Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
227/12.2YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: SENTENÇA ARBITRAL
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20121203227/12.2YRPRT
Data do Acordão: 12/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 23º E 27º DA L. 31/86, DE 29/08
Sumário: I - A sentença arbitral, sob pena de anulabilidade carece de fundamentação de facto ainda que sumária que evidencie de molde concretizado a ponderação dos meios probatórios e o modo como, com base neles o julgador formou a sua convicção.
II - E, também à semelhança do prescrito no artº 659º do Código de Processo Civil, o artº 23º e 27º da L. 31/86, de 29/08 impõe que seja feito um juízo apreciativo, motivado e justificado, quer dos factos quer do direito que, em termos interpretativos vai aplicar àqueles.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 227/12.2YRPRT (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Arbitral (CIMPAS)
Apelante: B…, S.A.
Apelado: C…, Ld.ª

Sumário:
I. A regulação da Lei n.º 31/86, de 29/08 (LAV) relativa à fundamentação de facto da sentença arbitral, prevista nos seus artigos 27.º, n.º 1, alínea d) e artigo 23.º, n.º 3, evidencia que o julgador impõe, sob pena de anulação da sentença, que na mesma seja feito um juízo apreciativo, motivado e justificado, quer dos factos provados, quer do direito que, em termos interpretativos, vai aplicar aos mesmos, em tudo semelhante à prescrição constante dos n.ºs 1 e 3 do artigo 659.º do CPC.
II. Em relação à fundamentação de facto, esse juízo não pode prescindir de uma justificação sumária, mas concretizada, não meramente genérica, enunciativa ou referencial, da ponderação dos meios probatórios e do modo como o julgador, com base neles, formou a convicção e que determinou considerar determinados factos como provados e outros como não provados.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
B…, Companhia de Seguros, S.A., não se conformando com a sentença arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral, Delegação Norte, do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (que passaremos a designar abreviadamente por CIMPAS), no âmbito da Arbitragem A-2011-769 TP, para resolução de um litígio emergente de sinistro automóvel, em que é reclamante C…, Ld.ª e reclamada a ora recorrente, interpôs recurso da mesma, apresentando as conclusões das alegações que abaixo se transcrevem.
A sentença recorrida foi proferida em audiência de julgamento arbitral, na sequência da apresentação do formulário de reclamação apresentado, em 10/03/2011, por C…, Ld.ª, dirigido ao CIMPAS, visando a assunção por parte da referida companhia de seguros do pagamento de €8.137,00, correspondente à perda total do veículo mais custos com a arbitragem.
Para o efeito, em síntese, alegou que no dia 18/12/2010, pelas 01H20m, no concelho de Vila Nova de Gaia, na EN …, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-UQ, conduzido por D…, propriedade da reclamante, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-CQ, conduzido por E… e propriedade de F…, cuja responsabilidade civil automóvel se encontra transferida para a reclamada.
Imputou ao condutor do veículo segurado a responsabilidade pelo acidente remetendo para a participação do acidente. Juntou também declaração amigável de acidente automóvel da qual consta que o veículo ..-..-CQ, no momento do embate, estava parado entre a faixa de rodagem e a via, sem qualquer sinalização, não tendo o veículo ..-..-UQ conseguido evitar o acidente, que ocorreu após uma curva e um cruzamento.
A seguradora contestou, concluindo pela improcedência do pedido, por imputar o acidente, exclusivamente, ao condutor do veículo ..-..-UQ, por ter embatido com a frente na traseira do veículo ..-..-CQ.
À cautela, invoca a presunção legal prevista na 1.ª parte do artigo 503.º, n.º 3, do Código Civil, por o veículo, na data do acidente, estar a ser conduzido por D…, por conta, por ordem e no interesse do seu proprietário, concluindo que não deve ser imputada qualquer responsabilidade à contestante pela indemnização pedida.
Também impugnou o valor peticionado, por um lado, por o valor venal do veículo ter sido fixado, após peritagem técnica, em €7.900,00, e, por outro lado, por a esse valor dever ser subtraído o valor do salvado (€1.50,00), que ficou na posse do reclamante.
Frustrada a composição amigável do litígio, foi designado dia para a realização de audiência de julgamento arbitral.
Realizou-se o julgamento conforme relatado na ata de fls. 92-93, da qual consta a sentença proferida, podendo ler-se na sua parte dispositiva:
“Pelo exposto, julga-se a reclamação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a reclamada, Companhia de Seguros B…, a pagar à Reclamante a quantia de 3.950,00€.”

Na sequência da interposição do recurso motivado, pela reclamante, foi proferido o despacho de fls. 124, que o admitiu, como apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Não foram apresentadas contra-alegações.

Conclusões da apelação:
“I. A douta sentença não se encontra fundamentada ou, pelo menos, não se encontra suficientemente fundamentada.
II. Não basta dizer qual a matéria provada (falta a não provada), devendo também especificar-se em concreto qual da prova produzida é que contribuiu, de forma adequada, para que no espírito do julgador, se criasse a convicção num ou noutro sentido!
III. Tratando-se no caso sub judice, manifestamente, de um caso de insuficiente fundamentação.
IV. Razão pela qual se entende não se encontrarem suficientemente preenchidos os requisitos que devem estar presentes à prolação de uma sentença, nomeadamente os constantes do n.º 3 do artigo 659º do CPC.
V. Pelo que, é para a recorrente fundamental que se fundamente devidamente a decisão, atendendo a toda a prova produzida, e especificar qual da prova produzida (toda ela) é que contribuiu para a convicção do Julgador num ou noutro sentido.
VI. Assim sendo, no entendimento da reclamada aqui apelante, é essencial tal fundamentação nos termos acima expostos, porque se assim se proceder, tal será essencial para a boa decisão da causa, determinando necessariamente uma alteração substancial naquela que foi a decisão proferida.
O que se requer, nos termos legais aplicáveis.
VII. De todos os elementos elencados no n.º 1 da douta decisão a quo (“tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e as regras de experiência e de normalidade de vida, ficaram provados …), designadamente dos articulados das partes e dos documentos juntos, como a Declaração amigável (DAAA) e Participação de acidente das autoridades - Sobretudo estes e na medida em que não foram impugnados por qualquer das partes.
VIII. Resulta manifesto que se tratou de um embate da frente do veículo da Autora/Reclamante na traseira do veículo seguro na Ré/Reclamada.
IX. Tal não é negado ou de qualquer modo impugnado por qualquer uma das partes. E decorre, aliás, quer da reclamação (P.I.) da própria autora ao Tribunal arbitral, quer dos documentos juntos (desde logo das fotos constantes do doc. 5 junto com a contestação – documento não impugnado).
Ora, assim sendo,
X. Ainda que nada mais se provasse…
XI. Deveriam, tais elementos, ser forçosamente suficientes para absolver a reclamada do pedido.
XII. Porquanto, sempre deveria ter-se com o provado que só o condutor do veículo propriedade da Autora/Reclamante agiu com culpa, ao ir embater com a frente do veículo que tripulava, na traseira do veiculo seguro na Ré/Reclamada, por não ter guardado a distância suficiente entre o seu veículo e este último, de modo a poder efectuar uma paragem rápida se necessário, sem perigo de acidente ou por circular a velocidade que não lhe permitiu parar no espaço livre e visível à sua frente.
XIII. É jurisprudência pacífica que, na ausência de provada factualidade em contrário, a culpa da produção de acidente cabe, em regra, ao condutor do veículo que vai embater num outro que siga ou esteja parado à sua frente.
XIV. Considerando-se tal, a chamada prova prima facie ou de primeira aparência.
XV. Vide a este propósito por ex. Ac. do STJ de 24-10-200; Doc.SJ200210240021746 in DGSI.pt “Incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa; esta é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso - art. 487º, n.ºs 1 e 2, CC. Este difícil ónus da prova da culpa a cargo do lesado «será frequentemente aliviado por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples). De acordo com este pensamento, é que Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, pág. 87, abonando-se em Enneccerus-Lehman, informa que «a jurisprudência ... tem facilitado a prova da culpa: basta para provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa. Mas o autor do prejuízo pode afastar esta chamada prova prima facie, demonstrando, por seu lado, outros factos que tornem verosímil ter-se produzido o dano sem culpa sua. Com isto, destrói a aparência a ele contrária e força o prejudicado a demonstrar completamente a culpa, já que ao admitir-se a prova prima facie, só se dá uma facilidade para a produção da prova e não uma total inversão do encargo da prova.»
XVI. Ou: “Desde que se configure objectivamente um caso de violação de uma norma estradal, com base em factos que tornam muito verosímil a culpa, deparamos com uma situação em que funciona a chamada prova prima facie ou de primeira aparência, que é de considerar suficiente à luz de uma presunção natural firmada nas máximas da experiência ou em juízos correntes de probabilidade, e que cede mediante prova em contrário, ou até perante uma mera contraprova que destrua aquela aparência.
“IV- O facto culposo do lesado afasta a responsabilidade do condutor por via do risco.”- Ac. Do STJ de 09-11-95; Doc. SJ199511090871622 in DGSI.pt.
XVII. Pelo que tal deveria ter sido suficiente para a reclamação improceder e absolver-se a ré/reclamada do pedido. - O que se requer.
XVIII. A decisão arbitral a quo é também merecedora de censura nos termos legais por, não tendo o douto tribunal a quo se pronunciado quanto à circunstância de o veiculo da Autora ser conduzido por D… por conta e interesse da recorrida, a sentença é nula.
XIX. A isto acresce que, não tendo a recorrida afastado a presunção de culpa que impendia sobre o seu condutor, impunha-se quanto à recorrente a absolvição do pedido.
XX. Por outro lado, não tendo resultado provado a culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na ocorrência do sinistro, impunha-se uma decisão com base no artigo 503º n.º 3 do C.C.
XXI. A este propósito vide por ex. Ac. do STJ de 26/01/94 (Assento nº 3/94 DR 66/94 Iª SERIE A de 19-03-1994, PÁG. 1399 A 1402) “A responsabilidade por culpa presumida do comissário, estabelecida no artigo 503.º, n.º 3, primeira parte, do Código Civil, é aplicável no caso de colisão de veículos prevista no artigo 506.º, n.º 1, do mesmo Código.”
XXII. Que era decisão que se impunha atenta o que consta no ponto “B” da douta sentença: “não tendo sido possível determinar a culpa…” ou “Não se tendo verificado a culpa de qualquer dos condutores…”
XXIII. A reclamada, aqui recorrida, invocou na contestação (artigos 34º a 36º) a presunção de culpa por parte da Reclamante nos termos e para os efeitos do artigo 503º n.º 3 do Código Civil.
XXIV. Pelo que, não tendo a recorrida afastado a presunção de culpa que impendia sobre o seu condutor, impunha-se quanto à recorrente a absolvição do pedido.
Por fim,
XXV. A reclamada, aqui recorrente, invocou na contestação (artigos 38º, 39º e 41º), que o veiculo embatido da Reclamante (vulgo “salvado”) ficou na posse desta.
XXVI. Pelo que ainda que se considerasse como válida a tese apresentada pela reclamante e, de alguma forma, houvesse lugar a indemnização à Autora/reclamante, no valor dessa indemnização, teria de ser deduzido o valor do salvado que ficou na posse da reclamante… pedindo, desse modo, que o Tribunal se pronunciasse sobre essa questão.
XXVII. Porém, mais uma vez, o douto tribunal arbitral preferiu demitir-se do exame crítico da matéria trazida aos autos, nem sequer considerando esta mesma questão.
XXVIII. Sendo, por isso, a douta sentença recorrida, omissa quanto a este ponto e digna de censura nos termos previstos na al. d) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, Impondo-se por isso a nulidade da sentença nos termos do citado normativo - o que se requer.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas mui doutamente suprirão, deverá ser proferido Acórdão que, revogando a decisão arbitral, acolha o aqui requerido, fazendo-se, deste modo, a clamada JUSTIÇA.”

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), redação atual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, as questões a decidir (enunciadas pelas ordem da sua alegação) são:
I. Nulidade da sentença arbitral por a decisão da matéria de facto não se encontrar devidamente fundamentada;
II. Se dos documentos juntos aos autos resulta a dinâmica do acidente e a culpa (ainda que presumida) do condutor do veículo pertença da apelada;
III. Nulidade da sentença arbitral por não se ter pronunciado sobre a questão enunciada em II.
IV. Se havendo direito à reclamada indemnização, a determinação do seu montante.
V. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão enunciada em IV.

B- De Facto
Da sentença arbitral consta o seguinte:
“Finda a produção da prova, foi proferida decisão que se segue:
1- Tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e as regras de experiência e da normalidade da vida, ficaram provados, apenas, os seguintes factos:
A. No dia 18 de Dezembro de 2010, cerca das 01h20m, na EN …, ao KM 8,400, em Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ..-..-UQ, conduzido por D…, propriedade da aqui Reclamante, e o de matrícula ..-..-CQ, conduzido por E… e propriedade de F…, com responsabilidade civil automóvel transferida para a Reclamada, mediante contrato de seguro, titulado pela apólice …………...
B. Discutida a causa, não se averiguaram as circunstâncias de facto em que ocorreu o acidente (…)
C. (…)
D. (…) tendo em conta o valor venal do veículo do reclamante de 7.900.00 € (…)[1]

III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
Identificadas as questões decidendas, passemos à sua análise.
I. Nulidade da sentença arbitral por a matéria de facto não se encontrar devidamente fundamentada.

1. A apelante censura a decisão arbitral, invocando a sua nulidade, por não se encontrar devidamente (ou sequer suficientemente) fundamentada, por não ter mencionado em concreto qual a prova produzida que contribuiu, de forma adequada, para a formação da convicção do julgador.
Invoca a apelante que na prolação da sentença arbitral deve ser respeitado o disposto no artigo 659.º, n.º 3, do CPC.
No corpo da alegação, defende que a sentença é nula, por aplicação do artigo 668.º, n,º1, alínea b), do CPC.
Vejamos, se assim será.

2. A fundamentação expressa na sentença arbitral em relação aos factos considerados provados, conforme acima se transcreveu, consistiu tão só na menção da posição que as partes adotaram nos articulados, na identificação dos meios de prova produzidos (documentos juntos aos autos e prova testemunhal), e numa referenciação às regras da experiência e da normalidade da vida.
Consta da ata de julgamento que foram ouvidas três testemunhas. Uma indicada pela reclamante (condutor do veículo ..-..-UQ) e duas pela reclamada (condutor do veículo ..-..-CQ e um perito). Nada está mencionado quanto à gravação destes depoimentos, pelo que é lícito presumir que os depoimentos não foram gravados.
É evidente que os factos tidos como provados, o foram sem que o Senhor Árbitro tenha referido de que modo os meios probatórios mencionados, conjugados com as regras da experiência e da normalidade da vida, determinaram a formação da sua convicção. Ou seja, não foi plasmado na sentença o raciocínio, as razões justificativas da formação da convicção do julgador em relação aos factos provados e as que presidiram à conclusão de que nada mais se provou.
A questão que se coloca, contudo, é se perante esta fundamentação de facto expressa na sentença recorrida, a mesma é nula.

3. Na situação em apreço, a sentença proferida foi-o num processo de natureza arbitral existindo normas especiais sobre a tramitação deste tipo de processos e elaboração da respetiva sentença.
Por conseguinte, impõe-se a análise do regime legal consagrado para a sentença arbitral no que diz respeito à sua fundamentação, bem como se, no caso concreto, o mesmo foi violado. Em caso afirmativo, se a consequência é a nulidade da sentença, conforme defendido pela apelante, mormente com base nos fundamentos legais avançados pela apelante.
4. Comecemos por referenciar, sucintamente, a esquematização acolhida pelo legislador processual civil em matéria de fundamentação da sentença judicial (tendo em mente, essencialmente, o processo declarativo ordinário[2]).
Decorre do estipulado no artigo 668.º, n.º1, alínea b), do CPC, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito (por ora, apenas está em apreciação a arguição da nulidade relativa ao primeiro segmento deste normativo).
Prescreve o artigo 659.º, n.º 3 do CPC, quando se reporta à elaboração da sentença, que na fundamentação da mesma, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe incumba conhecer.
Resulta da parte final da norma, que na sentença é integrada a matéria de facto dada como provada na decisão sobre a matéria de facto, nos termos prescritos no artigo 653.º do CPC.
Efetivamente, a lei processual civil distingue e individualiza a decisão sobre a matéria de facto e a decisão que constitui a sentença propriamente dita.
A decisão sobre a matéria de facto é proferida imediatamente após o encerramento da discussão da causa e com observância das formalidades prescritas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 653.º do CPC, ou seja: declarando “quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”.
É esta decisão que pode constituir objeto de impugnação das partes, se preenchidos os pressupostos previstos no artigo 685.º-B do CPC, mormente cumprindo o impugnante os ónus de concretização dos pontos de facto impugnados e especificação dos respetivos meios de prova que, no seu entender, impunham decisão diversa da proferida.
No conhecimento dessa impugnação, são conferidos à Relação os poderes consignados no artigo 712.º do CPC, podendo a deficiência de fundamentação da decisão da matéria de facto ser suprida, a pedido da parte, nos termos consignados no n.º 5 deste preceito.
Aquando à elaboração da sentença, já não há que decidir sobre a matéria de facto julgada provada nos termos consignados no artigo 653.º do CPC.
O artigo 659.º, n.º 2 do CPC impõe sim a discriminação dos factos que o juiz considera provados (admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados). E em face dos mesmos, conforme estipula o n.º 3 do preceito, o juiz faz o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, interpreta e aplica as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
As duas normas referenciadas (artigo 653.º, n. º 2 e artigo 659.º, n.º 3 do CPC) reportam-se expressamente ao dever do juiz fazer uma análise crítica e um exame crítico das provas. Reportam-se, contudo, a duas situações diferentes.[3]
A primeira norma reporta-se à decisão sobre a matéria de facto (provas constantes do processo e as produzidas em audiência de julgamento que relevaram para a formação da convicção do julgador relativamente aos factos controvertidos que constam da base instrutória e foram objeto de discussão em audiência de julgamento); a segunda reporta-se às provas relativas a outros factos que na sentença venham a ser considerados provados (por acordo, por documentos, por confissão reduzida a escrito, por presunção, por serem notórios, por serem de conhecimento oficioso, para além dos que já haviam sido selecionados como assentes na fase do despacho saneador, nos termos dos artigos 508.º-A, n.º 1, alínea e), e 508.º-B, n.º 2, do CPC).
Distinguindo estas duas decisões quanto ao seu conteúdo e fundamentação, referem ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA[4], o seguinte:
“Este dever de motivação [referindo-se à fundamentação prevista no n.º 2 do artigo 653.º do CPC] não se confunde com o dever de fundamentação da sentença final (…). O primeiro refere-se apenas à matéria de facto (…), enquanto a fundamentação da sentença aponta apenas para a justificação da decisão final em face do direito substantivo aplicável.”
Só a falta de fundamentação da sentença constitui causa da sua nulidade, conforme prevê o n.º 1, alínea b) do CPC. A violação que lhe subjaz corresponde ao desrespeito dos n.ºs 2 e 3 do artigo 659.º do CPC.
Trata-se, contudo, de falta absoluta de motivação (não apenas de fundamentação deficiente), constatação esta que é pacífica na doutrina e na jurisprudência.
Já a consequência processual da falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto a que se alude no artigo 653.º do CPC, não é causa de nulidade da sentença. Possibilita, num primeiro momento, a reclamação prevista no n.º 2 do artigo 653.º do CPC, e, num segundo momento, em sede de recurso, dá lugar ao mecanismo previsto no n.º 4 do artigo 712.º do CPC, já acima referido.
Enfatiza-se, contudo, que a fundamentação das decisões, seja aquela que decide a matéria de facto, seja aquela que é inserida na sentença na parte em que aplica o direito aos factos provados, corresponde à concretização prática do princípio constitucional prescrito no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), ao prescrever que as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei, princípio este que o legislador processual civil proclama no artigo 158.º do CPC e que operacionaliza nos normativos que temos vindo a mencionar.

5. Vejamos, agora, o quadro normativo aplicável ao processo arbitral.
Atenta a data do início dos presentes autos (10/03/2011), aplica-se a Lei n.º 31/86, de 29/08 (que doravante designaremos por LAV), por a mesma regular o regime da Arbitragem Voluntária aplicável aos processos arbitrais iniciados antes da entrada em vigor da (Nova) Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14/12 (que entrou em vigor em 15/03/2012- cfr. artigos 4.º, n.º 1, 5.º, n.º 1 e 6.º da Lei n.º 63/2011, de 14/14).
Os artigos 27.º e 29.º da LAV admitem que em determinadas circunstâncias a decisão arbitral possa ser anulada pelo tribunal da Relação, em via de recurso (se as partes a ele não tiverem renunciado), nos mesmos termos em que a mesma seria anulável, pelo tribunal de comarca, se tivesse sido intentada ação de anulação da sentença arbitral.
As várias alíneas do n.º 1 do referido artigo 27.º elencam taxativamente os casos em que a sentença arbitral pode ser anulada.
No que ora releva, a alínea d) prescreve que a sentença arbitral é anulada se tiver havido violação do 23.º, n.º 3 da LAV.
Este preceito prescreve que a “decisão arbitral deve ser fundamentada.”
A Lei n.º 31/86, nada mais contempla sobre esta matéria.

6. Contudo, no tocante às regras de processo aplicáveis, o artigo 15.º, n.º1 da LAV determina que as partes podem acordar sobre as regras de processo a observar na arbitragem. O n.º 2 do mesmo preceito esclarece que esse acordo pode resultar de um regulamento de arbitragem emanado de uma das entidades a que se reporta o artigo 38.º ou ainda da escolha de uma dessas entidades para a organização da arbitragem.
No caso em apreço, consta dos autos que as partes aderiram ao Serviço de Mediação e Arbitragem do CIMPAS e à aplicação das regras de processo constantes dos Regulamentos aprovados por esse Centro.
Esses regulamentos são os aprovados pela Assembleia Geral de 31/01/2010, nos termos previstos no artigo 12.º, n.º i) dos Estatutos do CIMPAS:
- Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros;
- Regulamento da Arbitragem e das Custas[5].

O artigo 13.º do Regulamento do Serviço de Mediação e Arbitragem de Seguros, reportando-se à sentença, prescreve na alínea e), que a sentença arbitral será reduzida a escrito e dela constarão “Os fundamentos, de facto e de direito, da decisão.”
O artigo 14.º, por sua vez, a respeito das normas supletivas, estipula o seguinte:
““1. Em tudo o mais é aplicável a Lei n.º 31/86 (Lei da Arbitragem Voluntária), no que respeitar à arbitragem institucionalizada.
2. Em caso de omissão, aplicar-se-ão, subsidiariamente, as regras e princípios do Código de Processo Civil, adaptados à natureza marcadamente abreviada e informal do procedimento arbitral.”

O artigo 18.º do Regulamento da Arbitragem e das Custas prescreve sob a epígrafe “Decisão e Notificação”, do seguinte modo:
“1. Finda a produção de prova e feitas as alegações, quando tiverem lugar, o tribunal decide de imediato e profere a respetiva decisão, excepto se a complexidade do litígio não o permitir, devendo, nesse caso, proferir a decisão no prazo máximo de 10 dias.
2. Da audiência de julgamento será lavrada acta, a assinar pelo Juiz Árbitro, devendo a mesma conter a identificação das parte e dos restantes intervenientes, bem como a caracterização sumária do litígio e respectiva decisão, devidamente fundamentada.
(…)”
O artigo 23.º deste Regulamento insere norma em tudo idêntica ao artigo 14.º acima transcrito.

7. Resulta do exposto sobre o regime legal aplicável aos processos arbitrais, quer por via da aplicação da Lei n.º 31/86, quer por via da aplicação dos mencionados Regulamentos, que a sentença arbitral deve ser “fundamentada” ou “devidamente fundamentada” e que os “fundamentos de facto e de direito” devem constar da sentença.
Evidencia-se, assim, que a esquematização legal da elaboração da sentença acolhida pelo legislador foi o de não autonomizar a decisão sobre a matéria de facto relativamente à sentença propriamente dita, na qual devem ser exarados os fundamentos de facto e de direito.
Contudo, o legislador do processo arbitral não se reporta expressamente à análise crítica das provas subjacente à decisão sobre a matéria de facto (ainda que este segmento pudesse ser integrado na sentença), afastando-se, neste ponto, da esquematização adotada, em regra, no regime processual civil.

8. Exigindo o legislador que a sentença arbitral fundamente de facto e de direito a decisão proferida, sem maiores explicitações quanto ao modo como o juiz árbitro dá cumprimento a este requisito de ordem formal, a dificuldade está em saber qual o grau de concretização ou de densificação da fundamentação (de facto) exigida.
Repare-se que cominando com a anulação a violação deste dever de fundamentação, sanção deveras gravosa, é curial apurar se a fundamentação aludida na LAV (e nos Regulamentos acima referidos) impõe ao juiz árbitro que concretize, por referência aos meios probatórios, o modo como valorou os mesmos, já que residirá nesse percurso analítico a justificação dos critérios que presidiram à formação da sua convicção.
De qualquer modo, impondo a lei a fundamentação da sentença, só a falta absoluta de fundamentação de facto e de direito (e não a mera deficiência) fica sujeita à anulação, seja no âmbito da ação de anulação, seja por via da sua impugnação em sede de recurso.

9. No tocante à matéria da fundamentação da sentença arbitral, na doutrina, refere PAULA COSTA E SILVA[6] que o requisito exigido pelo artigo 23.º, n.º 3 e 27.º, alínea d) da Lei n.º 31/86 (dever de fundamentação da sentença arbitral), é formal, mas determinativo da anulação da sentença arbitral, ou seja, a sua violação gera a destruição da mesma, com eficácia retroativa.
Tal regime justifica-se, no seu entender, por afastar do processo arbitral decisões arbitrárias não fundadas na lei (“arbitragem-arbitrária”), sublinhando que só a fundamentação confere “inteligibilidade à sentença”.
Acaba, contudo, por sublinhar que “não pode todo e qualquer controlo, exercido em sede de anulação, levar à destruição de uma sentença arbitral, pelo facto de o juiz entender que a motivação é insuficiente ou pouco convincente. Na realidade, só a falta total de motivação gerará a nulidade da decisão arbitral”, pelo que, baseando-se neste raciocínio, propõe a seguinte conclusão: “…de acordo com o n.º 3 do artigo 23.º da Lei n.º 31/86, será nula a sentença arbitral totalmente desprovida de fundamentação...”
Essa nulidade, em seu entender, está em correspondência com o disposto no artigo 659.º, n.º 2 do CPC e artigo 668.º, n.º1, alínea b) do CPC.[7]
Também em relação à fundamentação da sentença arbitral, MANUEL PEREIRA BARROCAS[8], expressa o seguinte entendimento:
“Por fundamentação deve entender-se o exame do sentido prático da prova e não necessariamente crítico, da prova produzida, a especificação dos factos provados, nomeadamente os admitidos por acordo ou por confissão, as razões que justificam a aplicação da lei aos factos e a conclusão resultante da conjugação dos factos provados com a lei aplicada.
Nisto consiste a fundamentação da sentença.”

Acrescentando, ainda:
“A fundamentação deve conter os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão em termos que não diferem do regime do CPC (artigo 659º, números 1 a 3) para a sentença judicial, pois, de outro modo, tornar-se-ia difícil a sua apreciação pelo tribunal judicial em caso de recurso ou de acção de anulação.”[9]

Em consonância com este entendimento também parece estar LUÍS LIMA PINHEIRO[10], quando refere:
“A decisão considera-se fundamentada quando for justificada de facto e de direito, ainda que sumariamente, sobre cada uma das pretensões que foram apresentadas.”

10. Na jurisprudência constata-se que alguns acórdãos reconhecem haver uma equiparação entre a nulidade prevista no artigo 27.º, nº1, alínea d), artigo 23.º, n.º 3 da LAV e o artigo 668.º, n.º1, alínea b) do CPC, entendendo que a sentença arbitral só é nula se incorrer em ausência total de fundamentação de facto ou de direito, afastando desse regime a fundamentação meramente deficiente ou incompleta, aparentemente, bastando-se com a especificação da matéria de facto apurada.
Neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ, de 10/07/2008[11], de 24/10/2006[12] e de 15/05/2007[13].
Neste último, lê-se no seu sumário:
“1- A insuficiência da fundamentação da decisão da matéria de facto não constitui vício susceptível de ser qualificado como falta de fundamentação do acórdão arbitral, não determinando a sua nulidade nos termos dos artºs 23º, nº 3 e 27º, nº 1, al. d) da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 31/86, de 29/08).
2- Especificados os fundamentos de facto e feita a indicação dos meios de prova que foram decisivos para a convicção dos Árbitros, não é imprescindível para a validade do acórdão arbitral que neste se mostre efectuada a análise crítica das provas.”
A conclusão assim expressa reside, em parte, na constatação que a indicação dos factos provados e dos meios de prova que serviram de sustentáculo a cada um deles, satisfaz o imperativo constitucional e processual da fundamentação da decisão (artigo 205.º da CRP e artigo 158.º, n.º1, do CPC).

Porém, numa perspetiva que se afigura mais exigente, lê-se no sumário do acórdão desta Relação[14], proferido em 11/03/2003, o seguinte:
“I- Numa decisão arbitral é obrigatória a análise crítica dos meios de prova, não bastando a indicação dos meios de prova e da matéria provada.
II - Tal omissão provoca a anulação de arbitragem, conforme o artigo 23.º, n.º 3 da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.”

E mais recentemente, o acórdão proferido nesta mesma secção, em 24/09/2012[15]:
“A indicação genérica de com base nos meios de prova produzidos se consideram provados certos factos tem que ser tratada como falta de fundamentação, pois não concretiza em relação aos factos em causa qual o concreto meio de prova que determinou que fosse considerado provado ou não provado, faltando em absoluto o raciocínio que levou a essa decisão.”

11. Em face de todo o exposto, importa concluir que a específica regulação da LAV relativa à fundamentação de facto da sentença arbitral, prevista no artigo 27.º, n.º1, alínea d) e artigo 23.º, n.º 3 (bem como os Regulamentos acima mencionados aplicáveis ao caso sob apreciação) não pressupõe que, previamente à prolação da sentença, seja proferida uma decisão fáctica, que faça uma análise crítica das provas e especifique os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, à semelhança do prescrito no artigo 653.º, n.º 2 do CPC.
Porém, os referidos preceitos da LAV ao prescreverem que a sentença seja fundamentada de facto e de direito, não deixam de evidenciar que o julgador impõe, sob pena de anulação da sentença, que na mesma seja feito um juízo apreciativo, motivado e justificado, quer dos factos provados, quer do direito que, em termos interpretativos, vai aplicar aos mesmos, em tudo semelhante à prescrição constante dos n.ºs 1 e 3 do artigo 659.º do CPC.
Em relação à fundamentação de facto, esse juízo não pode prescindir de uma justificação sumária, mas concretizada, não meramente genérica, enunciativa ou referencial, da ponderação dos meios probatórios e do modo como o julgador, com base neles, formou a convicção que determinou considerar determinados factos como provados e outros como não provados, e com base neles, aplicar os normativos legais conformadores da resolução do litígio.[16]
Acresce que essa ponderação corresponde, no fundo, a uma densificação ou concretização mínima do dever de fundamentar qualquer sentença, princípio este com assento constitucional (artigo 205.º, n.º 1 da CRP[17]), sob pena de se aceitar que a sentença arbitral não está sujeita a qualquer forma de sindicabilidade quanto ao julgamento do facto, mesmo em sede de impugnação[18], potenciando, assim, juízos voluntarísticos e subjetivos do julgador arbitral, por mais irracionais e incoerentes que possam ter sido, colocando em crise a própria legitimação da decisão e do julgador.[19]

12. No caso em apreço, a fundamentação de facto inserida na sentença arbitral, conforme acima foi transcrita, revela que não é apenas deficiente ou insuficiente, mas que, dada a patente falta de concretização do raciocínio valorativo subjacente à apreciação da prova produzida, tem de ser classificada como não correspondendo àquela densificação mínima acima referida.
Não obstante, a natureza abreviada e informal do processo e da sentença arbitral, ainda que, por essa razão, não seja exigível um grau de fundamentação semelhante ao exigível nas sentenças judiciais, é patente que mencionar que os factos dado como provados resultam da “posição assumida pelas partes nos seus articulados”, referenciar “os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e as regras da experiência e da normalidade da vida”, dado o carácter meramente enunciativo destes meios de prova, determina que seja questionada a racionalidade de tal decisão.
Desde logo, perguntar-se-á: tendo sido ouvidos os dois condutores dos veículos intervenientes, como se justifica que não se tenham apurado as circunstâncias relativas à dinâmica do acidente? Por os testemunhos serem contraditórios entre si? Por nenhum deles merecer credibilidade? Por os depoimentos não estarem em consonância com a prova documental junta aos autos? Por contrariarem as regras da experiência e da normalidade das coisas? Se sim, em que sentido?
Pelo menos, estas questões ficam por esclarecer perante a omissão total de explicitação da motivação da decisão quanto aos factos dados como provados e tidos por não provados (estes, aliás, nem sequer especificados).
Não tendo as partes renunciado ao recurso da decisão e prevendo a LAV a anulação por falta de fundamentação de facto, sem recurso ao mecanismo de suprimento previsto no artigo 712.º, n.º 5 do CPC, por o artigo 25.º da LAV prescrever que o poder jurisdicional dos árbitros finda com a notificação do depósito da decisão que pôs termo ao litígio ou, quando tal depósito seja dispensado, com a notificação da decisão às partes, a conclusão a retirar, face à conjugação dos artigos 27.º, n.º1, alínea d) e 23.º, n.º 3 da LAV e artigo 20.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento da Arbitragem e das Custas mencionado, não pode deixar de ser o reconhecimento do vício invocado pela apelante e, consequentemente, anular a sentença arbitral impugnada.

13. Importa, ainda, esclarecer que os elementos probatórios juntos ao processo são insuficientes para viabilizarem a aplicação da regra da substituição do tribunal recorrido prevista no artigo 715.º do CPC, desde logo, porque não tenho a prova testemunhal sido gravada está vedada a apreciação de todos os meios probatórios facultados ao tribunal arbitral (cfr. artigo 712.º, n.º1, alínea a), parte final, do CPC).[20]

E sendo assim, o conhecimento de todas as demais questões suscitadas na apelação, ficam prejudicadas, dada a anulação da sentença arbitral por força dos motivos acima analisados.

Dado o decaimento, a apelada suportará as custas da apelação (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), sendo o valor da taxa de justiça o da tabela I-B anexa ao RCP.

IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, anulando a decisão arbitral recorrida.
Custas pela apelada.

Porto, 03 de dezembro de 2012
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Carlos Pereira Gil
Luís Filipe Brites Lameiras
_________________
[1] O texto integral da sentença arbitral é o seguinte:
“1- Tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e as regras de experiência e da normalidade da vida, ficaram provados, apenas, os seguintes factos:
A. No dia 18 de Dezembro de 2010, cerca das 01h20m, na EN …, ao KM 8,400, em Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos ligeiros de passageiros de matrícula ..-..-UQ, conduzido por D…, propriedade da aqui Reclamante, e o de matrícula ..-..-CQ, conduzido por E… e propriedade de F…, com responsabilidade civil automóvel transferida para a Reclamada, mediante contrato de seguro, titulado pela apólice …………...
B. Discutida a causa, não se averiguaram as circunstâncias de facto em que ocorreu o acidente, não tendo sido possível determinar a culpa de qualquer dos respectivos condutores. Não se tendo verificado a culpa de qualquer dos condutores, impõe-se recorrer ao princípio do risco, tal como o configura o artigo 506º do Código Civil.
C. Dada a natureza dos veículos em causa, ambos veículos ligeiros, a responsabilidade de cada um deles é igual, ou seja, 50%.
D. Atenta esta percentagem e tendo em conta o valor venal do veículo do reclamante de 7.900.00 €, tem este direito a metade desse valor, ou seja, 3.950.00 €.
2. Pelo exposto, julga-se a reclamação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a reclamada, Companhia de Seguros B…, a pagar à Reclamante a quantia de 3.950,00 €.
Sem custas.
Notifique.”
[2] Embora no processo declarativo sumário as regras sejam semelhantes no que concerne à autonomização da prolação da decisão da matéria de facto e sentença propriamente dita, conforme resulta do artigo 791.º, n.º 3 do CPC, o que também sucede no julgamento dos incidentes (artigo 304.º, n.º 5 do CPC). Já no processo sumaríssimo, esta autonomização não se encontra prevista (cfr. artigo 796.º, n.º 7 do CPC).
[3] Cfr. Ac. STJ, de 16.09.2008, proc. 08B2103, em www.dgsi.pt (“3. O «exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer», que o juiz deve fazer na sentença, nos termos do n.º 3 do art. 659º do CPC, não se confunde com a «análise crítica das provas» e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, a efectuar no julgamento da matéria de facto, imposta pelo n.º 2 do art. 653º do mesmo diploma.).”
[4] ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 653.
[5] Encontram-se disponíveis on-line, respetivamente, nos seguintes endereços eletrónicos: http://www.cimpas.pt/pdfnovos/RegulamentoSMA.pdf
http://www.cimpas.pt/pdfnovos/RegulamentodaArbitragemedasCustas.pdf
[6] PAULA COSTA E SILVA, “Anulação e Recurso da Decisão Arbitral”, in ROA, Ano 52, Dezembro de 1992, p. 935 e seguintes.
[7] Cfr. ob., cit., p. 938 (109).
[8] MANUEL PEREIRA BARROCAS, “Manual de Arbitragem”, Almedina, 2010, p. 492.
[9] Ob. cit., p. 515. Este autor refere, contudo, em “A Prova no processo Arbitral em Direito Português”, (disponível on-line no endereço eletrónico http://arbitragem.pt/estudos/a-prova-no-processo-arbitral-em-direito-portugues--manuel-pereira-barrocas.pdf) que “Em matéria de nulidade da sentença arbitral (…), têm-se visto algumas decisões judiciais proferidas sobre a matéria que tendem a aplicar o CPC na apreciação da validade de sentenças arbitrais, o que se nos afigura totalmente incorrecto. Na verdade, os casos de nulidade da sentença arbitral estão regulados no artigo 27º, número 1.”
[10] LUÍS LIMA PINHEIRO,“A Arbitragem transnacional (a determinação do estatuto da arbitragem)”, Almedina, 2005, p. 153.
[11] Ac. STJ, de 10.07.2008, proc. 08A1698, em www.disgis.pt.
[12] Ac. STJ, de 24.10.2006, proc. 06B2366, em www.dgsi.pt.
[13] Ac. 15.05.2007, proc. 07A924, em www.dgsi.pt.
[14] Ac. RP, de 11.03.2011, proc. 0324038, em www.dgsi.pt.
[15] Ac. RP, de 24.09.2012, proc. 153/12.5YRPRT, em www.dgsi.pt.
[16] Neste sentido, também se pronunciou o acórdão proferido nesta secção, no P. 207712.8YRPRT, de 05.11.2012, relatado pelo Sr. Desembargador LUÍS BRITES LAMEIRAS, ora 2.º Adjunto, lendo-se na síntese conclusiva do acórdão: “VI – A decisão arbitral carece de ser fundamentada, em particular na óptica de facto (ar-tigo 23º, nº 3, da LAV); padecendo de nulidade se o não estiver (artigos 27º, nºs 1, alínea d), e 3, e 29º, nº 1, da LAV); VII – A densidade dessa fundamentação só será salvaguardada se minimamente for perceptível, por um lado, o escrutínio probatório acerca de cada um dos factos controversos relevantes para a boa decisão da causa (artigo 653º, nº 2, do CPC), por outro, quais deles são os que exactamente constituem a base para o enquadramento normativo do direito material aplicável (artigo 659º, nºs 2, início, e 3, do CPC).”
[17] Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. II, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, p. 527.
[18] O direito ao recurso assume foro constitucional em sede criminal, como efetivação do princípio do direito à defesa, conforme decorre do artigo 32.º, n.º 1 da CRP. Porém, o direito ao recurso, enquanto consagração de um duplo grau de jurisdição, não deixa de ser transversal a todo o ordenamento jurídico. O artigo 29.º da LAV ao permitir a interposição de recurso das decisões arbitrais, não tendo as partes renunciado a tal direito, constituiu uma emanação dessa transversalidade.
Mesmo nas situações em que não há recurso, o dever de fundamentar as decisões assenta no direito que assiste às partes de serem não só esclarecidas, mas também convencidas do seu acerto, conforme já referia ALBERTO DOS REIS, “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2.º, p. 172. No mesmo sentido, TEIXEIRA DE SOUSA, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2.ª ed., Lex, 1997, p. 348, quando refere que é através da “fundamentação que o juiz deve passar de convencido a convincente.”
[19] A legitimação da decisão através da fundamentação tem sido sistematicamente apontada pelo Tribunal Constitucional. Exemplificativamente, vejam-se os acórdãos do TC n.º 55/98, DR II Série, de 28.05.95, n.º 135/99, DR II Série, de 07.07.99 e n.º 422/99, DR II Série, de 29.11.99.
[20] Neste sentido, veja-se PAULA COSTA E SILVA, “Os Meios de Impugnação de Decisões Proferidas em Arbitragem Voluntária no Direito Português”, in ROA, n.º 52 (1996), p. 179-207, maxime p. 202-203.