Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
169/16.2GAFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO
FACTOS ALTERNATIVOS
Nº do Documento: RP20180711169/16.2GAFLG.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REENVIO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 767, FLS 22-29)
Área Temática: .
Sumário: Uma sentença penal que contenha factos provados, em alternativa, com relevâncias distintas para o apuramento da responsabilidade penal e civil do arguido, padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, al. a), do Código de Processo Penal).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 169/16.2GAFLG.P1
Data do acórdão: 11 de Julho de 2018

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica da Mealhada

Sumário:
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Acordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B...;
I - RELATÓRIO

1. No dia 2 de Fevereiro de 2018 foi proferida a sentença condenatória nos presentes autos, que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
"Atento tudo o exposto e devidamente ponderado decide-se:
1) Condenar o arguido B..., como autor material, e na forma consumada, de um crime de crime de dano, p. e p. pelo art. 212°, n°1 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
2) Condenar o arguido B..., como autor material, e na forma consumada, de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, p. e p. pelo art.190°, n°1 do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros).
3) Ao abrigo do disposto no art. 77.°, n.° 1 e 2, do Cód. Penal, condeno o arguido, pelos crimes referidos em 1) e 2), na pena única de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia total de € 1.560,000 (mil, quinhentos e sessenta euros).
4) Condenar o arguido B... nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC's, nos termos do art. 8° do R.C.P..
(…)"

2. Inconformado com a condenação, o arguido interpôs recurso da sentença, terminando a respetiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:
«O arguido não é proprietário do imóvel desde 23 de Janeiro de 2012 como o atesta a certidão do registo predial constante nos autos a folhas 180 e ss, não sendo á altura dos factos titular de qualquer direito real sobre o imóvel.
O arguido reside em França desde o ano de 2014, pelo menos 2 anos antes dos crimes cometidos nos autos.
Não consta do processo que o arguido ou alguém a seu mando tenha sido visto nos dias 21/03/2016 ou no dia 12/04/2016.
- Em momento algum do processo existe indicio que associe o arguido á pratica do crime. 
Não logrou a acusação provar que o arguido ou alguém a seu mando (quem?) tenha estado no local do crime.
Nem sequer se fez prova que o Arguido tivesse acesso ao interior do edifício que lhe desse acesso á fração em que a ofendida reside.
Conforme aresto do Tribunal da relação do Porto datado de 09/01/2013 "em processo penal não há um ónus de prova: o princípio da investigação obriga o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão" ora no caso sub judice o Tribunal não logrou prova efetiva que permita a imputação dos factos ao arguido.
O tribunal A QUO fundamenta a sua decisão no depoimento da ofendida C..., ora esta limita-se a explicar as vicissitudes da "aquisição" através de contrato promessa do imóvel tal como consignado na sentença, ora para fazer prova e formar a convicção do tribunal valerá a mera desconfiança da ofendida em relação ao arguido de quem tem uma questão cível pendente?? Onde está a localização celular do arguido, onde estão os exames lofoscópicos , onde está a pessoa ou pessoas, por si ou a mando de alguém as quais praticaram os actos descritos na acusação? Num condomínio com vários residentes não se logrou identificar quem no dia 21/03/2016 e no dia 12/04/2016 entre as 7:10h e as 21 h tenha estado no local?
A condenação do recorrente - ínsita na sentença pelos factos dados como provados 7, 8, 9, 10, 11, 12 e 13, enferma da nulidade do artigo 379° n° 1 al) a) do CPP pois carece de fundamentação.
-Tendo em consideração a conjugação da prova produzida, o Recorrente, não se conforma com a apreciação da prova realizada pelo douto Tribunal a quo, relativamente aos factos dados como provados pelo que padece do vicio de insuficiência para a decisão da prova e falta de exame critico da mesma, nos termos dos artigos 410°, n°2, al. a),) e existe erro notório na apreciação e valoração da prova, a que se refere o artigo 410°, n° 2 al. c).
- há óbvia violação do art.º 26 e ss do Código Penal, sendo inclusive impossível fazer a imputação dos factos criminosos ao agente (arguido) com a prova constante nos autos.
- INEXISTE NO PROCESSO E NA SENTENÇA QUALQUER PROVA DIRETA, INDIRETA, OU MERAMENTE INDICIÁRIA QUE IMPLIQUE O ARGUIDO ORA RECORRENTE NA PRATICA DOS FACTOS.
-A SENTENÇA QUE SE IMPUGNA CARECE DE PROVA INCRIMINADORA E A SUA fundamentação é arbitrária e baseada numa subjectividade discricionária extravasando os cânones da dogmática jurídico-penal no que concerne á sua valoração (da prova).
- Tendo em consideração, o processo de formação da convicção do tribunal explicitado na douta sentença, a partir dos meios de prova aí indicados, com apelo às regras de experiência e aos critérios lógicos e racionais, só pode o recorrente concluir que houve erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a al. c) do artigo 410° do CPP, já que a apreciação que faz dos pontos 7,8,9,10,11,12 e 13 dos factos dados como provados, é manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios e na violação do princípio " in dúbio pro reo" e o disposto no n° 2 do art. 32° da Constituição da Republica Portuguesa, pelo que, não deveria ter sido dado como provados.
TERMOS EM QUE, e sobretudo pelo que mais douta e superiormente será suprido, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso, declarada nula a presente sentença de que ora se recorre e absolvido o arguido, com o que farão Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA!

3. O recurso do arguido foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos, com efeito suspensivo.
4. O Ministério Público apresentou resposta, concluindo a mesma nos seguintes termos:
"QUESTÃO PRÉVIA
O recorrente, ao impugnar a matéria de facto, não cumpre o ónus de especificação, nem na motivação, nem nas conclusões do recurso, em manifesta violação do disposto no art.º 412.°, n.º 3 e 4, do C.P.P.
Na verdade, o recorrente limita-se a concluir que os factos dados como provados nos pontos 7 a 13 da douta sentença deveriam ter sido dados como não provados, não cumprindo qualquer dos requisitos previstos no art.º 412.°, n.º 3, do C.P.P..
Ora, são as conclusões que delimitam o objecto do recurso, pelo que ao não cumprir o referido ónus, nos termos do disposto no art.º 420.°, n.º 1, al. c), do C.P.P., o recurso interposto deverá ser rejeitado.
II - DA RESPOSTA
A) Da nulidade da sentença - art.° 379.°, do C.P.P.
Limita-se o recorrente a referir que "A sentença de que se recorrer viola, em nosso modesto entendimento, o disposto do art.º374.º n.º 2, do C.P.P., pecando desde logo, por falta de fundamentação para a decisão da matéria de facto provada. "
E é tudo o que o recorrente alega a respeito da - suspeitamos nós pois que o recorrente não o alega expressamente - eventual nulidade da sentença.
Salvo o devido respeito, não chega.
Na verdade, a falta das menções previstas no n.º 2 do art.º 374.° do C.P.P. importam a nulidade da sentença, cfr. o previsto no art.º 379.°, n.º 1, al. a), do C.P.P.
Todavia, a nulidade deverá ser arguida e, não obstante o seu conhecimento oficioso, deverá ser, ainda que sumariamente, consubstanciada pelo arguente.
No caso dos autos, salvo melhor opinião, inexiste qualquer nulidade da sentença por falta de fundamentação.
o Tribunal a quo na motivação da sentença expõe as razões que o levaram a formar a convicção que formou - conjugação da prova documental com a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, como seja a análise das mensagens de texto enviadas pelo arguido à ofendida e o depoimento da ofendida e do seu ex-marido.
o que resulta do recurso apresentado é que o arguido não concorda com a convicção do Tribunal; mas tal não se confunde com a nulidade da sentença.
B) Do erro notório na apreciação da prova e da insuficiência da matéria de facto para a decisão.
o arguido não concorda com a condenação que sofreu pela prática dos factos descritos na acusação, entendendo que deveria ter sido absolvido.
Entende assim que o Tribunal a quo não valorou de forma correcta a prova produzida, que a ser apreciada da forma devida, sem erro notório, teria levado necessariamente a uma sentença absolutória.
Salvo melhor opinião, afigura-se-nos não assistir qualquer razão ao ora recorrente.
Entende o recorrente que o Tribunal a quo sustentou exclusivamente a sua condenação na mera desconfiança da ofendida em relação ao arguido.
Por outro lado, para afastar a imputação dos factos ao arguido, alicerça-se no facto de o mesmo não ter sido visto no local dos factos por ninguém.
Vejamos.
Quanto ao primeiro argumento, bastará uma leitura mais atenta da douta sentença para concluir que o Tribunal a quo não se baseou na mera desconfiança da ofendida.
Aliás, diga-se, que a desconfiança da ofendida é uma mera convicção pessoal daquela, que em nada aproveita ao Tribunal, por não ser um facto demonstrável.
Na verdade, a convicção do Tribunal - única com relevância processual -, terá de ser fundamentada e assente em factos provados.
Como o foi.
O Tribunal a quo, na motivação da sentença, explica que se sustentou no depoimento da ofendida - não no facto desta desconfiar do arguido -, mas no que respeita ao contexto e circunstancialismo dos factos.
A ofendida, no seu depoimento, explicou o litígio existente entre o arguido e a ofendida e os negócio que o arguido celebrou com a sua actual companheira - que legalmente se recusou a prestar declarações quando arrolada como testemunha nos termos do disposto no art.º 340.°, do C.P.P.-: a venda do mesmo imóvel que já havia sido objecto de contrato entre o arguido e a ofendida, com tradição e pagamento do preço.
Tal contexto levou o Tribunal a concluir, e bem, que a única pessoa interessada em que a ofendida não entrasse em casa era o arguido.
Como se não bastasse, o Tribunal ainda ponderou as mensagens de texto enviadas pelo arguido à ofendida e cujo teor é inequívoco, não deixando qualquer margem para dúvidas de quem teria sido o autor dos factos imputados ao arguido.
Na verdade, o Tribunal limitou-se, com base na prova testemunhal e na prova documental, a recorrer às regras da experiência comum.
Assim, bem andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido.
Quanto ao segundo argumento, sempre se dirá que a ser como pugna o recorrente, seria ilícita qualquer condenação que não se baseasse na situação de flagrante delito.
Termos em que não assiste razão ao arguido/recorrente, não merecendo a douta sentença recorrida reparo, pelo que deverá ser negado provimento ao presente recurso."

5. O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido do recurso dever proceder:
"(…) Pese embora o muito respeito por opinião contrária e por quem a subscreve, padece a sentença recorrida de erro de julgamento, na medida em que foram considerados provados os factos descritos nos pontos 8, 9, 10,11, 12 e 13 - fls. 209 e 210 - sem que nela se revele a prova na qual assentou esse juízo. A convicção do Tribunal, no que concerne aos factos provados e não provados, " baseou-se fundamentalmente no depoimento da Ofendida..." - que "...não viu quem fez o relatado, mas desconfia que a única pessoa a ter interesse nisso é o aqui arguido...". Por outro lado, como se alcança da leitura de fls. 211, "in fine", ao formar a sua convicção e dar os factos como provados, o tribunal teve ainda em consideração os documentos de fls. 5...13...19 a 21...24...25 e 26...38, 39 e AO,.Al3 7G...97 a 116...180 a 185 e..,186, 187 e 188...".
Deixou-se aí expressamente consignado que o tribunal chegou "...ó inequívoca e segura conclusão de que foi o arguido o autor dos factos dados como provados...não só porque era o mesmo quem tinha e tem interesse em reaver a referida habitação, e porque é o mesmo o único interessado em que a aqui ofendida...saísse da referida habitação, o que até sai reforçado pela postura adoptada pelo arguido de incumprimento do contrato promessa que celebrou com a aqui ofendida e o então seu marido."- sic. fls. 212
Analisada a Motivação da decisão recorrida e tendo presente a "debilidade" e fragilidade probatória do depoimento da Ofendida, bem como o conteúdo de toda a prova documental para a qual aquela remete e atenta a conclusão sobre a exclusividade do interesse do Arguido na desocupação da casa - quando é seguro (e está documentalmente demonstrado) que o Arguido já tinha vendido o imóvel em causa a terceira pessoa (o que explicaria a referida postura de incumprimento contratual com a Ofendida), tão ou mais interessada no abandono do mesmo pela Ofendida - entendo que não há evidência segura da prática, pelo Arguido, dos factos delituosos considerados assentes, cuja prática ele nega na totalidade.
Na verdade, à excepção de uma transcrição de mensagem telefónica vertida no documento junto a fls. 187 (e dando como assente que foi por ele concebida, escrita e enviada) não exibem os autos nem foi produzida em sede de audiência, prova que habilite, com as certeza e segurança jurídicas necessárias, a condenação do Arguido, que, por convocação do princípio "in dúbio pro reo" devia ter sido absolvido.
Por isso, ainda que admitindo a intervenção de elementos racionais não explicáveis e/ou meramente emocionais, eles não bastariam para, por si só, afastar ou remover a dúvida sobre a autoria material do crime, dúvida razoável e consistente face à prova revelada e analisada na decisão recorrida, insuficiente para a condenação por ela operada.
Exige o artigo 374º, nº 2, do CPP uma fundamentação da decisão de facto que impõe que o Tribunal não só forme uma convicção sobre os factos, assente nas regras da lógica e da experiência comum, mas que essa convicção seja materializada e sustentada através de um exame crítico das provas, de modo a ser alcançável - e sindicável - o itinerário racional subjacente.
Reconhecido o apontado erro de julgamento, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine a absolvição do Arguido. Nessa medida se fará justiça e se concederá provimento ao recurso."

6. Não houve resposta ao parecer.
7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].
II – FUNDAMENTAÇÃO

Para a identificação das questões que constituem o objeto do recurso, bem como a sua devida apreciação e solução, interessa recordar a fundamentação da decisão em matéria de facto vertida na sentença recorrida:
"FUNDAMENTAÇÃO
1 - Factos Provados:
No dia 08.07.2009, C..., com o seu então marido, D..., outorgou com B... um contrato-promessa de compra e venda de um prédio urbano sito no ..., ..., Felgueiras, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.° ..., R/C esquerdo, fracção E.
Entretanto, foram outorgados outros contractos sobre o mesmo objecto, e renegociados os termos da compra e venda, bem como ocorreu a ruptura do casamento da queixosa.
Com pleno conhecimento do arguido B..., a queixosa C... já se encontrava a residir na fracção indicada em 1), dela fazendo a sua habitação principal e exclusiva, desde pelo menos o dia 04/04/2010.
Sucede que, enquanto não se concretizou a compra e venda, em data não concretamente apurada, surgiu um conflito entre o arguido, e a queixosa e o seu ex-marido.
Assim, B... celebrou novo contrato no dia 23.01.2012, tendo por objecto a mesma fracção, com E..., sua então companheira.
Porque os três indivíduos supra citados não entraram em acordo, foi a situação do prédio urbano indicado discutida nos tribunais, designadamente no Proc. n.° 458/13.8TBFLG, Instância Central Cível da Comarca de Porto Este, acção de processo ordinário.
Neste contexto, em data não concretamente apurada, mas certamente anterior ao dia 21.03.2016, o arguido animou-se do propósito de impedir que C... voltasse a entrar naquela que era a habitação desta, indicada em 1), através da destruição do canhão da porta e barragem da porta.
Assim, no dia 21.03.2016, pelas 09h00, o arguido, ou alguém a seu mando, trocou o canhão da porta da habitação indicada em 1), o que implicou a total destruição do anterior canhão, pertencente a C..., e que em todo o caso a mesma já usava desde o dia 04.04.2010.
Posteriormente, e como C... procedeu ao arranjo da porta e do canhão, o arguido, ou alguém a seu mando, voltou a trocar o canhão da porta da habitação de C... no dia 12.04.2016, entre as 07h10m e as 21h00, o que implicou a total destruição do anterior canhão, pertencente a C... e que em todo o caso a mesma já usava desde o dia 04.04.2010.
Para o efeito, entrou o próprio naquela habitação, ou alguém a seu mando, de um modo que não foi possível concretizar, e colocou três escoras na parte de dentro da mesma, a segurar a porta por dentro, para deste modo impedir a sua abertura.
A conduta do arguido foi a causa directa, adequada e necessária da inutilização completa dos canhões da porta, e do arrombo da mesma, pois que a retirada das escoras implicou a retirada da almofada interior da porta, determinantes da sua total substituição, sendo bens pertencentes, e utilizados principal e exclusivamente desde o dia 04.04.2010, por C..., e o que importou para a mesma o prejuízo de € 1.240,49, sendo:
€ 876,00 com o fornecimento e montagem de uma porta em alumínio;
€ 340,00 para a retirada de foras em madeira e colocação de novas;
€ 24,49 para o fornecimento de cilindro e broca;
Agiu o arguido, nas duas situações, animado do mesmo propósito de impedir a entrada de C... naquela que era a sua habitação principal e exclusiva desde o dia 04.04.2010, como bem sabia aquele ser o caso, ciente de não ter sido a mesma objecto de acção de despejo ou outro procedimento legal com o mesmo efeito, determinando-se a inutilizar os canhões da porta e a própria porta, se necessário fosse, impedindo a sua normal utilização e obrigando à substituição, como veio a ser o caso, sabendo que tais bens lhe não pertenciam e que não tinha a autorização de C... para o efeito, e ainda que lhe causava prejuízo.
O arguido quis ainda entrar e permanecer o tempo necessário naquela que sabia ser a habitação principal e exclusiva de C..., onde esta residia e se encontrava todos os dias, e onde detinha os seus bens pessoais, ciente de que não tinha qualquer autorização da mesma para o efeito, ciente de que incorria em responsabilidade penal, agiu de um modo livre, deliberado e consciente.
Mais se Provou:
14) O Arguido:
é aposentado por invalidez e aufere uma pensão mensal de cerca de €680.
Reside em França, na morada indicada no TIR, em casa própria, sozinho.
Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls. 163 a 165, e cujo teor aqui se dá por reproduzido; nomeadamente o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €9, pela prática a 21/04/2009, de um crime de simulação de crime e na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €8, pela prática a 27/10/2008, de um crime de emissão de cheque sem provisão.
Factos não Provados:
Não se provou:
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como e não provados, baseou- se, fundamentalmente:
- no depoimento da ofendida C..., a qual, de uma forma que se afigurou clara, credível e até pormenorizada, começou por explicar a situação referente ao referido imóvel, e que se encontra no mesmo desde Abril de 2010, e que desde essa data tal imóvel sempre foi a sua casa, e apesar de a mesma estar paga, ainda não foi feita a escritura, explicando,  detalhadamente o que se passou. Mais referiu que a E... é a companheira do arguido. Referiu ainda que o processo cível ainda se encontra pendente. No que se refere aos restantes factos da acusação, de inicio, igualmente confirmou que nas duas datas constante da acusação, e quando regressou a casa, de uma das vezes, o canhão da fechadura da porta de entrada havia sido mudado, e da outra vez, sucedeu o mesmo, além de que, pelo interior, foram colocadas trancas, conforme melhor visível na fotografias de fls. 21. Mais afirmou que não viu quem fez o relatado, mas desconfia que a única pessoa a ter interesse nisso é o aqui arguido, uma vez que o mesmo quer reaver a casa, pois se recusa a celebrar a escritura pública de compra e venda. Confirmou que, no dia em que colocaram as trancas, para poder entrar em casa teve de retirar as almofadas da porta. Confirmou ainda o valor dos prejuízos que teve — os quais, aliás, se mostram documentados, conforme resulta do teor de fls. 24, facturas/orçamento de fls. 25 e 26, 41 e 42. Acrescentou que das duas vezes, além de mudarem o canhão da fechadura, entraram dento da sua habitação. Juntou aos autos ainda umas mensagens que trocou com o aqui arguido e as quais constam de fls. 186, 187 e 188; e que no seu entender só podem levar à conclusão de que quem fez teria sido o aqui arguido ou alguém a mando do mesmo.
De facto, o Tribunal pretendeu ainda inquirir E..., a qual seria inquirida ao abrigo do disposto no art. 340° do C.P.P.; no entanto, a mesma, como é companheira do arguido, no direito legalmente consagrado, optou por não prestar declarações.
O Tribunal procedeu ainda à inquirição da testemunha, e ao abrigo do disposto no art. 340° do ex-marido da ofendida, D..., o qual se limitou a confirmar que ele e a ofendida e na altura que eram casados, fizeram um contrato promessa relativamente à referida habitação com o aqui arguido Sr. B..., e que foram logo para lá morar. Mais confirmou que, posteriormente, e antes da ruptura do casamento tiveram uma acção cível, a qual ganharam, e que, após a separação, quem ficou a habitar na referida habitação foi a aqui ofendida C.... Mais referiu que, o Sr. B... vendeu a referida habitação a outra pessoa, apesar de eles terem paga a mesma na sua totalidade.
Para formar a sua convicção e dar os factos como provados, o tribunal teve ainda em consideração, o auto de denúncia de fls. 5 e aditamento de fls. 13, as fotos de fls. 19 a 21, a informação da ofendida de fls. 24 e as facturas e orçamento de fls. 25 e 26, o contrato promessa de compra e venda de fls. 38, 39 e 40, os documentos e correspondência trocada e constante de fls. 41 a 76, a certidão extraída da acção cível de fls. 97 a 116, a certidão do registo predial relativa à referida habitação de fls. 180 a 185 e os documentos e mensagens constantes de fls. 186, 187 e 188.
De facto, e em jeito de conclusão e do cotejo de toda a prova produzida, quer em sede de julgamento, quer a que já constava dos autos, quer a que entretanto foi junta aos autos, o tribunal, chegou à inequívoca e segura conclusão de que foi o arguido o autor dos factos dados como provados e que já lhe vinham imputados, não só porque era o mesmo quem tinha e tem interesse em reaver a referida habitação, e porque é o mesmo o único interessado em que a aqui ofendida C... saísse da referida habitação, o que até saí reforçado pela postura adoptada pelo arguido de incumprimento do contrato promessa que celebrou com a aqui ofendida e o então seu marido.
Por último e no que concerne à situação pessoal e económica do arguido actual, o tribunal teve em consideração as declarações assinadas pelo mesmo e constantes de fls. 87 e 168, e o TIR também prestado pelo mesmo e constante de fls. 86, e ainda o teor do CRC do mesmo constante de fls. 163 a 165.

De acordo com as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal), importa apreciar, primeiramente, dois vícios formais da decisão recorrida, de conhecimento oficioso:
Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição;
§ 1 O vício da sentença previsto na alínea a) do art. 410º, nº 2, do Código de Processo Penal decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.
Se tal sucedeu, então o tribunal de julgamento terá deixado de considerar um facto essencial postulado pelo objeto do processo, isto é, deixou por esgotar o thema probandum.
Este – o thema probandum – é consubstanciado pela acusação ou pronúncia, complementada pela pertinente defesa, sendo referente ao apuramento da factualidade referente à existência e extensão da responsabilidade penal em causa nos autos.
§ 2 A contradição insanável na fundamentação da decisão constitui um vício desta, previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.
Tal contradição ocorre quando, analisando-se o texto da decisão, nomeadamente, a matéria de facto dada como provada e a não provada, ou entre a decisão da matéria de facto e a fundamentação da decisão em matéria de direito, se chega a conclusões contraditórias, insanáveis e irredutíveis, que não podem ser ultrapassadas, recorrendo-se ao contexto da decisão no seu todo e/ou, ainda, com recurso às regras da experiência comum.
Aplicando tais regras ao caso concreto:
A este respeito, importa destacar os seguintes factos considerados provados na sentença recorrida:
"Assim, no dia 21.03.2016, pelas 09h00, o arguido, ou alguém a seu mando, trocou o canhão da porta da habitação indicada em 1), (…)
Para o efeito, entrou o próprio naquela habitação, ou alguém a seu mando, de um modo que não foi possível concretizar, e colocou três escoras na parte de dentro da mesma, a segurar a porta por dentro, para deste modo impedir a sua abertura.
A conduta do arguido foi a causa directa, adequada e necessária da inutilização completa dos canhões da porta, e do arrombo da mesma, pois que a retirada das escoras implicou a retirada da almofada interior da porta, determinantes da sua total substituição, sendo bens pertencentes, e utilizados principal e exclusivamente desde o dia 04.04.2010, por C..., e o que importou para a mesma o prejuízo de € 1.240,49, sendo:
(…)
Agiu o arguido, nas duas situações, animado do mesmo propósito de impedir a entrada de C... naquela que era a sua habitação principal e exclusiva desde o dia 04.04.2010, como bem sabia aquele ser o caso, ciente de não ter sido a mesma objecto de acção de despejo ou outro procedimento legal com o mesmo efeito, determinando-se a inutilizar os canhões da porta e a própria porta, se necessário fosse, impedindo a sua normal utilização e obrigando à substituição, como veio a ser o caso, sabendo que tais bens lhe não pertenciam e que não tinha a autorização de C... para o efeito, e ainda que lhe causava prejuízo.
O arguido quis ainda entrar e permanecer o tempo necessário naquela que sabia ser a habitação principal e exclusiva de C..., onde esta residia e se encontrava todos os dias, e onde detinha os seus bens pessoais, ciente de que não tinha qualquer autorização da mesma para o efeito, ciente de que incorria em responsabilidade penal, agiu de um modo livre, deliberado e consciente.
Em primeiro lugar, tem relevância jurídica, designadamente quanto à forma de autoria da prática dos crimes, apurar se foi o arguido ou alguém a mando dele, quem cometeu os factos acima descritos.
Como salientado por Sérgio Poças, na revista Julgar, nº 3, 2007, a págs. 29, "(…) na matéria de facto provada não podem constar factos que do próprio texto da decisão não resulta estarem inequivocamente provados. É assim evidente que não cabem na enumeração dos factos provados formulações alternativas ou dubitativas: as coisas têm de ser claras. (…) No caso, verdadeiramente, o tribunal tem dúvida sobre o que realmente se passou."
É o que se passa na decisão da matéria de facto provada – que importou a dúvida sobre os factos e, por conseguinte, o vício, do texto da própria acusação -.
Não se tendo apurado se foi o arguido pessoalmente, ou outra pessoa a seu mando, que trocou o canhão da porta de entrada, colocou as escoras no interior da mesma e entrou na residência da ofendida, sem autorização desta, a sentença padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria provada, uma vez que numa hipótese, ou noutra, as consequências jurídico-penais serão bem distintas.
Por outro lado, a decisão da matéria de facto acima citada também padece do vício da contradição insanável na sua fundamentação: por um lado, considera provado que tenha sido o arguido ou outra pessoa a seu mando a trocar o canhão da fechadura, a colocar as escoras e a entrar, sem autorização, na residência da ofendida. Contrariando essa alternativa, também considera provado que foi a conduta do arguido a causa directa, adequada e necessária da inutilização completa dos canhões da porta, e do arrombo da mesma, pois que a retirada das escoras implicou a retirada da almofada interior da porta, determinantes da sua total substituição e que "Agiu o arguido, nas duas situações, animado do mesmo propósito" e que "O arguido quis ainda entrar e permanecer o tempo necessário naquela que sabia ser a habitação principal e exclusiva de C...".
Não obstante o tribunal não ter considerado inequivocamente provado que tenha sido o arguido a praticar os factos (integrantes dos crimes de dano e de violação de domicílio),o mesmo condenou o arguido pela prática, em autoria material, de tais crimes, o que integra outra contradição.
A fundamentação da decisão não esclarece tais contradições aparentes e este Tribunal não poderá decidir a causa, uma vez que a gravidade e os contornos de tais vícios impedem uma solução fundamentada.
Pelo exposto, impõe-se determinar o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal) relativamente à totalidade do seu objeto, encontrando-se prejudicada a apreciação das questões elencadas na motivação do recurso.

Das custas:
Sendo determinado o reenvio oficioso do processo para novo julgamento, não há lugar a custas.
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam por unanimidade os juízes do Tribunal da Relação do Porto, ora subscritores, em conhecer oficiosamente os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável da sua fundamentação e, em consequência:
- determinam o reenvio do processo para novo julgamento (artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal), relativamente à totalidade do seu objeto, a realizar pelo tribunal previsto no artigo 426º-A, ainda do mesmo texto legal.
Sem custas.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 11 de Julho de 2018.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa