Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
197/14.2TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: PROVA DOCUMENTAL
PARECER MÉDICO
Nº do Documento: RP20160407197/14.2TTOAZ.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º238, FLS.132-138)
Área Temática: .
Sumário: I - Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objecto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos.
II - Os pareceres representam, apenas, a opinião dos jurisconsultos ou técnicos que os subscrevem, sobre a solução de determinado problema, e destinam-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica, cuja interpretação demanda conhecimentos especiais.
III - Se as opiniões dos técnicos forem expressas em diligência judicial, valem como meio de prova pericial; se forem expressas por via extrajudicial, valem como pareceres, representam apenas uma opinião sobre a situação e têm a autoridade que o seu autor lhes confere, isto é, são meros documentos particulares para efeitos probatórios.
IV – Os pareceres técnicos, não constituindo prova documental com força probatória plena, não permitem, por si só, alterar a decisão de facto da 1.ª instância, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 197/14.2TTOAZ.P1
Origem: Comarca Aveiro Oliv Azem Instância Central 3.ª Secção Trabalho J1
Relator - Domingos Morais – R 582
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. – Relatório
1.1. B…, sinistrada, nos autos identificada, foi vítima de acidente de trabalho, ao serviço do empregador C…, e participado por D…, S.A., seguradora responsável.
1.2. – Realizada tentativa de conciliação, sob responsabilidade do Ministério Público, não foi obtida a conciliação por discordância quanto ao grau de desvalorização fixado no relatório médico - legal singular.
1.3. – Requerida e realizada a perícia por junta médica, foi proferida sentença que fixou, além do mais, a IPP em 13%.
1.4. - Inconformada, a seguradora apresentou recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente Recurso interposto da douta sentença de fls. que decidiu que a sinistrada B… ficou afetada de uma I.P.P. de 13% e, nessa medida, terá direito ao capital de remição de uma pensão anua! e vitalícia no valor de € 617,89, bem como à quantia de €2552,30 a título de indemnização pelo período de I.T.A e de I.T.P. sofridos, e ainda €20,00 por deslocações para perícias médicas.
2 - Entende, pelo contrário, a ora Recorrente que não foi feita uma correta apreciação da prova produzida, ou seja, de todos os documentos carreados para os autos, não devendo, assim, ser condenada em tais valores, porquanto a sinistrada não ficou a padecer da supra referida incapacidade.
3 - Daí o presente recurso na expectativa de que lhe seja feita Justiça.
4 - Com efeito, deu-se como provado na douta sentença que, em consequência do acidente dos autos, a sinistrada sofreu as lesões e ficou com as sequelas descritas no relatório de folhas 39 a 41. Lesões essas que se consolidaram em 01 de Abril de 2014, ficando afetada de uma I.P.P. de 13%. Contudo, a ora recorrente impugna a decisão quanto à matéria de facto atinente à I.P.P. sofrida pela sinistrada.
5 - Além do exame pericial de avaliação do dano corporal a que a sinistrada foi sujeita no INML, no dia 30.07.2014, também foi a mesma observada e avaliada em sede de Junta Médica, em 30.06.2015, para fixação da incapacidade.
Resultou do primeiro exame que a sinistrada teria ficado a padecer de uma I.P.P. de 13,3984%, taxa essa atribuída por subsunção às rubricas I- 3.2.7.2.11c), I- 3.2.7.2.2.2 c) e 1-3.2.7.2.3.2 c) da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
Tendo em sede de Junta Médica os Srs. Peritos representantes do Tribunal e da sinistrada confirmado a existência de uma I.P.P. de 13%, com base na rubrica I-3.2.7.3 c) da Tabela supra referida.
6 - Mas, na verdade, foi carreada para os autos pela ora Recorrente outra prova documental de teor médico, nomeadamente relatórios de exames auxiliares de diagnóstico (como seja RMN ao ombro direito), relatório de evolução clínica da sinistrada, onde estão espelhadas as observações objetivas realizadas, diagnóstico médico, queixas da sinistrada ao longo do tempo, exames e tratamentos realizados. Tudo isto de acordo com a avaliação realizada por médicos da especialidade de ortopedia, que acompanharam a sinistrada desde a sua primeira avaliação clínica até à data em que lhe foi dada alta, e que os próprios peritos do INML e Junta Médica consideraram como data da consolidação das lesões de que é portadora, ou seja do dia 19.08.2013 até ao dia 01.04.2014.
7 - Assim, demonstra tal prova documental que todo o acompanhamento clínico da sinistrada foi realizado por vários médicos especialistas em ortopedia, que verificaram uma evolução positiva da sinistrada após a mesma ser sujeita a tratamento cirúrgico e fisioterapia.
8 - Tendo ainda um outro médico ortopedista, que interveio como perito em sede de Junta Médica por parte da ora Recorrente, se pronunciado no sentido de a evolução clínica da sinistrada ter sido favorável, e que à data da alta a limitação da mobilidade alegada seria francamente menor que a atual.
O que evidencia um certo "exagero" das queixas álgicas e falta de cooperação por parte da sinistrada, até porque não foi verificada qualquer alteração trófica do membro superior direito compaginável com as queixas apresentadas.
9 - Chegando tal perito a sugerir, para uma melhor compreensão do estado clínico da sinistrada e descoberta da verdade material, que aquela fosse sujeita a novo estudo (RMN ao ombro direito). Apesar de a resposta às queixas álgicas da sinistradas até já resultar da RMN já realizada, que apontava para a existência de uma artrite acrómio clavicual, com osteofitose marginal, esclerose e erosões ósseas subcondrais, entre outras, alterações essas que condicionam o conflito de espaço subacromial, nomeadamente sobre o tendão supra-espinhoso e que são resultantes de desgaste articular próprio da faixa etária a que a sinistrada pertence.
10 - No entanto, apesar de tais opiniões serem mais especializadas e devidamente fundamentadas do que aquelas que resultam do relatório pericial do INML e demais peritos médicos que intervieram na Junta Médica, entendeu o Tribunal a quo que seria de fixar a incapacidade resultante desses exames porque coincidentes.
11 - Os exames (singular e por junta médica) e pareceres complementares constituem uma modalidade de prova pericial, estando sujeitos às regras da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389° do Código Civil e art. 467° e ss do Código de Processo Civil).
12 - Constituindo entendimento pacífico na jurisprudência que não está o Juíz adstrito às conclusões das perícias médicas, por falta de habilitação técnica para o efeito, e apenas delas poderá discordar em casos devidamente fundamentados, designadamente com base em opinião científica em contrário, em regras de raciocínio ou máximas da experiência que, no âmbito da sua prudente convicção, possa extrair ou por razões de natureza processual possam inquinar tal prova (cfr. Ac. da RP de 18.06.2012, in www.dsi.pt.
E como decorre do Ac. RP de 05.02.07 citado no Ac. RP de 18.06.2012, os exames não serão de considerar pelo Tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório sejam deficientes, obscuros ou contraditórios, ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrem fundamentadas. Nada obsta, assim, que o julgador se desvie dos pareceres dos peritos que decidiram por maioria e opte pelo parecer decorrente de peritos da especialidade. Exigindo-se, contudo nestes casos que deixe consignada na sua decisão a sua motivação, isto é, enuncie as razões que o levaram a dar mais credibilidade àquele meio de prova (art. 653° CPC) e que seja convincente nessa motivação pois nessa fundamentação é que deve ser encontrada a legitimação dessa decisão.
Como diz António Abrantes Geraldes (ín "Temas da Reforma do Processo Civil", II vol., 2a edição, Almedina, pág. 254 e 255) " A transparência das decisões judiciais, o cumprimento do dever de fundamentação de todas as decisões que afetem os interessados e o dever de obediência à lei impõem um maior esforço na racionalização do processo de formação da convicção. Não basta que exista seriedade na forma como os tribunais decidem a matéria de facto; é necessário que o desempenho sério da actividade jurisprudencial transpareça inequivocamente da forma pela qual se exprimem as decisões".
13 - De facto, no presente caso, o fundamento apresentado na sentença ora em crise para a fixação da incapacidade foi apenas o da coincidência dos resultados dos exames periciais, resultados que, como já discorremos supra, não se encontram devidamente fundamentados, nomeadamente por referência aos exames médicos realizados pela sinistrada, dados objetivos existentes nos autos, antes parecendo dar prevalência às meras queixas subjetivas da sinistrada.
14 - Num processo de acidente de trabalho em que esteja em causa a incapacidade do sinistrado e em que haja vários exames e pareceres médicos juntos aos autos, não coincidentes, incluindo exames e pareceres de médicos da especialidade, o Juíz que aprecia e decida esta questão baseando-se apenas no laudo da junta médica e perícia do INML, sem atribuir relevância aos demais pareceres, deve, na fundamentação da sua decisão fazer uma análise crítica dos vários elementos de prova existentes nos autos, enunciando as razões que o fizeram dar mais credibilidade àqueles exames e não aos demais, e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Pelo que a ora Recorrente entende que andou mal o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, por ser tal fundamento manifestamente insuficiente, e basear-se ademais em prova obscura e deficiente, devendo ser alterado o valor fixado para a incapacidade para aquele declarado aquando da data de consolidação das lesões, que foi de 3%.
15 - Aliás, parece até ser contraditório que o Sr. Perito do INML e os dois que compuseram a maioria na Junta Médica tenham aceite e considerado válida a data de consolidação das lesões apontada pelos médicos da ora Recorrente, considerando as lesões sofridas e tratamentos efetuados, mas que ponham em causa todo o acompanhamento clínico levado a cabo por aqueles, quando apenas estiveram com a sinistrada naquele momento.
16 - Nesta medida, a sentença proferida deve ser alterada de acordo com toda a prova produzida, considerando a sinistrada se encontra afetada de uma I.P.P. de 3%.
Nestes termos e nos melhores de direito, revogando V. Exas, a douta sentença de fls. e julgando no sentido proposto, farão inteira e sã justiça.”.
1.5. – A sinistrada respondeu, concluindo:
1ª – Mostra-se suficientemente fundamentada a douta sentença condenatória, na parte referente à IPP de 13% fixada à A.
2ª – O Mmo Juiz “à quo” fez uma adequada apreciação da prova produzida quanto a esse ponto.
3ª – Deve o presente recurso ser julgado improcedente e confirmar-se a douta decisão recorrida.”.
1.6. – O Ministério Público, junto deste Tribunal, não emitiu parecer, por patrocínio da sinistrada.
1.7. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.Fundamentação
2.1. - Os Factos:
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. - No dia 30 de Julho de 2013, pelas 8 horas, em Arouca, quando a sinistrada varria o chão, puxou uma máquina e sentiu uma dor súbita e intensa no ombro direito.
2. - Nessa altura, trabalhava como empregada de balcão, sob as ordens, direcção e fiscalização de C…, auferindo o vencimento de € 485 x 14 meses acrescido de subsídio de alimentação de € 48,98 x 11 meses.
3. - Este tinha transferido para a seguradora referida a responsabilidade infortunística, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º …………., na modalidade de prémio fixo, pela retribuição anual ilíquida de € 6790.
4. - A sinistrada recebeu da seguradora a quantia de € 2.552,29 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos, nada tendo recebido da entidade patronal.
5. - A sinistrada gastou a quantia de € 20 em despesas de transporte com as deslocações obrigatórias ao GML e a este Tribunal.
6. - Em consequência do referido acidente a sinistrada sofreu as lesões e ficou com as sequelas descritas no relatório de folhas 39 a 41.
7. - Em consequência: Ficou afectada de um período de incapacidade temporária absoluta num total de 175 dias.
8. - Ficou afectada de um período de incapacidade temporária parcial de 30% num total de 70 dias;
9. - As suas lesões consolidaram-se em 1 de Abril de 2014; e
10. - Ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial fixada em 13%.”.
*****
O Mmo Juiz fundamentou a decisão de facto nos seguintes termos:
Basicamente, o Tribunal considerou admitidos a grande maioria dos factos acima indicados, sendo certo que só ficou controvertido, após a tentativa de conciliação, a incapacidade permanente parcial pois em relação a todo o resto houve acordo das partes.
No que respeita à incapacidade permanente parcial, o Tribunal considerou relevante, por um lado, o relatório médico-legal de folhas 39 a 41, que apontava já para valores próximos dos fixados na Junta Médica e, por outro lado e decisivamente, o resultado da Junta Médica que, apesar de não ter recolhido a unanimidade dos peritos, verifica-se uma resposta por maioria que é corroborada pelo relatório médico-legal anteriormente efectuado.”.

2. - O direito
2.1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.

2.2. - Objecto do recurso:
a) – A alteração do ponto 10) dos factos provados, isto é, saber se a sinistrada está afectada de uma IPP de 13%, como foi fixada na sentença recorrida, ou de uma IPP de 3%, como defende a ré/recorrente, com a consequente alteração do valor anual da pensão.
b) – A insuficiente fundamentação de facto da sentença.

2.3. - Alteração da matéria de facto
2.3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.

2.3.2. - No caso dos autos, a recorrente pretende a alteração do ponto 10) dos factos provados, no sentido de que seja fixada a IPP em 3% e não em 13%, como consta da sentença recorrida.
Para tal, invoca a junção aos autos de “outra prova documental de teor médico, nomeadamente relatórios de exames auxiliares de diagnóstico (como seja RMN ao ombro direito), relatório de evolução clínica da sinistrada, onde estão espelhadas as observações objectivas realizadas, diagnóstico médico, queixas da sinistrada ao longo do tempo, exames e tratamentos realizados” – cf. ponto 6 das conclusões de recurso.
Apesar da indicação da prova documental ser genérica, já que não só não é indicada a data (pelo menos) de cada um dos documentos, como nem é concretizada a inserção nos autos, por referência à sua paginação, vamos considerar, por serem os únicos, que a ré/recorrente se está a referir aos três documentos juntos a fls. 35-37 dos autos, epigrafados de:
1 - “Relatório Médico”, datado de 30 de Junho de 2014;
2 - “Descrição do Sinistro” e “Lista Evoluções do doente”;
3 - “Ressonância Magnética do Ombro Direito”, datado de 19.08.2013.
A referida documentação foi junta, a solicitação do perito médico do “Gabinete Médico-Legal e Forense de …”, para a realização do exame médico singular na fase conciliatória do processo, cujo resultado final foi a fixação, em 13,3984%, do coeficiente de incapacidade permanente parcial da sinistrada.
O primeiro é um parecer médico, subscrito pelo mesmo médico que subscreveu a “Participação de Acidente” da seguradora recorrente, datada de 19.08.2013.
O segundo é um relatório de evolução clínica da sinistrada, desde 19.08.2013 até 01.04.2014 (data da alta clínica), onde estão registadas as observações clínicas de quatro médicos, incluindo o subscritor da “Participação de Acidente”.
O terceiro é um relatório médico sobre o exame complementar da ressonância magnética ao ombro direito da sinistrada, que revelou rotura parcial de 7 mm do tendão supra - espinhoso.

2.3.3. - Os documentos são um dos meios de prova contemplados no Código do Processo Civil, a par da prova por confissão das partes, pericial, inspecção judicial e testemunhal – cf. título V, capítulos II, III, IV, V e VI do CPC.
Atento o disposto no artigo 362.º do Código Civil (CC), “Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.”
Assim, os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objecto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos.
Por sua vez, os pareceres representam apenas a opinião dos jurisconsultos ou técnicos que os subscrevem, sobre a solução de determinado problema. São peças escritas susceptíveis de contribuir para esclarecer o espírito do julgador, ou seja, para serem tomados pelo tribunal na consideração que os mesmos merecerem. Os pareceres de técnicos respeitam, normalmente, a questões de facto e destinam-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica, cuja interpretação demanda conhecimentos especiais; se as opiniões dos técnicos forem expressas em diligência judicial, valem como meio de prova pericial; se forem expressas por via extrajudicial, valem como pareceres, representam apenas uma opinião sobre a situação e têm a autoridade que o seu autor lhes confere, isto é, são meros documentos particulares para efeitos probatórios.
O artigo 607.º, n.º 4, do CPC, determina que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, (…); o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
E o n.º 5 acrescenta: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”. (negrito e sublinhado nossos).
Na fundamentação da decisão de facto, no que respeita à incapacidade permanente parcial, o Mmo Juiz considerou relevante, para a sua convicção, “por um lado, o relatório médico-legal de folhas 39 a 41, que apontava já para valores próximos dos fixados na Junta Médica e, por outro lado e decisivamente, o resultado da Junta Médica que, apesar de não ter recolhido a unanimidade dos peritos, verifica-se uma resposta por maioria que é corroborada pelo relatório médico-legal anteriormente efectuado.”.
Dito de outro modo: o Mmo Juiz formou a sua convicção em duas perícias médicas, uma singular, outra colegial, ambas meio de prova pericial, de livre apreciação judicial – cf. artigos 467.º e segs. do CPC; artigo 138.º, n.º 1, do CPT; e artigo 389.º do Código Civil.

Ao contrário, a “outra prova documental” que a ré/recorrente invoca nas suas conclusões de recurso, e referenciada no supra ponto 2.3.2., mais não constitui do que pareceres médicos, que, embora respeitáveis, não constituem prova documental, nem pericial, sequer, para o efeito pretendido pela ré/recorrente, dado que não foram emitidos em diligência judicial, mas sim em acto extra judicial avulso.
Ora, apenas com base nos três pareceres médicos, indicados pela ré/recorrente, não é possível a este Tribunal de recurso satisfazer a sua pretensão, dado que não constituindo prova documental com força probatória plena, não permite, só por si, alterar a decisão de facto da 1.ª instância, nos termos recorridos.
Assim sendo, improcede a pretendida alteração do ponto 10) da matéria de facto provada.

2.4.A insuficiente fundamentação de facto da sentença.
A ré/recorrente, nos pontos 12 a 14 das conclusões de recurso, aflora a insuficiência de fundamentação das perícias médicas (singular e colegial) realizadas no âmbito destes autos, bem como da decisão sobre a matéria de facto do tribunal recorrido, “por referência aos exames médicos realizados pela sinistrada, dados objectivos existentes nos autos, antes parecendo dar prevalência às meras queixas subjectivas da sinistrada.

Lendo este trecho da alegação de recurso, fica-se com a ideia de que um exame médico, em sede de acidente de trabalho, se basta com a leitura de pareceres, relatórios ou com a observação de exames técnicos.
Nada mais errado, em nosso entender.
O exame pericial médico deve envolver, essencialmente, a observação clínica do sinistrado (por isso, obrigatória a sua presença no exame), quer na sua vertente objectiva, quer subjectiva.
Os exames e pareceres, quando realizados ou solicitados, mais não são, como a própria lei os define, do que elementos “complementares de diagnóstico”.
E a dor, não sendo mensurável, deve ser um elemento subjectivo a considerar na avaliação clínica do sinistrado – cf. ponto 12 das Instruções Gerais, da Tabela Nacional de Incapacidades.
Como supra referido, os três pareceres/relatórios, juntos a fls. 35-37 dos autos, foram solicitados pelo perito médico que realizou a perícia médica singular - cf. fls. 33 dos autos -, em cujo relatório (constante de fls. 39-41v.º dos autos) faz menção expressa à “documentação clínica que nos foi facultada”, precisamente, a mesma que é referenciada nas conclusões do recurso.
Ou seja, tal “documentação clínica” foi considerada, ao contrário do que parece resultar da argumentação da ré/recorrente.
Por outro lado, a sentença proferida ao abrigo do artigo 138.º, n.º 2, do CPT, sê-lo-á observando o disposto no artigo 73.º, n.º 3, do mesmo diploma, isto é, “a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado.
Ora, basta ler a sentença recorrida para se concluir que respeita, na íntegra, o ditame do artigo 73.º, n.º 3, do CPT, incluindo a sucinta fundamentação de facto, supra transcrita, no ponto 2.1.
Na verdade, o Mmo Juiz fundamenta o ponto 10) dos factos provados, nos dois exames médicos, quer o singular, quer o de junta médica.
Assim sendo, também, neste particular, não assiste razão à ré/recorrente.

III.A decisão
Atento o exposto, julga-se a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
As custas do recurso são a cargo da ré/recorrente.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator)
Descritores:
Prova documental, pareceres técnicos, valor probatório, modificabilidade da decisão de facto.
1. - Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objecto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos.
2. - Os pareceres representam, apenas, a opinião dos jurisconsultos ou técnicos que os subscrevem, sobre a solução de determinado problema, e destinam-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica, cuja interpretação demanda conhecimentos especiais.
3. - Se as opiniões dos técnicos forem expressas em diligência judicial, valem como meio de prova pericial; se forem expressas por via extrajudicial, valem como pareceres, representam apenas uma opinião sobre a situação e têm a autoridade que o seu autor lhes confere, isto é, são meros documentos particulares para efeitos probatórios.
4. – Os pareceres técnicos, não constituindo prova documental com força probatória plena, não permitem, por si só, alterar a decisão de facto da 1.ª instância, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
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Porto, 2016.04.07
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha