Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4424/21.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA
ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS
ASSEMBLEIA GERAL
CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA
PANDEMIA
DELIBERAÇÃO ANULÁVEL
RENOVAÇÃO DE DELIBERAÇÃO
CONFIRMAÇÃO
Nº do Documento: RP202211144424/21.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A R., uma associação desportiva, cultural e recreativa sem fins lucrativos e de utilidade pública, é regida pelas regras dos seus estatutos e disposições legais do CC relativas a pessoas coletivas, constantes dos artigos 157º e segs. do CC..
Ainda e quando se justifique, por ausência de regulamentação, são-lhe aplicáveis as regras relativas às sociedades comerciais previstas no C.S. Comerciais, nomeadamente as regras gerais constantes dos artigos 53º e seguintes relativas às deliberações dos sócios.
II - A convocação de uma assembleia – mesmo em contexto de pandemia - em que por escrito se dá a conhecer a ordem de trabalhos e se comunica aos associados que a votação será feita por correspondência a enviar para a sede, sendo a contagem dos votos remetidos efetuada no dia em que se realizar tal assembleia sem a presença daqueles, inviabiliza de forma total e definitiva a possibilidade de os associados participarem ativamente na discussão dos pontos alvo da ordem dos trabalhos e assim poderem de forma coletiva formar a vontade a expressar em voto.
E viola, de forma intolerável, o direito dos sócios a participar, discutir e votar nas Assembleias Gerais, previsto nos artigos 5º al. c) e 8º dos Estatutos da R., em respeito pelo previsto no artigo 175º do CC.
III - Esta violação torna tais deliberações anuláveis nos termos do artigo 177º do CC.
IV- A deliberação anulável pode ser renovada nos termos do artigo 62º do CSC.
V - A renovação e a confirmação não são juridicamente realidades idênticas.
A confirmação reporta-se ao ato de repor a validade de ato anterior e compete à pessoa a quem pertence o direito de anulação (vide artigo 288º do CC).
A renovação pressupõe uma nova deliberação de conteúdo idêntico à primeira, expurgada do vício que afetava esta última – é o que dispõe o artigo 62º do CSCom.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 4424/21.1T8PRT.P1
3ª Secção Cível

Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Jz. Local Cível do Porto
Apelante/ Clube de Campismo ...


Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
AA; BB e CC, instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “Clube de Campismo ...” e ainda contra DD, EE, FF e GG.
Alegaram em suma:
- Serem os 2º a 5º RR. membros dos órgãos sociais da 1º R. “Clube de Campismo ...”, compondo mais precisamente a Mesa da Assembleia Geral, a quem compete marcar as Assembleias Gerais;
- Ter a Mesa da A. G. decidido em dezembro do ano passado (2020) que a A.G. daquele ano imposta pelos Estatutos seria realizada de forma não presencial. Impedindo os associados de discutir o orçamento e plano de atividades;
- As deliberações aprovadas são contrárias à lei e aos estatutos e como tal anuláveis nos termos do artigo 177º do CC;
- Não tendo até agora o R. publicado no site do Clube a ata relativa a esta Assembleia.
Termos em que terminaram os AA. peticionando que pela procedência da ação, sejam os RR. condenados a ver “declarada nula a assembleia e declaradas anuladas todas as decisões aí proferidas.”
Apresentaram os AA. articulado superveniente, ainda antes da citação dos RR..

Devidamente citados, os RR. contestaram.
Excecionaram a ilegitimidade ativa dos AA., porquanto os mesmos nem sequer invocam a sua qualidade de associados da 1ª R., ou alegaram se votaram as deliberações em causa, ou qual foi o seu sentido de voto.
Impugnaram parcialmente o alegado pelos RR. e justificaram a realização da assembleia questionada nos moldes mencionados pela situação da pandemia Coronavírus – Covid 19, aliado ao facto de as implicações operacionais (tendo o Clube ... 4900 associados) inviabilizarem a realização de assembleia geral telemática (meio previsto no DL 10-A/2020 de 13/03).
Para além de que igual modalidade tinha já sido adotada em anterior AG, sem que fosse levantada qualquer questão ao meio utilizado.
Alegaram ainda que previamente à realização da questionada AG foram realizadas diversas sessões de esclarecimento presenciais pelo Clube.
Terminaram pugnando “pela procedência da invocada exceção de ilegitimidade ativa dos AA com a consequente absolvição dos RR. da instância, ou tal não sendo decidido, ser a presente ação julgada totalmente improcedente e consequentemente, absolvidos os réus do pedido”.
Replicaram os AA., pugnando pela improcedência da exceção de ilegitimidade invocada, já que são sócios e não votaram as deliberações que impugnam.
No mais, concluindo como na p.i.

Agendada audiência prévia, teve esta lugar em 13/10/2021.
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Por requerimento de 27/10/2021, os RR. vieram dar conhecimento ao tribunal de que:
- “foi agendada Assembleia Geral Extraordinária do Clube de Campismo ..., para deliberar acerca da ratificação das deliberações tomadas por voto por correspondência das assembleias gerais convocadas a. 12 de maio de 2020 e de 23 de novembro de 2020.”
Juntando cópia da mencionada convocatória, datada de 18/10/2021 da qual consta como ordem de trabalhos:
1- Ratificação das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária não presencial, convocada a 12 de maio de 2020;
2- Ratificação das deliberações tomadas na Assembleia Geral Ordinária não presencial, convocada a 23 de novembro de 2020;
3- Trinta minutos para tratar de qualquer assunto de interesse para o Clube.”

Respondem os AA. ao requerimento assim apresentado, em 01/11/2021, nos seguintes termos:
“a) Não se entende a oportunidade da apresentação do dito requerimento;
b) Não é o agendamento da Assembleia Geral Extraordinária que vai sanar a ilegalidade da Assembleia Geral, em crise nestes autos;
c) O requerimento apresentado pelo Réu, ..., não deve ser aceite uma vez que estando a Assembleia, em crise nos presentes autos, a ser objeto de litigância, e não tendo as partes transigido, não é aceitável, à luz da boa fé, que venha agora o ... juntar a convocatória e comunicado, os quais se limitam a traduzir os termos da proposta apresentada pelo ... e que não foi aceite pelos Autores;
d) Caso o requerimento junto pelos RR for aceite, tal não poderá produzir qualquer efeito quanto à questão fulcral que é a ilegalidade da Assembleia;
e) Mesmo que a, dita Assembleia seja ratificada isso não significa que a Assembleia em questão não continue a dever ser considerada ilegal;
Para além disso
f) Quer a Ordem de Trabalhos da Assembleia, quer o Comunicado aos Sócios, documentos juntos com o requerimento aqui em crise, são assinados por três elementos da Assembleia Geral do ..., o que é normal e correto;
g) No entanto nesta altura, os Sócios do Réu ... têm sérias dúvidas se as pessoas que assinaram a convocatória da Assembleia continuam a ser elementos dos Órgãos Sociais do ...;
h) Alguns dias atrás nos carros que estavam estacionados junto do Parque de Campismo ... (parque explorado pelo Réu ...) foi colocado o documento que agora se junta sob o n.º 1;
i) Os comentários de que a Mesa da Assembleia Geral se demitiu em bloco a 27/09/2021, correm há boca cheia entre todos os associados;
j) O que deixa os Autores seriamente preocupados e duvidosos sobre a legalidade da convocação da assembleia extraordinária;
k) O requerimento apresentado é extemporâneo e deve por isso ser desentranhado dos autos.”

Subsequentemente, em 18/11/2021, os RR. requerem a junção aos autos de “cópia da Ata da Assembleia Geral Extraordinária do Clube de Campismo ..., realizada a 04 de novembro de 2021, assembleia esta que tinha como pontos da ordem de trabalhos deliberar acerca da ratificação das deliberações tomadas por voto por correspondência das assembleias gerais convocadas a. 12 de maio de 2020 e de 23 de novembro de 2020.”
Desta ata resultando que colocado à votação o “Ponto 2 da ordem de trabalhos: Ratificação das deliberações tomadas na Assembleia Geral Ordinária Não Presencial, convocada a 23 de novembro de 2020, pelas razões explanadas quanto ao Primeiro Ponto, igualmente não foi admitida qualquer discussão, passando-se de imediato para a votação, que teve a seguinte expressão:
Mantendo-se presentes na Assembleia os cento e trinta e seis associados, e após contagem dos boletins, as mesmas foram aprovadas por maioria absoluta com:
Um voto em branco
Três abstenções
Zero votos nulos
Trinta e dois votos Não, com as declarações de voto dos Sócios: HH (Sócia n.º ...), AA (Sócio n.º ...) e II (Sócio ...), que serão anexas à presente Ata.
Noventa e nove votos sim”
Mais consta da mencionada ata:
“Prosseguindo os trabalhos para o Ponto Três: "Trinta minutos para tratar de qualquer assunto de interesse para o Clube", foram recebidas pela Mesa as seguintes inscrições: AA, Sócio nº ..., JJ, Sócio nº ... e KK, Sócio n º ...
Rateados os trinta minutos pelos sócios inscritos, e concedidos dez minutos a cada um dos mesmos, foram registadas as seguintes intervenções:
Sócio ... - JJ pugnou pela ilegalidade da assembleia realizada a 29 de Setembro de 2021, impondo-se cumprir e fazer cumprir os estatutos; Que recebeu resposta ao seu pedido de informações na data de 4 de Novembro de 2021 e que a mesma mencionava que aquele havia sido enviado a 25 de Outubro, quando o foi dia 8 do mesmo mês; Que aquele veio na sequência da sua intervenção na assembleia realizada a 29 de Setembro e que nesta apenas exerceu o seu direito de falar; Só pediu esclarecimentos para analisar eventual queixa-crime.
Sócio nº ... - AA que alertou para o facto de na convocatória estar em falta um ponto na ordem de trabalhos, a aprovação da ata da Assembleia realizada a 29 de Setembro de 2021; Teceu comentários ao esclarecimento inicial prestado pela Mesa da Assembleia, alegando não corresponderem à verdade já que a única assembleia geral ordinária não presencial impugnada na ação judicial em que é Autor, é aquela em que foi aprovado o orçamento; Leu a missiva de resposta ao convite para supervisionar a Assembleia Geral Extraordinária de compra da sede e contratação de mútuo bancário; Tendo -a apresentado à Mesa da Assembleia, fará parte integrante
da presente ata.
Sócio nº ... - KK, que alertou para o facto de nenhum dos associados presentes ter contestado a perda da sede sita à Rua ... no Porto.
Não houve mais nenhum assunto a ser discutido pelos presentes, pelo que a presente assembleia foi encerrada pelas vinte e duas horas e trinta e quatro minutos.”
Os AA. não responderam à junção deste último requerimento.
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Após junção destes dois requerimentos por parte dos RR., o tribunal a quo proferiu a decisão recorrida.
Sem que da mesma conste qualquer pronúncia quanto ao nestes requerido – o que aqui se deixa expresso atento o alegado pela recorrente nos pontos 20º e 21º das conclusões.
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Foi posteriormente proferido despacho saneador-sentença, no seu âmbito tendo sido:
- rejeitado o articulado superveniente oferecido pelos AA., por a factualidade nele alegada não interessar à boa decisão da causa;
- apreciada e julgada improcedente a arguida exceção dilatória de ilegitimidade ativa;
- apreciada e julgada verificada a exceção de ilegitimidade passiva dos 2º a 5º RR., consequentemente absolvendo os mesmos da instância;
- apreciado o mérito da causa por reunir o processo todos os elementos necessários para tanto.
A final, decidido:
“julgo a presente ação procedente e, consequentemente, determino a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral do R. “Clube de Campismo ...” ocorrida em 8-1-2021, cuja respetiva ata foi junta aos autos em 12-10-2021”.
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Do assim decidido apelou a R. “Clube ...”, oferecendo alegações e formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
“1.ª – O presente recurso vem interposto do saneador-sentença proferido em 10/12/2021 com a ref.ª: 429339003, que, considerando que o estado do processo permitia, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do C.P.C., o conhecimento do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, julgou imediatamente procedente a ação, determinando a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral do Réu, ora Recorrente, ocorrida em 8 de janeiro de 2021.
2.ª – Sucede, porém, que o Tribunal a quo fez uma interpretação errónea da lei, aplicando à realidade sub judice uma lei não aplicável, em consequência de uma certa desconsideração pelo contexto excecional e imprevisível que se vivia em virtude da referida situação pandémica causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
3.ª – Conforme sucede constantemente, e ainda mais perante uma realidade desconhecida, inesperada e imprevisível, não teve o legislador, nem lhe poderá ser exigível, na nossa modesta opinião, a capacidade de contemplar todas as questões jurídicas que poderiam surgir, designadamente num contexto social como o que se vivia, verificando-se, pois, a existência de lacunas na lei.
4.ª – Existe uma lacuna jurídica quando uma determinada situação, merecedora de tutela jurídica, não se encontra prevista na lei, tornando-se, então, necessário fazer aquilo que se chama a integração de lacunas, que visa precisamente encontrar solução jurídica para os casos omissos.
5.ª – Para haver integração, há que averiguar primeiramente que não há nenhuma regra aplicável, pelo que a integração supõe a interpretação, não sendo, contudo, ela própria a interpretação.
6.ª – Ora, o Tribunal a quo, ao interpretar o disposto no art. 5.º, n.º 1, da Lei 1-A/2020, de 19/3, teria que ter chegado à conclusão da existência de uma lacuna, para a qual era necessário consignar uma solução, lacuna, essa, traduzida no facto de não estar garantida a possibilidade de realização de assembleias, perante a proibição de realização das mesmas de forma presencial e a impossibilidade de recurso a meios telemáticos, contemplado na legislação extraordinária e temporária, e sem que, para tal, exista razão ponderável.
7.ª – Foi o que sucedeu relativamente à assembleia em causa nos presentes autos:
Havia a necessidade de realização da assembleia, necessidade essa que não se coadunava, sem graves prejuízos para os interesses do Recorrente e dos seus associados, com a não realização pura e simples da dita assembleia, não sendo viável, desde logo, devido ao elevado número de associados, a realização da mesma através de meios telemáticos, estando igualmente impedida, por imposição legal, a sua realização presencial.
8.ª - Necessidade essa de que não foi possível fazer prova, em consequência do tribunal a quo não ter permitido, ao proferir de imediato decisão, a competente produção de prova.
9.ª – Sem prejuízo de melhor opinião, não existindo qualquer norma aplicável a esta questão jurídica, e atendendo às condições específicas e extraordinárias do tempo em que a norma foi aplicada, teria o Tribunal Recorrido necessariamente que atender ao espírito da lei.
10.ª – Ora, tendo o legislador procurado regular e assegurar a realização das assembleias gerais num contexto de restrição dos direitos de circulação e reunião impostas por força da situação pandémica vivida, não se tendo limitado a proibir tout court a realização das mesmas, parece-nos plausível a conclusão de que a intenção do legislador foi a de permitir excecionalmente formas alternativas para a sua realização, em moldes distintos daqueles que a lei geral estabelece.
11.ª - Deste modo, perante a lacuna de previsão da questão jurídica de impossibilidade de realização da assembleia por meios telemáticos e presenciais, não poderá, com todo o respeito por opinião distinta, colher a interpretação de que a solução jurídica subjacente ao espírito do legislador, seria simplesmente a não realização da assembleia, independentemente de a sua não realização acarretar graves prejuízos para a associação e para os seus associados.
12.ª - Assim, o tribunal recorrido, colocado perante esta concreta situação, não coberta pela lei e sem qualquer precedente judicial, teria que ter tido em consideração, desde logo, o espírito da lei, as circunstâncias excecionais do momento, bem como o interesse e necessidade de realização da assembleia, para, a partir daí, encontrar a solução jurídica adequada.
13.ª – Solução jurídica essa que não poderia ser outra que não a conclusão de que inexistiu qualquer irregularidade no funcionamento da assembleia geral de 8 de janeiro de 2021, atendendo as especiais e excecionais circunstâncias em que a mesma ocorreu.
14.ª – Deste modo, ao decidir nos moldes em que decidiu, a sentença recorrida violou os artigos 9.º, 10.º e 11.º do CC bem como o artigo 595.º n.º 1 al. b) do CPC.
15.ª - Mesmo que se entenda, o que não se espera e apenas se formula como mero raciocínio académico, que independentemente do contexto excecional que se verificava, a assembleia geral do Clube de Campismo ..., aqui Recorrente, não poderia ter ocorrido de forma não presencial, sempre a presente ação deveria ter sido julgada improcedente.
16.ª - Conforme consta da sentença ora posta em crise, o artigo 177.º do CC dispõe que “As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.”.
17.ª - A lei civil que regulamenta as relações das associações não contempla uma norma semelhante à do artigo 62.º do Código das Sociedades Comerciais (renovação da deliberação social), a qual dispõe concretamente sobre a renovação da deliberação dos sócios anulável, mediante outra que não enferme do vício da deliberação precedente.
18.ª - Não obstante, pela natureza das coisas e o paralelismo entre as situações, impor-se-á um tratamento semelhante, devendo ocorrer a aplicação analógica da figura da declaração renovatória prevista no artigo 62.º do CSC, pois que, não fará sentido a anulação de uma deliberação da assembleia geral se, antes da decisão de declaração de anulabilidade devidamente transitada em julgado, veio a ser renovada por outra que, coincidindo com o conteúdo da primeira, não enferma dos seus vícios, devendo, antes, por força dessa renovação, os efeitos jurídicos passarem a ser imputados unicamente à deliberação renovatória.
19.ª - Assim, a deliberação anulável não pode ser anulada se for substituída por outra tomada em conformidade com a lei ou com o regulamento, podendo, igualmente, ser objeto de confirmação, nos termos do artigo 288.º do CC, com vista a eliminar as irregularidades de que padeça.
20.ª - Ora, na pendência dos presentes autos, a mesa da assembleia geral do Recorrente submeteu a renovação/confirmação, em 04 de novembro de 2021, as deliberações tomadas na assembleia geral do Recorrente, que teve lugar no dia 08 de janeiro de 2021, tendo as mesmas sido aprovadas.
21.ª – Não obstante o Recorrente disso ter dado conhecimento ao Tribunal a quo, por requerimento de 18/11/2021, com a ref.ª CITIUS 40506436, juntando a respetiva ata, de onde resulta ter sido deliberado e aprovado, por maioria absoluta, a renovação/confirmação de ambas as deliberações tomadas nas referidas assembleias gerais realizadas de forma não presencial, designadamente na assembleia em causa nos presentes autos, a verdade é que sobre tal requerimento não recaiu qualquer despacho ou decisão, nem qualquer oposição por parte dos Autores Recorridos.
22.ª – Assim, o Tribunal a quo na apreciação dos factos constantes dos autos não teve em consideração o facto assente, atento a falta de oposição dos autores, de que as deliberações tomadas na assembleia geral de 08 de janeiro de 2021 foram renovadas/confirmadas por maioria absoluta dos associados do Recorrente, em assembleia geral extraordinária regularmente convocada para o efeito e realizada no pretérito dia 04 de novembro de 2021.
23.ª – Ora, as deliberações da assembleia geral do Recorrente de 08 de janeiro de 2021 foram tomadas e subsistem no ordenamento jurídico como válidas e eficazes até decisão judicial transitada em julgado em sentido contrário.
24.ª - No entanto, mesmo que tais deliberações fossem declaradas anuladas, teriam que subsistir no ordenamento jurídico as deliberações de 04 de novembro de 2021, não podendo operar aqui uma caducidade ope legis destas últimas que a lei não prevê.
25.ª - Deste modo, o que se verifica é uma inutilidade superveniente da lide da presente ação determinada por força da renovação/confirmação, em assembleia geral extraordinária, realizada em 04 de novembro de 2021, das deliberações aqui impugnadas, existindo assim a sanação de qualquer eventual vício de anulabilidade que pudesse existir.
26.º - Pois que, face à confirmação das referidas deliberações na assembleia geral extraordinária de 04 de novembro de 2021, sempre se terá que considerar que ocorre a exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso e conducente à absolvição da instância, de falta de interesse em agir ou falta de interesse processual.
27.ª - Exceção essa que o tribunal a quo não conheceu, verificando-se, assim, omissão de pronuncia, que importará a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
28.ª - De qualquer modo, tendo as deliberações tomadas na assembleia geral de 04 de janeiro de 2021, a que reporta a ata n.º 176 em causa nestes autos, sido objeto de ratificação/confirmação em assembleia geral extraordinária realizada em 04 de novembro de 2021 e a que se reporta a ata n.º 178, o destino da presente ação terá que ser a improcedência.
29.ª - Assim, a sentença recorrida violou, ainda, o disposto nos artigos 576.º, 577.º, 578.º, 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 al. d) todos do CPC.
30.ª – Paralelamente, não poderá, igualmente, colher a fundamentação do Tribunal recorrido, no que ao abuso de direito se refere.
31.ª - Uma das modalidades que pode revestir o abuso de direito encontra guarida no instituto jurídico denominado “venire contra factum proprium”, sendo que esta vertente se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adota uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes atuara.
32.ª - O venire contra factum proprium é, pois, o assumir de comportamentos contraditórios que violam as regras da boa-fé, traduzido no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente.
33.ª – Fundamenta o Tribunal a quo que, não sendo “de excluir que os mesmos tenham considerado que os assuntos então debatidos e decididos não revestissem uma importância tal que justificasse o recurso ao Tribunal”,” então, não se pode sequer concluir que os autores
34.ª - Conforme alegado pelo Recorrente na sua contestação e aceite pelos Recorridos em sede de réplica, a assembleia realizada em junho de 2020, de forma não presencial, visou a compra de um imóvel, para aí instalar a nova sede do Clube de Campismo ..., não sendo equiparável, nem questionável a importância de uma tal deliberação, face deliberação de apreciação e aprovação do orçamento e plano de atividades para um determinado ano.
35.ª - Não pode, pois, colher a tese, espelhada na sentença ora posta em crise, de que os Autores Recorridos não terão reagido judicialmente contra a forma como aquela assembleia anterior se realizou eventualmente por considerarem que os assuntos aí debatidos e decididos não revestiam uma importância que o justificasse.
36.ª – Sendo certo que, o Tribunal a quo faz uma (espécie de) presunção sem qualquer base ou fundamento, pois que nem os Recorridos alegaram tal facto, nem tal resulta de qualquer prova produzida, tanto mais que não foi possível produzir qualquer prova a esse respeito, nem tão pouco poderá resultar da experiência comum.
37.ª - Ora, se os autos não permitiam conhecer cabalmente todas as questões levantadas pelas partes, designadamente, relativamente ao abuso de direito, então não poderia o tribunal a quo, sem qualquer produção de prova adicional, proferir, de imediato, sentença.
38.ª – Ao contrário do que é defendido na sentença recorrida, o facto de em junho de 2020 ter decorrido uma assembleia geral nos mesmos moldes em que decorreu a assembleia geral em causa nos presentes autos, ou seja de forma não presencial e com votação por correspondência, em consequência de, em ambos os momentos, se estar perante as mesmas circunstâncias restritivas e excecionais provocadas pela situação pandémica e perante a necessidade de realização das referidas assembleias, aliado ao facto de as deliberações aí tomadas não terem merecido por parte dos aqui Recorridos, ou de qualquer outro associado, qualquer reação judiciária, não obstante tais deliberações implicarem decisões importantes para a vida e economia do Clube, tal postura foi geradora de uma legítima expetativa de que os Recorridos se conformaram com tal.
39.º - Pelo que, o Recorrente criou legitimamente a confiança de que, colocado novamente na posição de ter a necessidade de realizar a assembleia geral num quadro em que estavam novamente, por imposição legal, proibidas as assembleias presenciais e não sendo possível a sua realização pelos meios telemáticos, nada obstaria à sua realização nos mesmos moldes que aquela outra.
40.ª - Os Recorridos ao impugnarem as deliberações aprovadas na assembleia geral de 04 de janeiro de 2021 com fundamento na realização da mesma de forma não presencial, assumiram um comportamento contraditório e contrário à boa-fé, incorrendo, assim, em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, não lhes assistindo, pois, o direito de invocar a anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 08 de janeiro de 2021.
41.ª - Pelo que, a sentença recorrida violou, também neste segmento, o disposto no artigo 334.º do CC, violando igualmente o disposto no artigo 595.º n.º 1 al. b) do CPC.
42.ª – Deste modo, o saneador-sentença ao decidir nos moldes em que o fez, violou, nos seus vários segmentos decisórios, os artigos 9.º, 10.º, 11.º e 334.º do CC, bem como os artigos 595.º n.º 1 al. b), 576.º, 577.º, 578.º, 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 al. d), todos do CPC.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, ordenando-se que a mesma seja substituída por outra que absolva o Apelante do pedido.

Com o que se fará A mais inteira e sã JUSTIÇA”
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Não se mostram apresentadas contra-alegações pelos AA..
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem questões a apreciar:
1) Nulidade da decisão proferida por omissão de pronúncia quanto às consequências a extrair da “renovação/confirmação” das deliberações alvo desta ação (de 08/01/2021) ocorrida em Assembleia Geral Extraordinária realizada em 04/11/2011 e aos autos comunicada por requerimento de 18/11/2011 [vide conclusões 22º a 27º].
2) Se as deliberações tomadas em assembleia geral não presencial de 08/01/2021 são anuláveis.
Em caso afirmativo se foram validamente renovadas ou confirmadas e consequências dessa atuação para o destino dos autos.
Em concreto, se desta renovação ou confirmação operada em AG Extraordinária efetuada em 04/11/2021 deriva a inutilidade superveniente da lide, ou a improcedência da pretensão dos recorridos.
3) Se a pretensão dos recorridos configura comportamento contrário à boa-fé e como tal um abuso de direito.
***
III- Fundamentação
O tribunal a quo considerou assente a seguinte factualidade:
1 - O Clube de Campismo ..., fundado em 14-08-1947, é uma associação desportiva, cultural e recreativa, sem fins lucrativos e de utilidade pública, tendo como finalidade a prática de desportos de ar livre, nomeadamente, campismo.
2 – O art. 25º, al. a), do Estatuto e Regulamento Interno do referido Clube de Campismo ... prevê que a realização de Assembleia Geral ocorra “anualmente até 30 de dezembro para a apreciação e votação do plano de atividades e orçamento para o exercício seguinte”.
3 – Os AA. são associados do Clube de Campismo ....
4 – Em 8-1-2021, realizou-se assembleia-geral ordinária da R. Clube de Campismo ..., com a seguinte ordem de trabalhos: “Apreciação, discussão e votação de Plano de Atividades e Orçamento para o ano de 2021, apresentado pela Direção e ratificado pelo Conselho geral e Parecer do Conselho Fiscal, disponível para consulta na sede”.
5 – O direito de voto dos associados nessa assembleia foi exercido por correspondência, através de remessa de envelope selado contendo o sentido do voto de cada um dos associados.
6 – Após a abertura dos envelopes e a contagem dos votos remetido, o resultado do sufrágio foi vertido em ata.
7 – Consta dessa ata que:
“Aos oito dias de janeiro do ano de 2021 teve lugar, pelas 20 horas, (…) a Assembleia Geral Ordinária do Clube de Campismo ..., com a seguinte ordem de trabalhos:
1 – Apreciação, discussão e votação do plano de atividades e orçamento para o ano de 2021, apresentado pela Direção e ratificado pelo Conselho Geral e Parecer do Conselho Fiscal, disponível para consulta na sede.
Encontravam-se presentes/representados pelas missivas enviadas aos Associados que resultam identificados no registo de presenças composto por dezoito páginas no Livro número um, e duas no Livro número dois, num total de vinte, elaboradas para esta sessão da Assembleia e que faz parte integrante desta ata em anexo um, os quis representam o total de seiscentos e sessenta e seis associados votantes, existindo, por conseguinte, o respetivo “quórum” para deliberar e obter vencimento.
(…)
No ponto único da ordem de trabalhos, como questão prévia, foi expresso pelo Presidente da Direção que, conforme comunicado aos sócios, se realizaram as sessões de esclarecimento sobre o orçamento, concretamente nos dias 9, 10, 11, 21, 22 e 23 de dezembro de 2020, na sede do Clube de Campismo ... (…) e nos dias 15, 16, 17 e 19 de dezembro de 2020 no Parque de Campismo ....
O orçamento foi apresentado à votação e depois de conferida identidade dos associados e correspondência dos votantes, procedeu-se à abertura e contagem dos votos, que resultaram em:
(…)
Estando o orçamento aprovado em mais de três quatros do número total de sócios efetivos votantes no pleno gozo dos seus direitos.
(…).”
8 – Os AA. não votaram a referida deliberação.”
***
Fundamentação de direito.
Em função das questões acima elencadas, cumpre em primeiro lugar apreciar a invocada nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia.
Dispõe o nº 1 do artigo 615º do CPC
“1- É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;”
Tem vindo a ser pacificamente aceite que as causas de nulidade da sentença, previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC[1], respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[2], pelo que nas mesmas não se inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[3].
E no que à nulidade a que se reporta a al. d) concerne – em causa a omissão de pronúncia - quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a entender que esta respeita ao não conhecimento de todas as questões que são submetidas a apreciação pelo tribunal, ou seja de todos os pedidos, causas de pedir ou exceções cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento de outra(s) questão(ões).
Não se confundindo questões com argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação das suas pretensões.
Na mesma linha, igualmente se entendendo que apenas a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito e já não a sua deficiência, em que assenta a decisão, são causa de nulidade da mesma[4].
Tendo presente estes considerandos e revertendo aos fundamentos da arguida nulidade, temos que a recorrente alega:
- a deliberação anulável não pode ser anulada se for substituída por outra tomada em conformidade com a lei ou regulamento, podendo igualmente ser objeto de confirmação nos termos do artigo 288º do CC com vista a eliminar as irregularidades de que padeça;
- em 04/11/2021 as deliberações questionadas pelos recorridos foram renovadas/confirmadas, de tal tendo dado conhecimento ao tribunal a quo por requerimento de 18/11/2021, juntando aos autos a respetiva ata que dos recorridos não mereceu qualquer oposição;
- a renovação/confirmação origina a inutilidade superveniente da lide, exceção dilatória de conhecimento oficioso e que o tribunal a quo deveria ter oficiosamente conhecido.
De tal não conhecimento resultando a nulidade da sentença arguida.
Em suma, da argumentação expendida pela recorrente resulta imputar a mesma à decisão recorrida erro de julgamento por não consideração da comunicada [em data posterior aos articulados e prévia à prolação da decisão recorrida] e demonstrada renovação das deliberações atacadas pelos recorridos. O que, mais alega, deveria ter ocorrido oficiosamente, pelas consequências inerentes a tal renovação/confirmação.
A ser assim e em função do que acima já identificámos como enquadramento da nulidade arguida, temos de concluir pela improcedência da mesma.
O que a recorrente invoca tem de ser apreciado, sim, em sede de erro de julgamento, na subsunção jurídica dos factos ao direito.
Em conclusão, julga-se improcedente a arguida nulidade da decisão recorrida.
*
Em segundo lugar cumpre apreciar se as deliberações tomadas em assembleia geral de 08/01/2021 são anuláveis.
Em caso afirmativo se foram validamente renovadas ou confirmadas e consequências dessa atuação para o destino dos autos.
A R. “Clube de Campismo ...” (...) é uma associação desportiva, cultural e recreativa sem fins lucrativos e de utilidade pública (vide facto provado 1).
É, como tal, regida pelas regras dos seus estatutos e disposições legais do CC relativas a pessoas coletivas, constantes dos artigos 157º e segs. do CC..
Ainda e quando se justifique, por ausência de regulamentação, são-lhe aplicáveis as regras relativas às sociedades comerciais previstas no C.S. Comerciais, nomeadamente e no que ora releva nas regras gerais constantes dos artigos 53º e seguintes relativos às deliberações dos sócios[5].
Tal como resulta dos factos provados em 08/01/2021 teve lugar uma AG ordinária da R., tendo como ordem de trabalhos a apreciação, discussão e votação do plano de atividades e orçamento para 2021 – facto provado 4.
O direito de voto dos associados foi exercido por correspondência, através de remessa de envelope selado contendo o sentido de voto de cada um dos associados – facto provado 5.
O mesmo é dizer que foi realizada uma AG na qual não foi permitida a presença de todos os associados que a tal tendo direito, nela quisessem participar.
Este o fundamento do pedido de anulação de todas as deliberações tomadas em tal AG.
Anulação que o tribunal a quo deferiu, justificando-o precisamente com a inadmissibilidade da realização de uma assembleia sem a presença dos seus associados e o exercício do voto por correspondência.
A recorrente/Ré invocou como fundamento para a opção em causa o momento que então se vivia de situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e doença COVID 19.
Situação que levou o legislador a tomar medidas excecionais e temporárias em resposta a tal situação e aprovadas pela Lei 1-A/2020 de 19/03 (alvo de várias alterações) e DL 10-A/2020[6] de 13/03, cujos efeitos a 1ª veio ratificar, declarando fazer “parte integrante da presente Lei” (vide artigo 2º da Lei 1-A/2020 de 19/03).
Entre tais medidas excecionais, previu o legislador no artigo 5º da Lei 1-A/2020 de 19/03 na redação em vigor à data da realização da assembleia em causa nos autos:
1 - A participação por meios telemáticos, designadamente vídeo ou teleconferência de membros de órgãos colegiais de entidades públicas ou privadas nas respetivas reuniões, não obsta ao regular funcionamento do órgão, designadamente no que respeita a quórum e a deliberações, devendo, contudo, ficar registado na respetiva ata a forma de participação”.
Infere-se desta norma excecional ter sido permitido a realização de reuniões, entenda-se in casu de assembleias gerais que por definição implicam a presença dos respetivos associados, por meios telemáticos, designadamente vídeo ou teleconferência.
No caso da aqui R. é a AG constituída por todos os Sócios Efetivos no pleno gozo dos seus direitos, tal como decorre do artigo 20º dos respetivos Estatutos.
Perante a situação de exceção mencionada, o legislador veio reconhecer validade/regularidade às deliberações tomadas em reuniões/assembleias realizadas por meios telemáticos[7]. A fórmula legal evidencia a preocupação do legislador em garantir a todos os que tenham o direito a participar nas reuniões que o façam do modo mais próximo possível ao presencial, garantindo aquele que se entende ser o núcleo essencial do direito participativo, o de em simultâneo ouvirem a exposição e discussão dos pontos de trabalhos submetidos à discussão, para que após, de forma consciente e informada, possam no ato votar em conformidade.
Este entendimento afasta, acrescenta-se, qualquer relevância ao argumento da recorrente aduzido na contestação de que previamente foram realizadas sessões de esclarecimento.
Estas sessões não afastam, nem satisfazem, o direito participativo já analisado.
Em sede de recurso e apenas nesta sede, invocou ainda a recorrente a urgência na realização da AG.
Tal questão não foi invocada perante o tribunal a quo, pelo que sendo questão nova colocada em sede de recurso está excluída da nossa apreciação, na medida em que os recursos têm como finalidade e por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar o que foi decidido e já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo.
O argumento da urgência na realização da AG fica por esta via afastado e excluído da nossa apreciação.

Concluindo, a convocação de uma assembleia – mesmo em contexto de pandemia - em que por escrito se dá a conhecer a ordem de trabalhos e se comunica aos associados que a votação será feita por correspondência a enviar para a sede, sendo a contagem dos votos remetidos efetuada no dia em que se realizar tal assembleia sem a presença daqueles, inviabiliza de forma total e definitiva a possibilidade de os associados participarem ativamente na discussão dos pontos alvo da ordem dos trabalhos e assim poderem de forma coletiva formar a vontade a expressar em voto.
E viola, de forma intolerável, o direito dos sócios a participar, discutir e votar nas Assembleias Gerais, previsto nos artigos 5º al. c) e 8º dos Estatutos da R., em respeito pelo previsto no artigo 175º do CC.
Violação que torna tais deliberações anuláveis nos termos do artigo 177º do CC.
A excecionalidade da situação de pandemia já aludida e invocada pelo recorrente não justifica a convocação da AG nos termos apurados.
A lacuna legal que a recorrente invoca por referência à dita situação de pandemia, foi pelo próprio legislador suprida nos termos que constam do diploma legal citado e que a R. não respeitou.
A violação das regras de funcionamento da AG influiu no processo formativo da deliberação e como tal é sancionada com a mera anulabilidade, tal como decidido pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 177º do CC.
Assente a anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral que teve lugar no dia 08/01/2021, cumpre apreciar se as mesmas podiam ser e foram validamente renovadas ou confirmadas (vide conclusões 18 a 20) através da deliberação tomada em Assembleia Geral Extraordinária que teve lugar em 04/11/2021. Portanto já na pendência da ação, mas em momento anterior à prolação da decisão recorrida e que não levou em consideração este circunstancialismo.

A renovação e a confirmação são juridicamente realidades distintas.
Tal como é, acrescenta-se já, a ratificação.
Começando por esta última, a ratificação respeita à declaração de aceitação de um negócio que foi celebrado em nome do declarante por terceiro sem poderes para tal, ou em abuso desses mesmos poderes (vide artigos 268º e 269º do CC). Na vida societária está prevista esta figura na relação entre a Assembleia Geral de acionistas e o Conselho de Administração de uma SA, podendo a primeira ratificar qualquer deliberação anulável do 2º nos termos previstos no nº 3 do artigo 412º do CSC.
A confirmação, por sua vez, reporta-se ao ato de repor a validade de ato anterior – através de um ato complementar ou integrativo[8]- e compete à pessoa a quem pertence o direito de anulação (vide artigo 288º do CC).
Já a renovação pressupõe uma nova deliberação de conteúdo idêntico à primeira, expurgada do vício que afetava esta última – é o que dispõe o artigo 62º do CSCom[9].
Será assim uma “cópia corrigida” da primeira destinada a substituir e ocupar o lugar desta última.
Sendo aplicável tanto às deliberações nulas a que alude o nº 1, como às deliberações anuláveis a que alude o nº 2 do artigo 62º do CSC.
No caso do nº 1 só tendo eficácia retroativa quando lhe seja atribuída essa eficácia.
Quando à renovação da deliberação seja reconhecida eficácia retroativa, a deliberação renovatória implica a substituição da primeira deliberação, ocupando o lugar desta.
Caso contrário estaremos perante uma sucessão e não substituição de deliberações.
Seja como for, a renovação nunca opera a convalidação da deliberação anterior e assim em todos os casos em que haja substituição (e não apenas sucessão) a ação destinada a obter a invalidade da deliberação renovada não poderá obter ganho de causa “por impossibilidade lógica do seu objeto”.
O pedido não poderá nestes casos proceder por ser insuscetível de decretar por referência ao objeto da causa, na medida em que fruto da renovação que substitui a deliberação primitiva perde o seu objeto.
“Para se poder concluir que a ação é afinal inútil e que o autor (…) não tem necessidade de tutela jurídica, impõe-se ao tribunal que primeiro se debruce sobre o pedido e firmar que este não pode ser atendido, isto é, que não procede”[10].
A consequência da renovação da deliberação anulável que é substituída pela deliberação renovatória na pendência da ação, dará pois origem não à inutilidade da lide, mas antes à improcedência do pedido.

Assentes estes conceitos, analisemos a pretensão da R..
Tal como resulta do relatório inicial, a R. deu conhecimento aos autos em 27/10/2021 de que fora agendada uma “Assembleia Geral Extraordinária do Clube de Campismo ..., para deliberar acerca da ratificação das deliberações tomadas por voto por correspondência das assembleias gerais convocadas a 12 de maio de 2020 e de 23 de novembro de 2020.”
Notificados os AA. defenderam (em resposta) que tal agendamento não iria sanar a ilegalidade, devendo a AG “a ratificar” continuar a ser considerada ilegal.
Suscitaram ainda dúvidas quanto à composição da Mesa da AG à data. Por esta via questionando a validade de tal deliberação e pugnando pelo desentranhamento do requerimento.
Em 18/11/2021 a R. requer a junção aos autos de “cópia da Ata da Assembleia Geral Extraordinária do Clube de Campismo ..., realizada a 04 de novembro de 2021, assembleia esta que tinha como pontos da ordem de trabalhos deliberar acerca da ratificação das deliberações tomadas por voto por correspondência das assembleias gerais convocadas a 12 de maio de 2020 e de 23 de novembro de 2020.”
Desta ata resultando que colocado à votação o “Ponto 2 da ordem de trabalhos: Ratificação das deliberações tomadas na Assembleia Geral Ordinária Não Presencial, convocada a 23 de novembro de 2020”, do qual e “pelas razões explanadas quanto ao Primeiro Ponto, igualmente não foi admitida qualquer discussão” teve esta votação a seguinte expressão:
“Mantendo-se presentes na Assembleia os cento e trinta e seis associados, e após contagem dos boletins, as mesmas foram aprovadas por maioria absoluta com:
Um voto em branco
Três abstenções
Zero votos nulos
Trinta e dois votos Não, com as declarações de voto dos Sócios: HH (Sócia n.º ...), AA (Sócio n.º ...) e II (Sócio ...), que serão anexas à presente Ata.
Noventa e nove votos sim”
Mais consta da mencionada ata:
“Prosseguindo os trabalhos para o Ponto Três: "Trinta minutos para tratar de qualquer assunto de interesse para o Clube", foram recebidas pela Mesa as seguintes inscrições: AA, Sócio nº ..., JJ, Sócio nº ... e KK, Sócio n º ...
Rateados os trinta minutos pelos sócios inscritos, e concedidos dez minutos a cada um dos mesmos, foram registadas as seguintes intervenções:
Sócio ... - JJ pugnou pela ilegalidade da assembleia realizada a 29 de Setembro de 2021, impondo-se cumprir e fazer cumprir os estatutos; Que recebeu resposta ao seu pedido de informações na data de 4 de Novembro de 2021 e que a mesma mencionava que aquele havia sido enviado a 25 de Outubro, quando o foi dia 8 do mesmo mês; Que aquele veio na sequência da sua intervenção na assembleia realizada a 29 de Setembro e que nesta apenas exerceu o seu direito de falar; Só pediu esclarecimentos para analisar eventual queixa-crime.
Sócio nº ... - AA que alertou para o facto de na convocatória estar em falta um ponto na ordem de trabalhos, a aprovação da ata da Assembleia realizada a 29 de Setembro de 2021; Teceu comentários ao esclarecimento inicial prestado pela Mesa da Assembleia, alegando não corresponderem à verdade já que a única assembleia geral ordinária não presencial impugnada na ação judicial em que é Autor, é aquela em que foi aprovado o orçamento; Leu a missiva de resposta ao convite para supervisionar a Assembleia Geral Extraordinária de compra da sede e contratação de mútuo bancário; Tendo-a apresentado à Mesa da Assembleia, fará parte integrante
da presente ata.
Sócio nº ... - KK, que alertou para o facto de nenhum dos associados presentes ter contestado a perda da sede sita à Rua ... no Porto.
Não houve mais nenhum assunto a ser discutido pelos presentes, pelo que a presente assembleia foi encerrada pelas vinte e duas horas e trinta e quatro minutos.”
Os AA. não responderam à junção deste último requerimento.
E assim não deram nota de ter sido esta deliberação alvo de qualquer impugnação que afetasse a sua validade.
Certo sendo que da Ata junta resulta que a AG Extraordinária teve lugar em 04/11/2021.
Na mesma não foram suscitadas quaisquer questões quanto à regularidade da sua convocação, não confirmando as dúvidas que os recorridos haviam suscitado na sua resposta quanto à regularidade da composição da Mesa da AG e assim da regularidade da convocatória e da realização da AG.
O vício de que a primeira deliberação padecia – a realização de uma AG não presencial - mostra-se claramente sanado.
E nesta foi deliberado “ratificar” a deliberação da AG convocada a 23/11/2020, ou seja, a da AG ocorrida em 08/01/21 e alvo destes autos.
Tanto a convocatória como a Ata da AG falam em ratificação das deliberações tomadas. Mas nesta última deu-se nota – através da leitura de carta subscrita pelos membros da Mesa - das razões justificativas da convocatória da AGE por referência precisamente à pendência destes autos e do pedido de anulabilidade das deliberações em causa com vista à sua “ratificação”, atendendo às repercussões económicas para o R. decorrentes de eventual anulação de tais deliberações.
É claro pois o propósito do assunto posto à votação da AGE – a renovação da deliberação anterior que fora posta em causa, por forma a sanar a sua anulabilidade através da substituição pela nova deliberação, reiterando a expressão da vontade anteriormente manifestada, mas cuja validade estava posta em causa.
E se assim é, deve a deliberação de 04/11/21 ser interpretada como uma renovação da anterior deliberação substituindo esta, pois esse é o sentido inequívoco da vontade expressa pelos associados em deliberação, não podendo ser considerada a mencionada “ratificação” com o sentido técnico jurídico que acima deixámos enunciado.
Aceite que o R. em AGE deliberou renovar a anterior expressão de vontade, substituindo a anterior deliberação que padecia de vício, implica, não a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, mas a improcedência da pretensão formulada.
Com a consequente revogação do decidido e absolvição da R. do pedido.
Em função do decidido, o conhecimento da questão relativa ao abuso de direito ficaria em princípio prejudicada.
Atendendo, porém, ao que infra se dirá sobre as custas, importa ainda que de forma breve pronunciarmo-nos sobre esta questão.
Nos termos do art. 334º do Cód. Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Entende-se assim que atua em abuso de direito aquele que exercita um direito de que é titular de forma manifestamente excessiva para lá dos limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Atentando-se, para determinar os limites impostos pela boa-fé ou bons costumes, de modo especial as conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade.
E para consideração do fim social ou económico do direito, convocando-se de preferência juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Sem excluir os fatores subjetivos ou intenção na atuação do titular, na medida em que estes relevarão para apreciação quer da boa-fé bons costumes quer ao próprio fim do direito[11].
De entre os comportamentos típicos abusivos[12] que justificam nos termos legais um juízo de censura a uma atuação que de outro modo seria considerada legítima temos o venire contra factum proprium.
Em causa a tutela de confiança, apoiada na boa-fé e que ocorre perante quatro proposições, não cumulativas desde que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que compense a falha[13]:
“- 1º uma situação de confiança, conforme com o sistema e traduzida na boa-fé subjetiva e ética, própria da pessoa que, sem violar os deveres de cuidado que ao caso caibam, ignore lesar posições alheias;
- 2º uma justificação para essa confiança, expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem essa crença plausível;
- 3º um investimento de confiança, consistente em, da parte do sujeito, ter havido um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença consubstanciada;
4º a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante; tal pessoa por ação ou omissão, terá dado lugar à entrega do confiante em causa ou ao fator objetivo que a tanto conduziu.”
Neste tipo de atuação a censura recai, portanto, sobre uma conduta do sujeito titular de um direito que é contrária a uma sua anterior atuação, a qual especialmente quando reiterada e prolongada no tempo, viola a confiança, entretanto sedimentada na contraparte de que não viria a ser atingida pela proteção que a lei confere àquele que por ação ou omissão deu lugar ao estabelecer de tal confiança.
É esta confiança que a recorrente invoca estar a ser violada pelos recorridos com a sua atuação porquanto e conforme alegou ao não terem impugnado anterior deliberação tomada nos mesmos moldes (em junho de 2020) criou na recorrente a convicção de que aceitariam o procedimento seguido também na deliberação impugnada.
Não assiste razão à recorrente.
As deliberações respeitam a assuntos diversos e o prejuízo que das mesmas poderá advir quer para os associados quer para a própria associação são igualmente diferentes.
O facto de os recorridos não terem impugnado uma anterior deliberação tomada nos mesmos moldes não significa, a nosso ver, que tal legitime a invocada convicção da recorrente.
Nem o tempo decorrido entre ambas as assembleias, nem os assuntos diversos que nestas se discutiram, nem a manifesta irregularidade praticada permitem justificar a invocada confiança.
Em suma não se verifica a invocada atuação em abuso de direito por parte dos recorridos, na modalidade de venire contra factum proprium que a recorrente nesta sede de recurso invoca.
Uma última nota então, quanto às custas.
Não obstante o ganho de causa da recorrente, facto é que este tem como fundamento uma atuação superveniente da mesma.
Os recorridos pelos motivos que deixámos expostos, tinham razão na sua pretensão. Apenas não tendo visto procedência da mesma, atenta a renovação posterior do ato anulável por parte da recorrente.
As custas, ficarão assim a cargo da recorrente já que foi a sua atuação que deu causa à ação e é por atuação superveniente, já após findos os articulados e à mesma imputável que os recorridos não obtêm ganho de causa (vide artigos 527º nº 1, 536º nº 1 a contrario e 611º nº 3 do CPC).
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto, consequentemente e revogando a decisão recorrida decidindo absolver a R. do pedido formulado.

Custas pela recorrente.

Porto, 2022-11-14

Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
__________________________
[1] Preceitua o artigo 615º nº 1 do CPC
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
[2] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Manuel Tomé Gomes, in www.dgsi.pt, neste convocando ainda o ensinamento de José Alberto dos Reis in CPC anotado, vol. V, 1981, p. 144-146 sobre a distinção entre erro de julgamento e nulidade de sentença nos seguintes termos (ainda por referência ao anterior 664º do CPC, hoje artigo 5º do CPC e no caso considerando o excesso de pronúncia, mas aplicável por identidade de razões à omissão): “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
[3] Neste sentido ainda Francisco Almeida in ob. cit., p. 371; Ac. STJ de 30-09-2010, Relator Álvaro Rodrigues, Ac. STJ de 06/12/2012, Relator João Bernardo; Ac. STJ de 30/05/2013, Relator Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt sobre a distinção entre nulidade da sentença (no caso por oposição entre os fundamentos e decisão) versus erro de julgamento.
[4] vide neste sentido Ac. TRP de 11/01/2018, Relator Filipe Caroço; Ac. TRL de 03/12/2015, Relator Olindo Geraldes; Ac. TRG de 21/05/2015, Relatora Ana Duarte in http://www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido se decidiu no Ac. TRL de 17/12/2009, nº de processo 1541/08-2, invocando na doutrina e no mesmo sentido Menezes de Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português - Parte Geral” – 2004, III p.566 que justifica tal recurso com a proximidade dos valores se “tivermos em conta um fenómeno capital (…): o de boa parte das regras relativas a associações e fundações ter tido a sua origem no regime das sociedades anónimas. Nestas condições, não há obstáculos de princípio à aplicação analógica, no campo civil, das regras relativas a sociedades comerciais. O recurso ao Direito Comercial implica, todavia, a presença dos diversos requisitos de que depende a analogia: o caso omisso; o facto de esse caso dever ter, à luz do sistema, uma solução jurídico normativa; a analogia de situações; a presença de uma norma comercial aplicável ao caso análogo. Verificadas as condições, as pessoas coletivas civis podem recorrer ao inesgotável manancial representado pelo Direito das sociedades comerciais. E como estas, a título subsidiário, também podem recorrer às sociedades civis e ao Direito das pessoas coletivas, fecha-se o círculo: mais uma vez, reforçada fica a unidade do Direito privado português”. Em idêntico sentido, Ac. TRE de 17/01/2019, nº de processo 3275/17.2T8STR.E1, ambos in www.dgsi.pt
[6] Nos termos do artigo 18º de tal DL ficou inicialmente previsto:
As assembleias gerais das sociedades comerciais, das associações ou das cooperativas que devam ter lugar por imposição legal ou estatutária, podem ser realizadas até 30 de junho de 2020”.
Através do DL 24-A/2020 de 29/05 este artigo viria a ver a sua redação alterada, sendo introduzido um número 2:
“2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, no caso das cooperativas e das associações com mais de 100 cooperantes ou associados, as assembleias gerais que devam ter lugar por imposição estatutária podem ser realizadas até 30 de setembro de 2020”.
Este artigo 18º viria a ser revogado pelo artigo 5º DL de 87-A/2020 de 15/10/2020 e repristinado através do DL 22-A/2021 de 17/03 com a seguinte redação:
“1 - Não obstante a possibilidade de realização de assembleias gerais através de meios telemáticos nos termos legais, as assembleias gerais das sociedades comerciais, das associações ou das cooperativas, que devam ter lugar por imposição legal ou estatutária, podem ser realizadas até 30 de junho de 2021.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, no caso das cooperativas e das associações com mais de 100 cooperantes ou associados, as assembleias gerais que devam ter lugar por imposição estatutária podem ser realizadas até 30 de setembro de 2021”.
[7] Aliás seguindo o caminho já trilhado no CSC para as AG das sociedades anónimas, tal como previsto no artigo 377º nº 6 al. b). Norma que, todavia, aqui salvaguarda disposição contrária do contrato de sociedade.
[8] Vide Pinto Furtado in “Deliberações dos Sócios”, Comentário ao CSC, Almedina, 1993, p. 578.
[9] Sobre a distinção entre renovação e confirmação vide ainda Ac. TRP de 13/10/2014, nº de processo 1621/13.7TTPRT.P1 e doutrina no mesmo citada, in www.dgsi.pt .
[10] Pinto Furtado in ob. cit., p. 629, 631 e 636; defendendo igualmente que a deliberação renovatória de uma deliberação anulável acarreta a improcedência da ação por “superveniente perda do direito de anulação do autor”, cfr. CSC Comentário, IDET, vol. I, em anotação ao artigo 62, p. 745.
[11] Assim Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, ed. 6ª p. 515/516.
[12] Doutrinalmente identificados como: Venire contra factum proprium; Inalegabilidade; Suppressio; Tu quoque e Desequilíbrio – vide António Menezes Cordeiro in “Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas” in ROA, ano 2005/ano65 – vol. II- set. 2005/artigos doutrinais – consultado in https://portal.oa.pt/comunicaçao/publicaçoes
[13] Menezes Cordeiro na mesma publicação.