Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1335/13.8TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP201504131335/13.8TTVNG.P1
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Na apreciação do requerimento de notificação judicial avulsa, o que o juiz tem que apreciar é a regularidade formal do mesmo e saber se o direito invocado no requerimento existe em abstracto; porém, não lhe compete nessa fase apreciar da validade substancial da notificação, isto é, apreciar em concreto o direito invocado pelo recorrente, o que terá que ser feito na acção própria.
II - A equiparação da notificação judicial avulsa a uma citação ou notificação judicial para efeitos de interrupção de prescrição tem sempre como pressuposto que o requerente dessa notificação pretende exercer um concreto direito de que se arroga.
III - Por isso, para que a notificação judicial avulsa seja apta a interromper o prazo de prescrição em curso é necessário que do conteúdo da mesma resulte a intenção do requerente exercer um concreto direito.
IV - Tal não se verifica se da notificação judicial avulsa apenas se extrai que o requerente da mesma alega ter sido trabalhador do notificando, ter cessado o contrato de trabalho em 22-11-2011, na sequência de um despedimento colectivo, ter diversos créditos salariais decorrentes da vigência do contrato que “atingem várias dezenas de milhares de euros”, mas cuja concreta origem não revela, e que não foi possível até àquele momento apurar com exactidão o mesmo.
V - Não pode concluir-se que o empregador age com abuso de direito ao alegar a prescrição de créditos na acção – com invocação que da notificação judicial avulsa não resulta que o trabalhador se arrogue um concreto direito e, por isso, tal notificação não é apta a interromper essa prescrição – se não obstante nas negociações com vista à cessação do contrato por despedimento colectivo o trabalhador ter invocado ser credor de determinado montante sobre a empregadora, indicando as suas origens, se desconhece se esses créditos, ou alguns desses créditos foram satisfeitos pelo empregador, seja antes da cessação desse processo de despedimento colectivo, no âmbito deste, ou até, por se tratar de uma negociação tendo em vista a cessação do contrato, o trabalhador prescindiu de créditos para obter uma compensação global por parte do empregador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1335/13.8TTVNG.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º …, ….-… …, Lousada) intentou em 15-11-2013, no extinto Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra C…, Lda. (NIPC ………, com sede no …, Rua …, Lote ., ….-… …, Vila Nova de Gaia), pedindo:
a) a condenação da Ré a pagar-lhe (ao Autor) a quantia de € 70.760,81, a título de diferenças salariais relativas aos anos de 2001 a 2011, inclusive, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento;
b) que seja declarado “nulo e de nenhum efeito” o n.º 8 da cláusula 74.ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Outros, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 9, de 8 de Março de 1980, com a revisão publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 16, de 29 de Abril de 1982;
c) a condenação da Ré a pagar-lhe o que vier a liquidar-se “em sede de execução de sentença” relativo a todo o trabalho extraordinário por ele (Autor) efectuado no período compreendido entre Julho de 2001 e Julho de 2011.
Alegou para o efeito, em síntese e no que ora releva, que foi admitido ao serviço da Ré em 16-07-2001, tendo a partir daí passado a desempenhar, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, as funções de motorista de transportes internacionais, e que em 22-11-2011 o contrato de trabalho cessou, por iniciativa da Ré, na sequência de um despedimento colectivo que promoveu.
Ao longo da vigência do contrato de trabalho, a Ré não lhe pagou diversas prestações, designadamente as decorrentes da cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT referido, o “Prémio TIR” e os sábados, domingos e feriados passados no estrangeiros, peticionando, por consequência, o respectivo pagamento.
Requereu a citação urgente da Ré.

Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação.
No seguimento, contestou a ré, sustentando, desde logo e no que aqui importa, a prescrição dos peticionados créditos salariais, uma vez não obstante em 19-11-2012 ter recepcionado um notificação judicial avulsa, em que o Autor alegava que era credor de diversos créditos salariais, tal notificação não teve o efeito de fazer interromper o prazo prescricional previsto no artigo 337.º do Código do Trabalho (doravante também designado CT), uma vez que na mesma o Autor se limitou a invocar um “direito meramente hipotético”, sem circunstanciar minimamente a natureza e montante dos créditos.
Assim – prosseguiu a Ré – intentada a acção em 15-11-2013 e citada (a Ré) para a mesma em 21-11-2013, não tendo a notificação judicial avulsa operado a interrupção do prazo previsto no artigo 337.º do CT, em 23-11-2012 prescreveram todos e quaisquer direitos que poderiam assistir ao Autor decorrentes do contrato de trabalho.
Pugnou, por isso, pela procedência da excepção peremptória de prescrição dos créditos, nos termos e para os efeitos do artigo 337.º do CT, e consequente absolvição do pedido.

Respondeu o Autor, a sustentar, em resumo, que a notificação judicial avulsa teve o efeito de interromper o prazo de prescrição previsto no aludido preceito legal, e a concluir pela improcedência da excepção de prescrição.

Seguidamente, conhecendo da excepção alegada pela Ré, e julgando verificada a mesma, o tribunal proferiu a seguinte decisão: «Termos em que se decide julgar procedente a exceção de prescrição suscitada pela Ré C…, Lda., absolvendo-se a mesma dos pedidos formulados pelo Autor B… na ação.
Custas pelo A.
Registe e notifique.».

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs recurso para este tribunal.
Formulou o requerimento nos seguintes termos:
“B…, autor nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado da muito douta sentença que julgou procedente a excepção da prescrição, e não se conformando com a mesma, dela pretende interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, o qual é de apelação, tem subida imediata e efeito meramente devolutivo (artºs.79º-A, nº1, 82º, nº1 e 83º, nº1, todos do Código de Processo de Trabalho).
Para o efeito, apresenta as seguintes ALEGAÇÕES (…)”.
Seguem-se as respectivas alegações, que concluiu nos seguintes termos:
«I “II - A necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não conduza à arbitrariedade, pressupõe a exigência legal de que a prova pericial seja apreciada pelo juiz, com observância das regras de experiência comum, prudência e bom senso, mas sem se encontrar vinculado a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, utilizando como método de avaliação da aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente, susceptíveis de motivação e controlo.” - Acórdão de 06-07-2011, proc. nº.3612/07.6TBLRA.C2.S1, 1ª secção, publicado in ww.dgsi.pt.
II “III - As regras da experiência não são meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além do caso a que respeitem, adquiridas, em parte, mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, e, noutra parte, mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria, permitindo fundar as presunções naturais, mas sem abdicar da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil.” - Acórdão de 06-07-2011, proc. nº.3612/07.6TBLRA.C2.S1, 1ª secção, publicado in ww.dgsi.pt.
III “IV - O uso, pelas instâncias, em processo civil, de regras de experiência comum é um critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica, que, consequentemente, não pode ser sindicado pelo STJ, a menos que, excepcionalmente, através da necessária objectivação e motivação, se alcance, inequivocamente, que foi usado para além do que é consentido pelas regras da experiência comum de vida, fundando, assim, uma conclusão inaceitável.” - Acórdão de 06-07-2011, proc. nº.3612/07.6TBLRA.C2.S1, 1ª secção, publicado in ww.dgsi.pt.
IV Os factos constantes dos artºs.11º e 12º, e 14º a 16º da resposta à contestação, resultam todos demonstrados pelos documentos juntos com o dito articulado sob os nºs.1, 2 e 3, os quais não foram impugnados, quer quanto ao teor, quer quanto à autoria das assinaturas, por parte da recorrida.
V Nos termos das disposições conjugadas dos artºs.374º do Cód. Civil e 444º do Cód. Proc. Civil, a impugnação de um documento particular pela parte contra quem é apresentado, quanto a autoria da letra e assinatura, ou só desta, quanto à exactidão da reprodução mecânica, quanto às instruções previstas no artº.381º, nº1, do Cód. Civil, implica a incumbência da parte apresentante do mesmo relativamente à veracidade do mesmo. Do mesmo modo, se a parte contra quem for apresentado o documento alegar que não sabe se são verdadeiras a letra e a assinatura, incumbirá à parte apresentante do mesmo a prova da sua veracidade; se a parte contra quem o documento particular é apresentado não fizer a impugnação do mesmo nos termos referidos nos artºs.374º do Cód. Civil e 444º do Cód. Proc. Civil, o mesmo passará a ter força probatória plena, quanto às declarações da pessoa – ou entidade – a quem é atribuído.
VI Apesar de ter alegado o seu hipotético desconhecimento da origem e montante dos créditos que o recorrente pretendia receber pela via, a recorrida não impugnou o teor dos documentos juntos com a resposta à douta contestação sob os nºs.1, 2 e 3.
VII Do documento nº3 junto com a resposta à douta contestação faz parte integrante uma relação dos créditos reclamados pelos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo, autor incluído, encontrando-se assinada pela recorrida a dita relação de créditos, na qual se especifica, de forma concreta e precisa, que tais créditos tinham por base o seguinte:
a) Cláusula 74;
b) Sáb. Dom. Fr.;
c) Folgas;
d) Horas de Formação.
VIII Desde pelo menos 31 de Agosto de 2011 que a recorrida sabia que o recorrente se considerava credor de montantes relacionados com a cláusula 74, Sábados, Domingos e Feriados, Folgas e Horas de Formação em montante não inferior a € 51.213,04 (cinquenta e um mil duzentos e treze euros e quatro cêntimos).
IX Tal facto, em especial a parte relativa às origens dos créditos laborais do recorrente, deveria ter sido dado como provado pelo Meritíssimo Tribunal a quo, uma vez que a referência expressa a tais créditos consta de documento elaborado com o acordo da recorrida e assinado pela mesma, o qual foi junto pelo autor, não tendo sido objecto de impugnação por parte da recorrida.
X Assim sendo, a factualidade constante dos artºs.11º e 12º e 14º a 16º da resposta à douta contestação deveria ter sido dada como provada, sendo que, tal como no ponto 3 da matéria de facto dada como provada o Meritíssimo Tribunal a quo deu como reproduzido o documento de fls.416 a 419, também deveria ter dado como provado e considerado reproduzido na matéria de facto dada como provada o teor dos documentos nºs.1, 2 e 3, juntos com a resposta à douta contestação, nomeadamente as referências à cláusula 74, Sábados, Domingos e Feriados, Folgas e Horas de Formação.
XI Ao não o fazer, violou o Meritíssimo Tribunal a quo o disposto no artº.607º, nºs.4 e 5, do Cód. Proc. Civil, sendo, ainda, nula a douta decisão aqui em crise, por força do disposto nas alíneas c) e d), do nº1, do artº.651º do Cód. Proc. Civil.
XII A recorrida invocou a excepção da prescrição, com base num direito próprio e cujo exercício lhe era permitido pela lei mas, fê-lo omitindo ao tribunal factos relevantes para a apreciação da questão, factos esses de que tinha conhecimento directo, por neles ter tido também intervenção directa.
XIII Na sua alegação relativa à excepção da prescrição, a recorrida invoca um total e absoluto desconhecimento do teor das pretensões do recorrente, descrevendo uma situação que não tem qualquer correspondência com a realidade, ou seja, o contrato teria cessado, o recorrente ter-se-ia limitado a fazer a notificação judicial e, face ao teor da mesma, a recorrida não teria forma de saber qual, ou quais, os direitos que o recorrente pretendia exercer.
XIV Mesmo na hipótese supra descrita a notificação judicial avulsa em causa tem um teor que, por si só, permitia à recorrida, ou a qualquer outra entidade colocada em idêntica situação, saber os direitos que o recorrente pretendia exercer.
XV Na situação concretamente em apreço, tal hipótese nem sequer se verifica, pois por via das negociações ocorridas no âmbito do procedimento de despedimento colectivo, a recorrida sempre soube que o recorrente, bem como os restantes trabalhadores abrangidos pelo processo, se consideravam credores de diversos montantes a título de cláusula 74, Sábados, Domingos e Feriados, Folgas e Horas de Formação.
XVI Dos documentos juntos aos autos pelo recorrente com a resposta à douta contestação, em especial do documento nº3, resulta que os créditos constantes da listagem integrante do dito documento têm origem perfeitamente determinada e que na presente acção não foram pedidos quaisquer outros créditos para além daqueles.
XVII A recorrida omitiu a intervenção da DGER – Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho no âmbito do despedimento colectivo, tendo tal omissão permitido à recorrida omitir também a existência de actas de negociações por si assinadas e, em especial, a existência de um documento onde constava a reclamação do recorrente em receber, pelo menos, o montante de € 51.213,04 (cinquenta e um mil duzentos e treze euros e quatro cêntimos), a título de cláusula 74, Sábados, Domingos e Feriados, Folgas e Horas de Formação.
XVIII Através da sua actuação processual, a recorrida pretendeu dar a entender ao tribunal que a notificação judicial avulsa era o único documento que possuía para saber quais os direitos que o recorrente pretendia exercer quando, de facto, tinha na sua posse documentação que lhe permitia saber quais os créditos que o recorrente considerava estarem na sua titularidade- cfr. docs. nºs.1, 2 e 3 juntos com resposta à douta contestação.
XIX Verifica-se assim que ao invocar a excepção da prescrição nos moldes em que o fez a recorrida incorreu em abuso do direito – artº334º do Cód. Civil -, o qual é passível de ser conhecido por esse Meritíssimo Tribunal, uma vez que é do conhecimento oficioso.
XX No douto Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº3/98, proc.519/97, 1ª Secção, publicado no Diário da República, I Série-A, nº109, de 12 de Maio de 1998 foi fixada a seguinte jurisprudência: “A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é o meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do nº1 do artigo 323º do Código Civil.”.
XXI O acto de o credor dar conhecimento ao devedor da sua intenção de vir a exercer posteriormente o seu direito, através de notificação judicial avulsa, é distinto do acto de exercer esse mesmo direito pela via judicial.
XXII A notificação judicial avulsa não tem que ter, porque a lei assim o não prevê, os mesmos requisitos da acção judicial subsequente, bastando-se a lei com a manifestação expressa, de forma directa ou directa, da intenção do exercício do direito.
XXIII Seguindo-se o entendimento do Meritíssimo Tribunal a quo, o credor que pretendesse manter o devedor numa situação de permanente expectativa do aparecimento de uma acção judicial, apenas teria que elaborar uma acção, denominá-la notificação judicial avulsa, e requerer a feitura da mesma cinco dias antes de cada termo prazo da prescrição, podendo por essa via manter vivo o seu direito enquanto bem lhe aprouvesse.
XXIV Tal solução não colhe, sendo já entendimento jurisprudencial que o prazo de prescrição apenas pode ser interrompido por uma única vez.
XXV No despacho prévio previsto no artº.256º, nº1, do Cód. Proc. Civil o juiz deve efectuar uma apreciação da validade formal do requerimento, apurar da existência, em termos abstractos, do direito subjacente ao pedido da notificação avulsa e verificar da legitimidade do requerente e do destinatário em face do requerido.
XXVI “II- No que respeita à validade formal do requerimento, deve o Juiz, para além de apreciar da inteligibilidade do requerimento em si, verificar se é o meio próprio para o requerente providenciar pelo direito de que se arroga, podendo indeferir tal requerimento, nomeadamente se for ininteligível ou se houver erro na forma de processo.” - Acórdão do T.R.G., de 04-02-2002, proc. nº1130/02-2, publicado in www.dgsi.pt.
XXVII “III- Quanto à apreciação da legalidade em abstracto do direito invocado, deve o Juiz apreciar se o mesmo está legalmente consagrado na lei vigente, com vista a evitar o exercício de pretensões ilegais.” - Acórdão do T.R.G., de 04-02-2002, proc. nº1130/02-2, publicado in www.dgsi.pt.
XXVIII “IV- Deve, ainda o Juiz verificar, face ao requerido, se, em abstracto, o requerente é o titular do direito invocado, ou se o exerce legalmente por força de qualquer norma legal ou disposição contratual e ainda se o destinatário tem legitimidade para receber a notificação. (…)”.- Acórdão do T.R.G., de 04-02-2002, proc. nº1130/02-2, publicado in www.dgsi.pt.
XXIX A notificação judicial avulsa em questão foi de facto efectuada, ou seja, foi ela própria objecto de um despacho prévio de um Juiz o qual, depois de analisar a notificação quer quanto à sua validade formal, quer quanto à apreciação da legalidade em abstracto do direito invocado, considerou que a mesma cumpria com todos os requisitos legais para o fim a que se destinava.
XXX A competência para aferir do cumprimento dos requisitos legais da notificação em causa nos presentes autos quer quanto à sua validade formal, quer quanto à apreciação da legalidade em abstracto do direito invocado era do Exmº. Juiz que ordenou a notificação, pelo que tendo o mesmo considerado que os aludidos requisitos se mostraram cumpridos, a sua decisão, entre as partes – notificante e notificada – tornou--se decisiva e imperativa para as mesmas.
XXXI Daí que, atento o disposto no artº.620º do Cód. Proc. Civil, não pudesse o Meritíssimo Tribunal a quo pronunciar-se sobre uma alegada e hipotética ininteligibilidade da notificação judicial avulsa aqui em causa, pois o despacho prévio que a ordenou não é um despacho de mero expediente, nem tão pouco é um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário – cfr. artºs.620º, nº2, e 603º, nº1, ambos do C.P.C. -, sendo mesmo admissível a possibilidade legal de ser objecto de recurso até à Relação – cfr. artº.257º, nº2 -, violando por isso a douta decisão recorrida tais normas.
XXXII Ao tomar conhecimento da notificação a recorrida, e qualquer pessoa em circunstância idênticas, saberia qual o direito cujo prazo de prescrição o recorrente pretendia exercer, uma vez que na notificação se menciona a relação laboral, o contrato, a cessação deste, o modo da cessação, e a existência de créditos laborais vencidos na pendência do contrato e não pagos, sendo feita expressa referência – genérica – ao valor dos mesmos.
XXXIII O referido na conclusão XXXII não pode ser desligado do facto de os documentos nºs.1, 2 e 3 juntos com a resposta à douta contestação serem então já do conhecimento da ré, em especial o nº3, onde consta não só um valor indicativo dos créditos de que o recorrente se considerava credor, como também a menção expressa à origem de tais créditos.
XXXIV Se, ainda assim, com base nos aludidos elementos a recorrida considerava que a notificação judicial avulsa era ininteligível, isso significava, por si só, que o seu entendimento era no sentido de o despacho prévio que a ordenou não ter respeitado todas as formalidades legais, pelo que podia, no prazo de 10 dias a contar da data da notificação, arguir a respectiva nulidade da notificação e, dessa forma, impedir os efeitos da mesma.
XXXV A recorrida nada fez, pelo que é legítimo inferir-se da sua ausência de reacção perante a notificação judicia avulsa que lhe foi feita pelo recorrente que, no que concerne à inteligibilidade da pretensão deste, aquela não teve qualquer dúvida relativamente à mesma, por virtude de não ter sequer arguido a nulidade do despacho prévio que ordenou a notificação.
XXXVI Assim sendo, constata-se que também neste ponto carece de razão o Meritíssimo Tribunal a quo, sendo que, neste ponto, a douta decisão aqui em crise violou o disposto nos artºs. artºs.620º, nºs.1 e 2, e 603º, nº1, ambos do C.P.C., havendo, também, da parte da recorrida abuso do direito – artº.334º do Cód. Civil – quando invoca a ininteligibilidade da notificação.
XXXVII O facto de uma notificação judicial avulsa não ser um processo e, por essa razão, não implicar o conhecimento do exercício judicial do direito, que a mesma não tem que conter todos os elementos essenciais de uma acção judicial.
XXXVIII Estipulando o nº3 do artº.9º do Cód. Civil que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, a única leitura possível do nº1 do artº.323º do mesmo diploma é no sentido de que a expressão “directa ou indirectamente” significa que o legislador pretendeu conferir a maior amplitude possível à possibilidade de manifestação da intenção de exercer o direito para efeitos de interrupção da prescrição.
XXXIX Assim sendo, é legítimo concluir que o legislador considerou que a manifestação da intenção de exercer um direito através de notificação judicial avulsa pode ser distinta da manifestação do exercício do direito em acção judicial, sendo que na situação sub judice o recorrente, expressa e inequivocamente manifestou a intenção de exercer os seus direitos de crédito, o que não pode deixar de se considerar uma manifestação directa da intenção de exercer o direito.
XL A expressão “(…)notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (…)” implica também ela uma distinção entre o exercício do direito em si mesmo e a manifestação da intenção de exercer esse direito.
XLI O exercício efectivo do direito é algo distinto da manifestação da intenção de exercer o direito. No primeiro caso a conduta do titular do direito tem que passar pela prática de actos concretizadores do seu direito – v.g., alegação e prova dos factos em que o mesmo se alicerça, qualificação e quantificação do mesmo, etc… - enquanto que, no segundo, bastará ao seu titular arrogar-se a titularidade do direito e manifestar a intenção de o exercer, sendo que, a verificação da existência do mesmo e a validade dos pressupostos em que o titular considera que o alicerçam terá que ser discutida no momento em que se verificar o exercício efectivo do direito.
XLII Inexiste na lei qualquer norma que imponha uma restrição de direitos ao requerente de uma notificação judicial avulsa que pretende interromper um prazo prescricional através da manifestação da intenção de exercer um direito de que é titular.
XLIII Atentando-se, v.g., na situação sub judice, constata-se que o artº.337º, nº1, do Código do Trabalho estipula que “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”.
XLIV Do teor da norma supra citada resulta que, durante um ano, o credor – trabalhador ou empregador – tem na sua esfera jurídica a titularidade de um direito de crédito que, se pretender exercer, terá que concretizar em sede de acção judicial, essencialmente através da alegação e prova de factos donde resulte a origem do mesmo e sua quantificação.
XLV Seguindo o douto entendimento do Meritíssimo Tribunal a quo, para que uma notificação judicial avulsa possa interromper o prazo de prescrição do direito de crédito previsto no artº.337º do Código do Trabalho seria necessário o requerente da mesma identificar as partes, alegar os factos e ter a formulação de um pedido, ainda que genérico.
XLVI Por outras palavras, a parte que pretenda interromper prescrição do seu direito de crédito através da manifestação da intenção de exercer o mesmo teria obrigatoriamente que delimitar e quantificar o mesmo – tanto quanto possível –, ainda antes do seu exercício efectivo em sede de acção judicial.
XLVII Se o direito de crédito pode ser exercido no prazo de um ano em determinadas circunstâncias, não há razão legal para a prorrogação do prazo do exercício desse mesmo direito por período idêntico e por uma única vez, através de uma notificação judicial avulsa, implicar para o credor uma obrigação de delimitar desde logo o futuro litígio.
XLVIII A tutela dos interesses do devedor e o princípio da segurança jurídica também têm que ser equilibrados com os interesses do credor, até porque não estão em causa interesses de natureza pública ou de ordem social relevante, até porque, no momento em que o devedor tem conhecimento do nascimento do direito prescritível do credor, tem também conhecimento de que tal direito pode ser exercido num determinado prazo, e também que esse prazo de exercício do direito pode ser prorrogado por idêntico período, caso haja manifestação nesse sentido por parte do credor.
XLIX Assim sendo, não é legalmente admissível que durante o período de vigência inicial de um direito prescritível as condições para o exercício deste tenham que ser distintas das condições necessárias para esse mesmo exercício após a interrupção da prescrição.
L Na prática, tal significa que a prescrição só pode ser interrompida se a notificação judicial avulsa contiver todos os elementos essenciais de uma acção judicial, ou seja, tal entendimento significa a equiparação da notificação judicial avulsa a uma acção judicial, sendo, por esta via, contrariado o decidido no Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº3/98, publicado no Diário da República, I Série-A, nº109, de 12 de Maio de 1998, e mostrando-se também violado o disposto no artº.323º, nº1 do Cód. Civil.
LI A douta decisão aqui em crise interpreta o artº.323º, nº1, do Cód. Civil de forma extremamente restritiva, na medida em que equipara a manifestação de intenção do exercício de um direito ao próprio exercício em si mesmo, ou seja, em termos práticos, exige uma quase total similitude entre a notificação judicial avulsa para interrupção de um prazo de prescrição do exercício de um direito e a posterior acção judicial onde tal direito vai ser exercido.
LII Na douta decisão recorrida interpreta-se a aludida norma num sentido que não tem correspondência com a letra da lei - “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” -, a qual aponta no sentido de que a expressão “directa ou indirectamente” significa que o legislador pretendeu conferir a maior amplitude possível à possibilidade de manifestação da intenção de exercer o direito para efeitos de interrupção da prescrição.
LIII Tal entendimento anula a autonomia jurídico-processual da notificação judicial avulsa, restringindo o recurso à mesma para efeitos de interrupção da prescrição, por virtude de exigir que, na prática, tal notificação não seja um meio judicial passível de interrupção da prescrição distinto de uma acção, funcionando não como acto autónomo mas sim como preliminar daquela; mostram-se assim violado por tal entendimento o disposto nos artºs.18º e 20º da CRP, o qual é, por isso, inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já aqui se argui para todos os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e mais de Direito que V.Exªs. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por via disso, ser revogada a douta decisão recorrida, sendo substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas.
Decidindo deste modo, farão V.Exªs., aliás como sempre, um acto de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA».

Contra-alegou a recorrida, a pugnar pela improcedência do recurso.
Na mesma peça processual, alega ainda que mesmo que a notificação judicial avulsa possuísse todas as “qualidades necessárias” para fazer operar o efeito interruptivo da prescrição, ainda assim ocorreria a prescrição, uma vez que embora o Autor/recorrente tenha intentado a acção em 15-11-2013 apenas em 17-11-2013 juntou os documentos necessários para a citação, daí concluindo que os 5 dias para a interrupção da prescrição (previstos no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil) apenas se poderiam contar a partir de 18-11-2013 e a interrupção da prescrição ter-se por verificada 26-11-2013, quando, é certo, a prescrição se teria efectivado em 19-11-2013 e a recorrida apenas foi citada para a acção em 21-11-2013.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, aqui a Exma. Procuradora-geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu o recorrente, a afirmar que no mesmo não foram abordadas todas as questões com interesse para a decisão da causa e a pugnar, mais uma vez, pela revogação da decisão recorrida.

Conclusos os autos ao relator, como dos mesmos não constava a fixação do valor da causa, com vista ao referido suprimento ordenou-se a baixa dos autos à 1.ª instância.
Entretanto, o Autor/recorrente juntou aos autos cópia autenticada de uma certidão passada no dia 25-01-2015, relativa a um processo que correu termos pela comarca de Aveiro, em que foi Autor D… e Ré a mesma dos presentes autos.
Justificou a junção do documento com o facto de a materialidade ali em causa ser idêntica à dos presentes autos e de ali a 1.ª instância ter considerado que a excepção de prescrição deveria ser conhecida a final, uma vez que dependia de prova a produzir, o que não mereceu censura por parte da Ré, aqui recorrida.

Fixado na 1.ª instância o valor à causa (€ 70.760,70) e recebidos novamente os autos neste tribunal, foi preparada a deliberação, com remessa do projecto de acórdão aos Exmos. desembargadores adjuntos.
Realizada a conferência, cumpre agora deliberar.

II. Objecto do recurso
Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, sendo aqueles aqui aplicáveis por força do estatuído nos artigos 5.º e 7.º do respectiva lei preambular).
Assim, tendo em conta as conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões essenciais a decidir:
i) saber se a sentença é nula, por não terem sido dados como provados alguns factos que a recorrente entende que o deveriam ter sido;
ii) saber se a notificação judicial avulsa interrompeu o prazo de prescrição, o que envolve a sub-questão de saber se o tribunal a quo podia pronunciar-se, como pronunciou, sobre “uma alegada e hipotética ininteligibilidade da notificação judicial avulsa”;
iii) saber se ocorreu a prescrição dos créditos peticionados pelo Autor;

iv) saber se a recorrida, ao invocar a prescrição dos créditos, incorreu em abuso do direito;
v) saber se a interpretação no sentido de que a notificação judicial avulsa só interrompe o prazo de prescrição se na mesma o seu autor se arrogar titular de direito efectivo, minimamente definido e fundamentado, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Refira-se que nas contra-alegações a recorrida sustenta que ainda que a notificação judicial avulsa interrompesse a prescrição, sempre esta se teria por verificada, uma vez que tendo embora o Autor/recorrente intentada a acção em 15-11-2013 apenas em 17-11-2013 juntou os documentos necessários para a citação, pelo que a interrupção da prescrição só poderia verificar-se em 26-11-2013, quando, é certo, a prescrição se teria efectivado em 19-11-2013 e a recorrida apenas foi citada para a acção em 21-11-2013.
Tal questão não foi apreciada na 1.ª instância.
Ora, por um lado, os recursos destinam-se, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, a apreciar as questões que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não a criar decisões sobre questões novas, entendendo-se estas como aquelas que, colocadas ao tribunal de recurso, não tenham merecido pronúncia por parte do tribunal a quo, sendo indiferente que essa omissão provenha de insuficiência alegatória da parte, nos seus articulados, ou do mero silêncio do tribunal a quo, desde que, nesta última situação, não tenha sido tempestivamente arguido o vício de omissão de pronúncia [cfr. artigos 627.º, n.º 1, 631.º e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e na jurisprudência, ente outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2006 (Recurso n.º 3919/05), de 22-04-2009 (Recurso n.º 2595/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3441/08) e de 11-05-2011 (Recurso n.º 786/08.4TTVNG.P1.S1) todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt]; por outro, sendo embora certo que no caso de pluralidade de fundamentos da defesa, o tribunal de recurso conhece o fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação, tal exige, contudo, um requerimento da parte nesse sentido (“desde que esta o requeira”), o que no caso não se verifica (cfr. artigo 636.º, n.º 1, do CPC): ou seja, a recorrida não requereu a ampliação do objecto do recurso.
Em face do que se deixa referido, não se conhecerá da alegada prescrição de créditos com fundamento diverso da notificação judicial avulsa.

Importa também tomar posição sobre a admissibilidade da junção de documentos requerida em 03-02-2015, já após ter sido proferido despacho a ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância para aí ser fixado o valor da causa.
Como se disse, o Autor/recorrente ancorou o pedido de junção dos documentos na circunstância de estar em causa um processo respeitante a outro trabalhador da Ré/recorrida, com factos idênticos aos dos presentes autos, e de no mesmo ter sido relegado para final o conhecimento da prescrição, o que não mereceu discordância da Ré/recorrida.
Estipula o artigo 425.º do novo Código de Processo Civil que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Por sua vez, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 651.º, do mesmo compêndio legal, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Importa não olvidar que a fase de recurso destina-se à reapreciação dos meios de prova anteriormente apresentados e não à produção e apresentação dos novos meios de prova.
Por isso, a junção de documentos às alegações da apelação só será admissível se a decisão da 1.ª instância tornou necessária aquela junção, seja porque se fundou em meio probatório não oferecido pelas partes, seja porque se fundou em regra de direito com cuja interpretação e aplicação as partes não contavam.
Todavia, em primeira linha é, desde logo, necessário que o documento possa assumir relevância para a decisão da causa.
Ora, no caso em apreciação não se vislumbra qualquer relevância do documento para a decisão dos presentes autos.
Com efeito, por um lado, da circunstância de num outro processo, e em relação a um outro trabalhador da Ré, ter sido relegado para decisão final o conhecimento da excepção de prescrição não se detecta que possa ter qualquer relevância (jurídica) na presente decisão; por outro, se, de acordo com o aqui recorrente, a recorrida naquele outro processo não se insurgiu contra a decisão que relegou para decisão final o conhecimento da excepção, o certo é que também não se podia insurgir, pois como estipula o artigo 595.º, n.º 4, do Código de Processo Civil [ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho] não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.
Tudo para concluir que se entende que o documento em causa é irrelevante para a decisão a proferir, pelo que, a final, se ordenará o seu desentranhamento dos autos, com a consequente condenação do recorrente em multa pelo incidente a que deu causa, no valor de uma (1) UC (artigo 7.º, n.ºs 4 e n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa).

III. Factos
Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. O Autor trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, nas funções de motorista de transporte internacional rodoviário de mercadorias, mediante retribuição.
2. O respectivo contrato de trabalho cessou por despedimento colectivo no dia 22 de Novembro de 2011.
3. Em 19 de Novembro de 2012, a R. foi notificada judicialmente de que o A. pretendia fazer valer “diversos créditos laborais”, “relacionados com o contrato de trabalho”, que “atingem várias dezenas de milhares de euros”, “não tendo ainda sido possível (…) apurar com exactidão os mesmos”, conforme teor de fls. 416 a 419 dos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. O A. intentou a respectiva acção, neste Tribunal, por petição apresentada em 15 de Novembro de 2013, conforme se alcança de fls. 221 dos autos, tendo entregue os documentos a que aquela se reporta no dia 17/11/2013 (fls. 423) e tendo a R. sido citada em 21/11/2013, conforme a/r. junto a fls. 433.
5. O A. requereu na petição a citação urgente da R., por estar “eminente o prazo prescricional”.

Estes os factos provados.
Dos mesmos constata-se que, sob o n.º 3, se alude à notificação judicial avulsa, fazendo transcrição de pequenos excertos.
Uma vez que o conteúdo da referida notificação judicial constitui elemento essencial para a decisão a proferir, entende-se ser de transcrever o mesmo.
Assim, tendo presente o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, acrescenta-se à matéria de facto, sob o n.º 6, o seguinte:
«A notificação judicial avulsa é, no que aqui releva, do seguinte teor:
“B…, casado, residente na Rua …, nº …, ….-… …, Lousada, contribuinte nº ………, vem a V.Ex.ª, muito respeitosamente, requerer a NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA de,
C…, LDª., pessoa colectiva nº ………, com sede no …, Rua …, Lote ., ….-… …, Vila Nova de Gaia, que poderá ser feita na pessoa do seu responsável e Director, Sr. E…,
PORQUANTO:
O requerente foi trabalhador da requerida, durante mais de 10 anos,
tendo o contrato de trabalho existente entre requerente e requerida cessado em 22 de Novembro de 2011,
por virtude de a requerida ter levado a cabo um despedimento colectivo,
No qual o requerente foi um dos trabalhadores abrangidos.
No momento em que cessou o contrato de trabalho, o requerente era, e ainda é, credor de diversos créditos laborais,
todos eles relacionados com o contrato de trabalho que cessou em de Novembro de 2011.
Tais créditos venceram-se todos na pendência do contrato trabalho,
Mas, apesar de legalmente devidos pela requerida,
não foram pagos nela mesma.
10º
Ao créditos em causa atingem várias dezenas ele milhares euros,
11º
Não tendo ainda sido possível ao requerente apurar com exactidão os mesmos,
12º
o que se encontra a fazer neste momento.
13º
Dado que o requerente pretende receber da requerida todos os montantes a que legalmente tem direito por força da cessação do contrato de trabalho que vigorou entre ambos,
14º
e não tem a certeza de conseguir o apuramento total de tais créditos até ao dia 18 de Novembro,
15º
O mesmo, ao abrigo do disposto nos art.º 323.º, n.º 1 e 2, do Código Civil, viu-se obrigado a recorrer ao presente meio judicial para interromper o prazo de prescrição previsto no art.º 337º do Código do Trabalho,
16º
O qual termina no próximo dia 23 de Novembro de 2012 – cfr., entre o outros, Ac. da R.L. de 30/03/2011, in CJ, Ano XXXVI, Tomo II, pág. 146.
Termos em que, requer seja ordenada a notificação da requerida, no sentido de lhe dar conhecimento de que o requerente se considera credor de todos os créditos laborais vencidos até 22 de Novembro de 2011 e que não foram pagos no momento da cessação do contrato do trabalho, que atingem várias dezenas de milhares de euros, mas cujo apuramento ainda não se encontra concluído na íntegra.
Mais requer, seja dado conhecimento à requerida que o requerente pretende recorrer à via judicial para cobrança de todos os aludidos créditos laborais.
Por fim, requer ainda que seja dado conhecimento à requerida que a presente notificação é feita nos termos e para os efeitos do disposto no art. 323°, nº 1 e 2 do Cód. Civil e que se destina a interromper a prescrição prevista no artº 337º do Código do Trabalho, tudo com as legais consequências”».

IV. Enquadramento jurídico
Delimitadas supra (sob o n.º II) as questões essenciais decidendas, é agora o momento de analisar, de per se, cada uma delas.

1. Da arguição de nulidade da sentença
No entendimento do recorrente, a sentença é nula uma vez da mesma não constam como provados os factos que alegou nos artigos 11.º e 12.º e 14.º a 16.º da resposta à contestação.
Os artigos em causa são do seguinte teor:
«11º
Com efeito, na situação sub judice a cessação do contrato de trabalho do autor ocorreu pela via do despedimento (colectivo), o qual foi acompanhado pela DGERT (Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho ), tendo sido promovidas por estas diversas reuniões, as quais deram origem a actas assinadas por todos aqueles que nelas intervieram.
12º
Do teor dessas actas resulta claro que o autor, e outros colegas, consideraram que eram titulares de diversos créditos laborais que não conseguiram, à data, liquidar de forma pormenorizada, por virtude de não lhes ser possível fazê-lo num curto espaço de tempo, dada a grande quantidade de documentação que teriam de obter, analisar e processar.
(…)
14º
As reuniões entre a Comissão representativa dos trabalhadores, a ré e a DGERT ocorreram nos dias 23, 26 e 31 de Agosto de 2011,
15º
tendo a questão dos créditos laborais em falta sido suscitada na reunião de 26 de Agosto de 2011,
16º
constando a proposta dos trabalhadores da acta da reunião de 31 de Agosto de 2011, nela figurando o autor como credor de um montante de € 90.701,04 ( noventa mil setecentos e um euros e quatro cêntimos )».

Estipula o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, que «[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso».
Por sua vez, decorre do n.º 3 do mesmo preceito, que o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso.
A exigência em causa justifica-se por razões de celeridade e economia processual, que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento.
Daí que não sendo cumprida tal exigência, não cumpra ao tribunal superior conhecer da nulidade [vide, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2009 (Recurso n.º 2469/08), de 25-03-2009 (Recurso n.º 2575/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3363/08) e de 09-12-2010 (Recurso n.º 4158/05.4TTLSB.L1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt].
É certo que se tem admitido que aquela exigência se mostra cumprida nos casos em que o requerimento e a alegação de recurso constituem uma peça única, desde que no requerimento de interposição de recurso se indique que se argui a nulidade da sentença, fazendo-se a exposição dos fundamentos da nulidade na alegação de recurso, de forma clara e autónoma, imediatamente a seguir ao requerimento de interposição do recurso (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31-10-2007, Recurso n.º 1442/07 e de 12-03-2008, Recurso n.º 3527/07, sumariados in www.stj.pt, em consonância com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 304/05, de 8 de Junho de 2005, in Diário da República, II Série, n.º 150, de 5 de Agosto de 2005).
Mas tem sido igualmente jurisprudência constante do Tribunal Constitucional não ser inconstitucional o entendimento de que o tribunal “ad quem” está impedido de apreciar as nulidades da sentença, em processo laboral, sempre que as mesmas não tenham sido expressamente arguidas no requerimento de interposição do recurso (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 403/2000, in D.R., II Série, de 13-12-2000, quanto ao artigo 72.º, n.º 1, do CPT de 1981 e n.º 439/2003, de 30-09-2003, in www.tribunalconstitucional.pt, quanto ao artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1999).
Ao fim e ao resto, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem-se pronunciado no sentido de ser desproporcionada a interpretação que não conhece da arguição de nulidade relativamente aos recursos interpostos das decisões proferidas em 1.ª instância - em que existe uma unidade formal do requerimento de interposição do recurso e das alegações -, e em que o recorrente, no referido requerimento, refere genericamente a existência do vício de nulidade, mas fundamenta o mesmo de forma clara e autónoma nas alegações de recurso: embora em tais situações não se observe inteiramente o disposto no artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, admite-se que o tribunal superior aprecie a questão da nulidade desde que na alegação de recurso, de forma clara e autónoma, a mesma se mostre explanada, permitindo assim ao juiz a imediata percepção da arguição e, assim, que sobre a mesma se pronuncie; contudo, se no requerimento de interposição do recurso não se faz qual referência a arguição de nulidade da sentença, o tribunal superior encontra-se impedido de conhecer a mesma.
Ora, no caso em apreciação, no requerimento de interposição do recurso o recorrente não argui qualquer nulidade, nem faz referência a qualquer nulidade, “limitando-se” a deixar consignado que não se conforma com a sentença, que julgou procedente a excepção de prescrição (fls. 556).
Não se conhece, pois, da arguida nulidade.
Sempre se acrescenta, todavia, que de acordo com o recorrente a sentença não terá apreciado alguns argumentos por ele (recorrente) invocados, ao não dar como provados os factos supra aludidos e que alegou na resposta à contestação.
Se assim é não estamos perante uma (eventual) nulidade da sentença, mas sim um (eventual) erro de julgamento, pela circunstância de na fundamentação da sentença a Exma. Juíza não ter levado em conta – e dado como provados – determinados factos que tinham sido alegados pelo recorrente e que no seu entendimento se mostravam relevantes para a boa decisão da causa.
E, não estando o tribunal vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes, nada impede que este tribunal conheça do (eventual) erro de julgamento, que o recorrente suscita indevidamente como nulidade da sentença; isto é, nada impede que sejam apreciados os fundamentos e questões objecto do recurso que, embora invocados pelo recorrente como determinantes de nulidade da sentença, possam configurar, pela forma como foram explanados no texto da alegação, erros de interpretação e aplicação da lei substantiva e/ou adjectiva.
Infra se analisará da relevância ou não de tais factos.
Improcede, por consequência, a arguição de nulidade da sentença.

2. Quanto à notificação judicial avulsa e sua relevância na interrupção do prazo de prescrição
A decisão da 1.ª instância, no que merece o aplauso da recorrida, bem como da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, entendeu que para que a notificação judicial avulsa opere a interrupção do prazo de prescrição previsto no artigo 337.º do Código do Trabalho, é necessário que a mesma explicite ao destinatário, de forma clara, concreta e precisa, que direito ou direitos tem ou se arroga o requerente da notificação: e, acrescenta, como no caso tal não se verificou, concluiu que a notificação judicial avulsa que o Autor/recorrente endereçou à Ré/recorrida não produziu o efeito interruptivo do prazo de prescrição que estava em curso e que, assim, findou em 23-11-2012.
Escreveu-se, para tanto, na sentença recorrida:
«Sucede que, embora a Notificação Judicial Avulsa seja meio bastante para interromper o prazo de prescrição (nesse sentido, vd. o nº 1 do art. 323º do C. C. e o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 3/98), julgamos, tal como a R., que não o será sem mais, apenas quando a notificação explicita ao destinatário, de forma clara, concreta e precisa, que direito ou direitos tem ou se arroga o requerente da notificação.
De outro modo, bastaria a qualquer credor ou titular de direitos endereçar sucessivas notificações judicias vagas e despidas de conteúdo ao devedor ou obrigado para que este nunca pudesse beneficiar da prescrição prevista na lei, o que de todo em todo contrariaria a segurança e paz jurídica que com o instituto da prescrição se quis alcançar.».

O recorrente discorda de tal entendimento, argumentando, desde logo, que tendo a notificação judicial avulsa sido “objecto de despacho prévio de um juiz”, a quem competia aferir dos requisitos legais da mesma, que, na sequência, a ordenou, tornou-se definitiva e imperativa para as partes, pelo que não podia (pode) vir a ser discutida nos autos.
Além disso, sustenta que a recorrida pretendeu dar a entender ao tribunal que a notificação judicial avulsa era o único documento que possuía para saber quais os direitos que o recorrente pretendia exercer quando tinha na sua posse documentação que lhe permitia saber quais os créditos que o recorrente considerava estarem na sua titularidade.
Vejamos.

Cabe antes de mais deixar assinalado que não se acompanha o entendimento do recorrente no sentido de que o tribunal estava impedido de apreciar a validade substancial da notificação judicial avulsa por tal já ter sido objecto de apreciação aquando do despacho que ordenou a mesma.
De acordo com o disposto no artigo 261.º, do anterior Código de Processo Civil (diploma em vigor à data em que a notificação foi requerida e ordenada), as notificações dependem de despacho prévio que as ordene, devendo o respectivo requerimento obedecer aos requisitos aí indicados; as notificações avulsas não admitem oposição, devendo os direitos respectivos ser exercidos nas acções próprias (n.º 1 do artigo 262.º do mesmo compêndio legal).
Daqui decorre que na apreciação do requerimento de notificação judicial avulsa, o que o juiz tem que apreciar é a regularidade formal do mesmo e saber se o direito invocado no requerimento existe em abstracto; porém, não lhe compete nesse fase apreciar da validade substancial da notificação, isto é, apreciar em concreto o direito invocado pelo recorrente, o que terá que ser feito na acção própria.
Como de modo impressivo se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-11-2013 (Proc. n.º 7624/12.1TBMAI.S1, disponível em www.dgsi.pt), «(…) perante o requerimento para notificação judicial avulsa, o Juiz apenas tem de apreciar a sua regularidade formal, não tendo qualquer poder para apreciar a validade ou invalidade substancial do acto ou facto jurídico que se pretende levar ao conhecimento de outrem (…)».
Aliás, mal se harmonizaria com o princípio do contraditório e da igualdade das partes, bem como com a impossibilidade de dedução de oposição à notificação avulsa, que o juiz ao ordenar esta estivesse a validar substancialmente a mesma e, assim, e atribuir-lhe eficácia interruptiva, não podendo mais tal questão voltar a ser apreciada: tal constituiria, segundo se entende, a violação de elementares princípios processuais, como sejam, por exemplo, o direito de defesa, o princípio do contraditório ou o princípio da igualdade das partes (cfr. artigos 3.º e 3.º-A, do anterior CPC).
Conclui-se, pois, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, que nada impedia, antes se impunha, ao tribunal recorrido que conhecesse da validade substancial da notificação judicial avulsa.
Avancemos.

Estatui o artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil:
«A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente»; nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal, é equiparado à citação ou notificação, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.
Do referido preceito decorre que a prescrição se interrompe através de acto judicial que directa ou indirectamente, leve ao conhecimento do devedor o propósito do credor de exercer o seu direito.
Como escreve Almeida Costa (Direito das Obrigações, 12.ª Edição, Almedina, pág. 1120), «[a] prescrição consiste no instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo indicado na lei e que varia consoante os casos (art. 304.º, n.º 1)».
Ou, como assinala Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 1999, pág. 376), trata-se de um mecanismo estabilizador do direito, por efeito do decurso do tempo, que arranca da «(…) inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do Direito (…).
Por isso, embora a prescrição – tal como a caducidade – vise desde logo satisfazer a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim, proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.
Há, portanto, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto.».
Porém, a regra ou princípio geral de que o direito prescreve se não for exercido no prazo fixado legalmente conhece excepções, designadamente através da interrupção: assim, a prescrição pode ser interrompida, como se viu, pela notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil); a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (n.º 1 do artigo 326.º do mesmo compêndio legal).
Era controvertido na jurisprudência a questão de saber se a notificação judicial avulsa prevista nos 261.º e 262.º do anterior CPC interrompia a prescrição.
A divergência em causa veio a ser sanada através do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (uniformizador de jurisprudência) n.º 3/98, de 26-03-1998 (DR, I Série-A, n.º 109/98, de 12 de Maio), que estabeleceu a seguinte jurisprudência: «A notificação judicial avulsa pela qual se manifesta a intenção do exercício de um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil».
O referido acórdão uniformizador baseou-se, em resumo, na seguinte argumentação:
- embora a letra do n.º 1 do artigo 323.º possa legitimar o entendimento de que a citação ou a notificação têm que ser realizadas num processo pendente em juízo ( o que não se verifica com a notificação judicial avulsa), o que é certo é que o n.º 4 equipara a citação ou notificação para efeitos do artigo a qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido, o que significa que pelo menos com base no n.º 4, ao referir «meio judicial», se quis abranger a notificação judicial avulsa;
- o efeito interruptivo de uma citação ou notificação baseia-se que a partir dela o devedor fica a ter conhecimento do exercício judicial do direito pelo respectivo titular, o que justifica que se atribua o mesmo efeito a uma notificação judicial avulsa ou a qualquer outro meio judicial pelo qual se dá conhecimento do exercício judicial do direito.
A equiparação da notificação judicial avulsa a uma citação ou notificação judicial para efeitos de interrupção de prescrição tem sempre como pressuposto que o requerente dessa notificação pretende exercer um concreto direito de que se arroga; com efeito, se através da notificação ou citação num processo o pretenso credor comunica ao devedor a intenção de exercer um qualquer concreto direito aí em discussão, e por isso, o efeito interruptivo da prescrição através de um daqueles actos (no dizer do artigo 228.º, n.º 1, do anterior CPC, «[a] citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (…)», servindo a notificação, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto), o mesmo se há-de verificar em relação à notificação judicial avulsa.
Não pode olvidar-se que através da notificação judicial avulsa o que se transmite é um determinado conteúdo ao notificado: ora, esse conteúdo, que consta da notificação judicial avulsa terá que exprimir, directa ou indirectamente, a intenção de exercer um concreto direito e não qualquer eventual ou abstracto direito.
Este é, de resto, o entendimento que, ao que se conhece, tem sido afirmado de forma reiterada pela jurisprudência da secção social do Supremo Tribunal de Justiça, como pode constatar-se, designadamente, dos acórdãos de 22-06-2005 (Proc. n.º 1049/05), de 21-09-2005 (Proc. n.º 926/05) e de 10-12-2009 (Proc. n.º 848/06.2TTLSB.S1), encontrando-se o 1.º e o 3.º disponíveis em www.dgsi.pt, e o 2.º com sumário disponível em www.stj.pt.
Como se explicitou no referido acórdão de 22-06-2005, «[n]ão se põe em dúvida que a notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, constitui meio adequado de interrupção da prescrição, nos precisos termos do art. 323, nº 1, do Código Civil, não sendo necessário que a notificação tenha lugar no processo em que se procura efectivar o direito. O ponto é que o facto interruptivo resulta justamente do conhecimento que o obrigado tem, através da citação ou da notificação, de que o titular pretende exercer o direito, sendo, por isso, exigível que o devedor fique ciente do interesse que o credor se arroga e pretende fazer valer.».
E logo a seguir o tribunal explicita quanto ao concreto caso que apreciou: «[o]ra, no caso, como já foi suficientemente explicitado pelas instâncias, a notificação judicial avulsa, constante de fls 152 dos autos, refere-se ao incumprimento do acordo de reforma, por parte da Ré, por não terem sido incluídas nas pensões que vinham sendo processadas e pagas a retribuição relativa à isenção de horário de trabalho, reclamando o autor a esse título a quantia global de 1.456.136$00 (n.º 12). A expressão "quaisquer quantias emergentes do contrato de trabalho que se venham a demonstrar e apurar em dívida" deve ser entendida, nesse contexto, como reportada às demais prestações retributivas que eventualmente não tivessem sido igualmente consideradas no cálculo da reforma, nada permitindo concluir, a um declaratário normal, que o autor pretendia, através dessa fórmula verbal genérica, reclamar o direito, não já ao processamento de pensões de reforma segundo um determinado cálculo, mas também a outras prestações retributivas que se encontravam em dívida relativamente ao período em que vigorou a relação de trabalho (cfr. artigo 236º, n.º 1, do Código Civil).
Para alem do mais, a notificação judicial avulsa não identifica minimamente quais as possíveis prestações que poderiam encontrar-se em dívida, e que, como tudo indica, o próprio declarante desconhecia no momento em que emitiu a declaração, visto que remeteu a sua concretização para um momento posterior.».
Também no acórdão de 10-12-2009, supra referido, do mesmo tribunal, analisando-se a eventual interrupção da prescrição através da notificação judicial avulsa, escreveu-se a propósito:
«Como bem se refere no douto parecer do Ministério Público, a notificação judicial avulsa não identifica minimamente as quantias que, então, poderiam estar em dívida, nem sequer se reporta, especificamente, a dívidas emergentes do facto que serve de fundamento à presente acção: — «A Ré deixou de pagar os salários ao A., desde 1 de Janeiro de 2004», sem ter «do seu lado causa alguma para a interrupção do pagamento da retribuição ao A.» (artigos 17.º e 19.º da petição inicial).
Ora, para que a notificação judicial avulsa possa produzir o efeito interruptivo da prescrição — e, para tal efeito, equivaler à citação — é necessário que o requerente se assuma como titular de um direito efectivo, minimamente definido e fundamentado — tal como na citação —, pois só assim o requerido ficará a conhecer o direito que contra ele é invocado ou se pretende invocar.
A expressão vaga salários em atraso, sendo a única em que se poderia enquadrar o pedido formulado nesta acção, é manifestamente insuficiente para determinar o valor do respectivo crédito, não estando a destinatária da notificação obrigada a procurar a necessária concretização fora do contexto da comunicação, para tomar conhecimento do exacto conteúdo do direito invocado.
Assim, porque o acto interruptivo há-de, nos termos do n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil, exprimir a intenção de exercer determinado direito, este requisito da interrupção não se mostra preenchido no caso dos autos.».
Assim, como se viu, é incontroverso que por força do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/98 a notificação judicial avulsa pelo qual se manifesta a intenção de exercer um direito é meio adequado à interrupção da prescrição desse direito: porém, de tal notificação terá que resultar a intenção de exercer um determinado direito efectivo, pois só dessa forma o devedor ficará a conhecer o direito que se pretende invocar ou fazer valer; isto é, é necessário que do conteúdo da notificação judicial avulsa resulte a intenção de exercer um concreto direito.

Feita esta apreciação em torno da notificação judicial avulsa e da sua aptidão para interromper a prescrição, é altura de regressarmos ao caso em apreciação.
Na notificação judicial avulsa da Ré/recorrida, o Autor/recorrente alegou, em suma, ter sido trabalhador daquela, ter cessado o contrato em 22-11-2011, na sequência de um despedimento colectivo, ter diversos créditos salariais decorrentes da vigência do contrato, que “atingem várias dezenas de milhares de euros”, que não foi possível até àquele momento apurar com exactidão o mesmo.
O que resulta, pois, de tal notificação é tão só que o Autor/recorrido se arroga credor de “várias dezenas de milhares de euros” decorrentes da vigência do contrato de trabalho.
Tendo em conta um destinatário normal (artigo 236.º do Código Civil) apenas se fica a saber que o Autor se considera credor da Ré, em montante que afirma ser de “vários milhares de euros” por virtude da vigência do contrato de trabalho; porém, nada mais se sabe, designadamente quanto à natureza desses créditos: serão, por exemplo, pela cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT? pelo “Prémio TIR”? pelos sábados, domingos e feriados passados no estrangeiro? pela alimentação no estrangeiro? por todos esses fundamentos? por qualquer outro?
O Autor nada explicita a tal propósito, quando se entende, recorde-se, que o que releva para que a notificação judicial avulsa seja apta a provocar a interrupção da prescrição é que o credor se arrogue um qualquer direito efectivo e não um direito genérico, vago, sem qualquer concretização.
Perante a notificação efectuado qualquer destinatário ficaria sem saber que concretos direitos o Autor pretendia fazer valer, sendo que a afirmação genérica de créditos salariais decorrentes da vigência do contrato de trabalho é demasiado vaga e abrangente para permitir a percepção sobre que concretos créditos estavam em causa.

Objecta contudo o recorrente que por via das negociações ocorridas no âmbito do despedimento colectivo, a recorrida sempre soube que os trabalhadores por ele abrangidos, entre os quais o recorrente, se consideravam credores de diversos montantes a título de cláusula 74.ª, salas, domingos, feriados, folgas e horas de formação, remetendo, inclusive, para documentos que juntou aos autos com a resposta à contestação onde constará a listagem dos créditos que tem sobre a recorrida.
Ora, por um lado, como se deixou analisado, era na notificação judicial avulsa que o recorrente devia concretizar o direito que se arroga para que a mesma pudesse produzir o efeito interruptivo da prescrição; por outro, não poderá olvidar-se que os documentos em que o Autor se ancora e que constam de fls. 532 a 540 dos autos constituam cópias de actas de reuniões realizadas nos dias 23, 26 e 31de Agosto de 2011 entre a Ré/recorrida e a comissão de trabalhadores no âmbito do processo de despedimento colectivo, acompanhadas de listagens com valores alegadamente devidos a trabalhadores, quando, atente-se, a cessação do contrato veio a ocorrer em 22 de Novembro de 2011: e da circunstância de no âmbito de uma negociação tendente à cessação do contrato (em que haverá exigências ou cedências de cada uma das partes de forma a obter um acordo de vontades) se pretender o pagamento de determinado montante, não pode concluir-se, cessado o contrato, que aquele montante “reclamado” na negociação se mostre ainda em dívida, quando, assinale-se, nem sequer se conhecem os concretos termos da cessação da relação contratual.
Ou seja, dito de outra forma: a natureza dos créditos ou o valor dos mesmos reclamados no âmbito da negociação tendo em vista a cessação da relação contratual perderam qualquer relevância com a mesma cessação, pelo que não é possível afirmar que o destinatário da notificação judicial avulsa tenha conhecimento dos concretos direitos reclamados face às negociações ocorridas antes da cessação da relação contratual.
Daí que, ao contrário do sustentado pelo recorrente, o constante das actas das reuniões não assuma relevância para a questão em apreciação, e daí que não se justifique dar como provados os factos que o recorrente pretende.

Ainda com referência a esta questão, alega o recorrente que a notificação judicial avulsa não tem que ter os mesmos requisitos da acção judicial subsequente, bastando-se a lei com a manifestação expressa, de forma directa ou indirecta, da intenção de exercer o direito.
Cremos não oferecer contestação que a notificação judicial avulsa não tem que obedecer aos mesmos requisitos da acção judicial subsequente: porém, como se vem afirmando, e se reitera, do conteúdo da notificação judicial avulsa deve resultar que o credor se arroga um qualquer concreto direito sobre o devedor e não um direito abstracto, vago, diremos até virtual.
Ora, se, como o recorrente sustenta, antes da cessação do contrato foi apresentada uma relação de créditos reclamados pelos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo, recorrente incluído, onde se mencionavam créditos pela cláusula 74.ª, n.º 7, sábados, domingos e feriados, folgas e horas de formação, não se vislumbra o porquê de o recorrente não os ter mencionado na notificação judicial avulsa [ainda que por referência apenas à sua origem concreta (por exemplo, clausula 74.ª, n.º 7, etc.) e até valores aproximados em dívida] se entendia que tais créditos se encontravam em dívida
Aliás, o montante desses créditos encontrava-se concretizado nos documentos apresentados nas negociações que decorreram entre as partes: por isso, repete-se, não se vislumbra o porquê de, não obstante a notificação judicial avulsa não ter que obedecer a uma petição inicial, o recorrente não pudesse mencionar naquela a natureza dos mesmos e até, porventura, o seu montante global, ao invés de se limitar a afirmar ser credor de “várias dezenas de milhares de euros” decorrentes da vigência do contrato de trabalho.
Nesta sequência, somos a concluir que face ao circunstancialismo apurado, maxime, tendo em conta que o aqui recorrente na notificação judicial avulsa não se assumiu titular de um qualquer concreto direito de crédito, a notificação judicial avulsa efectuada, e por ele requerida, não produziu o efeito interruptivo da prescrição.
Improcedem, por consequência, nesta parte as conclusões das alegações de recurso.

3. Da (alegada) prescrição de créditos
Estipula o artigo 337.º, n.º 1, do CT, que o crédito do trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, “prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.
Constitui facto incontroverso que o contrato de trabalho que vigorava entre as partes cessou em 22 de Novembro de 2011 (cfr. facto n.º 2).
Constitui princípio geral que o direito prescreve se não for exercido no prazo legalmente fixado, excepto se esse prazo pode ser interrompido, suspenso ou prolongado, nos casos expressamente previstos.
No caso, estava em causa a excepção ao regime geral, decorrente da interrupção da prescrição porém, concluiu-se supra que não se verifica o efeito interruptivo da notificação judicial avulsa previsto no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil.
Assim, iniciando-se a contagem do prazo de prescrição em 23 de Novembro de 2011 (dia seguinte à cessação do contrato), o mesmo completou-se às 24 horas do dia 23 de Novembro de 2012: logo, tendo a acção sido intentada em 15 de Novembro de 2013 tem-se por adquirido que se verifica a prescrição dos créditos peticionados pelo aqui recorrente.
Por consequência, improcedem, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

4. Do (alegado) abuso do direito
O recorrente sustenta que a recorrida ao invocar a prescrição de créditos agiu em abuso do direito.
Para tal conclusão ancora-se, em síntese, no entendimento que face às negociações que ocorreram em data anterior ao despedimento colectivo, a recorrida tinha conhecimento da concreta origem dos créditos que o recorrente se arrogou na notificação judicial avulsa (cláusula 74.ª do CCT, sábados, domingos e feriados, folgas e horas de formação).
Vejamos.

Impõe-se, antes de mais, fazer uma referência, necessariamente breve, em torno da figura do abuso do direito.
Decorre do artigo 334.º do Código Civil que o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em actuação, por parte do respectivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.
Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta, pois, que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça.
Dito ainda de outro modo: para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Antunes Varela, das Obrigações em geral, 10.ª edição, pág. 544 e segts.).
Pessoa Jorge (Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1968, nota 166) sublinha que a orientação que fundamenta o abuso do direito não assenta na preocupação de evitar que uma lei, justa em abstracto, se torne iníqua no caso concreto, já que a relevância do abuso do direito não afecta o princípio da aplicabilidade da lei a todos os casos nela previstos, mesmo que, num ou noutro, tal aplicação se revele injusta: a reprovação do abuso do direito procura, sim, que não se desvirtue o verdadeiro sentido da norma abstracta.
A manifestação mais evidente do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança (exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada, e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões). Como figuras próximas, encontra-se a renúncia (acto de disposição jurídico-negocial que pressupõe a vontade de abdicar do direito, de o extinguir) e a neutralização do direito.
Segundo Baptista Machado (Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 118, pág. 228), esta última figura é considerada, em geral, como uma modalidade especial da proibição do venire contra factum proprium e ocorre quando se verificam cumulativamente as seguintes circunstâncias: (i) o titular dum direito deixa passar longo tempo sem o exercer; (ii) com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; (iii) movida por esta confiança, essa contraparte orienta em conformidade a sua vida, tomando medidas ou adoptando programas na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito lhe acarretará uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado.

Feita esta referência em sede teórica sobre o abuso do direito, analisemos então o caso que nos ocupa.
Como se disse, o apelante ancora o alegado abuso do direito da apelada na circunstância desta nas negociações tendentes à cessação do contrato de trabalho no âmbito do despedimento colectivo ter conhecimento da concreta origem dos créditos invocados na notificação judicial avulsa.
Adiante-se, desde já, que não se acompanha este entendimento do apelante.
E isto, como se pode antever, pelo que se afirmou a propósito da (i)relevância da notificação judicial avulsa para efeitos de interrupção da prescrição.
Como ali se disse, embora nas negociações ocorridas em Agosto de 2011 entre a aqui apelada e a sua comissão de trabalhadores, no âmbito do processo de despedimento colectivo, se tenham apresentado listagens com valores que alguns trabalhadores (entre os quais o aqui apelante) se arrogam ter direito, o despedimento apenas se veio a consumar em 22 de Novembro de 2011: «[e] da circunstância de no âmbito de uma negociação tendente à cessação do contrato (em que haverá exigências ou cedências de cada uma das partes de forma a obter um acordo de vontades) se pretender o pagamento de determinado montante, não pode concluir-se, cessado o contrato, que aquele montante “reclamado” na negociação se mostre ainda em dívida, quando, assinale-se, nem sequer se conhecem os concretos termos da cessação da relação contratual.
Ou seja, dito de outra forma: a natureza dos créditos ou o valor dos mesmos reclamados no âmbito da negociação tendo em vista a cessação da relação contratual perderam qualquer relevância com a mesma cessação, pelo que não é possível afirmar que o destinatário da notificação judicial avulsa tenha conhecimento dos concretos direitos reclamados face às negociações ocorridas antes da cessação da relação contratual.».
Tal significa que se desconhece se os créditos (ou alguns dos créditos) reclamados pelo apelante no processo de despedimento colectivo, foram satisfeitos pela apelada antes da cessação desse processo de despedimento colectivo, no âmbito deste, ou até, por se tratar de uma negociação tendo em vista a cessação do contrato, o trabalhador prescindiu de alguns créditos para obter uma compensação global por parte da empregadora: atente-se, por exemplo, que da referida listagem constava que o aqui recorrente era credor da recorrida em € 90.701,04; porém, na presente acção ele apenas quantifica créditos no valor de € 70.760,81.
Daí que, como também já se deixou afirmado, não possa concluir-se que a empregadora/recorrida tinha conhecimento da concreta origem dos créditos invocados na notificação judicial avulsa e, assim, que ao invocar a prescrição de créditos agiu com abuso de direito.

Sobre esta problemática invoca ainda o recorrente que se a recorrida entendia que a notificação era ininteligível, “podia” no prazo de 10 dias arguir a respectiva nulidade da notificação e, por essa via, impedir os efeitos da mesma.
Tal argumentação não pode proceder: por um lado, porque no despacho prévio à notificação avulsa o juiz apenas tinha que apurar da regularidade formal da mesma (n.º 1 do artigo 261.º do anterior CPC, então em vigor); por outro, porque a notificação avulsa não admite oposição, devendo os respectivos direitos ser exercidos na acção própria (artigo 262.º, n.º 1, do CPC).
Ora, a questão de falta de concretização dos direitos invocados prende-se directamente com validade ou invalidade substancial do acto ou facto jurídico que o aqui recorrente pretendia levar ao conhecimento da recorrida: por isso, só na presente acção – como efectivamente sucedeu – o notificando podia exercer os direitos correspondentes à oposição à notificação, maxime quanto à irrelevância jurídica da notificação para efeitos de interrupção da prescrição.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

5. Da (alegada) violação do disposto no artigo 18.º e 20.º da CRP, na interpretação que se deixou exposta
No entendimento do recorrente o legislador no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, “conferiu a maior amplitude possível à possibilidade de manifestação da intenção de exercer o direito para efeitos de interrupção da prescrição” (conclusão LII) e através da interpretação que se deixa explanada exige-se uma quase similitude entre a notificação judicial avulsa para interrupção de um prazo de prescrição do exercício de um direito e a posterior acção judicial onde tal direito vai ser exercido, o que violaria o disposto no artigo 18.º e 20.º da CRP.
Salvo o devido respeito não se detecta que a interpretação que se deixou afirmada – no sentido de que para que a notificação judicial avulsa possa interromper a prescrição é necessário que através dela se exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer um concreto direito – possa constituir violação do princípio constitucional de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva.
Como se deixou assinalado, a prescrição constitui um mecanismo estabilizador do direito que parte da inércia do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir um não exercício por parte deste decorrido determinado prazo previsto na lei.
A interrupção da prescrição através da notificação geral avulsa constitui uma excepção à regra geral que o direito prescreve se não for exercido no prazo legalmente fixado: por isso se compreende, e justifica, que tratando-se de uma excepção a tal regra a mesma deva obedecer a determinados requisitos, designadamente a uma invocação concreta de um direito.
E no confronto entre os direitos do credor e do devedor impõe-se que para que o não exercício por parte daquele do direito durante um determinado prazo fixado na lei não extinga esse mesmo direito, possa ser utilizado um mecanismo processual através do qual se dá conhecimento à outra parte que tem um concreto direito que pretende exercer.
Não se vê que tal leitura interpretativa constitua um qualquer impedimento do credor no acesso ao tribunal para defesa dos seus direitos.
Aliás, só desta forma se procura o equilíbrio entre os interesses do credor e os interesses do devedor, pois de outro modo, ou seja, se para a interrupção da prescrição bastasse que um credor afirmasse abstractamente ser titular de um direito contra outrem decorrente de um contrato de trabalho que mantiveram, estava-se a violar esse equilíbrio, na medida em que se estava a prolongar no tempo a possibilidade de aquele exercer um direito que este desconhecia a que correspondia em concreto.
Como acentuam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 410), “(…) o direito de acesso ao direito não é apenas instrumento da defesa dos direitos. É também integrante do princípio material da igualdade (…) e do próprio princípio democrático, pois este não pode deixar de exigir uma democratização do direito e uma democracia do direito.”.
Improcede, por consequência, a alegada violação do princípio constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva na interpretação de que para que a notificação judicial avulsa seja apta a interromper a prescrição é necessário que através dela o credor invoque um direito concreto e efectivo, não sendo para tanto suficiente a invocação de um direito abstracto.
Nesta sequência, e uma vez aqui chegados, só nos resta concluir pela improcedência do recurso e, por consequência, pela confirmação da decisão recorrida.

Vencido no recurso, o recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, do CPC).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
1. ordenar o desentranhamento e devolução a B… do requerimento e documentos apresentados em 03-02-2015, condenando-se o mesmo na multa de 1 UC pelo incidente a que deu causa;
2. negar provimento ao recurso interposto por aquele e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente

Porto, 13 de Abril de 2015
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
__________
Sumário elaborado pelo relator (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
i) na apreciação do requerimento de notificação judicial avulsa, o que o juiz tem que apreciar é a regularidade formal do mesmo e saber se o direito invocado no requerimento existe em abstracto; porém, não lhe compete nessa fase apreciar da validade substancial da notificação, isto é, apreciar em concreto o direito invocado pelo recorrente, o que terá que ser feito na acção própria;
ii) a equiparação da notificação judicial avulsa a uma citação ou notificação judicial para efeitos de interrupção de prescrição tem sempre como pressuposto que o requerente dessa notificação pretende exercer um concreto direito de que se arroga;
iii) por isso, para que a notificação judicial avulsa seja apta a interromper o prazo de prescrição em curso é necessário que do conteúdo da mesma resulte a intenção do requerente exercer um concreto direito;
iv) tal não se verifica se da notificação judicial avulsa apenas se extrai que o requerente da mesma alega ter sido trabalhador do notificando, ter cessado o contrato de trabalho em 22-11-2011, na sequência de um despedimento colectivo, ter diversos créditos salariais decorrentes da vigência do contrato que “atingem várias dezenas de milhares de euros”, mas cuja concreta origem não revela, e que não foi possível até àquele momento apurar com exactidão o mesmo;
v) não pode concluir-se que o empregador age com abuso de direito ao alegar a prescrição de créditos na acção – com invocação que da notificação judicial avulsa não resulta que o trabalhador se arrogue um concreto direito e, por isso, tal notificação não é apta a interromper essa prescrição – se não obstante nas negociações com vista à cessação do contrato por despedimento colectivo o trabalhador ter invocado ser credor de determinado montante sobre a empregadora, indicando as suas origens, se desconhece se esses créditos, ou alguns desses créditos foram satisfeitos pelo empregador, seja antes da cessação desse processo de despedimento colectivo, no âmbito deste, ou até, por se tratar de uma negociação tendo em vista a cessação do contrato, o trabalhador prescindiu de créditos para obter uma compensação global por parte do empregador.

João Nunes