Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
64161/17.9YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: INÊS MOURA
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP2018062764161/17.9YIPRT.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º139, FLS.46-53)
Área Temática: .
Sumário: I - O art.º 4.º n.º 1 da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto vem dispor sobre as matérias que necessariamente têm de ser submetidas a este tribunal, prevendo que lhe compete conhecer dos conflitos que decorrem dos actos e omissões das Federações Desportivas, das Ligas Profissionais e de outras entidades desportivas no que respeita ao exercício dos seus poderes públicos.
II - Os actos ou omissões que esta norma prevê que sejam submetidos obrigatoriamente ao TAD são aqueles que resultam do exercício por aquelas entidades dos seus poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina, sendo estes que relevam do ordenamento jurídico desportivo, ou relacionados com a prática do desporto submetida a tal regulamentação, conforme prevê o art.º 1.º da Lei 74/2013 que define o objecto do TAD.
III - Estando em causa um invocado incumprimento contratual consubstanciado na falta de pagamento do valor acordado num contrato de prestação de serviços de mediação com respeito à contratação de um profissional do desporto, trata-se de um litígio privado, cujo conhecimento não se integra na competência do TAD.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 64161/17.9YIPRT.P1
Apelação em processo comum e especial

Relatora: Inês Moura
1º Adjunto: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Paulo Dias da Silva
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do C.P.C.)
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Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
A B…, Lda., vem intentar o presente procedimento de injunção que segue a forma de processo comum, contra a C…, pedindo a sua condenação no pagamento de €30.000,00 a título de capital, acrescido de juros de mora já vencidos no valor de €2.100,04.
Fundamenta o seu pedido num contrato de prestação de serviços que celebrou com a R. alegando que a mesma não pagou os serviços por si prestados no valor de €30.000,00 que resultaram da intervenção da A. a seu pedido, para a contratação de um treinador de futebol que pretendia, tendo a A. encetado as necessárias negociações com vista à desvinculação do treinador e respectiva equipa técnica do clube onde o mesmo trabalhava naquela data, de modo a contratar com a R. como veio a acontecer. Alegando dificuldades de tesouraria a R. acordou com a A. em pagar mais tarde aquele valor, o que não veio a fazer.
Citada a R. veio a C…, LDA., apresentar oposição, onde começa por suscitar a incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, defendendo a intervenção necessária do Tribunal Arbitral do Desporto, nos termos do art.º 4.º n.º 1 da Lei da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 33/2014, de 16 de Junho, alegando estarem em causa duas entidades desportivas actuando enquanto tal. No mais, a R. aceita a realização do contrato de prestação de serviços nos termos indicados pela A. referindo que esta serviu como intermediária na negociação do treinador que passou a prestar serviços à Ré., alegando porém que procedeu ao pagamento da quantia reclamada, o que também se presume nos termos do art.º 317.º al. c) do C.Civil, não juntando além do mais a A. qualquer factura emitida ou interpelação para pagamento.
A A. veio responder pedindo a improcedência das excepções suscitadas e invocando a ilegitimidade da entidade que veio deduzir oposição, requerendo o desentranhamento da mesma dos autos.
Dispensando a realização de audiência prévia, com o acordo das partes, foi proferida decisão que incidiu sobre o conhecimento da excepção dilatória da incompetência material do tribunal e concluiu nos seguintes termos que se reproduzem:
“Portanto, sempre a questão em causa nestes autos sempre estará subtraída à competência dos tribunais comuns.
Assim, a apreciação do litígio emergente da relação entre a autora e a ré, nos moldes desenhados pela autora, compete ao TAD que é quem tem a competência para conhecer dos litígios emergentes dos actos e omissões das entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de organização.
A incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria constitui excepção dilatória que pode ser conhecida em qualquer estado da causa que deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal em qualquer estado do processo até ao trânsito em julgado da sentença – artigos 96.º e 97.º, n.º 2 – e tem como consequência a absolvição do réu da instância – artigos 99.º, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, julgando verificada a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, e ao abrigo das mencionadas disposições, declaro este tribunal incompetente para conhecer do pedido formulado pelo autor e, em consequência, absolvo as rés da instância.”
É com esta decisão que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que considere o tribunal materialmente competente para a acção, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões, que se reproduzem, com excepção das citações de normas legais e de jurisprudência, que não encontram o seu lugar próprio nas conclusões do recurso, à luz do art.º 639.º do C.P.C.:
“I. O presente recurso incide sobre a douta sentença proferida (ref.ª:379332171), que declarou incompetente em razão da matéria o tribunal de que ora se recorre;
II. O Digníssimo Tribunal a quo é o materialmente competente para conhecer do litígio tal como configurado nos presentes autos;
III. O Tribunal Arbitral do Desporto conforme disposto no n.º1 do artigo 4.º da Lei do Tribunal do Desporto (TAD), aprovada pela Lei n.º 74/2013 de 6 de Setembro não é nem nunca poderia ser o tribunal competente em razão da matéria para decidir quanto ao litígio em causa;
IV. O A. na alegação assente na P.I., foi capaz de a configurar dentro dos moldes exigidos por lei, pelo que todos os elementos constitutivos em concreto do direito em que funda a sua causa pretendi estão plasmados;
V. A decisão proferida pelo digníssimo tribunal a quo é abundante em normas violadas;
VI. Tal deve-se, salvo melhor entendimento, a uma errada interpretação das normas que constituem fundamento jurídico da decisão e por conseguinte a uma errada aplicação das mesmas
VII. Violando assim os artigos 2.º, 64.º, 96.º, 97.º e 98.º todos do C.P.C, tendo por base a incorrecta interpretação, e má aplicação, da Lei 74/2013 de 6 de Setembro com maior incidência do disposto nos respectivos artigos n.º 1 e 4.º, conforma supra já se expôs e infra melhor se verá; Senão vejamos,
VIII. A configuração que o A. fez da lide, não deixa de conformar a acção nos exactos e concretos termos em que se deveria configurar, existindo nos autos elementos mais que suficientes para que o digníssimo tribunal a quo não tivesse feito uma leitura restritiva à configuração que a A. fez da mesma;
IX. O Tribunal a quo somente valorou um dos elementos da relação jurídica tal como configurada – os sujeitos da relação jurídica (que nem por acaso são dois agentes desportivos) – para desenhar a respectiva e douta sentença proferida, ignorando por efeito, tudo o resto – o que, salvo melhor, implicou uma sentença em clara divergência e violação do direito;
X. Isto porque, a relação negocial, tal como configurada pela A., é do foro privado e por isso sem qualquer interesse público que justifique uma intervenção do TAD e por isso de competência dos tribunais civis;
XI. Não é uma questão estritamente desportiva e por isso não se subsumindo na previsão do disposto no n.º1 do artigo 4.º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto;
XII. Os normativos legais que ao longo dos anos vigoraram e foram sendo alterados até à Lei n.º 74/2013 de 6 de Setembro que veio dar origem do tribunal arbitral desportivo, faz perceber qual a verdadeira essência do tribunal arbitral desportivo;
XIII. Assim e de forma a aligeirar a compreensão desta problemática recuemos até à Lei de Bases do Sistema Desportivo de 1990 – Lei 1/90 de 13 de Janeiro (LBSD), a qual previa já no seu artigo 25.º o seguinte: (…)
XIV. Mais tarde, a Lei nº 30/2004, de 21 de Julho – Lei de Bases do Desporto (LBD) –, equacionou outra construção a respeito da Justiça desportiva, vieram a dispor os artigos 46º a 49º, nos seguintes moldes: (…)
XV. Esta presença nas leis de bases nem se tem por imprescindível naquilo que, na essência, se encontra em causa, com efeito, apurar a competência dos tribunais e afirmar o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, sempre resultariam – e resultam ainda em última instância –, das normas constitucionais e de outras normas ordinárias que vão moldando os atores desportivos;
XVI. Salvo melhor opinião, o referido artigo 18º da LBAFD exprimia as seguintes ideias fundamentais:
XVII. Estabelecia a regra de acordo com a qual os litígios emergentes dos actos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estavam sujeitos às “normas do contencioso administrativo” (nº1).
XVIII. Para além da atribuição de competência aos tribunais administrativos, a regra delimita o seu âmbito.
XIX. Não estamos, pois, perante uma norma que enquadre a resolução de todos os litígios desportivos, mas apenas aqueles que tenham uma natureza pública.
XX. Segue-se a afirmação da reserva de competência federativa: não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas (nº2)- (sublinhado nosso).
XXI. O legislador atreve-se a definir o alcance do conceito: são questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições (nº3).
XXII. Este desenho legal que, grosso modo, perdurou de 1990 até à entrada em funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto – 25 anos, pois –, assentava, então, em dois pilares: os dos órgãos internos federativos aplicadores das normas e, depois, no acesso aos tribunais administrativos, quando a matéria se prendesse com questões natureza pública;
XXIII. Temos por importante e correto a desvalorização da vertente formal das normas, que vão sendo “classificadas” independentemente da natureza do regulamento federativo em que se inserem;
XXIV. Prevalecendo, pois, a materialidade da norma.
XXV. Postura e entendimento colhida pelos tribunais e que tem conduzido a uma aplicação restrita do conteúdo daquilo que se deva ter por questões estritamente desportivas, muitas vezes com apelo às normas constitucionais que consagram o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.
XXVI. Os tribunais superiores têm aprimorado a sua narrativa com o suceder dos casos que se lhe são colocados, nunca perdendo de vista a relevância do que se encontra em jogo quando as entidades desportivas buscam sustentar que os conflitos têm por objeto uma questão estritamente desportiva;
XXVII. Face ao exposto é certo que a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto se encontra ainda em vigor;
XXVIII. Com a excepção do seu artigo 18.º entretanto revogado pelo artigo 4.º al.b) da Lei n.º74/2013 de 6 de Setembro – que é precisamente o artigo invocado pelo digníssimo tribunal a quo para subsumir a relação contravertida na competência material do TAD;
XXIX. Não obstante tal facto não é menos verdade que também o artigo n.º4 al.b) da Lei 74/2013 de 6 de Setembro acarreta na sua essência e como pressuposto da sua aplicação o carácter estritamente desportivo dos litígios em apreço;
XXX. Não podendo ter outra a interpretação de que a criação do TAD mais não é do que a simples criação de um tribunal onde se discutem e resolvem questões meramente desportivas, conforme artigo 1.º (Objecto): (…)
XXXI. Os presentes autos tal como configurados pela A., permitem concluir que a A. actua como empresária/intermediária desportiva, na celebração de um contrato, concretamente, de um contrato de trabalho desportivo de um determinado treinador com uma determinada sociedade desportiva;
XXXII. Refere o disposto no n.º 4.º do Regulamento de intermediários desportivos que o intermediário é a pessoa singular ou colectiva que, com capacidade jurídica, contra remuneração ou gratuitamente, representa o jogador ou o clube em negociações, tendo em vista a assinatura de um contrato de trabalho desportivo ou de um contrato de transferência.
XXXIII. Refere a Lei do TAD no seu n.º1 do artigo 4.º que “Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos actos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina.”
XXXIV. Refere ainda o artigo 1.º n.º1 que aprovou a Lei do TAD que “A presente lei cria o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), com competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto”;
XXXV. A A. invoca o incumprimento pela R., nomeadamente quanto ao pagamento de determinado valor pelos serviços prestados na intermediação de vários jogadores, ou seja, contrato pelo qual a A. se obrigou a desempenhar determinados actos jurídicos conducentes à celebração de um contrato de trabalho entre os jogadores em causa e a R.;
XXXVI. Por via desses serviços foi acordado que a R. remuneraria a A. por esses serviços prestados, o que não aconteceu;
XXXVII. Ora está em causa na relação entre as partes, um serviço prestado em que a A. criou as condições quer para jogador, quer para o clube, aqui R., para a concretização de determinado negócio;
XXXVIII. Não está em causa nos presentes autos, o cumprimento de normas de natureza técnica, organizativa ou de carácter disciplinar, emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas provas.
XXXIX. Por leis do jogo tem sido entendido pela doutrina e pelos tribunais superiores o conjunto de regras que, relativamente a cada disciplina desportiva, têm por função definir os termos da confrontação desportiva, e que se traduzem em regras técnico-desportivas que ordenam a conduta, as acções e omissões, dos desportistas nas actividades das suas modalidades e que, por isso, são de aplicação imediata no desenrolar das provas e competições desportivas;
XL. Nesse sentido entendeu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Ac. 10/13/2011, Processo 06925/10) (…)
XLI. Face ao supra exposto não pode colher entendimento a interpretação do Digníssimo Tribunal a quo quando refere: «Assim a apreciação do litígio emergente da relação entre A. e R., nos moldes desenhados pela autora, compete ao TAD que é quem tem a competência para conhecer de litígios emergentes de actos e omissões das entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de organização».
XLII. Ora nesse mesmo sentido, nos presentes autos, está-se perante um contrato de natureza meramente privada e que nada tem a ver com as questões estritamente desportivas a que se refere o revogado artigo n.º 18.º da LBAFD e o actual artigo 1.º, n.º1 e 2 e artigo 4.º, n.º1 da LTAD;
XLIII. Segundo o Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17.05.2012, processo 417/11.5 TVPRT.P1, a razão de ser desta separação entre questões estritamente desportivas e estritamente civis prende-se com o facto de que se os litígios puramente desportivos dessem origem a um julgamento com as formalidades próprias dos tribunais comuns tal seria iníquo.
XLIV. Uma vez que seria praticamente impossível encontrar solução adequada em tempo útil dada a celeridade e eficácia imediata ou quase imediatas exigíveis pelo funcionamento próprio das competições desportivas.
XLV. Refere tal Acordão (…)
XLVI. Ora no caso dos presentes autos não são esse tipo de situações que se pretende discutir e resolver, mas sim de elementos contratuais enquadráveis no âmbito do direito privado e cuja solução está longe de demandar celeridade exigível na implementação das leis do jogo e na regulamentação das provas desportivas.
XLVII. A coexistência dos mecanismos de auto regulamentação e a possibilidade de recursos aos tribunais é perfeitamente possível, e o recurso aos tribunais permanece como um direito.
XLVIII. O simples facto de determinadas entidades, como as partes nos presente autos, estarem filiadas na Federação Portuguesa de Futebol não pode servir de fundamento ao seu afastamento dos tribunais comuns, quando a questão a decidir nada tem de estritamente desportiva, mas outrossim de natureza estritamente privada.
XLIX. Segundo os devidos estatutos nada obsta a que um agente desportivo submeta à apreciação dos tribunais comuns de uma questão como a nos presentes autos discutida, já que os mesmos só estão vedados a recorrer a tais tribunais quanto a questões relacionadas com decisões e deliberações dos órgãos sociais e restantes comissões organizadas no âmbito da federação Portuguesa de Futebol sobre questões estritamente desportivas ou que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou disciplina desportiva;
L. Nos presentes autos, não obstante a qualidade das partes, a verdade é que a natureza do litígio é meramente privada fruto de um alegado incumprimento contratual e em consequência fora do interesse público; Para além disso,
LI. Inerentemente ao carácter intervencionista das federações em situações de justiça, para além da supra aludida celeridade, está ainda em causa a utilidade pública dessa mesma instituição;
LII. Porém a conhecida utilidade pública da intervenção da FPF e nessa medida do TAD, não se afigura nos presentes autos;
LIII. Já que, pese embora esteja relacionado com a actividade desportiva, o seu debate e desfecho em nada afecta os acontecimentos desportivos;
LIV. Conforme referido nas alegações 74.º a 77.;
LV. A A. intentou contra a aqui R. acção cível que veio a ser distribuída precisamente no mesmo tribunal, juízo e juiz, a qual tinha precisamente o mesmo objecto, tendo o referido tribunal na mesma fase processual se declarado materialmente incompetente, ao qua A. foi forçada a recorrer para a Relação que se pronunciou, e cujo, o douto Acórdão de 16 de Janeiro de 2018 notificado à A., em 19 de Janeiro de 2018 – Processo 69256/16.3YIPRT.P1 - em suma, referiu o seguinte: (…) Resumidamente,
LVI. Não deve ser qualificada como questão estritamente desportiva ou litigio puramente desportivo o que antagoniza a A. e a R. no âmbito do contrato incumprido de intermediação de jogadores (tal como configurado pela A.), o que está em discussão é o incumprimento desse contrato pelo que a acção em causa em nada afecta os desenvolvimentos desportivos;
LVII. Sendo ainda assim do interesse das federações internacionais e nacionais de futebol que este género de questões sejam resolvidas nas instâncias desportivas – como emerge dos respectivos regulamentos e estatutos -, não estão reunidas as condições legais para serem submetidos a arbitragem necessária, com exclusão dos tribunais estaduais.
Não foram apresentadas contra - alegações.
II. Questões a decidir
Tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C.- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da (in)competência do Tribunal Arbitral do Desporto para apreciar e decidir do incumprimento de um contrato de prestação de serviços de mediação.
III. Fundamentos de Facto
Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que resultam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da (in)competência do Tribunal Arbitral do Desporto para apreciar e decidir do incumprimento de um contrato de prestação de serviços de mediação.
Insurge-se a Recorrente contra a decisão do tribunal a quo que concluiu pela incompetência do tribunal em razão da matéria, por considerar que não está em causa um litígio que deva/possa ser submetido ao Tribunal Arbitral do Desporto.
A sentença recorrida entendeu que a resolução do litígio em presença compete obrigatoriamente ao Tribunal Arbitral do Desporto, nos termos do art.º 4.º n.º 1 da Lei do TAD por se referir a “acções e omissões das entidades desportivas, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de organização”, sendo incompetentes os tribunais comuns para o seu conhecimento.
Como é sabido, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, conforme previsão do art.º 40.º da Lei 62/2013 de 26 de Agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) - e art.º 64.º do C.P.C. normas que atribuem aos tribunais judiciais competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Este princípio é aliás, desde logo, expresso no art.º 211.º nº 1 da CRP que dispõe: “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
Com respeito aos tribunais arbitrais, diz-nos o art.º 150º n.º 1 da LOSJ que “Salvo nos casos expressamente previsto na lei, a submissão de qualquer litígio à apreciação de um tribunal arbitral depende da vontade expressa e inequívoca das partes.” Isto significa que se as partes não optarem voluntariamente e por acordo em submeter a resolução do conflito ao tribunal arbitral, este não lhes pode ser imposto a não ser nos casos em que a lei expressamente o determine.
Em face deste regime legal e constitucional, importará em primeiro lugar averiguar se estamos perante uma situação que a lei prevê que seja obrigatória ou necessariamente submetida ao Tribunal Arbitral do Desporto, como entendeu o tribunal de 1ª instância, já que a não ser assim a competência é dos tribunais judiciais comuns por força da competência residual de que dispõem.
Sobre a competência do Tribunal Arbitral do Desporto rege a Lei 74/2013 de 6 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei 33/2014 de 16 de Junho, diploma que veio criar o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD).
O art.º 1.º da Lei referida ao definir o seu objecto prevê no n.º 1 a criação do Tribunal Arbitral do Desporto, com competência específica para administrar a justiça relativamente a litígios que relevam do ordenamento jurídico desportivo ou relacionados com a prática do desporto e no n.º 2 aprova a Lei do TAD que é apresentada em anexo.
A Lei do TAD, de acordo com o que dispõe o art.º 2.º da Lei 74/2013, dispõe sobre a natureza, a competência e a organização dos serviços do TAD e as regras dos processos de arbitragem e de mediação a submeter ao TAD.
Recorrendo à Lei do TAD e com vista a determinar o âmbito da sua competência, registamos desde logo uma primeira distinção que se reporta aos casos em que é prevista a arbitragem necessária – art.º 4.º e 5.º (referindo-se este art.º 5.º à matéria de dopagem), daqueles em que pode ser prevista a arbitragem voluntária, contemplados nos art.º 6.º e 7.º (referindo-se esta última norma à arbitragem voluntária em matéria laboral).
O art.º 4.º da Lei do TAD com a epígrafe “arbitragem necessária” tem a seguinte redacção:
1 - Compete ao TAD conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina.
2 - Salvo disposição em contrário e sem prejuízo do disposto no número seguinte, a competência definida no número anterior abrange as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis.
3 - O acesso ao TAD só é admissível em via de recurso de: a) deliberações do órgão de disciplina ou decisões do órgão de justiça das federações desportivas, neste último caso quando proferidas em recurso de deliberações de outro órgão federativo que não o órgão de disciplina; b) decisões finais de órgãos de ligas profissionais e de outras entidades desportivas.
4 – Com excepção dos processos disciplinares a que se refere o art.º 59.º da Lei 38/2012 de 28 de agosto, compete ainda ao TAD conhecer dos litígios referidos no n.º 1 sempre que a decisão do órgão de disciplina ou de justiça das federações desportivas ou a decisão final de liga profissional ou de outra entidade desportiva não seja proferida no prazo de 45 dias ou, com fundamento na complexidade da causa, no prazo de 75 dias a contar da atuação do receptivo processo.
5 – Nos casos previstos no número anterior, o prazo para a apresentação pela parte interessada do requerimento de avocação de competência junto do TAD é de 10 dias, contados a partir do final do prazo referido no número anterior, devendo este requerimento obedecer à forma prevista para o requerimento inicial.
6 – É excluída da jurisdição do TAD, não sendo assim suscetível designadamente do recurso referido no n.º 3, a resolução de questões emergentes da aplicação das normas técnicas e disciplinares diretamente respeitantes à prática da própria competição desportiva.”
Constata-se que o n.º 1 deste artigo, no qual a decisão recorrida entendeu integrar a situação dos autos, vem conferir ao TAD competência, no âmbito da sua jurisdição arbitral necessária para apreciar os conflitos resultantes de actos e omissões das federações, ligas profissionais e outras entidades desportivas, resultantes do exercício dos seus poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina.
Há que considerar, de acordo com o n.º 2, que esta competência abrange as modalidades da garantia contenciosa previstas no CPTA que forem aplicáveis, sendo o acesso ao TAD apenas admissível em sede de recurso, tal como regulam o n.º 3 a 6 do art.º 4.º, exigindo-se por isso uma demanda ou impugnação prévia junto da entidade desportiva respectiva, de cuja decisão é que caberá recurso para o TAD.
No dizer do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 781/2013 de 20/11/2013 publicado no Diário da República n.º 243/2013, Série I de 2013-12-16, é atribuída ao TAD “competência para conhecer dos litígios emergentes dos atos e omissões das federações e outras entidades desportivas e ligas profissionais, no âmbito do exercício dos correspondentes poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina abrange, salvo disposição em contrário, as modalidades de garantia contenciosa previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos que forem aplicáveis (n.º 2 do artigo 4.º da Lei do TAD) mas o acesso ao TAD só é admissível em via de recurso das decisões dos órgãos jurisdicionais das federações desportivas ou das decisões finais de outras entidades desportivas e ligas profissionais, não dispensando a necessidade de fazer uso dos meios internos de impugnação, recurso ou sancionamento dos atos ou omissões previstos nos termos da lei ou de norma estatutária ou regulamentar (n.º 3 do artigo 4.º da Lei do TAD). (…) A Lei do TAD atribui, assim, em exclusivo, ao TAD a competência para conhecer de litígios que envolvem o exercício de poderes de natureza pública, em especial litígios que decorrem da prática ou omissão de atos de autoridade, subtraindo-os às regras do contencioso administrativo e à competência dos tribunais administrativos, onde até aqui se encontravam.”
A submissão ao contencioso administrativo, que resulta desde logo patente do art.º 8.º da Lei do TAD que no n.º 1 estabelece expressamente que quando há recurso das decisões arbitrais este é para o Tribunal Central Administrativo é também revelador da natureza pública dos poderes exercidos pelas entidades desportivas que podem determinar a submissão necessária do litigo ao TAD.
A natureza pública dos poderes conferidos e exercidos pelas federações desportivas e pelas ligas profissionais, não oferecia já grandes dúvidas no âmbito da anterior legislação revogada pela Lei 74/2013 de 6 de Setembro, uma vez que quer a Lei 5/2007 de 16 de Janeiro que aprovou a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto no seu art.º 18.º n.º 1, quer o art.º 12.º do Decreto-Lei 248-B/2008, de 31 de Dezembro, já estabeleciam que os litígios emergentes dos actos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo. Foram estas competências que eram em primeira linha dos Tribunais Administrativos que foram transferidas para o TAD com a Lei 74/2013, ficando aqueles apenas com os recursos das decisões do TAD, nos termos definidos no já mencionado art.º 8.º da Lei do TAD.
O art.º 4.º da Lei do TAD vem então dispor sobre as matérias que necessariamente têm de ser submetidas a este tribunal, prevendo que lhe compete conhecer dos conflitos que decorrem dos actos e omissões das Federações Desportivas, das Ligas Profissionais e de outras entidades desportivas no que respeita ao exercício dos respectivos poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina, ou seja, dos actos e omissões que resultam do exercício dos seus poderes públicos.
Estes actos ou omissões que esta norma prevê que sejam submetidos obrigatoriamente ao TAD são aqueles que resultam do exercício por aquelas entidades dos seus poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina, sendo estes que relevam do ordenamento jurídico desportivo, ou relacionados com a prática do desporto submetida a tal regulamentação, conforme prevê o art.º 1.º da Lei 74/2013 que define o objecto do TAD.
Dizem-nos Artur Flamínio da Silva e Daniela Mirante, in. O Regime Jurídico do Tribunal Arbitral do Desporto – Anotado e Comentado, pág. 34: “ No fundo, todos os conflitos desportivos de Direito Administrativo encontram-se submetidos à arbitragem necessária do TAD. São, portanto, compreendidos aqueles conflitos que derivam de «poderes de regulamentação, organização, direção e disciplina» da competição desportiva.
É pacífico que para se aferir da competência do tribunal em razão da matéria há que ter em conta o pedido e a causa de pedir em que aquele se funda, atendendo à relação material controvertida tal como ela é apresentada pelo autor e ao pedido que dela decorre. Vd. neste sentido, Manuel de Andrade, in. Noções Elementares de Processo Civil, pág. 91.
Na situação em presença, a A. invoca a celebração de um contrato de prestação de serviços de mediação com a R., com respeito à contratação por esta de um profissional do desporto, que alega não ter sido cumprido pela R. quanto à sua obrigação de pagamento do preço convencionado, cujo pagamento peticiona na presente acção.
À luz do regime jurídico que se expôs sucintamente sobre a competência necessária do Tribunal Arbitral do Desporto prevista no art.º 4.º n.º 1 da Lei do TAD, é forçoso concluir que o litígio em causa não se integra na previsão desta norma.
O conflito em presença reporta-se, como se disse, a um contrato de prestação de serviços de mediação submetido ao direito privado e à legislação civil, estando em litigio o (in)cumprimento de tal contrato celebrado entre as partes, sendo privado o conflito que a ele respeita. Não se trata de um qualquer litígio que tenha emergido do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto, como previsto no art.º 1.º da Lei 74/2013 de 16 de Junho, nem resulta de um acto ou omissão praticado no âmbito do exercício de quaisquer poderes de regulamentação, organização, direcção e disciplina de qualquer das partes.
Torna-se por isso forçoso concluir que não estamos perante um conflito que necessariamente tenha de ser submetido ao TAD para dele conhecer, não sendo o Tribunal Arbitral do Desporto competente para o efeito, cabendo aos Tribunais Judicias Comuns a competência em razão da matéria para conhecer da presente acção, impondo-se por isso a revogação da decisão recorrida.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se o presente recurso interposto pela A. procedente, revogando-se a decisão recorrida e considerando-se o TAD incompetente em razão da matéria para apreciar a presente acção, cuja competência compete aos tribunais comuns.
Custas pela Recorrida.
Notifique.
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Porto, 27 de Junho de 2018
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva