Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2473/20.6T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: ACTIVIDADE PERIGOSA
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
ESTABELECIMENTO DE BAZAR
INCÊNDIO
VALOR EXTRAPROCESSUAL
DESPACHO DE ARQUIVAMENTO
Nº do Documento: RP202310232473/20.6T8MTS.P1
Data do Acordão: 10/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A circunstância de o inquérito penal a propósito da ocorrência de incêndio ter terminado com despacho de arquivamento não impossibilita os RR. de produzirem prova de que o evento teve origem criminosa.
II - O despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no âmbito do processo de inquérito às causas do incêndio que deu azo à ação não constitui um meio de prova com valor extraprocessual nos autos, já que não se verificam os pressupostos da sua oponibilidade às partes.
III - Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 493.º do C.C., consubstancia atividade perigosa aquela que em si mesma encerra a possibilidade de risco, independentemente de ocorrências externas.
IV - Ilide a presunção de culpa que sobre si impende o dono de estabelecimento comercial que logra demonstrar que o incêndio ocorrido se ficou a dever a facto ilícito de terceiro, ainda que desconhecido, que observou os deveres de cuidado que se impunham relativamente ao imóvel, não se prendendo a deflagração do fogo com qualquer causa que lhe seja imputável.
V - A venda num bazar de produtos variados, entre os quais roupa, calçado, artigos de limpeza, de bricolage, plásticos, produtos de limpeza, álcool etílico, acendalhas e álcool gel, tratando-se de produtos que existem na generalidade das habitações não integra o conceito de atividade perigosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 2473/20.6T8MTS.P1
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Sumário
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I - Relatório
AA e BB instauraram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A..., Unipessoal, Lda.” e “B..., S.A.”.
Pedem a condenação das RR.:
a) a pagarem-lhes €38.200,00 de danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência de incêndio;
b) a pagarem-lhes, a título de privação de uso do veículo automóvel, quantia não inferior a €7.000,00 e
c) a pagarem-lhes a quantia que vierem a despender na reparação da viatura automóvel, a liquidar.
Alegam:
- que em virtude de acidente deflagrado em loja da R. “A..., Unipessoal, Lda.”, que se propagou à fração em que habitam e ao aparcamento em que se encontrava veículo automóvel utilizado pela A., sofreram os prejuízos que elencam;
- que a R. “A..., Unipessoal, Lda.” havia transferido a sua responsabilidade para a R. “B..., S.A.”.
A R. “A...” contestou. Impugnou o alegado por desconhecimento e invocou ter transferido a sua responsabilidade emergente de acidente.
A R. “B..., S.A.” contestou. Alegou:
- ter celebrado com a primeira R. quatro contratos de seguro com as caraterísticas que explicitou e invocando a exceção da sua ilegitimidade passiva porquanto os AA. não a poderiam acionar diretamente e impugnou o alegado;
- que a segunda R. eliminou as paredes existentes entre as três frações;
- que o incêndio deflagrou na fração “A”, por força de atuação propositada de pessoa cuja identidade se desconhece;
- que desse local o fogo se propagou para as demais frações da loja;
- que nenhuma caraterística da fração onde o incêndio deflagrou e daquelas para as quais alastrou contribuiu para a ocorrência do mesmo;
- que o estabelecimento se encontrava licenciado, que as três frações dispunham dos equipamentos de segurança exigíveis e que na loja não existiam materiais inflamáveis, ou, pelo menos auto-inflamáveis;
- que várias outras pessoas podem ter sofrido danos decorrentes deste acidente, tendo sido instauradas várias ações destinadas a obter o seu ressarcimento, pelo que existe o risco de as indemnizações excederem o capital seguro, sendo necessário proceder a rateio.
Os AA. apresentaram resposta às exceções invocadas pela segunda R., pugnando pela sua improcedência.
O tribunal convidou os AA. a identificarem os danos sofridos pela viatura em consequência do incêndio e a esclarecerem se os mesmos impossibilitam a circulação daquela.
Os AA. responderam alegando que a reparação do veículo ascende a €3.515,29, que não dispõem de meios que lhes permitam a reparação e que a R. não lhes entregou veículo de substituição.
As RR. impugnaram os novos factos alegados pelos AA..
Foi dispensada a realização de audiência prévia.
O tribunal proferiu despacho saneador, julgando improcedente a exceção de ilegitimidade da segunda R. e julgando verificados os demais pressupostos processuais. Foi fixado o objeto do litígio e elaborados temas de prova.
Realizou-se audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação inteiramente improcedente.
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Inconformados, os AA. interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto que, com base na mesma, a ação foi julgada improcedente, por não provada.
2. A decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, padece de incorreções de julgamento e insuficiência, atentos os meios probatórios constantes do processo - documentos e depoimentos das testemunhas, que impunham decisão diversa da recorrida, que abaixo melhor se especificará.
3. O presente recurso versará a impugnação da matéria de facto dada como provada, uma vez que se conclui que a mesma não tem suporte na prova constante dos autos, bem como da produzida em audiência de julgamento, pelo que urge ser alterada a decisão da matéria de facto, nos moldes infra expostos.
4. Salvo o devido respeito por opinião diversa, os Recorrentes entendem que a resposta dada a determinados factos articulados não é correta e que decorre de uma interpretação da prova que não sufragamos.
5. São os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados:
“140 - O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 foi propositadamente deflagrado.
141 - Pessoa ou pessoas, cuja identidade não foi possível apurar, usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida e matérias que não foi possível apurar, lançaram fogo sobre objetos que se encontravam no fundo da fração A, no local mais distante da entrada da loja, que se fazia pela fração B.
145 - Pouco antes 20.27h do dia 05/06/2017, essa pessoa ou pessoas cuja identidade se desconhece, de forma voluntária e propositada deflagraram um incêndio,
146 - que teve início na fração A do imóvel e se propagou, de seguida, para as demais frações da loja da Ré A... – B e C.
148 – Assim que se aperceberam do acionamento desse alarme, os funcionários da loja muniram-se de recipientes com água e extintores e tentaram combater o fogo.
167- Assim, concluiu a polícia judiciária que o incêndio não teve como causa qualquer acidente elétrico, mas sim um ato doloso.
176 - A polícia judiciária concluiu que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme, numa altura em que só estavam três clientes na loja e os seus funcionários.”
6. A verdade é que em primeira linha e na sua resposta mais imediata o Senhor Inspector conclua nas suas declarações que não chegou a nenhuma conclusão quanto às causas do incêndio.
7. Já quanto ao relatório elaborado pelo Senhor Inspector, a verdade é que este é omisso quanto à identificação de potenciais agentes que possam ter encetado o incêndio objeto central dos presentes autos, sendo certo que se denota, ainda assim, que prosseguiu algumas linhas investigatórias para encontrar potenciais culpados, sem que tenha chegado a nenhuma conclusão em particular.
8. Apesar de ter havido suspeitas de crime de incêndio, não foi apurada qualquer causa criminosa para o mesmo, isto apesar de ter sido instaurado inquérito – processo nº1670/17.6JAPRT, que correu termos no DIAP, 2ª Secção de Matosinhos, que veio a ser arquivado.
9. O Ministério Público procedeu, por despacho, ao arquivamento do inquérito, por ter não ter verificado a existência de indícios da prática de um crime.
10. O Magistrado do Ministério Público, titular do Inquérito, no seu Despacho de arquivamento, junto aos presentes autos, expressamente menciona que “findo o inquérito, resulta das diligências efectuadas (designadamente pelas autoridades policiais – Polícia Judiciária) não ter sido possível apurar as causas deste incêndio e muito menos a identidade do(s) seu(s) autor(es), se é que os há – cfr., designadamente, fls. 2 a 14 e 216 a 226 do inquérito da PJ.”.
11. O arquivamento do inquérito (à luz do disposto no nº2 do artigo 277º do Código de Processo Penal) significou que não foi possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime.
12. Despacho de arquivamento que tem eficácia probatória extraprocessual legal.
13. O despacho de arquivamento produz efeitos extraprocessuais, pois, decorridos os prazos peremptórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica) tem a força de caso decidido.
14. Não ficou provado que o incêndio em causa tenha tido origem em acto criminoso ou tenha sido deflagrado propositadamente.
15. Não ficou demonstrado que alguém de forma voluntária e propositada e na execução de um plano previamente delineado, deflagrou propositadamente o incêndio em causa.
16. Os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão que não aquela a que chegou o Tribunal Recorrido.
17. Assim, e salvo melhor opinião, a Recorrida “C...” não logrou afastar através da prova produzida a presunção de culpa a que alude o artigo 493º, nº1, do Código Civil.
18. Pois, enquanto locatária daquela fração lhe cabe zelar e vigiar não só a estrutura como também os seus componentes e conteúdo de molde a, justamente, evitar que os mesmos constituam uma fonte de danos para terceiros, independentemente da causa ou processo concreto que os originem, atenta a presunção de ilicitude e culpa estabelecida em função daquele dever de vigilância.
19. Ficou provado que foi na fração “A” do estabelecimento comercial da 1ª Recorrida que deflagrou o incêndio, quanto a esse facto está sedimentado e pacificamente aceite, resulta, unicamente, indeterminado motivo que o desencadeou mas não estando indeterminado o local de origem do mesmo.
20. Cumprindo, assim, os Recorrentes com o seu ónus de alegar e provar que o incêndio teve a sua origem, proveniência ou causa no interior do imóvel da 1ª Recorrida, ficou suficientemente suportada a prova que conduz à responsabilidade da 1ª Recorrida pelos danos sofridos.
21. Era às Recorridas que competia ilidir essa presunção de culpa demonstrando que não houve qualquer culpa da sua parte (justificando a causa do incêndio) ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência – o que não fizeram.
22. Apesar de alegar o depoimento prestado pelo inspetor da Polícia Judiciária, que aponta no sentido de o incêndio ter resultado de um facto doloso, e põe de lado a possibilidade de o mesmo ter resultado de um curto-circuito, a verdade é que não existem elementos que o provem, pois além da presença daqueles jovens e o facto de um deles ter tido, previamente ao incêndio, algum conflito com o proprietário/possuidor do estabelecimento, nada mais fica provado além da sua presença no local e da compra de umas luvas, não havendo prova de que teriam ateado o incêndio causador dos danos sofridos pelos Recorrentes.
23. Assim, as Recorridas não lograram provar a causa ou origem do incêndio e designadamente que a mesma se imputa a mão humana.
24. Não se provando a causa do incêndio que deflagrou no edifício onde a 1ª Recorrida exerce a sua atividade, esta é responsável pelos danos causados a terceiros, por não ter ilidido as presunções de culpa previstas no artigo 493º do Código Civil.
25. Assim, ainda que desconhecendo-se o fenómeno concreto que originou a deflagração do incêndio na fração “A”, prevalece a presunção de ilicitude e culpa da Recorrida “A...” por violação do dever enquanto locatária e única utilizadora tinha de vigilância do seu estado e das suas condições de funcionamento.
26. Além da 1ª Recorrida não ter demonstrado a causa do incêndio, também não é verdade que mesma que tivesse tomado todas as diligências, ainda assim ele teria ocorrido, pois uma atitude de prevenção poderia evitar a deflagração do incêndio e os danos que este provocou na vida dos Recorrentes, não sendo propriamente uma situação anómala, imprevisível e fora do controle da 1ª Recorrida.
27. Como proprietária de um estabelecimento comercial, onde diariamente se desloca um grande número de pessoas para aí usufruir desses serviços, a 1ª Recorrida deveria ter tomado todas as precauções e todas as diligências para evitar o sucedido e evitar previsíveis danos para o público em geral, e para os vizinhos e proprietários das frações em apreço, em especial.
28. E este dever de vigilância não se cumpre com o facto de no seu estabelecimento comercial existirem extintores (não se apurou se estavam todos em bom estado de conservação e funcionamento) para combater as chamas.
29. Pelo que, bem andou mal o tribunal recorrido na apreciação que fez.
30. Face a tal responsabilidade ser assegurada também por via contratual com a Recorrida “B… Seguros” também sobre esta recairá o dever de indemnizar os Recorrentes nos termos entre as Recorridas contratados.
31. Mais, nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8º, nº 3, do Código Civil), sempre num juízo que equilibre a equidade do caso concreto e a uniformidade decisória, que não podem ser contraditórias.
32. É do conhecimento dos Recorrentes que, para além do presente processo, existem diversos outros processos que radicam no mesmo incêndio e nos quais igualmente os Autores nesses processos invocam o instituto da responsabilidade civil extracontratual dos aqui Recorridos, a saber:
Processo nº641/20.0T8PVZ, que corre termos do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 3, no qual foi já proferida Sentença, em 29/08/2022, e Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto - 5ª Secção, em 27/02/2023, que confirma, integralmente, a decisão da 1ª instância.
Processo nº635/20.5T8PVZ, que corre termos do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 4, no qual foi já proferida sentença, em 05/12/2022, que está sob recurso.
Processo nº962/20.1T8PVZ, que corre termos do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 6, no qual foi já proferido sentença, em 24/03/2023, que está sob recurso.
Processo nº 2467/20.1T8MTS, que corre termos do Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 1, no qual foi já proferido Sentença, em 28/11/2022, que está sob recurso.
Processo nº 888/20.9T8PVZ, que corre termos do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 2, no qual foi já proferido Sentença, em 26/11/2022, que está sob recurso.
33. As supra mencionadas ações foram julgadas procedentes por provadas e na fundamentação de direito das supra mencionadas sentenças e do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, argumentam que, quanto à causa do incêndio, ainda que afastado o incidente elétrico nos termos expostos no relatório da Polícia Judiciária, não se provou que o incêndio tenha tido a sua origem em intervenção humana, com o propósito de causar incêndio e destruição, muito menos que tenha tido a intervenção de algum dos clientes que momentos antes do incêndio estavam na loja.
34. Os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial.
35. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, exigência plasmada também no artigo 8º, nº3, do Código Civil.
36. Deste modo, o Tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, o disposto nos artigos 8º, nº3, 342º, nº1, 373º a 376º e 493º e seguintes do Código Civil, sendo manifesto o erro na apreciação da prova.
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A recorrida “A... Unipessoal, Lda.” contra-alegou, rematando nos seguintes moldes:

A prova dos autos: documental e testemunhal é clara, objectiva e que não deixa equívocos.

A análise sobre tal prova não merece reparos.

A decisão ora em crise analisou e bem a “situação”, materialidade dos factos em julgamento conforme o direito e a sua juridicidade.
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II - Questões a dirimir
- A - Reapreciação da matéria de facto
- B - Se o arquivamento do inquérito policial a propósito do incêndio verificado determina que o tribunal não se possa prevalecer da prova produzida em julgamento no que respeita à origem do acidente
- C - Da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil
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III - Fundamentação de facto
1 - Os Autores vivem, há mais de quatro anos partilhando cama, mesa e habitação, em condições semelhantes às dos casados.
2 - Até 05/06/2017 os Autores residiam no apartamento T3 no quinto piso do prédio urbano sito na Rua ..., em ....
3 - Esse apartamento corresponde à fração AD do prédio urbano sito na Rua ... e Rua ..., ..., em ... com aparcamento duplo e arrumos no piso menos um.
4 - Essa fração autónoma encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, da freguesia ... sob o nº ...10... e aí inscrita por Ap. de 08/11/2004, em nome do Autor e de CC no estado de casados – cfr. doc. nº 13, junto com a contestação da segunda Ré em 14/08/2020.
5 – E encontra-se inscrita na matriz predial urbana de Matosinhos sob o art. ...68º, em nome do Autor – cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial.
6 – Por escrito autenticado datado de 21/12/2020 o Autor e CC declararam vender a referida fração autónoma a DD, que declarou aceitar essa venda – cfr. doc. nº 2 junto em 16/06/2022, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
7 – Os Autores fizeram desse apartamento a casa de morada da sua família, nela pernoitando, confecionando e comendo as refeições, nela recebendo familiares e amigos e recebendo correspondência.
8 - Consigo residiam também a filha menor da Autora, fruto de uma relação anterior desta, e o filho bebé do casal.
9 - Para adquirir a aludida fração do prédio, o Autor recorreu a um empréstimo bancário.
10 - O Autor, pelo empréstimo habitação, pagava mensalmente o valor aproximado de €217,00.
11 – A Autora utilizava habitualmente a viatura automóvel de marca Ford, modelo ..., com a matrícula ..-DD-...
2 – À data esta viatura encontrava-se registada em nome de EE – cfr. doc. junto em 23/11/2022.
13 – Em data não apurada EE emitiu declaração de venda desse veículo a favor da Autora – cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
14 – Em 04/01/2018 este veículo foi registado na Conservatória do Registo Automóvel em nome do aqui Autor, AA – cfr. doc. junto em 23/11/2022.
15 - Até 05/06/2017 esta viatura ficava estacionada no aparcamento pertencente à fração AD.
16 - No dia 05 de Junho de 2017, pelas 20.30h, deflagrou um incêndio no edifício sito na Rua ..., em ....
17 - O incêndio teve origem no estabelecimento comercial do prédio, pertencente à primeira Ré, sito na cave desse edifício.
18 - Neste estabelecimento comercial, a primeira Ré tinha, entre outros, vários artigos, produtos altamente inflamáveis como plásticos; roupas de tecido sintético; produtos de limpeza; álcool etílico; acendalhas líquidas e álcool gel.
19 - O incêndio tomou enormes proporções e alastrou-se ao rés-do-chão do prédio - doc. aditamento nº 3 ao auto e notícia junto com a contestação da segunda Ré em 14/08/2020 - e foram mobilizadas 10 corporações de bombeiros, com um total de 46 elementos para o combater.
20 – Os moradores do prédio tiveram que sair de suas casas.
21 - O incêndio deu origem ao inquérito nº 1670/17.6JAPRT, que correu termos junto do DIAP da Comarca do Porto, 2ª secção de Matosinhos - cfr. doc. junto com a contestação da segunda Ré em 14/08/2020.
22 - O incêndio só foi considerado dominado, no dia 06 de Junho de 2017, após cerca de 13 horas de combate.
23 – Alguns moradores, que não tinham para onde ir, foram obrigados a passar a noite numa tenda montada pelos bombeiros.
24 - O Autor ficou toda a noite na rua na expectativa do fogo ser extinto e na esperança de que o incêndio não chegasse à sua habitação.
25 - A Autora pernoitou com os filhos em casa de familiares, sempre com a inquietude e temor de não saber se o incêndio iria causar a destruição do apartamento e dos seus pertences.
26 - Durante essa noite, o Autor sentiu-se horrorizado ao visualizar o incêndio que tomou enormes proporções.
27 - Devido ao incêndio a fração referida em 2 sofreu inúmeros estragos provocados pelo fumo.
28 - No dia seguinte o incêndio, apesar de se encontrar dominado, manteve-se numa fase de combustão lenta o que impossibilitou o regresso dos Autores à sua residência por uma questão de segurança.
29 - Continuou a angústia e ansiedade dos Autores por desconhecerem em que estado estava a sua residência e pertences de uma vida.
30 - Após a extinção do incêndio, os Autores e demais moradores do prédio foram autorizados a entrar nas suas casas para trazer algumas roupas e pertences.
31 – Mas proibidos de permanecer no prédio.
32 - Nos dias subsequentes, os Autores só podiam aceder ao edifício durante uma hora por dia, para irem buscar bens pessoais. 33 - Os Autores não tinham autorização para aceder à garagem e à zona de arrumos onde tinham a viatura automóvel e outros pertences guardados.
34 - Visto esse local do edifício ter sido um dos mais afetados.
35 - Os Autores não sabiam se a viatura tinha sido totalmente destruída pelas chamas.
36 - Os Autores continuaram impedidos de usufruir da habitação enquanto não era realizada uma vistoria técnica pelo departamento de engenharia civil da Câmara de Matosinhos ao edifício.
37 - Vistoria técnica necessária para avaliar as condições de segurança do prédio após o incêndio.
38 - Ficaram os Autores sem data para regressar ao apartamento.
39 - A vistoria ao edifício começou em 7 de junho de 2017.
40 – E quando concluída, o relatório revelou serem necessárias obras de consolidação.
41 - O relatório refere que, após os testes de esforço e ensaios realizados nas lajes, vigas e paredes do edifício, os danos "estão concentrados" nos blocos A, B e C, sendo os mais graves na laje do pavimento do piso 1/teto das lojas, que teria de ser parcialmente demolida e reconstruída e reforçada com a construção de uma sub-laje.
42 - Segundo o relatório, a segurança estrutural dos blocos A, B e C não satisfazia o exigível regulamentarmente para uma normal utilização.
43 – Pois os danos estruturais que o edifício sofreu com o incêndio foram muito profundos.
44 - Pelo que foi indispensável realizar obras estruturais substanciais.
45 - O Serviço Municipal de Proteção Civil de Matosinhos, na sequência da aludida vistoria efetuada, decidiu interditar a utilização do prédio, inclusive a fração/residência dos Autores.
46 - Os Autores foram notificados de que não poderiam habitar no apartamento até que as obras de consolidação do prédio estivessem concluídas.
47 – Visto que não estavam reunidas as condições de acesso e habitabilidade.
48 – Somente em abril de 2020 foi levantada a interdição à entrada e permanência das pessoas nos espaços, frações e zonas comuns do edifício.
49 – A fração referida em 2 é um apartamento de tipologia T3, com duas casas de banho e três quartos, de razoáveis dimensões.
50 - Devido ao facto de desconhecer quanto tempo iriam demorar as obras de consolidação no prédio, inicialmente os Autores e os seus filhos foram viver para a casa da mãe do Autor até ao final de julho de 2017.
51 – Em agosto de 2017 os Autores foram viver para uma habitação cedida por amigos.
52 - Essa habitação não tinha as mesmas condições de comodidade que o apartamento referido em 2.
53 - A habitação era um T2 e não tinha praticamente nenhum mobiliário.
54 - Os Autores tiveram de viver em “condições mínimas”, tendo inclusive de dormir num colchão, pois a habitação nem armação para cama tinha.
55 – O que lhes causava desconforto, sendo que em muitas noites não conseguiam dormir.
56 - Andavam exaustos física e psicologicamente.
57 - A sala de estar somente estava dotada de uma pequena mesa e cadeiras.
58 - Os Autores deixaram de receber visitas.
59 – Os Autores, com uma filha menor e um bebé que não dormia bem, ficavam desesperados.
60 - A permanência nessa habitação era acompanhada de uma sensação de mal-estar.
61 - Tudo isto causou aos Autores incómodos, angústia, preocupações, irritações e ansiedade.
62 - O que criou, inclusive, tensões entre o casal.
63 - Durante esse período a relação começou a deteriorar-se, as discussões entre os Autores aumentaram e agudizaram-se e eram cada vez mais frequentes.
64 – Tendo mesmo vindo a separar-se entre agosto de 2018 e maio de 2019, período em que o Autor viveu em casa da sua mãe.
65 - Em Dezembro de 2018, os Autores tomaram de arrendamento um apartamento T2 em ... – cfr. doc. nº 8 junto com a petição inicial.
66 – Passando a pagar uma renda mensal de €500,00 (quinhentos euros).
67 – Para além de o Autor continuar a pagar o crédito bancário referido em 9 e 10.
68 – Os Autores pagaram a título de renda relativa aos meses de janeiro de 2019 a abril de 2020, inclusive, a quantia de €8.000,00 (oito mil euros) – cfr. docs. juntos pelos Autores em 13/09/2021 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
69 - Em Matosinhos, na zona onde se situa a fração referida em 2 o arrendamento de um apartamento da tipologia T3 custava, à data, em média, €700,00 (setecentos euros) mensais.
70 - A viatura referida em 11 sofreu danos provocados pelo incêndio.
71 - No dia 8 de junho de 2017, a viatura foi rebocada para a D..., Unipessoal, Lda, para ser alvo de uma peritagem por parte da segunda Ré.
72 - A segunda Ré tardava na realização da peritagem.
73 – Em 20/06/2017 e 6 de setembro de 2017 a Autora interpelou a segunda Ré, instando-a a realizar a peritagem - cfr. doc. nº 10 junto com a petição inicial.
74 – Em 02/10/2017 a segunda Ré, através da E..., realizou a peritagem ao ..-DD-.., tendo concluído que o veículo carecia de reparação e substituição de diversos componentes, e estimou o custo da reparação em € 3 315,29 – cfr. doc. junto em 05/05/021, que aqui se dá apor integralmente reproduzido.
75 – Em 27 de março de 2019, a segunda Ré declinou a responsabilidade pela indemnização dos danos decorrentes do incêndio – cfr. doc. nº 11 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
76 – Os Autores não procederam à reparação do ..-DD-...
77 – A segunda Ré não atribuiu aos Autores veículo de substituição do ..-DD-...
78 – A Autora utilizava o veículo para as suas deslocações diárias, nas quais circulava não menos de 20km/dia.
79 – A privação do DD causou à Autora muitos incómodos e aborrecimentos.
80 – A primeira Ré tem como atividade o comércio a retalho de outros produtos novos em estabelecimentos especializados não especificados – cfr. doc. nº 5 junto com a petição inicial.
81 – E exerce essa atividade nas frações A, B e C do prédio referido em 3.
82 – Utiliza as frações A e B na qualidade de locatária financeira e a fração C na qualidade de proprietária – cfr. certidão da Conservatória do Registo Predial junta em 14/08/2020.
83 – A primeira Ré, A..., acordou com a segunda Ré, B… Seguros, que esta pagaria, a si ou a terceiros lesados, as quantias acordadas no caso de ocorrência dos eventos súbitos e imprevistos aí estipulados, acordos estes titulados pelas apólices nºs ...20, ...37, ...81 e ...17.
84 – O acordo com a apólice nº ...20, foi celebrado em 08/09/2015, é do ramo Comércio e Serviços – MR Empresas e rege-se por condições gerais, especiais e particulares acordadas, conforme consta dos doc. nº 1, quanto às condições particulares; doc. nº 2, quanto às condições gerais e especiais e doc. nº 3 proposta contratual, todos juntos com a contestação da segunda Ré, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
85 - A atividade segura por esse acordo é o comércio a retalho de outros produtos novos NE, na Rua ..., ... ...,
86 – com as seguintes coberturas:
- Edifício
- Multirriscos – cobertura base, capital seguro de €750.000,00
- Fenómenos Sísmicos – capital seguro de €750 000,00
- Greves, Atos de vandalismo – capital seguro de €750 000,00
- Assistência ao estabelecimento - incluída
- Proteção jurídica – incluída.
87 – Foi ainda acordado o seguinte:
- Franquias: fenómenos sísmicos: 5% do capital seguro e restantes coberturas conforme mencionado nas condições gerais e especiais da apólice
- Cláusulas especiais:
Cláusula de atualização convencionada 00%
Valor de substituição em novo: Não.
Entidade Credora – O edifício ou fração segura por esta apólice encontra-se em regime de garantia real a favor da entidade mencionada na qualidade de credora privilegiada, não devendo por isso proceder-se a qualquer alteração ou à anulação deste contrato, se o seu prévio conhecimento, nem pagar-se nenhuma indemnização por sinistro sem o seu consentimento.
Entidade Credora
Nome: Banco 1..., CRL.
Morada: Rua ..., ...
Localidade: Lisboa
Código Postal: ... Lisboa.
88 - Foi acordado o Plano 3 – Multiriscos, Cobertura Base, Assistência no Estabelecimento e Proteção Jurídica.
89 – E as coberturas opcionais de: greves, tumultos, alterações de ordem pública e atos de vandalismo e de fenómenos sísmicos.
90 – Sendo os valores seguros edifício ou fração (só paredes) de €750.000,00.
91 – O local de risco era exclusivamente a Rua ..., em ..., correspondente à fração A desse edifício.
92 - O plano acordado incluía as coberturas constantes do doc. nº 2 junto com a contestação apresentada pela segunda Ré.
93 – Mormente uma cobertura de responsabilidade civil do proprietário, sendo que o capital seguro correspondia a 25% do capital contratado para o edifício, ou seja de €187.500,00 =750.000,00 x 25% independentemente do número de lesados.
94 – Ficou estabelecido na apólice que em caso de sinistro seria devida pela segurada uma franquia de 10% sobre o prejuízo indemnizável, no mínimo de €100,00, a abater na eventual indemnização devida.
95 - Embora conste desse Plano 3 a cobertura Responsabilidade Civil Exploração, a mesma não foi contratada porquanto a mesma estaria ligada à cobertura Conteúdos (mormente quanto ao capital seguro) e esta cobertura não foi contratada.
96 – O que as partes quiseram contratar, no domínio da Responsabilidade Civil, foi a Cobertura RC Proprietário que garante o seguinte:
“Cláusula 45º - Responsabilidade Civil Proprietário 1 – Garante a satisfação das indemnizações legalmente exigíveis ao Segurado na sua qualidade de proprietário do Edifício ou Fração Segura, com fundamento em Responsabilidade Civil Extracontratual, por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causadas a terceiro.
97 – Por sua vez, no nº 2 desta cláusula estabelecem-se as seguintes exclusões relativamente a esta cobertura:
“Para além das exclusões mencionadas nas cláusulas 3º e 38º das presentes Condições Gerais, ficam ainda excluídas desta cobertura os danos resultantes de:
a) Acto criminoso praticado pelo Segurado ou pessoas por quem seja civilmente responsável;
b) Deficiências de construção ou de projecto;
c) O edifício já se encontrar, no momento da ocorrência do sinistro, danificado, defeituoso , desmoronado ou deslocado nas suas fundações, de modo a afetar a sua estabilidade e segurança global;
d) Desuso ou abandono do edifício;
e) Exploração da actividade desenvolvida o edifício;
f) Ascensores; monta-cargas e antenas de televisão, individuais ou colectivas;
g) Os danos decorrentes de obras no local de risco;
h) Os danos causados por instalações precárias ou que não obedeçam aos requisitos legais de montagem, instalação e segurança;
i) A responsabilidade civil emergente da propriedade de imóveis ou outras instalações não seguras por esta apólice;
j) Os danos sofridos pelo Segurado e/ou por qualquer das pessoas que constituem o seu agregado familiar, independentemente da coabitação;
k) Os danos sofridos por qualquer pessoa que mantenha com o segurado relações de sociedade ou de trabalho;
l) Os danos resultantes de qualquer atividade económica desenvolvida no local de risco;
m) A responsabilidade profissional;
n) A responsabilidade criminal;
o) As multas de qualquer natureza e as consequências pecuniárias de processo criminal ou de litígio com má fé;
p) As despesas de apelação e recurso do Segurado a tribunal superior, salvo se o segurador o considerar necessário;
q) Os danos decorrentes da propriedade ou posse de piscinas e jardins.
98 – O acordo referido em 83 titulado pela apólice nº ...81, celebrado em 08/09/2015, rege-se por condições gerais, especiais e particulares, quanto às condições particulares conforme doc. nº 4; quanto às condições gerais e especiais conforme doc. nº 5 e ainda pela proposta contratual conforme doc. nº 6, todos juntos com a contestação da segunda Ré, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
99 - A atividade segura prevista é: proprietário de Imóvel (Com e Ind) e o âmbito seguro é responsabilidade civil exploração.
100 – O local de risco nesta apólice é exclusivamente a Rua ... ..., correspondente à fração A desse edifício.
101 - No âmbito desta apólice só foi acordada a cobertura RC proprietário de Imóveis- Condição especial 04. Proprietário de Imóveis.
102 - O capital da cobertura contratada foi de €250.000,00 por sinistro e ano.
103 – Ficou estabelecido na apólice que em caso de sinistro, seria devida pela segurada uma franquia de 10% sobre o valor do sinistro, no mínimo de €250,00 e no máximo de €1 000,00, a abater na eventual indemnização devida.
104 – O objeto desta apólice é o seguinte:
“04. Proprietário de Imóveis
Cláusula 1ª – Objecto
1 – A presente condição especial tem por objeto a garantia da responsabilidade civil do Segurado na sua qualidade de proprietário de bens imóveis.
2 – A presente Condição Especial é contratada como seguro facultativo, não visando cumprir qualquer obrigação de seguro que possa estar prevista na lei para a qualidade mencionada no número anterior.
Cláusula 2ª – Garantias
A presente Condição Especial cobre, até ao limite do capital fixado nas Condições Particulares, as indemnizações que possam legalmente recair sobre o Segurado, por responsabilidade civil extracontratual, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais causados a Terceiros na qualidade de proprietário do imóvel ou fração referida nas Condições Particulares da Apólice.
2 – No caso do Tomador do Seguro ser o administrador do imóvel, em regime de propriedade horizontal, cada um dos condóminos será considerado também como Terceiro.
3 – A garantia concedida abrange nomeadamente os danos:
a) Causados pelos empregados ao serviço do Segurado, no exercício das suas funções de conservação e/ou manutenção do Edifício Seguro.
b) Verificados em consequência de rotura, defeito, entupimento ou transbordamento da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo nestes os sistemas de esgotos de águas pluviais bem como dos aparelhos ou utensílios ligados á rede de distribuição de águas e esgotos do edifício e respectivas ligações;
c) Verificados em instalações colectivas de gás, electricidade e climatização do imóvel.
Cláusula 3ª Exclusões
Para além das exclusões previstas nas Condições Gerais, consideram-se ainda excluídos da garantia da presente Condição Especial os danos:
a) Causados pelo Segurado, seu procurador e respetivos empregados ou colaboradores, sob influência de estupefacientes, embriaguez ou demência;
b) Resultantes da inobservância de disposições legais ou regulamentares relativas à conservação, manutenção e assistência do imóvel, respectivos elevadores e monta-cargas;
c) Resultantes de excesso de locação ou peso transportado pelos ascensores e/ou monta-cargas;
d) Resultantes da utilização de ascensores ou monta-cargas por crianças ou outras pessoas inimputáveis;
e) Causados por trabalhos de montagem, desmontagem, revisão ou substituição de antenas;
f) Resultantes de vício de construção do imóvel, dos muros e gradeamento e demais bens de raiz, que constituam e façam parte integrante da Propriedade Segura;
g) Que consistam em humidades que não sejam consequência directa de inundações;
h) Resultantes da exploração no imóvel de qualquer indústria;
i) Causados por torneiras deixadas abertas, salvo quando se tiver verificado uma falta de abastecimento de água.”
105 – O acordo referido em 83 titulado pela apólice nº ...37, celebrado em 10/03/2016, rege-se por condições particulares; gerais e especiais - quanto às condições particulares conforme doc. nº 7; quanto às condições gerais e especiais conforme doc. nº 8 e ainda conforme proposta contratual doc. nº 9, todos juntos com a contestação da segunda Ré, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
106 – A atividade segura é o comércio a retalho outros produtos Novos NE Morada: Rua ... e 9 , ... ....
107 – O referido acordo tinha as seguintes coberturas:
- Edifício
- Multirriscos – cobertura base, capital seguro de €139.500,00
108 – Foi ainda acordado o seguinte:
- Franquias: fenómenos sísmicos: 5% do capital seguro e restantes coberturas conforme mencionado nas condições gerais e especiais da apólice
- Cláusulas especiais:
.Cláusula de atualização convencionada 00%
.Valor de substituição em novo: Não.
. Entidade Credora – O edifício ou fração segura por esta apólice encontra-se em regime de garantia real a favor da entidade mencionada na qualidade de credora privilegiada, não devendo por isso proceder-se a qualquer alteração ou à anulação deste contrato, se o seu prévio conhecimento, nem pagar-se nenhuma indemnização por sinistro sem o seu consentimento
. Entidade Credora
Nome: Banco 1..., CRL.
Morada: Rua ..., ...
Localidade: Lisboa
Código Postal: ... Lisboa.
109 - Foi contratualizado o Plano 3 – Multiriscos, Cobertura Base, Assistência no Estabelecimento e Proteção Jurídica.
110 – E as coberturas opcionais de: greves, tumultos, alterações de ordem pública e atos de vandalismo e de fenómenos sísmicos.
111 – Sendo os valores seguros Edifício ou fração (só paredes) de €139.500,00.
112 – O local de risco era exclusivamente a Rua ... e 9 em ..., correspondente à fração B desse edifício.
113 - O plano acordado incluía as coberturas constantes do doc. nº 9 junto com a contestação apresentada pela segunda Ré.
114 – Mormente uma cobertura de responsabilidade civil do proprietário, sendo que o capital seguro correspondia a 25% do capital contratado para o edifício, ou seja de €34.875,00=139.500,00 x 25% independentemente do número de lesados.
115 – Ficou estabelecido na apólice que em caso de sinistro seria devida pela segurada uma franquia de 10% sobre o prejuízo indemnizável, no mínimo de €100,00, a abater na eventual indemnização devida.
A116 - Embora conste desse Plano 3 a cobertura Responsabilidade Civil Exploração, a mesma não foi contratada porquanto a mesma estaria ligada à cobertura Conteúdos (mormente quanto ao capital seguro) e esta cobertura não foi contratada.
117 – O que as partes quiseram contratar, no domínio da Responsabilidade Civil, foi a Cobertura RC Proprietário, com as garantias e exclusões referidas em 96 e 97.
118 – O acordo referido em 83 titulado pela apólice nº ...17, celebrado em 10/03/2016, rege-se por condições gerais, especiais e particulares, quanto às condições particulares conforme doc. nº 10; quanto às condições gerais e especiais conforme doc. nº 11 e ainda pela proposta contratual conforme doc. nº 12, todos juntos com a contestação da segunda Ré, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
119 - A atividade segura prevista é: proprietário de Imóvel (Com e Ind) e o âmbito seguro é responsabilidade civil exploração.
120 – O local de risco nesta apólice é exclusivamente a Rua ..., ... ..., correspondente à fração B desse edifício.
121 - No âmbito desta apólice só foi acordada a cobertura RC proprietário de Imóveis- Condição especial 04. Proprietário de Imóveis.
122 - O capital da cobertura contratada foi de €250.000,00 por sinistro e ano.
123 – Ficou estabelecido na apólice que em caso de sinistro, seria devida pela segurada uma franquia de 10% sobre o valor do sinistro, no mínimo de €250,00 e no máximo de €1.000,00, a abater na eventual indemnização devida.
124 – O objeto desta apólice, garantias e exclusões são os referidos em 104.
125 – O edifício sito na Rua ..., ...; Rua ..., ...; Rua ..., ... e Praceta ..., ..., constituído em propriedade horizontal, é composto por 51 frações – da A à AY - e encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº ...10 – cfr. doc. nº 13 junto em 14/08/2020, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
126 – A fração C desse imóvel, sita na Rua ..., composta por estabelecimento no piso 0 (segunda cave) destinado a comércio e serviços, encontra-se descrita nessa Conservatória sob o nº ...10... e aí inscrito o direito de propriedade da mesma desde 20/01/2011 em nome da Ré A... Unipessoal, Lda – cfr. doc. nº 13 junto em 14/08/2020.
127 - Nessa fração, em data anterior a 5 de junho de 2017 a Ré A... Unipessoal, Lda, instalou um estabelecimento comercial do tipo “bazar”.
128 - Inicialmente esse estabelecimento estava instalado apenas nesta fração.
129 – Em 20/01/2011 a A... Unipessoal, Lda acordou com a Seguradora Unidas, SA, que esta pagaria, a si ou a terceiros lesados, as quantias acordadas no caso de ocorrência dos eventos súbitos e imprevistos aí estipulados, acordo este titulado pela apólice ...30, que tinha como único objeto e local de risco a aludida fração C, com entrada pela Rua ..., em ... – cfr doc. nº 4 junto com a contestação apresentada pela Ré A..., que aqui se dá por integralmente reproduzido.
130 - Posteriormente, a Ré A... Unipessoal, Lda acordou com a Banco 1..., CRL. que esta lhe desse em locação financeira as duas outras frações autónomas adjacentes à sua loja comercial, designadas pelas letras ... e ... do aludido prédio.
131 – Por escrito que foi designado de “Contrato de Locação Financeira Imobiliária nº ...11”, em 11/09/2015, a Ré A... Unipessoal, Lda, acordou com a Banco 1..., CRL. que esta lhe cedesse, mediante o pagamento de uma renda, o gozo temporário da fração A do prédio referido em 125, correspondente a um estabelecimento comercial no piso zero (segunda cave), destinado a restauração e bebidas, prestação de serviços, ramo alimentar e outras atividades, com entradas pelos nºs ...59 e ...83 da Rua ..., duas zonas de armazenagem, dezassete aparcamentos no piso zero (segunda cave) com acesso pelo nº ...8 da Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número ...10... e inscrito na matriz urbana da união de freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...68-Aº - cfr. doc. nº 1 junto com a contestação da Ré A..., que aqui se dá por integralmente reproduzido, e doc. nº 13, junto em 14/08/2020.
132 – Por escrito que foi designado de “Contrato de Locação Financeira Imobiliária nº ...84”, em 11/03/2016, a Ré A... Unipessoal, Lda acordou com a Banco 1..., CRL. que esta lhe cedesse, mediante o pagamento de uma renda, o gozo temporário da fração B do referido prédio referido em 125, correspondente a um estabelecimento no piso zero (segunda cave) – destinado ao ramo alimentar, prestação de serviços e outras atividades que não exijam alvará sanitário, com entradas pela Rua ... e 9, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número ...10... e inscrito na matriz urbana da união de freguesias ..., ... e ... sob o artigo ...68... – cfr. doc. nº 2 junto com a contestação da Ré A..., que aqui se dá apor integralmente reproduzido e doc. nº 13 junto em 14/08/2020.
133 – As frações A e B do edifício referido em 125 encontram-se inscritas na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos em nome da Banco 1..., CRL., respetivamente desde 14/09/205 e 14/03/2016 – cfr. doc. nº 13 junto em 14/08/2020
134 – Depois de ter celebrado os referidos acordos, e uma vez que as mesmas eram adjacentes à fração C, a Ré A... Unipessoal, Lda removeu as paredes interiores que ligavam essas frações, eliminando as divisórias existentes entre aqueles três prédios.
135 - E, consequentemente, essas três frações passaram a ser acessíveis umas às outras, por inexistir qualquer separação entre elas.
136 - A fração C, tinha uma área de 81,30 m2; a fração A tinha uma área de 1.838 m2 e a fração B tinha uma área de 228,70 m2.
137 – Nessas três frações a Ré A... mantinha artigos de venda ao publico como roupa, calçado, artigos de limpeza, bricolage de jardim e de casa.
138 - A Fração A corresponde a uma permilagem de 148 do edifício; a fração B corresponde a uma permilagem de 22 do edifício e a fração C a uma permilagem de 7,8 do edifício.
139 - O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 deflagrou na fração A do referido prédio.
140 - O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 foi propositadamente deflagrado.
141 – Pessoa ou pessoas, cuja identidade não foi possível apurar, usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida e matérias que não foi possível apurar, lançaram fogo sobre objetos que se encontravam no fundo da fração A, no local mais distante da entrada da loja, que se fazia pela fração B.
142 - Esse local situa-se fora do campo visual dos funcionários da loja que se encontrem junto à entrada e balcão de pagamentos.
143 – E encontra-se confinado por paredes e afastado de vãos de abertura ao exterior.
144 – No local onde foi deflagrado o incêndio existiam prateleiras com plásticos, designadamente caixas, baldes, vassouras, luvas e outros materiais plásticos destinados a limpezas.
145 - Pouco antes 20.27h do dia 05/06/2017, essa pessoa ou pessoas cuja identidade se desconhece, de forma voluntária e propositada deflagraram um incêndio,
146 - que teve início na fração A do imóvel e se propagou, de seguida, para as demais frações da loja da Ré A... – B e C.
147 – Por volta das 20.27 h. foi acionado o alarme de fogo existente na loja (sistema Automático de Deteção de Incêndios), o qual passou a emitir um sinal sonoro.
148 - Assim que se aperceberam do acionamento desse alarme, os funcionários da loja muniram-se de recipientes com água e extintores e tentaram combater o fogo.
147 - Porém, mal deflagrou o fogo, começou a produzir-se e alastrou-se por todo a área da loja, grande quantidade de fumo intenso e denso.
149 - Escassos segundos depois de ter sido detetado o fogo, o sistema de iluminação do estabelecimento deixou de funcionar, o que mergulhou a loja numa quase total escuridão.
150 - Dada a intensidade das chamas, a quantidade de fumo produzido e a total escuridão que se instalou, os funcionários da loja não foram capazes de prosseguir o combate ao fogo, nem puderam dominá-lo.
151 - E, sob pena de risco para sua própria integridade física, os funcionários da primeira Ré tiveram de sair da loja e refugiar-se no exterior.
152 - Os funcionários da primeira Ré alertaram, de imediato, as entidades de segurança tendo a polícia chamado os bombeiros, os quais acudiram, também de imediato, ao local.
153 - O alerta quanto à deflagração do incêndio foi dado pelos funcionários da primeira Ré, telefonicamente, logo às 20.35h.
154 – Os bombeiros de ... chegaram logo de seguida ao local, tendo, de imediato iniciado o combate às chamas.
155 – No combate ao incêndio intervieram corporações dos bombeiros de ...; ...; ..., ...; ..., ..., ..., ...; moreira da ... e ..., num total de 46 elementos.
156 – Submetido o imóvel a inspeção pela polícia judiciária foi identificado o ponto do início do incêndio e o modo da sua progressão, conforme planta junta a fls. 145 e fotografias juntas a fls. 146 a 150 do processo de inquérito da PJ, apenso A do inquérito nº 1670/17.6JAPRT-A, junto como docs. nºs 15 e 15B em 14/08/2020, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
157 - A partir desse ponto situado na fração A, verificou-se uma progressão do fogo em V, desde as prateleiras mais baixas e junto ao chão, atacando as restantes prateleiras, bem como pilares ali existentes.
158 - O fogo afetou, primeiro, a totalidade da fração A, de seguida a totalidade da fração B e finalmente, já com muito menor intensidade, parte da fração C.
159 - Ao longo do caminho percorrido pelo fogo no indicado sentido, verificava-se, depois de extinto o incêndio, uma maior carbonização na área da fração A.
160 - Verificou-se, ainda, uma destruição descendente desde o pilar 1 até ao pilar 4, identificados na planta referida em 156, todos eles colocados na fração A do prédio.
161 - A partir do ponto de início do incêndio, verificou-se, também, na vertical, a projeção no teto, o qual foi totalmente destruído junto a esse local, bem como as paredes circundantes, que apresentam um elevado grau de destruição.
162 - A partir daquele ponto situado na fração A e em direção à fração C, passando pela fração B, o grau e sinais de destruição vão abrandando.
163 - A instalação elétrica existente nas frações A, B e C do prédio não apresentava qualquer colapso ou anomalia, encontrando-se as cablagens intactas de qualquer fusão.
164 – No local onde deflagrou o incêndio não existia qualquer tomada ou aparelho elétrico, com a exceção das lâmpadas de iluminação, no teto, que depois de extinto o fogo, também não apresentavam qualquer sinal de colapso ou anomalia.
165 – Na zona onde deflagrou o incêndio existia, apenas, um quadro elétrico, o qual se situava na parede oposta àquela onde teve início o fogo.
166 - Extinto o fogo e examinado esse quadro elétrico, o mesmo não apresentava qualquer sinal de curto-circuito ou anomalia.
167 - Assim, concluiu a polícia judiciária que o incêndio não teve como causa qualquer acidente elétrico, mas sim um ato doloso.
168 – No local onde deflagrou o incêndio não existia qualquer material auto-inflamável.
169 - Momentos antes da deflagração do fogo, encontravam-se na loja, para além dos funcionários da segurada da Ré, um jovem e um casal.
170 - Cerca de 3 meses antes do incêndio, FF foi surpreendido na loja enquanto tentava furtar dois casacos, tendo sido intercetado por funcionários do estabelecimento antes de conseguir sair do estabelecimento.
171 - Confrontado pelos funcionários da loja, FF envolveu-se em agressões com aqueles, mas acabou por devolver os casacos.
172 – A primeira Ré apresentou participação policial destes factos, tendo em vista a instauração de procedimento criminal contra FF.
173 - Posteriormente, a mãe de FF tentou um acordo com a referida Ré que passaria pelo pagamento dos casacos, em troca da desistência da queixa.
174 - Porém, a Ré A... Unipessoal, Lda não aceitou a desistência da queixa, pelo que esta acabou por seguir os seus trâmites normais.
175 - Não obstante a Polícia Judiciária tenha suspeitado que o incêndio pudesse ter sido ateado por FF, não logrou prosseguir essa linha de investigação, uma vez que foi indeferida uma diligência probatória que sugeriu e poderia ter aclarado tal suspeita. 176 – A polícia judiciária concluiu que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme, numa altura em que só estavam três clientes na loja e os seus funcionários.
177 - Um dos clientes que se encontrava na loja nos instantes que antecederam o acionamento do alarme de fogo adquiriu umas luvas de plástico, as quais estavam colocadas junto ao ponto de início do incêndio.
178 – As frações A e B e as suas partes integrantes ou componentes (designadamente, a instalação elétrica), bem como o seu equipamento (designadamente outros aparelhos elétricos e extensões de tomadas), não apresentavam, nem manifestavam, qualquer anomalia de construção, instalação ou funcionamento, em especial qualquer vestígio de queimadura (mancha negra) em aparelho, fio ou cabo, ficha, tomada ou interruptor, qualquer fumo ou qualquer ruído, cheiro ou desempenho anómalo.
179 - Esse equipamento não se apresentava deteriorado, nem se encontravam pressionado, as tomadas e interruptores de eletricidade estavam devidamente colocados nas paredes
180 - Nenhum incidente ou anomalia se verificou, em data anterior ou no próprio dia do incêndio, com a instalação elétrica ou equipamento, incluindo qualquer aparelho ou extensão de tomada, existente nessa fração segura (designadamente, os disjuntores desligarem a corrente elétrica, sentir-se um choque elétrico ou ocorrer qualquer faísca, qualquer fumo ou qualquer cheiro, ruído ou funcionamento anómalo).
181 - Esse estabelecimento dispunha de extintores portáteis em funcionamento.
182 - Toda a loja era abrangida por um sistema interno de videovigilância, que permitia detetar alguma movimentação suspeita.
183 - A loja dispunha, ainda, de um alarme de deteção de incêndio (sistema Automático de Deteção de Incêndios), o qual se encontrava em funcionamento e foi acionado.
184 - O incêndio atingiu, em escassos minutos, grandes proporções.
185 – Os Bombeiros só conseguiram dominar o fogo entre as 09.15 h e as 11.25 h, do dia 06/06/2017, depois de o terem combatido, de forma ininterrupta, entrando na fase de rescaldo às 12.15h.
186 - No estabelecimento em causa apenas existiam objetos que aí eram comercializados, nenhum deles auto-inflamável.
187 - Não existiam em todo o espaço da loja materiais ou substâncias que autonomamente ou reagindo entre si pudessem provocar autocombustão.
188 - Na fração “C” a primeira Ré mantinha, apenas, escaparates com sapatos e malas. 189 – Houve partes comuns do edifício referido em 125, bem como outras frações autónomas do mesmo que sofreram estragos em consequência do incêndio.
190 – Fruto do incêndio as pessoas que residiam neste edifício foram, pelo menos, temporariamente desalojados.
191 – Em 05/06/2017 existiam várias apólices de seguro que cobriam o risco de incêndio sofrido por diversas frações do prédio, bem como os danos sofridos nas partes comuns do edifício.
192 – Vários proprietários e/ou detentores de frações integradas no prédio referido em 125 já intentaram ações judiciais destinadas a obter o ressarcimento dos danos que alegam ter sofrido em resultado do incêndio.
193 – A F..., SA, pagou ao tomador do seguro GG a quantia de €5 648,01 e pagou à administração do condomínio deste edifício a quantia de €34 070,51, a título de indemnização pelos danos por estes sofridos em consequência deste incêndio – cfr. doc. junto em 26/07/2021.
194 – A G..., SA, pagou a HH, a quantia de €2 400,00 e ao condomínio deste edifício a quantia de €47 057,78, a título de indemnização dos danos por estes sofridos em consequência deste incêndio – cfr. doc. junto em 28/07/2021.
195 – A H... SA pagou:
- a II e ao condomínio deste edifício a quantia total de €54 752,31, a título de indemnização pelos danos por estes sofridos em consequência deste incêndio – cfr. doc. junto em 28/07/2021.
- a JJ e condomínio deste edifício a quantia total de €50 218,19, a título de indemnização pelos danos por estes sofridos em consequência deste incêndio - cfr. doc. junto em 28/07/2021.
- a KK e ao condomínio deste edifício a quantia total de €50.695,27, a título de indemnização pelos danos por estes sofridos em consequência deste incêndio – cfr. doc. junto em 28/07/2021;
- a LL e ao condomínio deste edifício a quantia total de €49.469,56, a título de indemnização pelos danos por estes sofridos em consequência deste incêndio – cfr. doc. junto em 28/07/2021;
196 – A I..., SA pagou a segurado não identificado a quantia de €54.073,64 e ao condomínio deste edifício a quantia de €1.440,55, a título de indemnização pelos danos por estes sofridos em consequência dos danos por estes sofridos em consequência deste incêndio – cfr. doc. junto em 25/08/2021.
197 - Em cada uma das apólices que titulam os acordos que sustentaram os pagamentos referidos em 193 e 195 ficou estabelecido que, satisfeita a indemnização, a seguradora ficaria sub-rogada nos direitos dos respetivos segurados
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B) Factos Não Provados
a) O Autor comprou a aludida fração no dia 30/11/2004.
b) Desde essa data, passou a habitar, com carácter habitual e permanente, nesse apartamento.
c) A Autora passou a habitar, com carácter habitual e permanente, nesse apartamento, desde 2016.
d) A Autora adquiriu a viatura de matrícula ..-DD-.. em 16/04/2013.
e) Tiveram de ser mobilizados mais de 130 bombeiros e 40 viaturas para extinguir o incêndio.
f) Aquando do incêndio, os Autores começaram a sentir cheiro a queimado e verificaram que estava a sair muito fumo junto ao portão da garagem.
g) A intensidade do fogo e fumo era tal que os Autores temendo pelas suas vidas, pegaram no seu filho bebé e no filho menor da Autora, saíram da habitação só com a roupa que tinham no corpo, carteiras e telemóvel.
h) Os moradores, incluindo os Autores, em pânico, deixaram as suas casas, tal era o fumo que entrava pelas mesmas.
i) Com receio que o incêndio se alastrasse às suas habitações.
j) O Autor sentiu-se angustiado ao verificar que a sua fração (tal como as demais) foi atingida.
k) Somente no mês de junho de 2020 é que estavam reunidas todas as condições logísticas para que os Autores pudessem regressar à sua habitação sita na Rua ..., em ....
l) Os Autores sentiam muitas dores no corpo por passarem a noite deitados no chão.
m) O que tinha reflexos no seu desempenho profissional.
n) Era uma habitação mais fria do que a do Autor pois não estava dotada de aquecimento.
o) E a roupa ficava toda amontoada por falta de espaço o que causava imenso desconforto e angústia aos Autores.
p) O aluguer de um veículo com as características do DD custa, no mínimo, o valor de €10,00/dia.
q) A Autora não dispunha de capital para ordenar a reparação do DD a suas expensas.
r) O contrato de leasing celebrado pela primeira Ré tem por objeto três frações: A, B e e C do prédio identificado na petição inicial.
s) No dia 05/06/2017, pouco antes das 20.30h, pessoa ou pessoas cuja identidade se desconhece e não foi apurada, ingressou(aram) nos prédios onde a Ré A... Unipessoal, Lda tinha instalado o seu estabelecimento.
t) Os bombeiros de ... saíram do quartel por volta das 20.39 h. e chegaram ao local pelas 20.45 h.
u) O estabelecimento comercial pertencente à Ré A... Unipessoal, Lda encontrava-se devidamente licenciado pelas autoridades competentes.
v) As tomadas e interruptores de eletricidade não se encontravam tapados ou cobertos nem se encontravam em contacto com água ou humidade.
w) Os extintores estavam todos em bom estado de conservação e funcionamento.
x) A primeira Ré tinha colocado sinaléticas e plantas de segurança. y) Existiam nas proximidades do estabelecimento diversas bocas de incêndio, ou seja, dispositivos destinados a fornecer água para o combate a incêndios.
z) Para combater o incêndio foi necessária a intervenção de 32 veículos e 94 elementos de 13 corporações de bombeiros.
aa) E o fogo só foi dado como extinto, após rescaldo e vigilância, pelas 21h10m do dia 09/06/2017.
bb) Na sequência da ocorrência do incêndio, os proprietários dessas frações, bem como os tomadores e segurados dessas apólices, participaram esse evento às respetivas seguradoras, das quais reclamaram o ressarcimento dos danos que dele tinham resultado, seja nas partes comuns do prédio, seja em cada uma dessas frações.
cc) O custo integral da reparação dos danos ocorridos nas partes comuns do edifício ascendeu a mais de €2.352.800,39.
dd) As companhias de seguros já efetuaram pagamentos na ordem de mais de €2.000.000,00.
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IV - Fundamentação jurídica
A - Da reapreciação da matéria de facto
Os apelantes entendem que a matéria dos pontos 140, 141, 145, 146, 148, 167 e 176 foi incorretamente julgada.
Reproduz-se aqui tal factualidade:
140 - O incêndio ocorrido no dia 05/06/2017 foi propositadamente deflagrado.
141 - Pessoa ou pessoas, cuja identidade não foi possível apurar, usando uma fonte de fogo ou calor desconhecida e matérias que não foi possível apurar, lançaram fogo sobre objetos que se encontravam no fundo da fração A, no local mais distante da entrada da loja, que se fazia pela fração B.
145 - Pouco antes 20.27h do dia 05/06/2017, essa pessoa ou pessoas cuja identidade se desconhece, de forma voluntária e propositada deflagraram um incêndio,
146 - Que teve início na fração A do imóvel e se propagou, de seguida, para as demais frações da loja da Ré A... – B e C.
148 - Assim que se aperceberam do acionamento desse alarme, os funcionários da loja muniram-se de recipientes com água e extintores e tentaram combater o fogo.
167 - Assim, concluiu a polícia judiciária que o incêndio não teve como causa qualquer acidente elétrico, mas sim um ato doloso.
176 - A polícia judiciária concluiu que o fogo foi ateado propositadamente e breves momentos antes do acionamento do alarme, numa altura em que só estavam três clientes na loja e os seus funcionários.
A este propósito aduzem os recorrentes que, em primeira linha e na sua resposta mais imediata, o inspetor da Polícia Judiciária concluiu nas suas declarações que não chegou a nenhuma conclusão quanto às causas do incêndio. Quanto ao relatório elaborado pelo inspetor, este é omisso relativamente à identificação de potenciais agentes que possam ter encetado o incêndio, referindo que prosseguiu algumas linhas investigatórias para encontrar potenciais culpados, sem que tenha chegado a nenhuma conclusão em particular.
Mais referem os apelantes que apesar de ter havido suspeitas de crime de incêndio, não foi apurada causa criminosa para o mesmo, isto apesar de ter sido instaurado inquérito - processo n º 1670/17.6JAPRT, que correu termos no DIAP, 2.ª Secção de Matosinhos -, que veio a ser arquivado, que o Ministério Público procedeu, por despacho, ao arquivamento do inquérito, por não ter verificado a existência de indícios da prática de um crime, mencionando no despacho de arquivamento que “findo o inquérito, resulta das diligências efetuadas (designadamente pelas autoridades policiais - Polícia Judiciária) não ter sido possível apurar as causas deste incêndio e muito menos a identidade do(s) seu(s) autor(es), se é que os há cfr., designadamente, fls. 2 a 14 e 216 a 226 do inquérito da PJ”.
Compulsou-se a prova documental e a prova testemunhal, respigando-se por assumir particular relevo para a apreciação da matéria de facto como se segue.
Do inquérito criminal a também testemunha em julgamento MM disse que já na semana anterior sentira cheiro a plástico queimado na zona dos plásticos, onde se encontrava uma das caixas de plástico com sinais de ter sido queimada, que estaria ainda mole e quente. Pensou que alguém tentou atear fogo, que não vingou e que se apagou por si. A testemunha NN referiu ter visto um jovem a sair com um saco de plástico na mão e que logo a seguir os alarmes de incêndio dispararam, o que foi relatado ao proprietário da loja, A..., conforme expresso por este no doc. junto com a contestação da 2.ª R..
No relatório pericial elaborado pela polícia judiciária - fls. 157 - C a 158 - identifica-se o local alvo de maior destruição, foco de deflagração, analisa-se o quadro elétrico situado na parede oposta e conclui-se não haver indícios de curto-circuito.
O relatório final da investigação, da autoria do inspetor OO, remata no sentido de que o ponto de início do incêndio se situou em prateleiras, junto do chão, com materiais de limpeza e plásticos, no local mais afastado da fração “A” relativamente à entrada na loja. Menciona inspeção à rede e instalação elétrica do espaço, não tendo havido colapso, encontrando-se as cablagens intactas de qualquer fusão. Fica, pois, arredada, a hipótese de a deflagração ter tido origem em acidente elétrico. Ressaltou a inexistência na zona de deflagração de tomada ou aparelho elétrico, à exceção das lâmpadas de iluminação, que também não apresentavam sinal de colapso.
O aludido OO, inspetor da Polícia Judiciária que chefia a secção de incêndios, especialista em incêndios e que investiga nesta área há 12 anos, depôs de forma explícita acerca de como apurou o local de deflagração e a progressão do fogo.
O depoimento da testemunha PP, especialista da Polícia foi em sentido coincidente. Segundo a testemunha, para o deflagrar do incêndio sempre teria que haver uma ignição que provocasse chama, o que apenas se poderia ficar a dever a ato humano.
Também QQ, perito que presta serviços para a empresa que fez a averiguação do sinistro, concluiu não existirem evidências de ocorrência de acidente elétrico e que as autoridades policiais concluíram ter havido fogo posto.
As testemunhas RR e SS mais permitiram firmar a convicção no sentido vertido.
Emerge, assim, abundantemente da prova produzida que o incêndio teve origem em mão humana, ainda que não se tivesse apurado a identidade do perpetrador. A origem da combustão não foi natural, mas sim dolosa. Os vestígios existentes no local permitem concluir que não ocorreu acidente elétrico. Os produtos e objetos que se encontravam no local de deflagração não eram químicos suscetíveis de auto-combustão e não existiam condições ambientais para a auto-deflagração.
No que se refere às tentativas, sem êxito, de debelar o incêndio por parte dos presentes no local, tendo tido que se afastar, dadas as proporções que o fogo atingiu no imediato, são estas sustentadas pelos depoimentos das testemunhas TT, MM e NN.
Desatende-se, por conseguinte, o pedido de alteração de matéria de facto.
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B - Se da existência de despacho de arquivamento emerge estar definido que a origem do incêndio que deu causa aos prejuízos cujo ressarcimento é pedido pelos AA. não é criminosa
Os recorrentes prosseguem as respetivas alegações frisando não ter sido apurada causa criminosa para o incidente. Nessa sequência, o Ministério Público teria procedido ao arquivamento do inquérito. Não estaria verificada a existência de indícios da prática de um crime, por não ter sido possível apurar, nem as causas do incêndio, nem a identidade dos seus autores.
O despacho de arquivamento, segundo aduzem, tem eficácia probatória extraprocessual legal, produz efeitos extraprocessuais, pois, decorridos os prazos peremptórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica) tem a força de caso decidido.
Preceitua o art.º 277.º/2 do C.P.P. que o inquérito é (…) arquivado se não tiver sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes.
O despacho de arquivamento é suscetível de ser entendido como tendo efeitos extraprocessuais. Neste sentido, veja-se o ac. da Relação de Évora de 11-3-2008, proc. 2846/07-1, Ribeiro Cardoso: em termos conceptuais, entende-se que o despacho de arquivamento produz efeitos extraprocessuais (ao contrário do que sucede com a acusação que produz efeitos endoprocessuais), pois, decorridos os prazos perentórios para a sua impugnação/revogação (através da abertura da instrução ou intervenção hierárquica), tem a força de caso decidido, apenas mutável e suscetível de reavaliação se surgirem novos elementos que ponham em causa os efeitos da decisão de abstenção, no âmbito do mesmo processo).
Veja-se, pois, que os efeitos do despacho de arquivamento são meramente provisórios, pois que sujeitos a reavaliação.
Por outra parte, a estar em causa um meio de prova, teria que se aferir se o despacho de arquivamento reúne as condições para ser admitido enquanto tal. As condições de admissibilidade do valor extraprocessual das provas ressaltam do art.º 421.º/1/2 do C.P.C.. Assim, é necessário que os depoimentos e perícias produzidos num processo o tenham sido com audiência contraditória da parte, e que venham a ser invocados noutro processo contra essa mesma parte; que o regime de produção da prova do primeiro processo ofereça às partes garantias não inferiores às do segundo; que o processo em que a prova foi realizada não tenha sido anulado, na parte relativa à produção da prova que se pretende invocar (cf. Miguel Teixeira de Sousa, in “As partes, o Objecto e a Prova na Ação Declarativa” e A. Reis, C.P.C. Anotado, vol. III, pp. 344 e ss.).
Como é bom de ver, o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público no âmbito do processo de inquérito a propósito do incêndio que deu causa aos autos não constitui um meio de prova com valor extraprocessual nos presentes autos, já que não se verifica nem um dos pressupostos da sua oponibilidade às partes.
Os apelantes não aludem à existência de caso julgado ou à autoridade de caso julgado, o que bem se compreende, dada a total impropriedade do recurso a tais figuras no concreto condicionalismo dos autos concreta. Não existiu decisão jurisdicional, nem a decisão é oponível aos RR.. Mesmo na situação em que exista um visado na investigação, a situação, desde que dentro dos prazos legais, sempre seria suscetível de reavaliação.
A abordagem efetuada no âmbito penal, com o surgimento do caso decidido, é meramente intrínseca ao processo penal.
Em conclusão, inexiste fundamento para que os AA. se possam prevalecer da ausência de despacho de acusação, da prolação de despacho de arquivamento em processo em que as partes nestes autos não surgem relevantemente ou não são de todo envolvidas.
Por assim ser, a resposta à questão suscitada só pode ser negativa. Nada impede a produção de prova no sentido de que o incêndio teve origem criminosa, podendo e devendo o tribunal socorrer-se da factualidade apurada para efeitos de subsunção jurídica.
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C - Se a R. pode ser civilmente responsabilizada pelos prejuízos emergentes do incêndio que se iniciou em fração de que era locatária financeira e que se propagou, assinaladamente, à fração habitada pelos AA.
A questão primordial dos autos consiste em determinar se é possível imputar a responsabilidade do incêndio à R. “A..., Lda.”, e, por essa via, à R. Seguradora, dentro dos limites do contrato de seguro.
A ideia central da responsabilidade civil reside em que quem causar dano a outrem, de natureza patrimonial ou não patrimonial deverá restabelecer o bem jurídico violado no estado anterior à lesão (art.º 483.º do C.C.). No caso de o restabelecimento não ser possível, a reparação deverá ocorrer através do pagamento de indemnização pecuniária, na medida da diferença entre o estado anterior ao da lesão e aquele que sobrevier - teoria da diferença (arts. 562.º e 566.º do C.C.).
Constituem pressupostos da responsabilidade civil a concorrência simultânea de facto voluntário do lesante; ilicitude; imputação do facto ao lesante; dano e nexo de causalidade facto/dano (Varela, João Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 495).
A responsabilidade está, por via de regra, ligada a um comportamento negligente, culposo, sendo de rejeitar a ideia de existência de responsabilidade objetiva genérica.
O legislador foi, porém, sensível a situações que, pela sua gravidade, independentemente da culpa, exigem responsabilização.
Assim, nos termos do disposto no art.º 492.º/1 do C.C. o proprietário ou possuidor do edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.
Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., p. 95) escrevem que deve entender-se que, além de estar sujeito às restrições ou limitações que a lei lhe impõe (dever de abstenção), o proprietário tem obrigação de adotar as medidas adequadas (dever de conteúdo positivo) a evitar o perigo criado pela sua própria atuação ou decorrente, por outros motivos, das coisas que lhe pertencem (dever da prevenção do perigo).
Sobre o proprietário impende ainda um dever de vigilância, no sentido de estar a par do que se passa com o imóvel (cf. Vaz Serra, Revista de Leg. e de Jur., ano 114.º, pp. 78-79).
Por seu turno, prevê o art.º 493.º do C.C.:
1 - Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
2 - Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
No caso concreto, não se apurou que a R. “A..., Lda.” tenha desenvolvido atuação ilícita e culposa suscetível de desembocar na sua responsabilidade nos termos gerais.
Os AA. defendem, porém, que a conduta da R. “A..., Lda.” é subsumível à previsão do art.º 493.º/2 do C.C., por entenderem que a mesma exercia uma atividade perigosa da qual decorreram os danos que sofreram.
O que seja uma atividade perigosa constitui um conceito indeterminado, que a doutrina e a jurisprudência vêm preenchendo.
Veja-se no sumário do ac. do S.T.J. de 17-5-2017, proc. 1506/11.1TBOAZ.P1.S1, António Piçarra:
IV - A lei não indica, porém, um elenco de atividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos dessa norma e também não fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da atividade, esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria atividade como a natureza dos meios utilizados.
V - A perigosidade é apurada caso a caso, em função das características casuísticas da atividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base a «directriz genérica» indicada pelo legislador.
VI - Deve ser considerada perigosa a atividade que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior suscetibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes.
Lê-se no ac. da Relação de Lisboa de 22-6-2021 com interesse para a causa (proc. 1694/18.6T8PDL.L1-7, José Capacete):
1. No n.º 2 do art. 493.º do CC, o legislador português, na esteira do italiano, ao referir-se a «atividade perigosa», recorreu à combinação de uma cláusula geral legal com um conceito indeterminado, que não define, nem em geral, nem para os efeitos do disposto na dita norma, limitando-se a relacionar a perigosidade com a natureza da atividade ou dos meios utilizados, remetendo para a doutrina e para a jurisprudência o papel de densificação da expressão, pelo que será em face das circunstâncias do caso concreto que se determinará se certa atividade é ou não perigosa.
2. O preenchimento de tal conceito pressupõe uma especial probabilidade de «aquela concreta atividade» causar um dano a terceiro, significando isto que é necessário que a concreta atividade desenvolvida pelo lesante acarrete um perigo que vá para além do que é normal noutras atividades, sendo expectável que dela possam resultar danos que, em termos de normalidade, não ocorreriam noutra atividade.
3. “Atividade perigosa” é, assim, aquela, cujo perigo, que objetivamente a encerra, acompanha o seu correto e adequado exercício, mesmo enquanto «tudo correr bem» e ainda que «tudo corra bem», e não aquela que apenas recebe tal qualitativo quando algo corre mal e o dano acontece, pois que a perigosidade é aferida a priori, residindo no próprio processo, e não no resultado danoso, muito embora a magnitude deste possa evidenciar o grau de perigosidade da atividade.
E no ac. da Relação do Porto de 29-6-2023 (proc. 1515/21.2T8MAI.P1, Ernesto Nascimento): é necessário que a perigosidade seja intrínseca à própria atividade, quer pela sua própria natureza, quer pelos meios utilizados no seu exercício.
Almeida Costa, (Mário Júlio de, Direito das Obrigações, 6.ª ed., pp. 492, 493) exemplifica como constituindo atividades perigosas o fabrico de explosivos, a navegação aérea, o transporte de matérias inflamáveis, a aplicação médica de raios x e ondas curtas, e refere que “deve tratar-se de atividade que, mercê de qualquer destas duas razões, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral”.
Revertendo à situação sub judice, decorre à abundância dos factos apurados que o A. foi proprietário de fração do prédio em que ocorreu o incêndio. O mesmo se diga da R. “A..., Lda.” no que se refere a uma das frações atingidas, sendo locatária financeira de duas outras, que, no seu conjunto, formavam o estabelecimento comercial explorado enquanto bazar. Fruto do incêndio deflagrado em fração sob a esfera de influência da aludida R., os AA. sofreram diversos prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial, desde logo se ressaltando a circunstância de o acesso ao edifício, na decorrência de interdição da edilidade originada pelo estado em que o incêndio o colocou, ter estado vedado entre 5-6-2017 e abril de 2020, ou seja, durante quase três anos. Mais sofreram os AA. prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial relevantes, como vem descrito nos factos assentes.
A primeira R. exercia no local o comércio a retalho. O estabelecimento explorado conjuntamente nas frações “A”, “B” e “C” correspondia a um bazar com uma área de 2.148 m2 que vende produtos variados, entre os quais, roupa, calçado, artigos de limpeza, bricolage de jardim e de casa, plásticos, produtos de limpeza, álcool etílico, acendalhas líquidas e álcool gel.
A propósito de alguns dos produtos transacionados na loja consta acertadamente da sentença da 1.ª instância: alguns destes produtos são facilmente inflamáveis. Porém, esta atividade não é, em si mesma, mais perigosa do que a de um qualquer supermercado ou hipermercado em que tais materiais estão igualmente expostos para venda. Ademais, todos estes materiais estão habitualmente disponíveis em qualquer casa de habitação. Não foi alegado, nem se provou, que o modo como a primeira Ré tem tais produtos armazenados ou expostos cause um risco acrescido de se inflamarem. Não se afigura, assim, que a atividade exercida pela primeira Ré implique um risco acrescido para terceiros de ocorrência de danos, de forma a que possa qualificar-se como atividade perigosa e subsumir-se na previsão no nº 2 do art. 493º, do C.Civil.
A culpa deve ser aferida segundo um padrão de diligência média, aplicado às circunstâncias do caso (art.º 487.º/2 do C.C.).
A venda num bazar comercial dos artigos aludidos, artigos que existem na generalidade das casas de habitação, não constitui uma atividade perigosa, não sendo de pressupor a responsabilidade da R. “A..., Lda.”. A R. desenvolvia uma atividade comercial de produtos que não envolviam especial perigosidade, insuscetível de, por si só, sem a concorrência de fatores externos, conduzir a qualquer prejuízo.
Em conclusão, como se viu, no caso dos autos não se provaram quaisquer factos que permitam responsabilizar a R. pelo incêndio ocorrido. Pelo contrário, está assente que o imóvel se encontrava em estado de conservação regular, designadamente, que a respetiva instalação elétrica era adequada. E mesmo a entender-se que impendia sobre a R. uma presunção de culpa, esta logrou ilidir a mesma. No local identificado pelos peritos como sendo o da deflagração não existiam aparelhos, tomadas, interruptores, quadros, ou quaisquer mecanismos elétricos no local, não existiam produtos na loja suscetíveis de se auto-inflamar, a loja estava equipada com extintores, detetores de incêndio e sistema de vigilância eletrónica, que se encontravam operacionais e foram acionados, os funcionários que se encontravam na loja agiram de forma adequada tentando debelar o incêndio com os meios ao seu dispor, do que desistiram apenas porque o alastrar das chamas colocava a sua segurança em risco e as autoridades foram chamadas a fim de que pudesse dar-se pronto combate profissional ao incêndio.
O facto de os AA. em nada terem concorrido para o incêndio não lhes confere, por si só, o direito a verem-se ressarcidos dos óbvios e sérios prejuízos que sofreram junto da proprietária de uma das frações e locatária financeira de duas outras do imóvel onde a deflagração teve origem e da seguradora para a qual aquela houvesse transferido a sua responsabilidade.
Tal responsabilização implicaria uma injusta punição para quem se viu a braços com sinistro imputável a terceiro e que, em acréscimo, teria que suportar os prejuízos dos outros lesados, assinaladamente se e na medida em que as condenações da Seguradora venham porventura a exceder os limites do capital seguro. Onerar a R. com os prejuízos dos AA. porque o incêndio deflagrou, fruto de atividade ilícita de terceiro desconhecido, no seu imóvel, não encontra sustentáculo jurídico.
A circunstância de por força do mesmo incêndio outros lesados, vizinhos do estabelecimento ardido, terem obtido decisão condenatória das aqui RR., inclusive junto desta mesma secção, não é de molde a infirmar o que se vem de expender.
A divergência esteia-se essencialmente na circunstância de no proc. cujo acórdão os AA. fizeram carrear para os autos juntamente com as alegações (proc. 641/20.0T8PVZ.P1, cujo acórdão data de 27-2-2023, com coincidência parcial das autoras deste acórdão) ter sido dado como não provado que o incêndio tenha tido origem criminosa. Já nesta ação, a convicção gerada foi em sentido diverso. Como é bom de ver, os meios de prova num e noutro processo não foram exatamente coincidentes, tendo a prova produzida e analisada neste caso permitido firmar a convicção sobre a origem criminosa do incêndio.
Aí se cita o ac. também desta Relação do Porto de 8-7-2015 (proc. 897/10.6TVPRT.P1, Maria Amália Santos), em que a propósito do art.º 493.º/1 do C.C: se lê: o preceito em análise prescreve uma solução assente na presunção de culpa do proprietário ou possuidor da coisa ou da pessoa a quem incumbe o dever de a vigiar, presunção que apenas se considera ilidida quando o agente a quem é imputada a responsabilidade demonstrar que não houve qualquer culpa da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência. Na justificação desta solução legal, Vaz Serra (Trabalhos Preparatórios do Cód. Civil, BMJ 85.º, p. 365) concluía que “quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias a evitar o dano. As coisas abandonadas a si mesmas podem constituir um perigo para terceiros e o guarda delas deve, por isso, adotar aquelas medidas; por outro lado, está (o obrigado à vigilância) em melhor situação do que o prejudicado para fazer a prova relativa à culpa, visto que tinha a coisa à sua disposição e deve saber, como ninguém, se realmente foi cauteloso na guarda”. Este preceito responsabiliza, assim, quem tem a vigilância de coisa imóvel pelos danos que essa coisa causar a terceiros. E deve entender-se por vigilância – no caso de imóveis - todo o ato do proprietário (ou do obrigado à vigilância) necessário a cuidar do seu estado de conservação e bom estado, de modo a que os mesmos não ponham em risco a integridade das pessoas e das coisas alheias. Daí que, se de um prédio, designadamente do seu interior, provém um incêndio, cabe ao respetivo proprietário responder pelos danos decorrentes da propagação desse incêndio e da água necessária para o combater, provocados nos apartamentos contíguos, visto que, feita a prova de que o incêndio provém de um determinado prédio e localizadamente do seu interior, isso significa que foi nesse prédio e no seu interior que teve origem, estando apenas indeterminado o facto concreto que levou à sua deflagração, mas não estando indeterminado o local de origem do mesmo. Ora, conseguindo os lesados provar que o incêndio teve a sua origem, proveniência ou causa no interior do imóvel do réu, os lesados produziram a prova necessária e suficiente para ser imputada a este último a responsabilidade pelos danos causados, não sendo exigível que provassem a causa, ou melhor, a sub-causa que em concreto originou o dito incêndio, porventura um bico do fogão acesso ou um curto circuito na instalação elétrica. Era, pois, ao réu que competia ilidir essa presunção de culpa demonstrando que não houve qualquer culpa da sua parte (justificando a causa do incêndio) ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que agisse com toda a diligência – o que não fez. É o proprietário do imóvel que tem o dever de o vigiar, assim como o estado da sua conservação, de sorte a impedir que nele se ocasionem focos danosos (…)
A diferença substancial nestes autos ocorre porque as RR. lograram ilidir a presunção de culpa que sobre elas impendia nos termos do n.º 2 do art.º 493.º do C.C., já que, por uma parte, se apurou a observância dos deveres de cuidado que se lhe impunham e, por outra, claramente se determinou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
*
A R. Seguradora foi demandada por força dos contratos de seguro celebrados com a R. “A...”. Não existindo fundamento para responsabilizar esta última, diretamente ou por presunção legal, decai igualmente a pretensão deduzida contra a R. Seguradora.
É, assim, manifesto que a pretensão dos AA. não pode deixar de soçobrar.
*

V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
*
As custas serão suportadas pelos AA. (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
*


Porto,23/10/2023
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
Fernanda Almeida