é acompanhado pela realidade da prova produzida, resultando antes de uma reflexão a posteriori, com alusão a «deveres-ser» médicos, consubstanciados em leges artis que ninguém, nenhuma testemunha ou interveniente referiu, que nunca foram nem indirectamente aludidas na produção da prova.
20. O que não se pode acompanhar: as leges artis da ATA foi o Tribunal identificá-las à posteriori e nunca foram estabelecidas cabal e idoneamente pelos médicos intervenientes; e mesmo as alusões feitas, não correspondem às afirmações da douta sentença!
21. De todas estas conclusões se pode retirar, com segurança que não é na sentença que se definem as 'leges artis' de um determinado acto médico cirúrgico, mas aquando da sua confrontação das testemunhas e peritos com o seu concreto sentido e que a prova sobre as mesmas, a sua concreta configuração tem de fundar-se em prova pericial, nunca em depoimento avulsos, ocasionais, obtidos sobre a pressão de uma pergunta directa.
22. Como se vê da douta p.i. a autora imputava ao médico réu o «mau uso das técnicas cirúrgicas» (art 11º e 70º da douta p.i.) ou «o uso de técnicas cirúrgicas erradas» (art 70º e 85º idem), e ainda «nova intervenção cirúrgica destinada a corrigir as consequências do acto cirúrgico anterior» (art 19º idem) ou seja, em concreto, as deficientes intervenções de i) ter atingido o nervo ciático poplíteo externo, ii) ter deixado um membro mais curto de que o outro e iii) ter tido necessidade de realizar uma cirurgia para corrigir o erro praticado na cirurgia anterior.
23. Não há, pois, base probatória para pôr em causa que essa tenha sido uma estratégia correcta (pelo diagnóstico da necrose e pela via cirúrgica adoptada, a endomielectomia, de intervir sobre a cabeça do fémur a fim de adiar a necessidade de intervir sobre a anca (o que acabou por ser o objecto da 2ª cirurgia).
24. Pelo contrário, essa matéria ficou claramente estabelecida: é inquestionável que havia um diagnóstico de «necrose avascular da cabeça do fémur», em estádio, ou fase de desenvolvimento que era compatível com a endomielectomia.
25. Tal resulta dos documentos e ainda do depoimento do protagonista desse diagnóstico e dessa indicação estratégica: o Dr. K….
26. A invocação das “leges artis” acerca da técnica cirúrgica da endomielectomia, constante da sentença recorrida (páginas 23 a 27), a partir de um texto estrangeiro, nunca foi aludido, a nenhum título, ao longo da audiência de discussão e julgamento; bem como as Orientações Técnicas estabelecidas em 2012 pela Direcção-Geral da Saúde, idem páginas 29 a 32, acerca da técnica cirúrgica da ATA (artroplastia total da anca), a qual nunca foram aludidas a qualquer título ao longo da audiência,
27. Parece-nos de que todas as explicações apresentadas em audiência, entre a realização da endomielectomia e o atingimento do PTE parece poder afirmar-se com segurança que há, efectivamente, um atingimento que segue no futuro imediato à realização da cirurgia. (e não no próprio acto cirúrgico como o atesta o depoimento do médico presente enquanto cirurgião ajudante) [cfr págs 13 a 22 destas alegações]
28. Pode pois concluir-se que não houve prova da violação das leges artis por parte do médico-cirurgião (porque, na verdade, colocaram-se muitas hipóteses explicativas mas sem qualquer confirmação, até àquele extracto da douta sentença, onde tudo fica aparentemente «estabelecido» como o médico cirurgião devia ter feito e não fez... como se o texto estrangeiro citado fizesse normatividade e houvesse prova de que o cirurgião se tenha desviado das regras da técnica...
29. O médico que interveio na operação à autora, o Sr. Dr. M…, confirmou que não foi propositadamente provocado alongamento do membro, uma vez que este alongamento decorre da necessidade de colocar prótese estável.
30. Não obstante o silêncio da douta sentença recorrida, é um facto, aliás distinguido na sua evolução consequencial pelas sucessivas perícias de avaliação do dano, que a obesidade da autora contribuiu fortemente para o agravamento da sua situação ortopédica.
31. Ou seja, singelamente, não está estabelecida qualquer relação causal exclusiva entre a prestação (supostamente culposa e ilícita do devedor) e o dano verificado na saúde da, a parésia do PTE (nervo ciático poplíteo externo) e as consequências daí emergentes.
32. E nunca, como decorre do espírito da douta sentença, de que todo o erro é um erro censurável, ilícito e culposo, segundo a «lógica» de o equiparar à falha do advogado que deixa passar um prazo e prejudica o cliente / mandante, ou o princípio segundo o qual quem entra num hospital tem de sair de lá melhorado...
33. Impõe-se, em consequência da alteração de parte da matéria de facto, a alteração dos pontos 33) e 55) de facto.
34. O ponto 50) da matéria de facto que consta da douta sentença recorrida é conclusivo, contendo inclusivamente a negação de factos, o que não pode ser considerado provado pelo Tribunal ad quem. Face à prova produzida – testemunhal e documental - impõe-se considerar provados os factos supra referidos.
35. Relativamente aos danos patrimoniais, caso se entenda manter a condenação, o que apenas se aceita por dever de patrocínio, deve o valor arbitrado ser reduzido de € 86 054,40 para € 60 000, valor que se reputa mais do que razoável atenta a situação concreta da A., uma vez que, para além do mais, de acordo com o depoimento unânime das testemunhas médicas, em situações semelhantes os doentes conseguem ultrapassar a limitação do movimento do pé através de tala, sendo certo também que o excesso de peso da A. prejudica a sua movimentação.
36. Relativamente aos danos não patrimoniais arbitrados, entende a recorrente que o valor fixado de € 100 000 é despropositado e manifestamente excessivo, devendo fixar-se a tal propósito, caso se entenda manter a condenação, o que por dever de patrocínio se admite, em € 40 000, valor que se reputa mais adequado, aliás de acordo com a Jurisprudência dominante, atenta a condição da A.
37. Face à pretendida alteração da matéria de facto, impõe-se a absolvição da Recorrente e das Rés do pedido, uma vez que inexiste qualquer responsabilidade destas.
38. Em síntese: não estamos perante qualquer responsabilidade emergente de contrato, que não existiu, mas sim perante uma situação de eventual responsabilidade extracontratual, de uma relação de assistência integrada no Serviço Nacional de Saúde; na verdade a autora pagou as «taxas» ou comparticipações de 18.000 escudos pela 1ª cirurgia em 2001 e € 370 pela 2ª cirurgia em 2004 e não pagou o preço das mesmas, que foi suportado pelo SNS; que mesmo que estivéssemos perante responsabilidade contratual caberia à autora demonstrar a ilicitude da acção médica, i) pela errada indicação médica, ii) pela violação das leges artis e iii) pela violação do dever geral de cuidado na execução das cirurgias, o que não foi logrado demonstrar-se; que a ilicitude por violação das leges artis implica a demonstração e estabelecimento prévio destas, antes da sentença e para a própria produção de prova, onde o essencial exige a prova qualificada, pericial, que não apenas para a avaliação do dano físico, mas para todos os pressupostos, sobretudo a ilicitude e a culpa médica (que não pode ser percecionada por depoimentos avulsos) sendo certo que a autora terá sofrido uma lesão do nervo ciático após e no recobro da 1ª cirurgia, a endomielectomia de 2001, no contexto dos riscos associados à própria cirurgia, por causa concreta não apurada, mas associada e integrado no círculo dos riscos próprios da cirurgia (não estamos perante uma cirurgia a um órgão e a lesão noutro); que as declarações manuscritas do médico entretanto falecido não podem ser interpretadas com violação da sua unidade intrínseca; que a autora contribui com a sua obesidade progressiva, de 80 para cerca de 120 ks entre a cirurgia de 2001 e a avaliação do dano físico, com culpa de lesada, para a produção dos danos cuja reparação vem requerer,
39. ou seja, a douta decisão recorrida é uma decisão de «humanidade» e não um aresto lógico e juridicamente sustentado.
SEM PRESCINDIR e relativamente às custas,
40. Entende, a recorrente que deve alterar-se o valor da acção para € 225 795, fixando-se a responsabilidade da recorrente na medida do decaimento que venha a ocorrer.
41. Caso assim não se entenda, impõe-se alterar a responsabilidade pelas custas do processo na proporção do decaimento da recorrente, caso em que a recorrente apenas pode ser condenada em 57,36% das custas, caso se mantenham os valores fixados na sentença recorrida ou outra que venha a ser fixada pelo Tribunal ad quem,
AINDA SEM PRESCINDIR e relativamente ao deferimento da intervenção principal da Recorrente
42. O contrato de seguro invocado pela Ré D… gera apenas direitos e obrigações entre ela e a recorrente, pelo que esta nunca poderia ser chamada aos autos em intervenção principal.
43. O incidente adequado a fazer intervir a ora agravante era o da intervenção acessória provocada, previsto no artº 330º do C.P.C..
Conclui pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida.

9 – A Autora/recorrida apresentou contra-alegações formulando as seguintes conclusões:
A) Nos autos em apreço ocorre inversão do ónus da prova. – vide art.º 334º do C.C. - dada a total ausência de documentação clínica.
B) Inexiste o consentimento do paciente – que é um dos requisitos da licitude da actividade médica (art.º 5º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomédica CEDHBioMed. e 3º nº 2 da Carta dos direitos Fundamentais da União Europeia).
C) Logo, a actuação médica será ilícita por violação do direito de auto determinação e correm por sua conta todos os danos derivados da intervenção não autorizada.
D) As conclusões de A) a C) são efectuadas a título subsidiário e nos termos do artº 636º do C.P.C..
E) Sempre, nunca ocorre fundamento para alteração da matéria de facto dada como provada.
F) Estamos no domínio da responsabilidade contratual.
G) A violação das leges artis é notória.
H) Os danos foram provados e estão quantificados de forma correcta.
I) A recorrente está admitida como Interveniente principal e bem, até para que não sejam praticados actos inúteis.
J) Deve manter-se a Douta Sentença. Conclui pedindo a improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

II - FACTUALIDADE PROVADA
Os factos que se encontram dados como provados são os seguintes:
1. O hospital da 2ª Ré tem atendimento permanente, com serviço de urgência e de múltiplas valências médico-cirúrgicas - G).
2. O pessoal médico e de enfermagem que labora no hospital da 2ª Ré fá-lo em regime liberal de prestação de serviços, como profissionais liberais, sendo tecnicamente autónomo e independente no exercício das suas funções - 43º.
3. A 2ª Ré não superintende na actividade técnica dos médicos e enfermeiros que prestam serviço no hospital, não interferindo no seu aspecto técnico-profissional - 44º.
4. A D… Hospital celebrou com a Companhia de Seguros E…, S.A., Sociedade Aberta, um contrato de seguro, transferindo para esta o risco de serviços médico-cirúrgicos relativo aos prestadores de tais serviços pelos danos decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a clientes e terceiros até ao valor de Euros 500.000,00, nos termos da respectiva apólice, titulado pela apólice nº ……. e que se encontrava em vigor - E).
5. Em meados de 2001, à Autora, foi detectada uma lesão da cabeça femural direita e encaminhada por outro médico, para o 1º Réu, para os serviços de Ortopedia do Hospital da D… com um problema de "necrose asséptica", mais concretamente:
sofria de "necrose avascular" da cabeça femural - A) e 50º.
6. Tal situação é geradora de dores intensas, do tipo esquémico, causadoras de grande incapacidade - 51º.
7. A Autora foi encaminhada, por um médico que propunha uma "cirurgia descompressiva da anca" - 52º.
8. Apesar do referido em 6) a A. executava todas as tarefas da casa, como cozinhar, lavar, brunir e limpar - 21º
9. Ainda prestava serviço como empregada doméstica, auferindo € 2,49 à hora - 22º
10. E trabalhava por mês oitenta horas - 23º
11. A Autora efectuou diversas consultas onerosas com o Dr. C…, pagas ao Hospital da 2ª Ré - B).
12. No âmbito das consultas referidas em 9) foi à Autora diagnosticada uma “osteonecrose” numa fase precoce da cabeça femural direita - 1°
13. Em consequência do diagnóstico efectuado, foi sujeita a intervenção cirúrgica em 03.09.2001 executada e orientada pelo Senhor Dr. C… (aqui R.) - C) e fls.754.
14. Foi utilizada uma técnica denominada Mielectomia, que era pouco usada na altura - 3°.
15. Tal cirurgia permitiria revascularizar a zona (cabeça femural/necrosada - 55º.
16. E adiaria a necessidade de uma "prótese da anca" - 56º.
17. A operação referida em 13) e em 14) é referida como uma das técnicas cirúrgicas conservadoras da anca, alternativas á artroplastia total da anca, que deve ser realizada nos primeiros estádios da necrose avascular, desde que a cabeça femural não tenha perdido a sua esfericidade e morfologia, visando a preservação dessa estrutura anatómica e tentar melhorar a sua vascularização - 2°
18. Durante a aludida técnica cirúrgica de revascularização endomedular referida em 13), 14) e 17), devido ao instrumento de colheita ter lesionado parcialmente o tronco externo do ciático, em consequência da dificuldade de acesso, e como consequência desse acto a Autora sofreu paralisia do ciático à direita-4º.
19. Na intervenção cirúrgica referida em 13) é atingido o nervo ciático e ocorre uma lesão do tronco externo do referido nervo – fls.754.
20. E a Autora passou a ter dores intensas - 5º.
21. Ao longo dos três anos subsequentes ao acto referido em 13) a Autora foi assistida pelo 1º Réu e pelos serviços da 2ª Ré - 6º.
22. Após três anos como o problema da anca (necrose) da A. não estava solucionado, a Autora foi aconselhada a submeter-se a nova intervenção cirúrgica, para aplicação duma prótese total da anca - 7º e 59º.
23. Em 22.03.2004 foi a Autora sujeita a nova intervenção cirúrgica no mesmo Hospital de prótese total da anca, também executada e orientada pelo Senhor Dr. C… - D) e fls.754.
24. Na intervenção referida em 23) foi efectuada prótese total da anca direita-8º
25. Nesta última cirurgia, o Senhor Dr. C… provoca um alongamento de +- 24 mm do membro operado para compensar o desequilíbrio mecânico proporcionado pela paralisia do nervo ciático, tendo o aludido membro operado ficado com um alongamento de cerca de 24 mm -14º e fls.754.
26. E teve alta hospitalar em 27.03.2004 - 9º.
27. A Autora assinou os termos de responsabilidade médicos, para ambas as Operações -H) e 45º.
28. O 1º Réu prestou os serviços referidos, tendo chefiado as equipas cirúrgicas em ambas as operações, nas instalações da 2ª Ré, com o conhecimento e consentimento desta, mediante pagamento da Autora - F).
29. Todos os actos médicos foram executados sob ordem e direcção do 1º Réu - I).
30. A Autora em 2004 tinha 48 anos-20º.
31. Actualmente, pelo menos, desde Julho de 2010 apresenta uma dismetria positiva de 1,5 cms do MID e tem uma prótese total da anca direita sem aparentes reacções - 15º.
32. O pé direito ficou pendente, que a A. não consegue levantar - 16º
33. Em consequência do referido em 25) e do referido em 18) a Autora ficou com grande dificuldade em deslocar-se de um local para o outro, carecendo sempre de ajuda de duas canadianas, apresentando marcha claudicante, com recurso a canadianas - 10º e 12º.
34. Ficou incapacitada para o trabalho, nada conseguindo executar - 11º.
35. Não consegue cozinhar, brunir, lavar ou fazer as camas - 13º.
36. Não consegue sair de casa sozinha - 17º
37. Não consegue calçar-se sozinha - 18º.
38. A vida de casa passou a ser efectuada pelo marido e filho - 19º.
39. Nunca mais trabalhou, nem pode - 24º
40. Deixou de fazer as camas e arrumar a casa - 25º.
41. Viu-se obrigada a não ter mais animais em casa - 26º.
42. A Autora sente-se uma inválida - 27º.
43. Sofre por não poder caminhar, nem deslocar-se sozinha - 30º.
44. Sofre por saber que será uma inválida para o resto da vida - 31º.
45. A Autora trabalhava de sol a sol todos os dias - 32º.
46. Era uma mulher cheia de vida e força e demonstrava alegria em viver - 33º.
47. Em consultas médicas pagou a Autora ao Hospital € 545,00 - 34º.
48. Em fisioterapia despendeu € 250,00 - 35º.
49. As lesões que a Autora padece resultaram do referido em 18) e 25) - 36º e 37º.
50. Na colocação de qualquer prótese não deve haver dismetrias nem positivas nem negativas tendo a estabilidade da mesma mais a ver com problemas de colocação dos componentes do que com eventuais dismetrias de compensação; em casos de instabilidade potencial é sempre preferível deixar uma dismetria positiva, a qual não se destina a compensar o desequilíbrio mecânico proporcionado pela paralisia do ciático - 38º e 41º.
51. A Autora é pessoa obesa, pesando, na altura, mais de 80 Kgs, e medindo metro e meio de altura - 48º.
52. Era hipertensa e com tendências para artroses - 49º.
53. Os estudos mais recentes prevêem que em 5% de casos de avascularização/necrose da anca e no respectivo "replacement" (aplicação de prótese), não se consegue êxito total - 67º.
54. O 1º Réu deixou à Autora a perna operada com mais 2,4 cms -69º.
55. São os dois actos cirúrgicos referidos em 13) e 23) a causa da incapacidade de que a A. padece - fls.755.

Os factos que não foram dados como provados são os seguintes:

1 - a operação referida na alínea C) dos Factos Assentes seja referida como muito simples e sem riscos;
2 - a técnica denominada Mielectomia fosse pouco usada na altura, por não ser eficaz;
3 - a intervenção cirúrgica a que após três anos a Autora foi aconselhada a submeter-se fosse a intervenção medicamente adequada a corrigir as consequências do acto cirúrgico referido no Facto Assente C);
4 - o limite da perna intervencionada tenha ficado com mais 3,5 cm;
5 - apresente um atrofiamento do membro inferior direito, à custa da prótese da anca de 3,5 cm;
6 - a Autora não possa dormir para o lado direito;
7 - a vida sexual da Autora tenha desaparecido;
8 - a Autora sofra por ver que o marido e o filho têm que a substituir na vida da casa;
9 - não tenham sido usadas as cirurgias aconselháveis;
10 - a prótese de uma anca fosse ao tempo e seja hoje um processo simples e quase sem risco;
11 - não seja possível que gere a incapacidade total de uma pessoa;
12 - a Autora tenha sido tratada com pleno conhecimento dos riscos que corria;
13 - em ambas as operações, o 1º Réu tenha usado as técnicas cirúrgicas mais adequadas;
14 - os resultados das intervenções se tenham devido exclusivamente, a factores pessoais, atinentes à pessoa da Autora;
15 - o Exame Radiológico e o estádio de evolução da doença - a par da sua obesidade mórbida, com a consequente sobrecarga mecânica, impusesse uma urgente "mielectomia”;
16 - inviabilizasse qualquer outra alternativa disponível na ocasião, nomeadamente, o recurso a osteotomias;
17 - tenha sido explicado pelo 1º Réu à Autora, os riscos associados à sua particular situação, antes de cada uma das operações;
18 - feita a 1ª cirurgia, a Autora tenha verificado um alívio sintomático;
19 - a 2ª intervenção tenha sido bem sucedida e sem complicações pós-operatórias;
20 - a A. tem sido monitorizada, revelando uma evolução favorável, estando controladas as eventuais complicações de médio prazo, sobretudo, de natureza mecânica;
21 - estas se prendam com a sobrecarga ponderal violenta, a que a prótese está a ser submetida (estimada em cerca de 250 Kg por cada ciclo de marcha), o que impõe uma regular vigilância imagiológica, sobretudo nos primeiros 5 anos pós-operatórios;
22 - actualmente, a A. apresente uma evolução lenta, mas favorável, da sua lesão;
23 - tenha sido conseguido uma percentagem de êxito em ambas as intervenções, e que a mesma esteja dentro do previsto nos parâmetros internacionais;
24 - no caso da Autora, era impossível, para qualquer Cirurgião, devolver-lhe a plena capacidade de trabalho, ou a completa ausência de limitações e sofrimento;
25 - estaria mais incapacitada e sofredora se não tivesse sido submetida às Operações;
26 - Se continuar a ser monitorizada e a seguir a terapêutica adequada, o seu estado, melhorará;
27 - as boas técnicas ditem que em casos, como o da A., de obesidade mórbida, o operador deve deixar a perna operada (c/ prótese) levemente mais comprida;
28 - a Autora se ficasse sem aquele "alongamento" de 2,4 cm, com a sua obesidade acentuada, ficaria com a mesma perna mais curta que a outra.
III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO

Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.
A) Impõe-se apreciar, em primeiro lugar, o agravo interposto pela Agravante/Apelante F… Companhia de Seguros, S.A.
Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente a questão concreta de que cumpre conhecer é a seguinte:
1ª- O incidente adequado a fazer intervir a agravante era o da intervenção acessória provocada, previsto no artº 330º do C.P.C. (anterior) e não o incidente de intervenção principal provocada como decidiu a decisão recorrida?

Vejamos
Dispunha o Código de Processo Civil, no que respeita à Intervenção Principal de terceiros no seu artigo 320.º que a mesma tem lugar quando «Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal:
a) Aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 27.º e 28.º;
b) Aquele que, nos termos do artigo 30.º, pudesse coligar-se com o autor, sem prejuízo do disposto no artigo 31.º».
Acrescentava o artigo 321.º, relativo à posição do Interveniente que «O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa».
O mesmo Código dispunha, no que respeita à Intervenção Provocada, prevista no Artigo 325.º n.º 1 que «Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária».
E, nos termos do artigo 329.º (especialidades da intervenção passiva suscitada pelo réu)
1 - O chamamento de condevedores ou do principal devedor, suscitado pelo réu que nisso mostre interesse atendível, é deduzido obrigatoriamente na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada.
2 - Tratando-se de obrigação solidária e sendo a prestação exigida na totalidade a um dos condevedores, pode o chamamento ter ainda como fim a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir.
3 - Na situação prevista no número anterior, se apenas for impugnada a solidariedade da dívida e a pretensão do autor puder de imediato ser julgada procedente, é o primitivo réu logo condenado no pedido no despacho saneador, prosseguindo a causa entre autor do chamamento e chamado, circunscrita à questão do direito de regresso.
Na SUBSECÇÃO II, relativa à Intervenção acessória provocada dispunha o artigo 330.º n.º 1 que «O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal».
Actualmente, no novo Código de Processo Civil, tais normativos encontram correspondência nos artigos 311.º (Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º), 312.º (O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa), Artigo 316.º (1- Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2- Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º
3- O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor), 317.º (1- Sendo a prestação exigida a algum dos condevedores solidários, o chamamento pode ter por fim o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação.
2- No caso previsto no número anterior, se apenas for impugnada a solidariedade da dívida e a pretensão do autor puder de imediato ser julgada procedente, é o primitivo réu logo condenado no pedido no despacho saneador, prosseguindo a causa entre o autor do chamamento e o chamado, circunscrita à questão do direito de regresso), e 321.º (1- O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2- A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento).
Nos presentes autos a Ré D… veio requerer a Intervenção Principal Provocada da F… Companhia de Seguros, S.A alegando que havia transferido a responsabilidade civil, por danos causados a terceiros, decorrente da sua actividade de prestação de serviços médico-cirúrgicos para aquela Companhia de Seguros através de um contrato de seguro.
Notificada a Seguradora para se pronunciar sobre o incidente deduzido, a mesma nada disse, tendo o incidente sido admitido pelo despacho recorrido.
Entende a recorrente seguradora que o incidente adequado a fazer intervir a agravante era o da intervenção acessória provocada, previsto no artº 330º do C.P.C.
E com razão.
Na verdade, estando pendente uma causa entre Autor e Réu apenas podia intervir nessa causa, como parte principal aquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do Autor ou do Réu, ou aquele que, nos termos do artigo 30º, pudesse coligar-se com o autor.
O interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu.
Podemos ler no relatório do D. Lei nº 329-A/95 de 12/12 que este incidente engloba "todos os casos em que a obrigação comporte pluralidade de devedores ou quando existam garantes da obrigação a que a acção se reporta, tendo o Réu interesse atendível em os chamar à demanda, quer para propiciar defesa conjunta, quer para acautelar o eventual direito de regresso ou sub-rogação que lhe possa assistir".
O interveniente principal vem a ajuízo, não simplesmente para auxiliar uma das partes, mas para fazer valer um direito seu, que coexiste com o do Autor ou do Réu. É, portanto, um novo litigante que, como parte principal, vem associar-se ao Autor ou ao Réu. A intervenção dá, assim origem a um litisconsórcio sucessivo, ou seja, ela não é mais do que a projecção, em causas pendentes, das situações previstas nos artigos 27º e 28º (litisconsórcio) e 30º (coligação) do C.P.Civil.
Já na intervenção acessória o Réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
Como também se afirma no relatório do D. Lei nº 329-A/95 de 12/12 o que caracteriza as situações de intervenção acessória é a circunstância de, existindo pluralidade de devedores ou garantes da obrigação, ter o condevedor ou garante demandado a possibilidade de repercutir sobre o chamado, no todo ou em parte, o sacrifício patrimonial resultante do cumprimento da obrigação que lhe é exigida, através das figuras da sub-rogação ou do direito de regresso.
Daí que ao objectivo normalmente prosseguido com a intervenção litisconsorcial provocada-passiva a operar uma defesa conjunta no confronto do credor, pondo-lhe os meios comuns de defesa que forem pertinentes-acresça o interesse do Réu em acautelar o referido direito de regresso.
No caso concreto a Autora demandou a Ré D…, alegando ser esta a responsável pelos danos que sofreu em virtude de actos médicos, e a Ré veio requerer a Intervenção Principal Provocada da F… Companhia de Seguros, S.A com base no contrato de seguro que com ela havia celebrado.
A Autora nunca podia demandar directamente a Seguradora pelo que esta não pode intervir na acção como parte principal.
A causa de pedir nesta acção, tal qual a Autora a apresenta, funda-se na violação do dever contratual que ligava as partes, no âmbito de uma intervenção cirúrgica realizada pelos serviços da Ré na pessoa da Autora.
Responsáveis são – na perspectiva da Autora – a Ré e o médico Réu e é contra estes que o pedido é deduzido.
Com base no contrato invocado e nos factos alegados a acção nunca poderia ser intentada contra a Seguradora pelo que não existe qualquer regime de solidariedade capaz de fundamentar a intervenção passiva da Seguradora no âmbito do disposto no artigo 329º nº 2 do C. P. Civil.
A Seguradora não podia intervir na causa como parte principal ao lado da Ré D….
Assim, o incidente adequado para fazer intervir a F… Companhia de Seguros, S.A não podia ser a intervenção principal provocada.
Mas, como se viu, a Ré D… celebrou um contrato de seguro com a F… Companhia de Seguros, S.A para quem transferiu a responsabilidade civil, por danos causados a terceiros, decorrente da sua actividade de prestação de serviços médico-cirúrgicos.
Significa isto que, a ser procedente o pedido e a ser a Ré condenada, esta tem direito a ser indemnizada pela seguradora, isto é tem direito de regresso sobre a F… Companhia de Seguros, S.A.
A existência de tal “acção de regresso” vai implicar deste modo que se possa enxertar no processo, para além do básico conflito de interesses entre credor e devedor, outro conflito entre o devedor e o chamado, incidindo sobre o direito de regresso e respectivos pressupostos.
A acção de regresso deve reportar-se a uma relação conexa com a relação jurídica controvertida e justifica-se quando, em virtude dessa relação conexa, o chamado deva responder pelo dano resultante da sucumbência, pois é esta afinal que se lhe virá impor, como caso julgado através do incidente deduzido.
Como se deixou dito é esta a situação em apreço.
Se a Ré D… vier a ser condenada nos presentes autos sempre poderá demandar, em via de regresso, a F… Companhia de Seguros, S.A pedindo a sua condenação no pagamento das quantias que tiver de pagar à Autora.
Assim, o incidente próprio para fazer intervir a F… Companhia de Seguros, S.A era o da intervenção acessória provocada, previsto no artº 330º do C.P.C. (anterior) e não o incidente de intervenção principal provocada como decidiu a decisão recorrida.
Em conclusão, tendo a Autora demandado a ré alegando ser esta a responsável pelos danos que sofreu em virtude de uma intervenção cirúrgica realizada pelos serviços da Ré na pessoa da Autora e vindo a Ré veio requerer a Intervenção Principal Provocada da Companhia de Seguros, com base no contrato de seguro que com ela havia celebrado, o incidente próprio para fazer intervir a Seguradora é (era) o da intervenção acessória provocada e não o incidente de intervenção principal provocada.
Impõe-se, deste modo, a procedência do recurso de agravo devendo, nos termos dos artigos 330º e 331º do C. P. Civil, a F… Companhia de Seguros, S.A ser admitida como parte acessória.

B) Importa apreciar de seguida a Apelação.
As questões concretas a decidir no presente recurso são apenas as seguintes:
1ª – Deve a matéria de facto ser alterada no sentido indicado pela Recorrente Seguradora?
2ª - Alterada a matéria de facto nos termos pretendidos impõe-se decisão diferente da recorrida?

Vejamos.
B) 1- Como é sabido, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação nos casos previstos no artigo 662 do Código de Processo Civil, preceito este que corresponde ao artigo 712º do anterior CPC, com significativas alterações.
E, nos termos Artigo 640.º do Código de Processo Civil sob o título - Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto.
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Nos presentes autos a prova produzida encontra-se gravada, tendo a Recorrente procedido à indicação dos depoimentos {é evidente que pretende a alteração das respostas com base nos depoimentos das testemunhas K…, L… e M…} em que fundamenta a sua divergência com a decisão recorrida.
Igualmente indicou a matéria que deve ser alterada (o Tribunal julgou incorrectamente os pontos 18, 19, 25, 33 e 55 dos factos provados e os pontos 13) 18) e 25) dos factos não provados).
Assim, afigura-se-nos que a Recorrente deu integral cumprimento ao n.º 1 e 2 do artigo 640 do CPC pelo que se encontram verificados os pressupostos processuais legais para a reapreciação da prova e como tal iremos conhecer do recurso.

2- Será que assiste razão à Recorrente em pretender ver alterada a matéria de facto que foi considerada provada?
Importa ter em atenção que a apreciação da prova produzida está necessariamente ligada ao valor que o Julgador atribui não só a cada depoimento (visto não só de forma isolada mas também quando apreciados globalmente) bem como ao valor que igualmente atribui aos diversos documentos que lhe são submetidos bem como às diligências que realizou.
Estamos em face de um problema de valoração da prova produzida em audiência.
Nos termos do artigo 607 n.º 1 do Código de Processo Civil o Tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Tal preceito consagra o princípio da prova livre, o que significa que a prova produzida em audiência (seja a prova testemunhal ou outra) é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, tendo em consideração a sua vivência da vida e do mundo que o rodeia.
Prova Livre que nas palavras do Prof. Alberto dos Reis “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”, CPC, Anotado, vol. IV, p. 570.
Importa ter sempre presente que o princípio da livre apreciação da prova está intimamente conexionado com o principio da oralidade, como bem salientava o Prof. Alberto dos Reis “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares) é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E, citando Chiovenda terminava “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” CPC, Anotado, vol. IV, p. 566 e ss
E, não podemos esquecer que a prova deve ser apreciada globalmente.
Continuamos a entender que o Juiz da 1ª instância é quem se encontra em melhor posição para avaliar e decidir quanto ao valor a atribuir a determinado depoimento bem como ao valor dos documentos que não correspondam a uma prova plena (documentos autênticos).
Essencial é também o modo e a forma como os factos provados se encontram fundamentados, ou seja ao modo como o Sr. Juiz motivou as respostas dadas à matéria de facto, ao modo como fundamentou a sua convicção, uma vez que os juízes têm o dever de fundamentar de motivar as suas decisões para que possam ser controladas por aqueles a quem se destinam.
Por último, não esquecendo que a Relação ao proceder à reapreciação dos meios de prova, procede a um novo julgamento da matéria de facto impugnada, podendo formar a sua própria convicção diversa daquela que foi firmada em 1ª- instância a verdade é que o Tribunal da Relação não tem necessariamente que procurar uma nova convicção devendo, isso sim, procurar saber se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova, com os demais elementos existentes nos autos nos oferece.
Como já se deixou dito, a garantia do duplo grau de jurisdição, no que concerne à matéria de facto, não desvirtua nem subverte, o princípio da liberdade de julgamento, ou seja, o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – art. 607º, nº 5, devendo os recursos, em sede de matéria de facto visar a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento.

3- Feitas estas considerações é tempo de descermos ao caso concreto.

a) Entende a Recorrente que foram incorrectamente julgados os concretos pontos 18, 19, 25, 28, 33 e 55 dos factos provados bem como os pontos 13), 18) e 25) dos factos não provados.
Vejamos
A factualidade provada que vem posta em causa é a seguinte:
Ponto 18. Durante a aludida técnica cirúrgica de revascularização endomedular referida em 13), 14) e 17), devido ao instrumento de colheita ter lesionado parcialmente o tronco externo do ciático, em consequência da dificuldade de acesso, e como consequência desse acto a Autora sofreu paralisia do ciático à direita-4º.
Ponto 19. Na intervenção cirúrgica referida em 13) é atingido o nervo ciático e ocorre uma lesão do tronco externo do referido nervo – fls.754.
Ponto 25. Nesta última cirurgia, o Senhor Dr. C… provoca um alongamento de +- 24 mm do membro operado para compensar o desequilíbrio mecânico proporcionado pela paralisia do nervo ciático, tendo o aludido membro operado ficado com um alongamento de cerca de 24 mm -14º e fls.754.
Ponto 28. O 1º Réu prestou os serviços referidos, tendo chefiado as equipas cirúrgicas em ambas as operações, nas instalações da 2ª Ré, com o conhecimento e consentimento desta, mediante pagamento da Autora - F).
Ponto 33. Em consequência do referido em 25) e do referido em 18) a Autora ficou com grande dificuldade em deslocar-se de um local para o outro, carecendo sempre de ajuda de duas canadianas, apresentando marcha claudicante, com recurso a canadianas - 10º e 12º.
Ponto 55. São os dois actos cirúrgicos referidos em 13) e 23) a causa da incapacidade de que a A. padece - fls.755.
A matéria que foi dada como Não Provada e que a Recorrente pretende ver alterada é a seguinte:
13 – em ambas as operações, o 1-º réu tenha usado as técnicas mais adequadas;
18 – feita a 1-ª cirurgia, a Autora tenha verificado um alívio sintomático;
25 – a autora estaria mais incapacitada e sofredora se não tivesse sido submetida às operações.
Defende a Recorrente que o Tribunal apenas deve dar como provado que:
«O 1º Réu prestou os serviços referidos, tendo chefiado as equipas cirúrgicas em ambas as operações, nas instalações da 2ª Ré, com o conhecimento e consentimento desta, mediante pagamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e comparticipação da Autora na parte não suportada pelo SNS. – F).”
Nesta ultima cirurgia, o Senhor Dr. C… provocou um alongamento de +- 24mm do membro operado -14º e fls754.”
A Autora ficou com grande dificuldade em deslocar-se de um local para o outro, carecendo sempre de ajuda de duas canadianas, apresentando marcha claudicante, com recurso a canadianas – 10º e 12º.”
Em ambas as operações, o 1º Réu tenha usado as técnicas cirúrgicas mais adequadas;
Feita a 1ª cirurgia, a Autora tenha verificado um alívio sintomático;
A A. estaria mais incapacitada e sofredora se não tivesse sido submetida às operações»
È esta factualidade que a Recorrente pretende ver alterada.
Será que lhe assiste razão?
Vejamos
Relativamente aos pontos 18 e 19 está essencialmente em questão saber se durante a 1ª intervenção cirúrgica foi ou não atingido o nervo ciático.
A recorrente, ao contrário da sentença recorrida, defende que tal não aconteceu, sendo até anatomicamente impossível.
Mas não lhe assiste razão.
Desde logo pretende a recorrente que se desconsidere e desvalorize o depoimento do Sr. Professor Dr. N….
Sendo certo que esta testemunha não interveio nas cirurgias as suas declarações podem e devem ser valoradas, ainda que elas sejam, nesta matéria, desfavoráveis à tese da Ré.
Consta da Motivação da sentença que esta testemunha, Professor Catedrático de Ortopedia da Faculdade de Medicina de Lisboa, «explicou de forma extremamente clara mas rigorosa cientificamente o que é o CPE tendo explicado que a primeira cirurgia foi uma cirurgia conservadora da anca, na tentativa de vascularizar a cabeça do fémur, o que á partida se mostrava adequado por a doente se tratar de uma pessoa jovem (com 45 anos de idade), visando evitar-se a colocação de uma prótese, embora a testemunha tenha referido não ter elementos que lhe permitam afirmar o tipo de necrose que se tratava, tendo realçado as qualidades profissionais do Dr. C… tratando-se de um cirurgião experiente da anca; que o Conselho Médico-Legal nos seus pareceres apenas se baseou nos elementos que lhe fizeram chegar, tendo realçado que o relatório operatório foi sumaríssimo, sendo o diário clínico omisso a qualquer ocorrência acontecida; que quando acontece um contra-tempo operatório tem que ser referido, o que não aconteceu neste caso; que é uma falta importante não haver uma referência quer no diário clínico, quer no relatório operatório; tendo a testemunha descrito pormenorizadamente em que é que consiste a técnica cirúrgica utilizada na primeira operação (a endomielectomia), tendo a testemunha após lhe ter sido referido que a lesão do nervo do ciático ocorreu durante a endomielectomia a testemunha mostrado surpresa “infelizmente acontece e os médicos também erram”, (sic), referindo claramente e inequivocamente que “há nexo de causalidade entre a primeira cirúrgia e a lesão do ciático”, “não é normal na endomielectomia ser provocada uma lesão do ciático” “mas nunca há sempres nem nunca nuncas” (sic), mais tendo referido que “o ciático não faz parte daquela cirurgia”, “é um acidente, é uma complicação, porque anatomicamene pode estar mais perto” (sic) e que o enxerto podia ter sido feito com osso da anca; “isto foi uma cirurgia que correu mal. É perceptível” em que a doente “ficou pior do que estava”, (sic) e que “quando o ciático é visualizado há alguma coisa que não está bem”, (sic) e que “a endomielectomia é considerada uma operação considerada relativamente simples dado que não tem complicações”, (sic); que este processo tem informações que não foram entregues ao Conselho Médico-Legal; “que a lesão do nervo ciático não deve fazer parte das complicações de uma revascularização da cabeça femural”, (sic), tendo durante a intervenção de se proteger o nervo ciático pois “sabe-se que ele existe ali”, (sic); que “esta situação da autora correu mal e a autora ficou com sequelas graves”, (sic); a testemunha descreveu ainda de forma pormenorizada a técnica utilizada na 2ª operação (Protese total da anca); que “por definição não é desejável que se deixe a perna mais comprida ou mais curta; os membros devem ficar equalizados; mas se a prótese estiver com algum problema de instabilidade é melhor deixar a perna mais comprida porque estabiliza mais a prótese”, (sic) e que a obesidade é um factor de risco para a necrose da cabeça do fémur».
Trata-se de uma motivação esclarecedora, que traduz o sentido do depoimento desta testemunha que nenhum interesse tinha no desfecho da acção.
A recorrente apoia a sua posição fundamentalmente no depoimento da testemunha Sr. Dr. M…, transcrito nas alegações da Recorrente, que interveio directamente nas cirurgias da Autora.
Afirma a Recorrente que esta testemunha é inequívoca na afirmação de que não ocorreu qualquer lesão do tronco externo do ciático provocado pelo instrumento de colheita durante a cirurgia.
Porém, ouvidas, lidas e analisadas todas as declarações desta testemunha não vislumbramos que a mesma tenha afirmado categoricamente que não ocorreu a lesão do ciático durante a primeira operação.
Esta Testemunha a instâncias do Sr. Juiz afirma:
Juiz: Mas porque é que não têm atenção com o ciático na primeira?
Testemunha: Anatomicamente não passa ali. Não passa na face externa do osso. Passa por trás do osso. (sublinhado é nosso)
Juiz: Então não há nenhuma cautela especial a ter com os afastadores relativamente ao ciático?
Testemunha: Não. Não.
Juiz: Não é necessário é isso?
Testemunha: Não é necessário… a não ser que haja uma… já não… que haja uma ampla abertura mas geralmente o corte não é grande, é pequeno.
Juiz: E se a abordagem for posterior? E portanto encontrasse primeiro o ciático….
Testemunha: Tem de se isolar, tem de se identificar. Penso que não é o caso. É uma abordagem externa não é posterior.
Juiz: Na abordagem posterior…
Testemunha: Na posterior…
Juiz: Tem de se identificar o ciático…
Testemunha: Pelo menos tentar…
Juiz: E os afastadores como é que devem ser colocados? Ai o afastador também se destina o ciático?
Testemunha: Se destina… antes do ciático e não depois do ciático.
Advogado: Nunca deve tocar o afastador no ciático é isso?
Testemunha: Pode tocar mas…
Juiz: Não. Sr. Dr., estou a falar o que deve ser feito.
Testemunha: Exatamente. Não. Não deve tocar.
Juiz: Uma pessoa também pode andar de autocarro sem bilhete.
Testemunha: Pois pode.
Juiz: Agora, o que deve ser feito relativamente ao afastador quanto ao ciático?
Testemunha: In loco, nas operações é…
Juiz: Certo. Mas voltando novamente a essa intervenção.
Testemunha: O afastador de ver…
Juiz: Uma abordagem posterior certo?
Testemunha: O problema é que nós não usamos uma abordagem posterior. Eu e o Dr. C… não usávamos a abordagem posterior. Usamos sempre a externa ou antro externa. Aliás somos conhecidos… neste momento somos conhecidos… eu sou… e eu como descendente… seguidor dele e agora uso uma das causas… estou a falar das próteses.
Juiz: Não. Sr. Dr. eu só estou a falar das endomielectomias.
Testemunha: Externa, externa. Aqui são duas operações diversas.
Testemunha: Externa.
Juiz: Eu só estou a falar da primeira, que são as chamadas leges artis.
Testemunha: Abordagem externa.
Juiz: Ou seja, o que é que o médico deve fazer, quais são os procedimentos que o médico deve fazer?
Testemunha: Abordagem externa. Não posterior.
Juiz: Se for posterior também já há um erro ai é?
Testemunha: São opções.
Juiz: Pronto. Por isso é que eu lhe pergunto Sr. Dr..
Testemunha: São opções. Mas eu na endo… mia eu…
Juiz: São opções. Portanto o cirurgião, portanto, pode abordar externamente ou posteriormente não é?
Testemunha: A diferença é um centímetro.
Juiz: Pronto. Segundo eu percebo a abordagem externa estão completamente seguros relativamente ao ciático?
Testemunha: Teoricamente sim.
Juiz: Pronto. Eu estou a perguntar teoricamente porque sabe que depois na prática as coisas…
Testemunha: Exatamente.
Juiz: Portanto, teoricamente, fazendo uma abordagem externa nunca se encontrará o ciático? Numa endomielectomia?
Testemunha: Numa endomielectomia não.
Juiz: Fazendo uma posterior já se encontra o ciático?
Testemunha: … agora na abordagem não.
A mesma testemunha havia referido ainda a instâncias do Advogado: Uma parésia sim. Na paralisia parece que não é assim tão fácil. O Sr. Dr. esteve lá.
Pergunto: Era ou não possível, se tivesse sido atingido o ciático, no sentido de paralisia, de ruptura digamos assim, afectação definitiva, o Sr. Dr. ter-se-ia ou não apercebido dessa anomalia?
Testemunha: Uma. Uma secção, a perna… dá um choque. Dá um safanão.
Advogado: E não deu?
Testemunha: Não…
Advogado: Mas se tivesse dado o Sr. Dr. lembrar-se-ia de certeza?
Testemunha: Com certeza.
Será que se pode retirar destas declarações o sentido pretendido pela recorrente.
A resposta terá de ser negativa.
O Dr. M… por ter tido intervenção na cirurgia que terá causado a lesão do nervo ciático não é pessoa mais idónea e que ofereça melhores garantias de imparcialidade, para afastar, com total isenção, a prova de que essa lesão ocorreu ou não.
Ou seja, esta não é a testemunha que melhores garantias de imparcialidade oferece.
É evidente que a prova da lesão terá de feita não só com os relatórios clínicos juntos aos autos e que confirmam ter havido essa lesão, mas também com os restantes depoimentos feitos pelas outras testemunhas designadamente o Professor Dr. N…, o Dr. O…, médico ortopedista há 40 anos, o qual referiu claramente ter havido um erro médico na primeira cirurgia e um outro ainda maior na segunda, ao ter sido deixado o membro operado mais comprido, que no entender da testemunha conduziu á situação de desenervamento total do ciático, que é irreversível e do Dr. K…, médico desde 1991, médico especialista em ortopedia e traumatologia desde 1999, que descreveu pormenorizadamente as técnicas cirúrgicas utilizadas nas operações em causa, tendo referido os vários cenários que poderão ter acontecido quanto á produção das lesões e sequelas de que passou a enfermar a autora depois dessas intervenções (“é uma lesão devastadora”).
Não vemos razões para que a matéria dos pontos 18 e 19 seja alterada.
Analisemos agora o ponto 25
Mais uma vez a recorrente se socorre do depoimento do Dr. M…, já mencionado.
Segundo a recorrente do depoimento desta testemunha decorre que o alongamento de 24 milímetros do membro operado não foi provocado para compensar qualquer desequilibro mecânico provocado pela paralisia do nervo ciático.
Vejamos o depoimento do Dr. M…
Advogado: A partir do que consta do histórico, do que está ai escrito, na segunda operação em que há um alongamento, confessado alongamento de 2,4cm pergunto se isso tem haver alguma coisa com…
Testemunha: Deve ter havido até mais, porque havia um encurtamento se há um alongamento de 2,4 até deve ter havido mais porque…
Juiz: Pronto Sr. Dr. mas vamos fixar-nos se houve um alongamento de 2,4 cm, 24 milímetros, 2,4 cm.
Advogado: Nessa altura Sr. Dr., este alongamento podemos dizer que tem alguma influência para a paralisia? Não tem?
Testemunha: Não sei.
Advogado: Ah não sabe?
Testemunha: Pode ter, pode não ter.
Advogado: Porque, voltamos à definição de paralisia, é portanto a ruptura, digamos é a desactivação da enervação do membro inferior, neste caso no direito, é disso que estamos a falar, portanto a pessoa já tinha o pé pendente, digamos assim, antes da segunda operação, na segunda, se tinha o pé pendente piorou, ficou igual ou melhorou?
Testemunha: O pé pendente, continuou com o pé pendente.
Advogado: Pronto. Portanto a segunda… se ficasse com 3 cm de cumprimento mais, ou só com 1, haveria diferença no pé pendente?
Testemunha: Não.
Ainda, o depoimento da mesma testemunha,
Advogado: Ficamos com a primeira cirurgia, ficamos com os efeitos da primeira cirurgia, passemos para a primeira cirurgia… E ao contrário do que os meus Ilustres colegas disseram, julgo que é importante fazer-lhe uma pergunta: se o Dr. C… escrever que deixou os 2,4 centímetros ou 24 milímetros para compensar o desequilíbrio mecânico proporcionado pelo ciático, o que é que o senhor diz?
Testemunha: O que é que eu digo sobre quê?
Advogado: Isto é correto? Para compensar o desequilíbrio mecânico do ciático? É que o alongamento não é para mais nada, é para isto.
Testemunha: Para mim o alongamento, o alongamento não foi predestinado, o alongamento é no ato cirúrgico, tal como disse há bocado…
Juiz: E agora o senhor Dr. está a perguntar, dentro dessa intencionalidade clínica, como é que se conjuga…
Testemunha: não sei.
Juiz: essa parte … dos vinte e quatro milímetros e o tal… o tal problema do ciático.
Testemunha: Não…
Juiz: Porque, ó senhor Dr., vamos lá ver…
Testemunha: Isto é um pormenor do Dr. C…, uma ideia dele… Não, não…
Juiz: Não sabe explicar?
Testemunha: Não sei explicar.
Juiz: Senhor Dr., diga-me só uma coisa, não há nenhuma terapia ortopédica para problemas do ciático, não é? O ciático é um nervo…
Testemunha: Não…
Juiz: Nenhuma intervenção ortopédica corrige o ciático, o problema do ciático?
Testemunha: Só… Não, ah, há talvez alguns neurocirurgiões…
Juiz: Não, mas isso é a neurocirurgia.
Testemunha: há neurocirurgiões…
Juiz: Pronto. Ortopedia?
Testemunha: Não, não, não.
Juiz: A nível das técnicas…
Testemunha: Não, não.
Juiz: qualquer problema do nervo do ciático…
Testemunha: Não, não, não…
Juiz: Não é? Não pode ser… Não há nenhuma técnica que resolva…
Testemunha: Não, não.
Juiz: esse problema…
Testemunha: Só técnicas neurocirúrgicas.
Juiz: Portanto, isso é outro domínio?
Testemunha: É outro, é outro… especialidade…
Juiz: Sim senhor… E, portanto, o senhor Dr. não consegue explicar…
Testemunha: Não.
Juiz: esse parágrafo, note bem…
Testemunha: Não, não consigo…
Juiz: Senhor Dr., vou-lhe por a questão doutra maneira. Que, de facto, o senhor já está cansado à quarta-feira e depois é complicado… Vou-lhe só explicar: ó Sr. Dr., eu tenho um problema de anca, tenho uma necrose do fémur, preciso de uma PTA, mas tenho também o problema no ciático.
Testemunha: Hummm.
Juiz: Ou hereditário, ou traumático…
Testemunha: É prótese…
Juiz: Ou foi um problema, qualquer problema, eu tenho problema no ciático. Portanto, eu tenho o tal problema no pé.
Testemunha: Sim. Sim.
Juiz: Pronto. E tenho essa questão. A questão é esta: o senhor Dr., eh, como ortopedista, como é que decidia resolver o problema?
Testemunha: Operava o problema da anca.
Juiz: Portanto, fazia na mesma a PTA?
Testemunha: Sim.
Juiz: Independentemente da questão do ciático?
Testemunha: Já estava lá… eu… tinha que falar com o doente, não é?
Juiz: Sim…
Testemunha: Falar…
Juiz: E deixava o alongamento ou não?
Testemunha: Isso é decidido no ato cirúrgico…
Juiz: Pronto…
Testemunha: Tal como tenho, tenho vindo a dizer…
Juiz: Pronto, então o senhor Dr. veja o ato cirúrgico, o senhor Dr. tem ali a perna ou a parte da anca toda exposta, já tirou o fémur…
Testemunha: Exatamente.
Juiz: Está a colocar a prótese…
Testemunha: Exatamente.
Juiz: E agora tem de decidir, ponho o alongamento ou não?
Testemunha: Eu não tenho de decidir se tenho de por o alongamento ou não…
Juiz: E agora?
Testemunha: Eu tenho que pôr uma anca, uma prótese estável. Se é mais curta, se é média, se é longa, a estabilidade é que nos diz.
Juiz: Ou seja, então a boa regra é o seguinte: o alongamento só tem a ver com a estabilidade da prótese, mais nada?
Testemunha: Da estabilidade da prótese.
Juiz: Mais nada?
Testemunha: Mais nada.
Juiz: Ah! Pronto…
Testemunha: Da estabilidade da prótese…
Juiz: Pronto. Pronto. O senhor Dr. conhece alguma situação em que para a estabilidade da prótese fossem precisos dois centímetros?
Testemunha: Sim. Já disse há bocado.
Juiz: E porquê?
Testemunha: Por causa da… Para não luxar a prótese.
Juiz: Sim. Mas em que situações? Se eram pessoas com dois metros? Eram pessoas com um metro e sessenta?
Testemunha: Não, era…
Juiz: Percebe?
Testemunha: Não tem nada a ver com a alt… tem a ver…
Juiz: Hummm…
Testemunha: com a profundidade ou não do buraco que existe no acetábulo.
Juiz: Ah, pronto. O senhor Dr. não tem aqui nenhuns elementos que lhe permitam fazer esse juízo?
Testemunha: Não, não tenho…
Juiz: O que é precisava para poder…
Testemunha: Do Raio-X inicial…
Juiz: Portanto, o alongamento do membro, em termos do que é correto, em termos ortopédicos, aquilo que ensinaram ao Sr. Dr. ou aquilo que o Sr. Dr. me ensinaria a mim se eu fosse o tal seu estagiário virtual…
Testemunha: Sim, sim, sim.
Juiz: Só deve ser feito depois de estabilizar a prótese?
Testemunha: Exatamente.
Juiz: E daí que não se saiba, concretamente, antes da intervenção, qual vai ser o alongamento.
Testemunha: Não… Pode ser…
Juiz: O normal, os alongamentos que o Sr. Dr. já fez nas milhares, isto é um bocado pedir de mais…
Testemunha: Sim, sim, sim.
Juiz: A média, qual será? Meio, meio centímetro? Um centímetro? Ou…
Testemunha: Um centímetro.
Juiz: Um centímetro.
Testemunha: Um centímetro e, às vezes, pode, poucos casos, pode atingir dois centímetros. Eu não vou lá com a régua a ver se é dois… À volta de dois, não é?
Juiz: Claro. Por isso é que são os tais vírgula quatro…
Testemunha: E mais. E mais! Em alguns casos até pode ficar com um encurtamento. É de tal maneira a distorção…
Juiz: Sr. Dr., deixe agora os encurtamentos… Nós estamos nos alongamentos Sr. Dr.. Se não… Isto, digamos, que aqui vai ser um manual de ortopedia mas não, mas não tão desenvolvido… Ó Sr. Dr., então, está-me a dizer que os dois centímetros é quando o buraco, passo a expressão…
Testemunha: Há uma prótese ou uma acetabular…
Juiz: Hummm…
Testemunha: Isto é…
Juiz: Ou seja, onde a prótese vai assentar é muito fundo?
Testemunha: Fundo, exatamente.
Juiz: Ah!
Testemunha: É muito fundo…
Juiz: E isso só sabe quando retira a anca, o fémur?
Testemunha: Não. Previamente, perante um Raio-X…
Juiz: Exato…
Testemunha: Já consigo prever que há uma prótese ou um acetabular, isto é, que há um buraco maior… E…
Juiz: Portanto, a única explicação ortopedicamente sustentável para este alongamento de dois virgula quatro seria, então, haver um tal buraco que, que p…
Testemunha: Não só.
Juiz: Então?
Testemunha: Também a estabilidade. Bato sempre nisto.
Juiz: Não é só para… estou a falar da estabilidade…
Testemunha: Ah. Sim, sim, sim.
Juiz: O Sr. Dr. está a dizer assim, é um centímetro…
Testemunha: Sim, sim, sim.
Juiz: Mas só quando… há situações em que é dois centímetros…
Testemunha: Sim, sim.
Juiz: Quando o buraco é muito grande.
Testemunha: Exatamente.
Juiz: Portanto, a única ex.., a única sustentabilidade, em termos ortopédicos, para um…
Testemunha: Sim, sim.
Juiz: Para um alongamento de dois vírgula quatro centímetros, era haver um buraco tal que necessitasse de.. de.. desse.., desse alongamento para a estabilidade da prótese.
Testemunha: Exatamente, exatamente…
Juiz: Sr. Dr., faça favor
Das declarações desta testemunha (que nos merece as reservas que já referimos supra) não resulta que se deva alterar a matéria do ponto 25 no sentido pretendido pela Recorrente.
A recorrente aceita que na última cirurgia foi provocado um alongamento de +- 24 mm do membro operado.
Não aceita que isso tenha sido feito «para compensar o desequilíbrio mecânico proporcionado pela paralisia do nervo ciático».
Ora, esta matéria resulta do conjunto da prova produzida, podendo inferir-se desde logo das declarações do Professor Dr. N… que referiu «mas se a prótese estiver com algum problema de instabilidade é melhor deixar a perna mais comprida porque estabiliza mais a prótese».
Em suma não vemos razões para alterar o ponto 25 da matéria de facto Provada.
Vejamos agora o Ponto 28.
Defende a recorrente que se deve reconhecer que ocorreu comparticipação do SNS no pagamento dos serviços prestados pelos Réus.
Isto é, deve considerar-se que a cirurgia decorreu da prestação de serviços de saúde pelo Estado.
Será que lhe assiste razão?
Entendemos que não.
Desde logo estranha-se que se diga que ocorreu comparticipação do SNS e que não haja documento do SNS a justificar essa comparticipação.
Importa recordar que o SNS abrange todos os cidadãos mas nem sempre que um cidadão vai a uma unidade privada para efectuar certo tratamento se pode afirmar que vai «pelo SNS».
Não há um documento do hospital público a encaminhar a Autora para a Ré.
Mas vejamos se as declarações prestadas em julgamento e indicadas pela Recorrente permitem concluir que foi o SNS quem encaminho a Autora para a Ré e comparticipou nas cirurgias.
Indica a Recorrente o depoimento do Sr. Dr. L….
Ora o depoimento desta testemunha é manifestamente inconsequente não demonstrando ter um conhecimento exacto sobre a situação da Autora.
Mas vejamos tal depoimento.
Advogado: Neste caso concreto, sabe se a senhora, primeiro, pagou as consultas ao Hospital?
Testemunha: Penso que sim.
Advogado: Pensa. Pagou o excesso da cirurgia? Excesso digo eu. Há uma parte que é comparticipada pelo Serviço Nacional de Saúde.
Testemunha: É provável que na altura fosse a doente a pagar uma parte e a outra parte pagava o S…
Advogado: E a outra parte… Sim senhora. Portanto, sabe se a senhora pagou. Nós temos ali os recebidos. Diz a senhora que pagou ao Hospital. Também não se tem nenhuma dúvida sobre isto.
Testemunha: Sim
Das declarações desta testemunha não é possível concluir nem afirmar que a Autora tivesse sido encaminhada do SNS para o hospital da Ré.
O mesmo se diga do depoimento da testemunha K…, que terá recomendado a Autora ao Réu Sr. Dr. C… para a realização das cirurgias.
Não basta afirmar que foi ele quem fez a proposta para a cirurgia ou que tenha indicado a doente. É necessário que o faça pelas vias próprias do SNS.
Um médico que trabalhe num hospital público pode aconselhar um doente a ser operado no privado. Mas isso não significa que o faça à custa e por ordem do SNS.
Testemunha: … Isto a 06/04/2011… 2001, 2001. Nessa altura, fui eu próprio que fiz a proposta cirúrgica.
Juiz: Do Hospital do D….
Por sua vez a testemunha Dr. M…, também tem um depoimento que é inconclusivo, pois que quando questionado directamente sobre a situação da Autora respondeu «Não sei. Não sei».
E só depois de várias insistências e de lhe terem sido mostrados alguns documentos é que a testemunha afirma que é um doente do SNS.
Mas como já se deixou dito todos os cidadãos portugueses são doentes do SNS. Mas só podem ser tratados nas unidades privadas á custa e por conta do SNS se forem enviados oficialmente pelo SNS.
Entendemos que não é possível, perante a prova indicada pela Recorrente, alterar a factualidade dada como provada no Ponto 28
Defende ainda a Recorrente que os Pontos 33 e 55 devem ser alterados para evitar contradições.
Ora como a matéria de facto não sofreu qualquer alteração também estes pontos concretos não devem merecer qualquer alteração.
O mesmo se diga do Ponto 50 que a Recorrente afirma ser matéria conclusiva.
Ao contrário do defendido pela Recorrente entendemos que não se trata de conclusões mas sim de factos e como tal deve manter-se.
Defende por último a Recorrente que há matéria que foi dada como Não Provada e que deve ser considerada provada, matéria essa que é a seguinte:
13 – em ambas as operações, o 1-º réu tenha usado as técnicas mais adequadas;
18 – feita a 1-ª cirurgia, a Autora tenha verificado um alívio sintomático;
25 – a autora estaria mais incapacitada e sofredora se não tivesse sido submetida às operações.
A recorrente invoca o depoimento da testemunha Dr. M….
Quanto a esta testemunha relembramos as reservas que manifestamos supra.
Acresce que ainda que a testemunha afirme que se tratou de opção correcta (aliás quem o afirma é o Sr. Advogado, limitando-se a testemunha a responder «afirmativamente») e que a Testemunha «faria a mesma coisa» não significa que essa seja a «técnica mais adequada».
Podia ser uma opção correcta mas não a mais adequada, que é o que está em causa.
Também do depoimento da testemunha Dr. P…, não resulta que aquela matéria deva ser dada como provada.
Na verdade como afirma a testemunha a técnica usada foi correcta «tendo o único risco de por vezes ser pouco eficaz», ou seja a técnica pode ser correcta mas não ser adequada.
Por isso entendemos que não é possível dar-se como provado que tenham sido usadas as técnicas mais adequadas.
Aliás, podemos mesmo considerar que esta matéria é conclusiva.
Efectivamente, o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 10.01.2015) já entendeu que é conclusivo o quesito no qual se perguntava «o exame foi feito com respeito pelas legis artis do ofício».
No caso a matéria «em ambas as operações, o 1-º réu tenha usado as técnicas mais adequadas» também se mostra conclusiva pois que não que não descreve quais os concretos actos dos quais resultasse que as técnicas fossem as mais adequadas.
De todo o modo esta matéria mereceu, como já se disse resposta negativa não havendo qualquer razão que conduza a que a mesma deva ser considerada provada.
Como também não se pode dar como provado que após a primeira cirurgia a Autora tenha verificado um alívio sintomático.
Quanto a esta matéria a Recorrente invoca os depoimentos da testemunha Dr. K…, da testemunha M….
Porém não estes depoimentos, por si só não confirmam aquela matéria como foram contraditados por outra prova abundante designadamente as declarações de parte da própria autora que descreveu o antes e o depois das operações; os esclarecimentos prestados pelo perito Q…, em que este esclareceu o relatório pericial por si efectuado, junto a fls. 257 a 264, tendo sido inequívoco de que as sequelas sofridas pela autora no seu pé são devidas á paralisia do nervo ciático, o depoimento da testemunha S…, irmão mais novo da autora, que descreveu o estado em que ficou a Autora após cada operação.
Da prova produzida não é possível concluir que após a primeira cirurgia a Autora revelou sintomas de melhoras.
Por isso não pode considerar-se provado que «feita a 1ª cirurgia, a Autora tenha verificado um alívio sintomático».
Como também não é possível dar-se como provado que a Autora estaria mais incapacitada e sofredora se não tivesse sido submetida às operações.
O depoimento da testemunha Dr. M…, não nos convence dessa realidade.
Aliás, nem a testemunha o afirma explicitamente.
Basta ler o depoimento transcrito nas alegações:
Advogado: Em que estado estaria esta doente, hoje, 2015, se não tivesse feito a primeira cirurgia, 2001, e se não tivesse feito a cirurgia de 2004. Ou seja, a patologia que foi estabelecida e que determinou a indicação médica para a endomielectomia em 2001, se não tivesse havido logo aquela intervenção cirúrgica, qual era o estado da própria mobilidade ou morbidez desta patologia se não houvesse um tratamento clínico?
Testemunha: Quer da primeira, quer da segunda? Era dor, rigidez, dificuldade na marcha, dor na anca e rigidez articular.
Advogado: Até, até à impossibilidade de se locomover…
Testemunha: E andar com…. Diga?
Advogado: Quer dizer, até não aguentar as dores, não é?
Testemunha: Pois. É a dor e limitação. E tem que começar a andar com canadianas.
Advogado: Sr. Dr., porque… a dor, pergunto eu, a dor duma patologia destas, duma anca em que a cabeça do fémur já está completamente necrosada e encosta ao acetábulo, é uma dor que impede a pessoa de dormir? Impede a pessoa de…
Testemunha: Isso depende de pessoa para pessoa…
Advogado: É?
Testemunha: Já vi casos de, de, pessoas com praticamente, eh, sem mobilidade, que não têm grandes dores, e outros que uma pessoa vê e tem só um bocadinho de necrose e “ai, ai ai, ai”… Ás vezes, dói mais só a cartilagem do que quando o corpo se adapta a uma rigidez brutal.
Advogado: Mas, no fundo, a questão é, se não há intervenção médica, a patologia vai fazendo o seu caminho e também leva o doente a um, a uma…
Testemunha: Com certeza… Isso é óbvio.
Como facilmente se verifica destas declarações não é possível concluir que a Autora estaria mais incapacitada e sofredora se não tivesse sido submetida às
Por isso, sem necessidade de outras considerações entendemos que também esta matéria não pode ser dada como provada.
Em suma e em conclusão, perante a prova produzida não vemos como seja possível formar uma convicção diversa daquela que formou o tribunal recorrido.
Este tribunal de recurso, após apreciar as provas que constam dos autos está convencido de que não deve alterar a matéria de facto que foi dada como provada em 1ª instância.
Apreciadas (e conjugadas com a demais prova) as provas oferecidas temos por seguro que as mesmas não impõem nem têm a virtualidade de nos levar a ter uma convicção diversa daquela que se deixou expressa na decisão recorrida.
Aliás, os depoimentos das testemunhas indicadas nas alegações de recurso foram devidamente analisados na sentença recorrida.
Tais depoimentos, novamente analisados não permitem responder à matéria de facto nos termos pretendidos pela apelante.
Não vemos razões para alterar a decisão recorrida quanto à factualidade provada.
Não se vislumbram razões para que este tribunal crie uma convicção diversa daquela que foi formada pelo tribunal recorrido.
As provas produzidas não impõem essa decisão.
A prova oferecida não convence de modo claro e inequívoco no sentido apontado pela Recorrente, ao contrário do que esta pretende, não sendo possível responder à matéria de facto nos termos por ela pretendidos.
Importa relembrar ainda que não obstante o Tribunal da Relação poder criar uma nova convicção continuamos a entender que o Juiz da 1ª instância é quem se encontra em melhor posição para avaliar e decidir quanto ao valor a atribuir a determinado depoimento.
Essencial é, também, o modo e a forma como os factos provados se encontram fundamentados, ou seja ao modo como o Sr.ª Juiz motivou as respostas dadas à matéria de facto, ao modo como fundamentou a sua convicção, uma vez que os juízes têm o dever de fundamentar de motivar as suas decisões para que possam ser controladas por aqueles a quem se destinam.
E, neste particular, tal fundamentação é bem expressa e bastante. O Sr. Juiz refere claramente quais as provas em que baseou. Indica, claramente, as declarações prestadas pelas testemunhas, que identifica e analisa, conjugada com a prova documental existente.
Trata-se de uma fundamentação esclarecedora não só sobre as provas que serviram de suporte às respostas dadas mas também à forma e modo como o Sr. Juiz formou a sua convicção.
O Sr. Juiz analisou os diversos depoimentos, designadamente os das testemunhas indicadas na motivação, e não vemos razões para divergir das suas conclusões.
A nossa convicção aponta no mesmo sentido da que ficou expressa na decisão recorrida.
Não se vislumbram, pois, razões para alterar a matéria de facto provada e não provada.
Em resumo, a factualidade provada e não provada não pode ser colocada em crise, pelo que se impõe a improcedência desta questão arguida pela Recorrente.

C) Resta decidir a última questão: Alterada a matéria de facto nos termos pretendidos impõe-se decisão diferente da recorrida?
1- A decisão recorrida decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência:
a) condenou a Interveniente Principal F… Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Autora a quantia de € 186.849,40 (cento e oitenta e seis mil oitocentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos), acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €186.054,40 a contar da presente data em que foi proferida a presente sentença até integral e efectivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de €795 a partir da citação até integral e efectivo pagamento;
b) absolveu a Interveniente Principal F… Companhia de Seguros, S.A. do demais contra si peticionado na presente causa;
c) e em face do decidido em a) considerou prejudicado o pedido relativamente ás rés habilitadas e á ré segurada D….
Esta decisão não se pode manter, desde logo porque a Interveniente F… Companhia de Seguros, S.A., em consequência da procedência do Agravo supra analisado, não pode ser considerada Interveniente Principal mas apenas Acessória.
A ocorrer condenação nunca poderá ser a Interveniente F… Companhia de Seguros, S.A. condenada.

2- Mas será que se impõe a procedência da acção tal como decidiu a decisão recorrida?
Vejamos.
Há ou não responsabilidade civil dos réus?
Importa relembrar os factos provados com interesse para a decisão:
Em meados de 2001, à Autora, foi detectada uma lesão da cabeça femural direita e encaminhada por outro médico, para o 1º Réu, para os serviços de Ortopedia do Hospital da D… com um problema de "necrose asséptica", mais concretamente, sofria de "necrose avascular" da cabeça femural.
A Autora foi encaminhada, por um médico que propunha uma "cirurgia descompressiva da anca".
A Autora efectuou diversas consultas onerosas com o Dr. C…, pagas ao Hospital da 2ª Ré e, no âmbito dessas consultas foi à Autora diagnosticada uma “osteonecrose” numa fase precoce da cabeça femural direita, em consequência do qual, foi sujeita a intervenção cirúrgica em 03.09.2001 executada e orientada pelo Senhor Dr. C… (aqui R.).
Foi utilizada uma técnica denominada Mielectomia, que era pouco usada na altura e que permitiria revascularizar a zona (cabeça femural/necrosada) e adiaria a necessidade de uma "prótese da anca".
Essa operação é referida como uma das técnicas cirúrgicas conservadoras da anca, alternativas á artroplastia total da anca, que deve ser realizada nos primeiros estádios da necrose avascular, desde que a cabeça femural não tenha perdido a sua esfericidade e morfologia, visando a preservação dessa estrutura anatómica e tentar melhorar a sua vascularização.
Durante a aludida técnica cirúrgica de revascularização endomedular referida em, devido ao instrumento de colheita ter lesionado parcialmente o tronco externo do ciático, em consequência da dificuldade de acesso, e como consequência desse acto a Autora sofreu paralisia do ciático à direita.
Na intervenção cirúrgica referida em 13) é atingido o nervo ciático e ocorre uma lesão do tronco externo do referido nervo.
Após três anos como o problema da anca (necrose) da A. não estava solucionado, a Autora foi aconselhada a submeter-se a nova intervenção cirúrgica, para aplicação duma prótese total da anca.
Em 22.03.2004 foi a Autora sujeita a nova intervenção cirúrgica, no mesmo Hospital de prótese total da anca direita, também executada e orientada pelo Senhor Dr. C….
Nesta última cirurgia, o Senhor Dr. C… provoca um alongamento de +- 24 mm do membro operado para compensar o desequilíbrio mecânico proporcionado pela paralisia do nervo ciático, tendo o aludido membro operado ficado com um alongamento de cerca de 24 mm.
A Autora assinou os termos de responsabilidade médicos, para ambas as Operações e o 1º Réu prestou os serviços referidos, tendo chefiado as equipas cirúrgicas em ambas as operações, nas instalações da 2ª Ré, com o conhecimento e consentimento desta, mediante pagamento da Autora.
Os dois actos cirúrgicos referidos são a causa da incapacidade de que a A. padece.
Perante esta factualidade será que é possível imputar a responsabilidade aos réus pela incapacidade da Autora?
Estamos no domínio da responsabilidade médica, da responsabilidade por actos praticados pelo médico, ainda que consentidos pelo doente.
São conhecidas as discussões, quer na doutrina quer na Jurisprudência sobre a questão da responsabilidade médica.
A questão foi também largamente debatida na sentença recorrida, com inúmeras citações doutrinais e jurisprudenciais, para as quais remetemos e que, por isso, nos dispensamos de repetir, por desnecessárias.
Apenas diremos, em resumo, que a responsabilidade médica pode assumir natureza extracontratual, na qual caberá ao lesado provar a culpa do médico, ou natureza contratual na qual a simples verificação do incumprimento faz presumir a culpa do médico (cabendo a este a prova do contrário).
Recentemente o Supremo Tribunal de Justiça apreciou duas situações que nos servem de orientação (pelos seus contornos semelhantes).
Assim, passaremos a seguir de perto os Ac. do STJ de 01.10.2015 e de 28.01.2016, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. cujos sumários transcrevemos:
Ac. do STJ de 01.10.2015:
I - Em acção de responsabilidade civil por acto médico, é insusceptível de servir de base à prova um quesito em que indagava se o exame tinha sido efectuado com respeito pelas leges artis, posto que não se identificam os concretos procedimentos e regras que teriam sido observados e dado que a resposta positiva ao mesmo implicaria o julgamento de uma questão de direito, sendo, por isso, acertada que se tenha por não escrita a resposta negativa que a ele foi dada, tanto mais que esta não implica que se tenha por demonstrada a inobservância dessas regras e procedimentos
II - Pese embora se venha apontando a necessidade de, no domínio da responsabilidade civil por acto médico, se ultrapassar a distinção entre a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil extracontratual e as inerentes diferenças de regime, a circunstância de vir provado que, entre as partes, foi firmado um contrato destinado à realização de um exame médico – i.e. um contrato de prestação de serviços médicos – sem finalidade curativa, simplifica a discussão sobre a qualificação jurídica da responsabilidade do réu e, no mesmo passo, inutiliza a caracterização da obrigação assumida por este perante a autora como obrigação de meios ou de resultado, pois aquele aceitou e executou a obrigação de realizar a colonoscopia e dar a conhecer o respectivo resultado.
III - Perante a obrigação concretamente assumida pelo réu, a apreciação da licitude da sua conduta não se pode reconduzir à indagação sobre a observância das leges artis e a utilização do melhor saber – como sucederia se estivéssemos, v.g. em face da realização de uma intervenção cirúrgica/execução de um tratamento com finalidades curativas –, o que, todavia, não implica que se desconsidere o enquadramento contratual da actuação daquele.
IV - Tendo a perfuração do intestino da autora ocorrido no decurso da execução do contrato referido em II e em execução deste, não estando essa intromissão na integridade física abarcada pelo consentimento por ela prestado para a realização do exame e não sendo essa lesão exigida pelo cumprimento daquele ajuste, é de considerar que estamos em face de um facto ilícito, sendo que a ligação intrínseca entre essa lesão e o acordo significa que o regime da responsabilidade contratual é o aplicável às consequências da mesma, pois é dificilmente concebível que a protecção da integridade física do paciente não integre o âmbito de protecção de um contrato de prestação de serviços médicos.
V - Demonstrando-se que os métodos empregues na realização de uma colonoscopia podem, raramente, ocasionar a lesão referida em IV, o profissional que a executa há-de adoptar os procedimentos próprios de tal exame que a visam evitar, o que constitui um dever imposto pela regra de que, no cumprimento dos contractos, cada contraente deve ter na devida conta os interesses da contraparte (n.º 2 do art. 762.º do CC) sob pena de incorrer em responsabilidade contratual. Trata-se de um dever com uma função auxiliar em relação à realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa da outra parte contra os riscos de danos resultantes da sua ligação ao contrato e, pese embora, seja controversa a opção pelo regime das modalidades de responsabilidade civil, é desadequado analisar o dever do médico à luz do dever geral de cuidado da área delitual.
VI - Face à ligação intrínseca mencionada em IV, é de aplicar o regime da responsabilidade civil contratual, pelo que cabia ao réu demonstrar os procedimentos que empregou e a sua adequação, bem como a actuação que levou a cabo para evitar a ocorrência da perfuração (n.º 1 do art. 344.º e n.º 2 do art. 799.º, ambos do CC); não o tendo feito, prevalece, em caso de dúvida, a presunção de culpa.
VII - O exposto em VI não corresponde a um desrespeito das regras de repartição do ónus da prova nem consubstancia uma execução dinâmica dessa repartição – sendo certo que a lei portuguesa reserva para si própria essa tarefa, só admitindo a modificação nos termos previstos no n.º 2 do art. 344.º do CC –, representando, ao invés, a aplicação de um bloco normativo definido para a responsabilidade contratual que é materialmente fundado na manifesta maior dificuldade de a autora provar que a perfuração ocorreu apesar de o réu ter usado da diligência devida e adoptado todos os procedimentos, por comparação com a dificuldade que recairá sobre o réu.
VIII - Verificando-se a existência de causalidade adequada entre a perfuração e os danos não patrimoniais invocados pela autora – e sendo orientação do STJ que estes são ressarcíveis no domínio da responsabilidade civil contratual – e revestindo estes a gravidade suficiente a que alude o n.º 2 do art. 496.º do CC, impõe-se que os autos baixem à Relação para que seja fixada a indemnização devida, pois resulta da conjugação dos arts. 665.º e 679.º (ambos do NCPC (2013) que a este Tribunal é vedado tomar conhecimento de questões que a 2.ª Instância não conheceu porque teve por prejudicadas.
Ac. STJ de 28.01.2016:
I. Numa prestação de serviços médicos por hospital privado, com escolha de médico-cirurgião pela autora, existe um vínculo obrigacional tanto entre o hospital e a autora como entre o médico e a autora.
II. Ocorrendo, durante uma cirurgia ortopédica com anestesia por epidural, uma lesão medular de que resultou paralisia em membro inferior e outras sequelas, ocorre uma situação de cumprimento defeituoso das obrigações contratuais, e, simultaneamente, a violação de um direito absoluto, a integridade física da autora. Verifica-se concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, aplicando-se o regime daquela por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado.
III. O juízo de causalidade é tanto um juízo de facto como de direito. Não cabe a este Supremo Tribunal sindicar o juízo de facto feito pela Relação, mas apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade.
IV. Relativamente à responsabilidade civil do hospital, os pressupostos aferem-se a partir da conduta dos auxiliares de cumprimento, dependentes ou independentes, da obrigação de prestação de serviços médicos, que são todos os agentes envolvidos (cirurgião, anestesista, enfermeiros e outros). A conduta dos auxiliares imputa-se ao devedor hospital “como se tais actos tivessem sido praticados pelo próprio devedor” (art. 800º, nº 1, do CC).
V. Quanto à responsabilidade civil do médico-cirurgião, os pressupostos aferem-se pela sua conduta pessoal, assim como pela conduta daqueles que sejam auxiliares de cumprimento, dependentes ou independentes, da sua prestação, i.e. enfermeiros e outro pessoal auxiliar da equipa cirúrgica, por aplicação do art. 800º, nº 1, do CC.
VI. É do conhecimento geral que, do ponto de vista científico e técnico, o médico anestesista não está subordinado ao cirurgião. Contudo, não seria de excluir, em absoluto, a possibilidade de responsabilizar o cirurgião pela conduta da anestesista se se apurasse que esta última era, em concreto, uma auxiliar, ainda que independente, de cumprimento das obrigações de que aquele é devedor. Não tendo tal prova sido feita, o médico-cirurgião não é responsável pela conduta da anestesista.
VII. Provando-se que a violação da integridade física ocorreu durante e por causa da execução do contrato é de convocar a doutrina dos deveres acessórios de protecção que têm “uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes”, resultantes da sua “conexão com o contrato”.
VIII. Provada a ilicitude pelo desrespeito do dever de protecção da integridade física da autora, ocorrida durante a execução do contrato, deve aplicar-se o regime globalmente definido para a responsabilidade contratual e, nos termos do art. 799º, nº 1, do CC, presume-se a culpa do devedor.

3- Descendo ao caso em apreço.
Dúvidas não restam de que a Autora celebrou com a Ré D… um contrato de prestação de serviços médicos.
A Autora utilizou os serviços da Ré, executados pelo Réu Dr. C…, mediante o pagamento de um preço, tendo os serviços (operações) sido prestados (executados) pelo Réu Dr. C… nas instalações da Ré (D…).
A Autora foi submetida a duas operações de ortopedia e o resultado que se pretendia obter (melhorar a situação da Autora) não foi alcançado pois que se provou que a Autora ficou muito pior do que estava.
A responsabilidade civil – contratual – decorrente do incumprimento deste contrato de prestação de serviços (art. 1154 do CC) é manifesta.
Mas, afigura-se-nos que, também se pode chamar à colação a responsabilidade extracontratual pois que foi violado o direito à integridade física da Autora (não só a lesão do nervo ciático, mas também o alongamento da perna).
No caso presente estamos perante uma situação de concurso entre responsabilidade civil contratual e extracontratual, sendo que como se refere no Ac. STJ de 28.01.2016 «A orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal (acórdãos de 1 de Outubro de 2015, proc. nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, de 2 de Junho de 2015, proc. 1263/06.3TVPRT.P1.S1, de 11 de Junho de 2013, proc. nº 544/10.6TBSTS.P1.S1, de 15 de Dezembro de 2011, proc. nº 209/06.3TVPRT.P1.S1, de 15 de Setembro de 2011, proc. nº 674/2001.P1.S1, de 17 de Dezembro de 2009, proc. 544/09.9YFLSB, todos em www.dgsi.pt) é no sentido da opção pelo regime da responsabilidade contratual por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado».

4- Importa apenas apurar se se mostram preenchidos os requisitos gerais da responsabilidade civil: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Nos termos do artigo 483º, nº 1 do Código Civil (de cujo diploma passarão a ser os demais normativos que se vierem a citar sem referência à origem), «aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».
Dispõe o art. 487º, nº 1 que «é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa».
Para a responsabilidade contratual devemos ponderar o disposto no artigo 799 n.º 1, nos termos do qual «Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua»
Atento o disposto nos artigos 487º, n.º 2 e 799, n.º 2 a culpa é apreciada em abstracto.
O primeiro dispositivo atrás citado, onde se consagra a teoria tradicional fixa, como pressupostos da obrigação de indemnizar, o facto, a ilicitude, o nexo de imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre este e o facto, cfr. A. Varela "Das Obrigações em Geral", Vol. I, pág. 404.
E a lei geral, consagrada no art. 483º, nº 1 do Cód. Civil, estabelece como pressuposto fundamental da responsabilidade civil por factos ilícitos a existência de culpa, seja na modalidade de dolo ou de mera culpa (cfr., neste sentido, entre muitos, os Acs. do STJ de 12/11/96, BMJ, 461, 411, da RL de 31/10/96, CJ, XXI, 4º, pág. 149, e de 17/12/98, CJ, XXIII, 5º, pág. 127, e da RP de 02/12/98, CJ, XXIII, 5º, pág. 207, e de 18/05/2000, CJ, XXV, 3º, pág. 185, e da RC de 26/09/2000, CJ, XXV, 4º, pág. 14).
A responsabilidade objectiva ou pelo risco só existe em casos especificados na lei.
No caso concreto encontra-se em discussão saber se o Réu C… agiu com culpa.
A culpa na definição dada pelo Prof. Galvão Telles, in "Manual de Direito das Obrigações", pág. 196, é a imputação psicológica de um resultado ilícito a uma pessoa. Se se produz um evento contrário à lei e esse evento é psíquico ou moralmente imputável a certo indivíduo diz-se que este agiu com culpa.
Para se apurar se um determinado pessoa, num determinado e concreto momento, agiu com culpa é necessário averiguar se, face às circunstâncias especiais do caso, aquela pessoa, deveria ter agido doutro modo, ou seja se é possível formular um juízo de responsabilidade por o agente ter actuado ou deixado de actuar contra o dever que se lhe imputa, tudo de acordo com as normas jurídicas, tomadas na sua função imperativa, estatuidoras de deveres, ainda que gerais (Prof. Antunes Varela, ob. Cit., págs. 484 e 485; Prof. Pessoa Jorge, ob. Cit., pág. 315).
Age com culpa quem, pelas suas capacidades e atentas as circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.
E este critério de avaliação da culpa terá de ser suportado num juízo de prognose póstuma, de acordo com o qual, ponderado o condicionalismo do caso concreto, tenha de concluir-se segundo as regras de experiência comum que o cidadão médio, agindo em condições e pressupostos análogos aos que se verificaram e levaram à actuação daquele concreto condutor, teriam previsto a realização típica do evento e consequentemente teriam agido de modo diferente.
Assim, podemos afirmar que «Culposo é o acto que se afasta da conduta normal com o qual cada um tem direito de contar” (Le Fourneaux, “La Responsabilité Civile”, pág. 11).
«A culpa define-se como o nexo de imputação ético jurídico que liga o facto ilícito à vontade do agente - o lesante, em face das circunstâncias especiais do caso, devia e podia ter agido de outro modo - e deve ser apreciada segundo “a diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de dado caso” - art.487º, nº2, do Código Civil - o que significa que se atende, em abstracto, à diligência exigível a um homem normal, colocado no condicionalismo da caso concreto - Antunes Varela “in” Das Obrigações em Geral, I, 9ª edição, páginas 586º e seguintes.
Como observa o Prof. Menezes Cordeiro (Obrigações, 1º vol. Pág. 308 citado pelo Prof. Menezes Leitão, no seu Direito das Obrigações, Vol. I, Pág. 313-314, «a culpa pode assim ser definida como o juízo de censura ao agente por ter adoptado a conduta que adoptou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adoptar conduta diferente.
Deve, por isso, ser entendida em sentido normativo, como a omissão de diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe. Nestes termos, o juízo de culpa representa um desvalor atribuído pela ordem jurídica ao facto voluntário do agente, que é visto como axiologicamente reprovável».
Será que o Réu C… agiu com culpa?
Vejamos
A Autora, a quem tinha sido diagnosticada uma «osteonecrose, numa fase precoce, da cabeça femural direita» submeteu-se à primeira cirurgia para evitar a necessidade de uma «prótese da anca».
Durante essa operação foi lesionado parcialmente o tronco externo do ciático, o que causou danos à Autora.
Esta lesão corresponde claramente a uma violação do direito à integridade física da Autora.
E tal como no caso analisado no Ac. do STJ de 28.01.2016, que acompanhamos, a obrigação principal dos Réus – a revascularização endomedular da cabeça femural e a preservação da anca – «era acompanhada do dever de não afectar qualquer outro bem da Autora», pelo que a lesão do ciático causada pela operação constitui o desrespeito de um dever, havendo por isso, ilicitude.
Os Réus apenas não serão responsabilizados se o Réu C… não tiver agido com culpa.
Estamos perante uma cirurgia, sabendo-se que toda e qualquer operação comporta riscos, não obstante o espectacular desenvolvimento a que temos assistido no campo das técnicas médico-cirúrgicas.
Mas a verdade é que o médico não é um super-homem. É humano com todas as fraquezas inerentes ao ser humano.
O médico só agirá com culpa se violar os deveres objectivos de cuidado, agindo de uma forma que a sua conduta possa ser pessoalmente censurada e reprovada.
No caso concreto desconhecemos, pois não estão provados factos que nos possam dizer se as boas regras foram quebradas ou não, se o Réu C… violou ou não os seus deveres.
Não podemos aceitar o que se escreveu na decisão recorrida.
Nesta consta «Desde logo, o nervo ciático não se situava no campo operatório (que era a cabeça do fémur), o referido nervo tem uma dimensão considerável (tem grosso modo a grossura de um dedo de um adulto) e a dificuldade de acesso á zona de colheita do osso exigia cautelas redobradas, mormente para não lesionar o aludido nervo, porventura a procura de uma zona de colheita óssea mais favorável e mais acessível.
Tanto assim que o aludido nervo podia ser localizado pelo toque dos dedos da mão, estando-se a intervir nas suas proximidades, como geralmente é feito nas ATA, onde claramente se actua com o aludido nervo no horizonte das preocupações do ortopedista, (cfr.os depoimentos claros e inequívocos do Professor Doutor N… e do Dr. K…).
O que nos leva a concluir que o procedimento que foi efectivamente levado a cabo na colheita do osso a implantar na cabeça do fémur, não tendo o 1º Réu valorado devidamente a dificuldade de acesso insistindo temerariamente na utilização do instrumento de colheita com a consequente lesão parcial, com tal instrumento, do tronco externo do ciático, não se afigura ter sido o procedimento médico correcto, tal como deveria ser realizado (em conformidade com as leges artis apuradas).
Com efeito, havendo dificuldade de acesso, o recomendado seria mudar o ponto de introdução do instrumento de colheita, certificando-se previamente da localização do nervo ciático, porventura o nervo mais nobre dos membros inferiores.
Com efeito, existem recomendações para o caso de frustração na entrada à primeira tentativa, admitindo-se que se tente, com o uso da mesma técnica, apenas uma vez mais, mas desaconselhando-se que se insista mais do uma vez, dados os riscos acrescidos que cada tentativa envolve. Ou seja, se depois de duas tentativas não se tiver logrado aceder á área de colheita, o procedimento médico correcto terá que passar pela adopção de outra técnica.
O que não deve acontecer é a insistência no uso da mesma técnica, sem que a dificuldade de acesso á área pretendida tenha desaparecido, potenciando de forma exponencial o risco de lesão de zonas não previstas, designadamente o nervo ciático.
Afigura-se, assim, por ter a aludida cirurgia sido realizada sem os cuidados que podiam e deviam ser tidos quanto á utilização do instrumento de colheita do osso, acto a imputar ao 1º réu, a autora sofreu lesão grave no nervo tronco externo do ciático, com desnervação total dos músculos por ele inervados, que não mostram sinais de reinervação (pelo que não consegue subir nem descer escadas sem ser amparado nem consegue levantar a perna direita e controlá-la, necessitando de usar e recorrer sempre a duas canadianas), sofre frequente e continuamente fortes dores no membro inferior direito, ficou com acentuada atrofia dos músculos desse membro, (com o correspondente dano estético, visível a olho nu)».
A factualidade provada não permite afirmar que o réu C… tenha insistido por diversas vezes na mesma técnica, ou que tenha havido frustração de entrada à primeira tentativa ou á segunda e que tenha insistido temerariamente.
Tudo o que se escreveu na decisão recorrida e que se transcreveu supra, para poder ser utilizado para demonstrar a culpa de médico, deveria estar nos factos provados e não está.
Apenas os factos provados podem fundamentar uma decisão sobre a culpa do agente.
No caso concreto não está demonstrada a culpa efectiva dos Réus, pois que os factos provados não permitem formular tal juízo de culpabilidade.
Mas existe culpa presumida.
Tal como no caso submetido à apreciação do Supremo no Ac. de 28.01.2016 «Não vem provado, nem que esses procedimentos foram (ou não) respeitados, nem que tenha ocorrido qualquer facto que, apesar de o réu ter actuado em conformidade com as boas práticas e com toda a diligência e cuidado, possa justifica a lesão, designadamente força maior, facto do lesado ou qualquer outro facto explicativo».
Mas, prossegue aquele arresto, «na dúvida, uma vez provada a ilicitude pelo desrespeito do dever de protecção da integridade física da A, durante a execução do contrato, deve aplicar-se o regime globalmente definido para a responsabilidade contratual e, nos termos do art. 799º, nº 1, do CC, a culpa do R. BB Hospital presume-se. Presunção que vale tanto para obrigações de resultado como para obrigações de meios, conforme tem sido decidido por este Tribunal a respeito de responsabilidade civil por actos médicos (acórdãos de 12 de Março de 2015, proc. nº 1212/08.4TBBCL.G2.S1, de 1 de Julho de 2012, proc. nº 398/1999.E1.S1, de 30 de Junho de 2011, proc. nº 3252/05TVLSB.L1.S1, de 15 de Dezembro de 2011, proc. nº 209/06.3TVPRT.S1.S1, de 27 de Novembro de 2007, proc. nº 3426/07, e de 17 de Dezembro de 2002, proc. nº 4057/02, todos em www.dgsi.pt). Cfr. Henriques Gaspar, “A responsabilidade civil do médico”, in CJ, 1978, T.I, págs. 344 e seg., e Álvaro Gomes Rodrigues, “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos”, in Direito e Justiça, 2000, T.3, pág. 209)».
Verifica-se assim a existência do facto ilícito, da culpa (ainda que presumida) do dano (cuja quantificação abordaremos posteriormente) sendo, em nossa opinião manifesto o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Foram as cirurgias efectuadas pelo réu C… a causa das lesões sofridas pela Autora.
Os danos podem e devem ser imputados aos réus.
Em suma, mostram-se preenchidos todos requisitos gerais da responsabilidade civil, devendo ambos os Réus ser responsabilizados pelos danos causados à Autora.

5- Definido que os réus se encontram obrigados a indemnizar a autora, importa determinar o montante da indemnização.
E, neste particular a recorrente defende que, relativamente aos danos patrimoniais, deve o valor arbitrado ser reduzido de € 86 054,40 para € 60 000, e relativamente aos danos não patrimoniais o valor fixado de € 100 000 é despropositado e manifestamente excessivo, devendo fixar-se a tal propósito em € 40 000.
Vejamos
Dispõe ainda o artigo 562 que “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Estabelece-se, assim, como regra o princípio da restauração natural ou reconstituição específica.
E o n.º 1 do artigo 566 prescreve que, «a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor».
Esta «indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos», n.º 2 do citado preceito. E «se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados», n.º 3 do mesmo normativo.
O quantum indemnizatório é estabelecido de harmonia com a chamada teoria da diferença – a indemnização em dinheiro traduziria a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ocorreria nessa data se não existissem danos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 564 «o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que «na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
A autora provou que executava todas as tarefas da casa, como cozinhar, lavar, brunir e limpar e ainda prestava serviço como empregada doméstica, auferindo € 2,49 à hora, trabalhando por mês oitenta horas.
A Autora sofreu paralisia do ciático à direita, passando a ter dores intensas.
Após três anos como o problema da anca (necrose) da A. não estava solucionado, a Autora foi aconselhada a submeter-se a nova intervenção cirúrgica, para aplicação duma prótese total da anca.
Foi efectuada prótese total da anca direita e nesta última cirurgia, o Senhor Dr. C… provoca um alongamento de +- 24 mm do membro.
A Autora em 2004 tinha 48 anos.
Actualmente, pelo menos, desde Julho de 2010 apresenta uma dismetria positiva de 1,5 cms do MID e tem uma prótese total da anca direita sem aparentes reacções e o pé direito ficou pendente, que a A. não consegue levantar.
A Autora ficou com grande dificuldade em deslocar-se de um local para o outro, carecendo sempre de ajuda de duas canadianas, apresentando marcha claudicante, com recurso a canadianas, ficou incapacitada para o trabalho, nada conseguindo executar, não consegue cozinhar, brunir, lavar ou fazer as camas, não consegue sair de casa sozinha, não consegue calçar-se sozinha, a vida de casa passou a ser efectuada pelo marido e filho, nunca mais trabalhou, nem pode, deixou de fazer as camas e arrumar a casa, viu-se obrigada a não ter mais animais em casa, sente-se uma inválida, sofre por não poder caminhar, nem deslocar-se sozinha, sofre por saber que será uma inválida para o resto da vida, era uma mulher cheia de vida e força e demonstrava alegria em viver.
Em consultas médicas pagou a Autora ao Hospital € 545,00, em fisioterapia despendeu € 250,00.
Nenhuma dúvida resta de que nos encontramos perante danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Autora e que são indemnizáveis.
Relativamente aos danos patrimoniais a Autora, em consequência das operações, ficou a padecer de incapacidade permanente para o trabalho, sendo certo que era forte e saudável, não padecendo de qualquer deformidade.
Estamos apenas perante um dano patrimonial uma vez que não houve diminuição da capacidade de ganho.
A autora deixou de poder prestar o serviço como empregada doméstica, no qual auferia € 2,49 à hora, trabalhando por mês oitenta horas.
Estamos face a um dano claramente indemnizável, como bem decidiu a decisão recorrida e que a Recorrente também admite ser indemnizável.
A divergência surge quanto ao concreto montante indemnizatório.
Como calcular esse montante?
Pensamos ser entendimento pacífico que na fixação do montante indemnizatório pela perda da capacidade de ganho resultante da Incapacidade, se deve ter em consideração, para além do grau de incapacidade, o salário do lesado, o tempo provável de vida activa do lesado, a sua idade bem como as suas despesas pessoais e no caso concreto o esforço suplementar que lhe vai ser exigido, com as inerentes dores, contrariedades e pior qualidade de vida.
A Autora viu os seus rendimentos diminuídos em função e na proporção daquela incapacidade pelo que a indemnização a atribuir deve representar um capital produtor de rendimentos que consiga cobrir a diferença entre a situação anterior e a actual, sendo certo que o mesmo deve estar esgotado no final da vida activa da lesada por forma a evitar-se um injusto enriquecimento da lesada à custa do lesante.
Nesta hipótese, para alcançar aquela justa indemnização o tribunal não deve estar limitado pelo uso de fórmulas matemáticas, sendo certo que existem várias fórmulas, igualmente válidas para a determinação do justo montante.
As fórmulas matemáticas devem servir essencialmente como instrumento de trabalho e não como critérios de determinação rígidos, pois teremos sempre de nos socorrer das regras da equidade.
Pensamos ser entendimento pacífico que se na fixação deste montante indemnizatório, para alcançar esta justa indemnização o tribunal não deve estar limitado pelo uso de fórmulas matemáticas, também não pode nem deve estar limitado por quaisquer tabelas.
As fórmulas matemáticas e as tabelas devem servir essencialmente como instrumento de trabalho e não como critérios de determinação rígidos, pois teremos sempre de nos socorrer das regras da equidade.
No caso concreto a autora ficou incapacitada para o trabalho sendo certo que auferia por mês 199,20 euros.
Ponderando que a Autora tinha, em 2004, 48 anos, tendo portanto ainda vários e longos anos de actividade pela frente, anos estes de trabalho que serão de maior penosidade numa fase da vida em que a capacidade física já é menor.
Atendendo a que as dores a vão acompanhar durante toda a vida, o que se reflecte num esforço acrescido.
Ponderando ainda que o autor era saudável, e que certamente esta diminuição de capacidades também se reflecte na sua vida diária, entendemos que a quantia de € 86.054,40 para a indemnização dos danos patrimoniais futuros/dano biológico sofridos pela autora alcançada pela decisão recorrida se mostra muito mais equilibrada e justa do que o montante de 60.000 Euros defendido pela Recorrente.
Lembre-se que a taxa de juro bancário se encontra a níveis muito baixos (e não se perspectiva a sua subida), sendo difícil encontrar taxas de juro superior a 1,5% para os depósitos a prazo.
Ponderando toda a factualidade temos como inteiramente justa a indemnização de € 86.054,40 tal como foi decidido.
Desta forma entendemos que a indemnização, pelos danos futuros, decorrentes da incapacidade da Autora deve ser fixada no valor de 86.054,40 Euros e não em 60.000 € como pretende a Recorrente.
Ainda relativamente aos danos patrimoniais são indemnizáveis as despesas suportadas com gastos em consultas médicas e em fisioterapia, no montante de € 795 (que não estavam em causa).
Resta determinar o montante a atribuir pelos danos não patrimoniais (danos morais) sofridos pela Autora.
Relativamente aos danos morais afirma Vaz Serra, B.M.J., n.º 83 "a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido de um equivalente do dano, isto é, um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata--se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo ofensa moral, não é susceptível de equivalente".
É sempre difícil arbitrar uma indemnização nestes casos; é impossível traduzir em termos pecuniários o dano causado pelo acidente na pessoa da Autora.
Não sendo estes prejuízos avaliáveis em dinheiro, a atribuição de uma soma pecuniária correspondente legitima-se, não pela ideia de indemnização ou reconstituição, mas pela de compensação (Mota Pinto, in ob. já cit.).
Conforme ensinam Pires de Lima e Antunes Varela in "Código Civil Anotado", vol. I, 1982, 3ª ed., pág. 474, "o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.". E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso, da criteriosa ponderação.
Posto isto, vemos como é delicada a atribuição de um valor para satisfação dos danos morais. Teremos de nos socorrer dos valores usados pela Jurisprudência.
A Recorrente defende como quantia adequada a compensar tais danos o montante de 40.000 Euros sendo certo que na decisão recorrida tais danos foram valorados em 100.000 Euros.
Reconhecendo a dificuldade na determinação do montante justo para indemnizar os danos não patrimoniais dos lesados, tendo em consideração os danos sofridos e os critérios legais indicados, entendemos ser justo e equitativo o montante indemnizatórios referenciado pela Recorrente ou seja a quantia de 40.000 Euros a título de danos morais sofridos pelo Autora.
Em suma e em conclusão, impõe-se a procedência, ainda que parcial, desta questão e consequentemente do recurso, devendo os Réus C…, agora as rés habilitadas H…, I… e J…, e D… ser condenados a pagarem à Autora a quantia de € 126.849,40 acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de € 126.054,40 a contar da presente data e até integral e efectivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de € 795 a partir da citação até integral e efectivo pagamento.

6- Uma última questão se impõe decidir.
Entende, a recorrente que deve alterar-se o valor da acção para € 225 795, fixando-se a responsabilidade da recorrente na medida do decaimento que venha a ocorrer e que caso assim não se entenda, impõe-se alterar a responsabilidade pelas custas do processo na proporção do decaimento da recorrente.
Na decisão recorrida e bem, diga-se desde já, foi fixado à acção o valor de € 325.745.
Dispõe o artigo 299 n.º 1 do CPC que «na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal».
Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito que «o valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 530.º» e nos termos do n.º 3 «o aumento referido no número anterior só produz efeitos quanto aos actos e termos posteriores à reconvenção ou intervenção».
Ora tendo o réu C… deduzido reconvenção torna-se evidente que o valor do pedido reconvencional se deve somar ao valor do pedido formulado na acção.
Por isso, nada há que alterar quanto ao valor que foi fixado - € 325.745.
No que concerne à responsabilidade da Recorrente já a questão merece tratamento diverso.
Na verdade, como se referiu supra (lembre-se a procedência do recurso de agravo), quem terá de ser condenado na presente acção não é a Interveniente Seguradora, uma vez que é apenas interveniente acessória mas sim as Rés Habilitadas e a Ré D….
Quanto a custas se a sentença não merece censura na parte em que refere «Custas da reconvenção que a fls. 179 foi indeferida e julgada inadmissível, a cargo dos Réus habilitados reconvintes « já na parte em que afirma «Custas da acção, a cargo da Autora e da Seguradora Interveniente Principal, na proporção do respectivo decaimento de 17,25% e de 82,75%» a mesma não poderá subsistir uma vez que a ora Recorrente não é parte condenada.
A condenação recai sobre Rés Habilitadas e a Ré D… pelo que estas deverão ser condenadas nas custas «na proporção do respectivo decaimento».
A percentagem a fixar é evidentemente uma questão aritmética, sendo que em função do agora decidido a percentagem é necessariamente diversa daquela que foi fixada na decisão recorrida.
Impõe-se também a procedência desta questão.

7- Vejamos agora as alegações da recorrida
Apesar do decidido supra (a acção procede) vejamos sumariamente as conclusões da Recorrida.
Na conclusão D) a Recorrida afirma que «As conclusões de A) a C) são efectuadas a título subsidiário e nos termos do artº 636º do C.P.C.».
Tais conclusões são as seguintes:
A) Nos autos em apreço ocorre inversão do ónus da prova. – vide art.º 334º do C.C. - dada a total ausência de documentação clínica.
B) Inexiste o consentimento do paciente – que é um dos requisitos da licitude da actividade médica (art.º 5º da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomédica CEDHBioMed. e 3º nº 2 da Carta dos direitos Fundamentais da União Europeia).
C) Logo, a actuação médica será ilícita por violação do direito de auto determinação e correm por sua conta todos os danos derivados da intervenção não autorizada.
Dispõe o artigo 636.º do CPC, relativo à Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, que:
1- No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2- Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3- Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.
Quanto à conclusão A) nada se nos impõe referir pois que não só atenta a presente decisão como também em face da decisão recorrida que é bem clara ao afirmar que a responsabilidade civil médica, admite ambas as formas de responsabilidade, (contratual e extracontratual) pois o mesmo facto poderá, ao mesmo tempo, representar a violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual.
Ou seja, uma única acção, a que corresponde no plano material um único direito, (o ressarcimento do dano) pode ser fundamentada em diversas normas.
O mesmo facto poderá, ao mesmo tempo, representar a violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual.
Foi isso que se decidiu, pelo que nada há a acrescentar.
Quanto à conclusão B) e C) apenas se impõe referir que a Autora não estruturou a acção tendo como causa de pedir a «violação do dever de informação».
Aliás a sentença recorrida apesar de ter longamente dissertado sobre a questão, citando e aderindo inclusive à decisão de 4 de Abril de 2000 do Supremo Tribunal de Espanha, afirma claramente que «in casu, a A não alicerça a responsabilidade civil na violação do dever de informação enquanto pressuposto fundamental do consentimento informado, mas sim em erro na realização de actos médico-cirúrgicos (por parte do cirurgião responsável aqui 1º R.».
E conclui «in casu, ao não terem os Réus e a Interveniente Seguradora logrado provar, como lhes incumbia, o cumprimento do dever do 1º Réu de informar a autora dos riscos das intervenções cirúrgicas a que foi submetida (recorde-se que não resultou provado que a Autora tenha sido tratada com pleno conhecimento dos riscos que corria e que tenha sido explicado pelo 1º Réu à Autora, os riscos associados à sua particular situação, antes de cada uma das operações), verifica-se a ilicitude da intervenção médica a que a autora foi sujeita, pois o cumprimento do dever de informação é o pressuposto fundamental do consentimento informado do doente e o consentimento informado do paciente é condição de licitude da intervenção médica.
Sendo certo que porém, in casu, a Autora não formulou qualquer pedido de indemnização relativo á violação do dever de informação».
Ou seja, a Autora não só não estruturou a acção com base na violação do dever de informação como não formulou qualquer pedido de indemnização pela violação deste dever.
Nenhuma questão se impõe, assim, decidir.

IV - Decisão

Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em:
1. Julgar procedente o recurso de Agravo e, em consequência, revoga-se a decisão de fls. 102 e 103, devendo, nos termos dos artigos 330º e 331º do C. P. Civil, a F… Companhia de Seguros, S.A ser admitida como parte acessória.
2. Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição decide-se:
a) Julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada pelo que:
b) Condena-se as Rés Habilitadas H…, I… e J…, e D… a pagarem à Autora a quantia de € 126.849,40 acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de € 126.054,40 a contar da presente data e até integral e efectivo pagamento e acrescida de juros legais de mora sobre a quantia de € 795 a partir da citação até integral e efectivo pagamento.
c) Custas da reconvenção pelas Rés habilitadas H…, I… e J…;
d) Custas da acção em ambas as Instâncias pela Autora e pelas rés habilitadas H…, I… e J…, e D…, na proporção do decaimento.
e) Custas do Agravo e da Apelação pela Autora

Porto, 2016/05/30
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
António Eleutério