Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5549/15.8T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: RESOLUÇÃO
JUSTA CAUSA
FALTA DE PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RP201703025549/15.8T8MTS.P1
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTO Nº 252, FLS. 273 - 291)
Área Temática: .
Sumário: I - As conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada e a aplicação do direito.
II - Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
III - Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
IV - Para que o trabalhador possa resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva com fundamento na falta de pagamento da retribuição, não basta que o comportamento do empregador seja ilícito e culposo, sendo concomitantemente necessário que esse facto torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, bem como a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral (art.º 394.º/4 CT).
V - culpa do empregador no não pagamento pontual da retribuição é apreciada no contexto da justa causa para a resolução do contrato, considerados os factores mencionados no n.º 3 do artigo 351.º Código do Trabalho, isto é, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses (aqui) do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
VI - Nesse juízo de ponderação, relevam particularmente as circunstâncias em que o trabalhador se determinou a resolver o contrato de trabalho e a aferição dos prejuízos que lhe foram causados pela falta de pagamento das retribuições que se encontrarem em dívida, passando este último aspecto pela questão de saber se o trabalhador se viu confrontado com uma situação de absoluta ou, pelo menos, de grande carência de meios económicos, com transtornos sérios ou consequências nefastas para a sua vida pessoal e familiar, de tal modo que se tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 5549/15.8T8MTS.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Matosinhos - Inst. Central - 3ª Sec. Trabalho, B… intentou a presente acção declarativa, como processo comum, emergente contrato individual de trabalho, contra C…, LDA, a qual foi distribuída ao Juiz 1, pedindo que julgada a acção procedente, seja a R. condenada nos pedidos seguintes:
- Reconhecer que a A. resolveu com justa causa o contrato de trabalho;
- A pagar à A. uma indemnização por antiguidade, não inferior a 45 dias por cada ano completo ou fração de ano, que se cifra em € 4.216,00;
-A pagar à A. os vencimentos líquidos, subsídios de alimentação e subsídios de férias e Natal, vencidos desde 01 de Novembro de 2013 a 30 de Junho de 2015, no valor de € 12.433,98;
- A pagar à A. os vencimentos ilíquidos vencidos desde 01 de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015, no valor de € 2.720,00;
- A pagar à A. subsídio de alimentação em falta, no valor de € 155,00;
- A pagar à A. férias e subsídio de férias vencidas em 01 Janeiro de 2015, no valor de € 1.700,00;
- A pagar à A. proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015, no valor de € 1.949,19;
- Tudo acrescido de juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.
Alega, em resumo, que foi admitida ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho verbal e por tempo indeterminado, em 16 de Junho de 2012, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de Comercial de HACCP e Técnica de HST (Higiene e Segurança no Trabalho), por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da Ré.
Como contrapartida efetiva do seu trabalho e a título de remuneração mensal, auferia a quantia ilíquida de € 850,00, a que acrescia o montante de € 5,00, a título de subsídio de alimentação, por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
No período compreendido entre 19 de Outubro de 2012 e 17 de Julho de 2015, em acumulação com as supra identificadas, exerceu ainda funções de gerente.
Em 17 de Julho de 2015, na sequência da sócia D…, ter assumido a posição maioritária do capital social da empresa, a referida sócia, nomeou-se a si própria e ao seu pai, G…, como gerentes, tendo destituída da gerência a A., pelo que e a partir dessa data voltou a exercer apenas as funções supra identificadas.
Enquanto exerceu as funções de gerência e devido às dificuldades financeiras que a empresa atravessou, apesar de proceder ao processamento do seu salário e ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social, a A. não recebeu a totalidade dos seus vencimentos líquidos, subsídio de alimentação e subsídios de férias e de Natal, vencidos desde 30 de Novembro de 2013 até 30 de Junho de 2015, no montante total de € 12.433,98.
Para além deste montante, é ainda credora dos salários correspondentes aos meses de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015.
A Ré passou a processar os descontos para a segurança social respeitantes à A. com base no salário mínimo nacional.
Por carta registada com AR, datada de 5/10/15 e rececionada pela Ré em 06/10/15, a A. resolveu o seu contrato de trabalho com justa causa, pelo que reclama quantia não inferior a 45 dias por cada ano de antiguidade ou fração, que se computa em € 4.216,00.
Para além dessa quantia, tem a Autora direito a receber as seguintes importâncias:
a) Vencimentos líquidos vencidos desde 01 de Novembro de 2013 a 30 de Junho de 2015, no valor de € 12.433,98;
b) Vencimentos ilíquidos vencidos desde 01 de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015, no valor de € 2.720,00;
c) Subsídio de alimentação desde 01 a 17 de Julho e 09 de Setembro a 05 de Outubro de 2015, no valor de € 155,00;
d) Férias e subsídio de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2015, no valor de € 1.700,00; e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015, no valor de € 1.949,19.
Procedeu-se a audiência de partes, não se tendo logrado obter a resolução do litígio por acordo.
Regularmente citada a Ré contestou, concluindo pela parcial improcedência da ação.
Reconhece ser devedora à A. da quantia de 2.021,40€.
Quanto ao mais, contrapõe que durante todo o período em que exerceu funções de gerente na R., a A. procedeu ao processamento do seu salário - emitindo os respetivos recibos de vencimento - ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social e comunicou através das Declarações Mensais de Remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira o respetivo valor recebido.
No período em que exerceu as funções de gerente, e do qual resultam os valores peticionados pela A. na presente ação, esta procedeu a inúmeras retiradas de caixa que se atribuem, segundo indicação da mesma, a adiantamento de despesas anteriores, sem os devidos comprovativos até Novembro de 2014 e a partir de Dezembro de 2014 a A. procedeu a retiradas de caixa como adiantamentos de salários anteriores sem identificar os respetivos períodos temporais a que os mesmos se reportavam.
Assim, não se encontram em dívida a totalidade dos montantes peticionados pela A. a título de créditos salariais.
No que concerne ao processamento dos descontos para a segurança social respeitantes à A., tal situação encontra-se totalmente regularizada, não existindo qualquer irregularidade no referido processamento.
Encontra-se totalmente esvaziada de fundamentos a alegada resolução contratual operada pela A., por não corresponderem à verdade.
Foi proferido despacho saneador, com dispensa de fixação da base instrutória.
Foi fixado à acção o valor de € 23.174,17.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, culminada com a prolação de decisão sobre a matéria de facto.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «1- Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, intentada por B… contra C…, LDA., e, em consequência, condeno a ré a pagar à Autora:
1.1. As diferenças de vencimentos, subsídios de alimentação e subsídios de férias e Natal, vencidos desde 1 de dezembro de 2013 a 30 de Junho de 2015, no valor líquido de € 1.117,10 (mil cento e dezassete euros e dez cêntimos);
1.2. Os vencimentos respeitantes ao trabalho prestado de 1/07/2015 a 17/07/2015 e de 9/09 a 06/10/2015, no valor ilíquido de € 1.274,85 (mil, duzentos e setenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos);
1.3. Subsídio de alimentação no valor de € 155,00 (cento e cinquenta e cinco euros);
1.4. Férias vencidas em 1 Janeiro de 2015 e respetivo subsídio de férias, no valor ilíquido de € 1.700,00 (mil e setecentos euros);
1.5. Proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015, no valor ilíquido de € 1.950,21 (mil, novecentos e cinquenta euros e vinte e um cêntimos);
1.6. Juros de mora sobre as referidas quantias, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
2 - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a ação quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a Ré, C…, LDA.

Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art. 527º do Código de Processo Civil/2013).
(..)».
I.3 Inconformada com a sentença a Autora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram finalizadas com as conclusões seguintes:
I. A sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida pela A. ora Recorrente, reconhecendo apenas parte dos créditos salariais reclamados pela Apelante, e não reconhecendo a justa causa por esta invocada quando da resolução do seu contrato de trabalho e, por conseguinte, negando o seu direito à indemnização por antiguidade, o que não se aceita.
II. Com esta decisão não se conforma a Apelante, sendo fundamentos do presente recurso não ter sido reconhecida a totalidade dos créditos salariais por si peticionados e não ter sido reconhecida a justa causa por si invocada na resolução do seu contrato de trabalho e, consequentemente, a peticionada indemnização por antiguidade.
III. Considera, desde logo, entende a Apelante que a sentença em crise está ferida de manifesto erro na apreciação da prova, que importa corrigir com o presente recurso.
IV. Na presente ação, a Recorrente reclamou e pediu a condenação da Ré no pagamento dos seguintes créditos salariais:
a) Os vencimentos líquidos, subsídios de alimentação e subsídios de férias e de Natal vencidos desde 01 de Novembro de 2013 a 30 de Junho de 2015, no valor de € 12.433,98;
b) Os vencimentos ilíquidos vencidos desde 01 de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015, no valor de € 2.720,00;
c) O subsídio de alimentação em falta, no valor de € 155,00;
d) Férias e subsídio de férias vencidas em 01 de janeiro de 2015, no valor de € 1.700,00;
e) Proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015, no valor de € 1.949,19.
V. Na sua contestação, a Recorrida não negou o direito aos créditos salariais mas contestou o montante do valor em dívida, alegando a existência de inúmeras retiradas de caixa, durante o período em que a Recorrente exerceu as funções de gerente.
VI. Em face da posição assumida pelas partes, importava, pois, determinar se as retiradas de caixa invocadas pela Apelada se destinaram ao pagamento dos créditos salariais reclamados pela Apelante.
VII. À Apelante competia, pois, alegar e demonstrar os factos constitutivos do seu direito – o que logrou atingir, desde logo, por os mesmos não terem sido impugnados – e à Apelada o ónus de alegar e demonstrar o facto extintivo desse direito, no caso, que as retiradas de caixa foram utilizadas para pagamento dos créditos salariais reclamados pela Apelante – o que, ao invés e salvo o devido respeito, esta não logrou demonstrar – nesse sentido vide Ac. proferido pelo STJ em 18-06-2003 no Recurso n.º 1198/03 - 4.ª Secção, em que foi relator Azambuja Fonseca, disponível in www.dgsi.pt.
VIII. Ademais, dos elementos de prova constantes dos autos e da prova produzida em audiência que se afigura suficiente e idónea, resultam demonstrados os factos constitutivos do direito da Apelante.
IX. A sentença aqui em crise está ferida de manifesto erro na apreciação da prova, que importa corrigir com o presente recurso, porquanto, deu como provados os factos constantes dos pontos 18, 19 e 20, e como não provado o facto constante do ponto b. da resposta à matéria de facto, que, para os devidos e legais efeitos, expressamente, se impugnam.
X. No ponto 18. da resposta à matéria de facto ora impugnado, é dado como provado que: “Durante todo o período em que exerceu funções de gerente na R., a A. procedeu ao processamento do seu salário - emitindo os respetivos recibos de vencimento, conforme resulta de fls. 55 a 72 - ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social e comunicou através das Declarações Mensais de Remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira o respetivo valor recebido.” – (sublinhado nosso) – tendo para o efeito o Tribunal de 1.ª instância tomado em consideração, essencialmente, o depoimento de parte da A. B… e o depoimento prestado pela testemunha E…, antiga contabilista da R. aqui Apelada.
XI. Conjugando, porém, a prova documental, designadamente, os recibos de vencimento juntos como doc. 6 pela R., com o teor das declarações prestadas pela A. e reproduzidas na acta da audiência de julgamento de 10.05.2016, e o teor do depoimento prestado em audiência de julgamento pela referida testemunha e reproduzido na fundamentação da decisão, constatamos que deles resulta tão só que a emissão dos recibos apenas correspondeu a uma mera operação de processamento e não de pagamento, pelo que, deveria ter sido dado como provado que “Durante todo o período em que exerceu funções de gerente na R., a A. procedeu ao processamento do seu salário - emitindo os respetivos recibos de vencimento, conforme resulta de fls. 55 a 72 - ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social e comunicou através das Declarações Mensais de Remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira o respetivo valor processado” (sublinhado nosso).
XII. Fundamentando a sua decisão no teor dos documentos de fls. 73 a 116, folhas de caixa juntas pela R., bem como no depoimento de parte da A. e ainda das testemunhas E… e F…, deu o Tribunal a quo como provado nos pontos 19 e 20. da resposta à matéria de facto, respetivamente que:
“No período em que exerceu as funções de gerente, a A. procedeu a diversas retiradas de caixa que se atribuem, segundo indicação da mesma, a “adiantamento de despesas anteriores” até Novembro de 2014 e, a partir de Dezembro de 2014, a “adiantamentos de salários anteriores” sem identificar os respectivos períodos temporais a que os mesmos se reportavam”.
“Enquanto exercia cumulativamente as funções de trabalhadora e de gerente na R., para pagamento dos seus salários e subsídio de refeição referente ao período de dezembro de 2013 a julho de 2015, a A. retirou da caixa as seguintes quantias líquidas: dez-13 - 210,35 € jan-14 - 827,72 € fev-14 - 371,44 € mar-14 - 105,16 € abr-14 - 360,31 € mai-14 - 564,00 € jun-14 - 354,13 € jul-14 - 330,08 € ago-14 - 451,42 € set-14 - 621,46 € out-14 - 565,86 € nov-14 - 642,38 € dez-14 - 504,48 € jan-15 - 444,79 € fev-15 - 401,93 € mar-15 - 625,47 € abr-15 - 570,94 € mai-15 - 1.026,87 € jun-15 - 677,22 € jul-15 - 942,10 €.”
XIII. Porém, diversamente, do confronto dos documentos de fls. 73 a 116 (folhas de caixa respeitantes à Apelante no período compreendido entre junho de 2013 e novembro de 2014) com os extratos de conta corrente de fls. 147 e 148 resulta que todas aquelas retiradas de caixas foram lançadas na contabilidade por conta de despesas anteriores realizadas pela Apelante em nome da empresa e por conta de salários anteriores.
XIV. Encontrando, assim, os valores constantes do extrato da conta corrente de despesas de fls. 148 e verso, mais concretamente da coluna dos débitos da empresa à trabalhadora, correspondências com os seguintes mapas de caixa (cfr. respetivas linhas assinaladas a marcador sob a designação de “Adiantamento despesas anteriores”):
– € 354,80…fls. 73;
– € 202,41….fls. 75;
– € 323,91….fls. 78;
– € 402,52….fls. 80;
– € 115,77….fls. 82 verso;
– € 210,35….fls. 83 verso;
– € 827,72….fls. 85 verso;
– € 371,44….fls. 82; e
– € 105,15….fls. 89 verso.
XV. E encontrando os valores constantes do extrato da conta corrente de salários de fls. 147 e verso, mais concretamente da coluna dos débitos da empresa à trabalhadora, correspondência com os valores constantes nos seguintes mapas de caixa (cfr. respetivas linhas assinaladas a marcador sob a designação de “Adiantamento despesas anteriores”):
– € 360,31….fls. 90;
– € 564,01….fls. 91;
– € 354,13….fls. 93 verso;
– € 330,08….fls. 94 verso;
– € 451,42….fls. 96;
– € 621,46….fls. 98 verso;
– € 565,86….fls. 100;
– € 504,48….fls. 104;
– € 444,79….fls. 106;
–€ 401,93….fls. 107;
– € 625,47….fls. 110;
– € 570,94….fls. 111;
– € 1.026,87….fls. 113 verso; e
– € 677,22….fls. 114 verso.
XVI. Se as retiradas se destinassem ao pagamento de despesas e salários ocorridos do próprio mês a que respeitava a folha de caixa, não fazia sentido a utilização do termo “anteriores”.
XVII. Determinante foi ainda o depoimento da testemunha E…, gerente da sociedade I… que prestou serviços de contabilidade à R., entre 2013 e 01.07.2015, cujo depoimento se sustentou nos supra aludidos documentos contabilísticos (cfr. fls. 73 a 116 e 147 e 148), testemunha essa que, não só confirmou que, por atravessar dificuldades económicas, a R. tinha salários em atraso com os seus colaboradores, entre os quais a aqui Apelante, como explicou que, efetivamente, tais retiradas se destinaram a pagar despesas anteriores por esta realizadas por conta da Apelada, sendo que, a partir de março de 2014, essas retiradas de caixa passaram a destinar-se ao pagamento de salários anteriores.
XVIII. Donde se conclui que jamais poderia o Tribunal de 1.ª Instância concluir que as retiradas de caixa se destinaram ao pagamento dos seus salários e subsídio de refeição referente ao período de dezembro de 2013 a julho de 2015, em manifesta oposição com a prova documental, nomeadamente os referidos documentos contabilísticos que espelham os saldos de conta corrente de despesas e de salários da Apelante, em suma, todos os lançamentos a débito e a crédito realizados pela empresa de contabilidade ao longo do tempo.
XIX. Sem nada que o justifique, entendeu, porém, o Tribunal a quo que os documentos de contabilidade apresentados nos autos “são manifestamente insuficientes inidóneos para o fim pretendido, visto a sua elaboração ser facilmente manipulável e não ser objeto de confirmação, pois, como se disse, inexiste prova documental de suporte que alicerce ou valide tais valores apresentados”, desvalorizando tais documentos e, bem assim, o depoimento da testemunha responsável pela contabilidade da empresa, aqui Apelada, sem, todavia, avançar com qualquer suspeita suscetível de abalar a credibilidade desta testemunha.
XX. Ignorando não só que a Apelada se trata de uma empresa com contabilidade organizada, cujas despesas e pagamentos passam, necessariamente, pelo crivo do seu contabilista, no caso aqui em apreço, pelo crivo da supra referida testemunha E…, mas também que, por força do disposto no código deontológico que rege a sua profissão, esta está obrigada a “respeitar as normas legais e os princípios contabilísticos em vigor, adaptando a sua aplicação à situação concreta das entidades a quem prestam serviços, pugnando pela verdade contabilística e fiscal, evitando qualquer situação que ponha em causa a independência e a dignidade do exercício da profissão” – cfr. art.º 2.º do Anexo II da Lei n.º 139/2015, de 07.09.
XXI. Pelo que não faz sentido que o Tribunal de 1.ª instância conclua não ter sido feita prova das alegadas despesas de deslocação pelo simples facto de não ter a Apelante junto aos autos os respetivo documentos comprovativos, designadamente mapas de deslocações, talões de combustível e de portagens, etc., quando é do conhecimento geral que, tais documentos são lançados na contabilidade da empresa e ficam em arquivo da mesma, designadamente para efeitos fiscais, pelo que, nunca estariam na posse da Apelante mas sim da Apelada.
XXII. Pelo que, se dúvidas houvesse quanto à idoneidade dos documentos contabilísticos juntos aos autos e à credibilidade da testemunha responsável pela contabilidade da empresa, impunha-se ao Tribunal de 1.ª instância que, ao abrigo dos amplos poderes que lhe são concedidos pelo Princípio do Inquisitório consagrado no art.º 71.º do CPT, ter oficiosamente promovido as diligências que, no seu entender, se reputassem essenciais e necessárias à descoberta da verdade material, designadamente, que fossem apresentados os documentos de contabilidade da Apelada, o que, no caso, manifestamente, não sucedeu.
XXIII. Ao considerar como provado que não foram identificados os períodos temporais a que se reportavam as retiradas de caixa e que essas retiradas de caixa se destinaram a pagamento de salários e subsídios de refeição referentes ao período compreendido entre dezembro de 2013 e julho de 2015, o Tribunal a quo ignorou o depoimento da contabilista da empresa e os referidos documentos contabilísticos, de onde resulta inequívoco que, não obstante as retiradas de caixa ocorridas entre Abril de 2014 e até Junho de 2015 (fls. 91 a 114 verso) e lançadas na conta corrente de salários vencidos, à data de 30-06-2015, ainda se encontravam em dívida salários no montante global de € 12.647,06 (fls. 147 verso) e cujo pagamento não foi demonstrado em juízo pela Apelada, sobre quem incumbia a correspondente demonstração.
XXIV. Deveria ter sido dado como provado no item 19. que: No período em que exerceu as funções de gerente, a A. procedeu a retiradas de caixa constantes nos documentos de fls. 73 e 116, até março de 2014, destinadas a pagamento de despesas e, a partir de abril de 2014, destinadas a pagamento de salários vencidos até Novembro de 2013.
XXV. E no ponto 20. deveria ter sido dado como provado apenas que: Enquanto exercia cumulativamente as funções de trabalhadora e de gerente na R., a A. retirou da caixa as seguintes quantias líquidas:
dez-13 - 210,35 €
jan-14 - 827,72 €
fev-14 - 371,44 €
mar-14 - 105,16 €
abr-14 - 360,31 €
mai-14 - 564,00 €
jun-14 - 354,13 €
jul-14 - 330,08 €
ago-14 - 451,42 €
set-14 - 621,46 €
out-14 - 565,86 €
nov-14 - 642,38 €
dez-14 - 504,48 €
jan-15 - 444,79 €
fev-15 - 401,93 €
mar-15 - 625,47 €
abr-15 - 570,94 € mai-15 - 1.026,87 € jun-15 - 677,22 €
jul-15 - 942,10 €.
XXVI. E relativamente ao item b. dos factos não provados, deveria ao invés, ter sido dado como provado que: As retiradas de caixa referidas no item 20) dos factos provados destinaram-se à liquidação de despesas anteriores realizadas pela A. por conta da empresa Ré e a salários vencidos até novembro de 2013.
XXVII. Consequentemente, o Tribunal recorrido deveria ter dado ainda como provado que: a A. não recebeu a totalidade dos seus vencimentos líquidos, subsídio de alimentação e subsídios de férias e de Natal, vencidos desde 30 de Novembro de 2013 até 30 de Junho de 2015, no montante total de € 12.433,98 (doze mil, quatrocentos e trinta e três euros e noventa e oito cêntimos), assim discriminado:

XVIII. O Tribunal de 1.ª instância não reconheceu fundamento para a resolução com justa causa por parte da trabalhadora por entender que não se verificaram os pressupostos legais, mormente, considerando, por um lado, que o valor em dívida era meramente residual e, por outro lado, terem sido regularizados junto da Segurança Social os descontos referentes ao salário da Apelante por referência ao vencimento de € 850,00.
XXIX. Da prova produzida nos autos resulta que, afinal, o valor em dívida não era meramente “residual”, na medida em que os créditos salariais vencidos entre 01.11.2013 e 01.06.2015 ascendiam ao montante de € 12.433,98 e não a € 1.117,10 como se conclui na sentença em crise.
XXX. Por outro lado, não foram só os valores em dívida à data de 30.06.2015 que serviram de fundamento para a resolução do contrato de trabalho por parte da trabalhadora, aqui Apelante.
XXXI. Com efeito, da prova constante dos autos resulta ainda provado (cfr. itens 8., 14. e 15. da resposta à matéria de facto) que a Apelada não pagou à Apelante as retribuições a que a mesma tinha direito no final do mês de julho, de agosto e de setembro de 2015, quer respeitante ao serviço efetivo, quer respeitante ao período de férias, o que, igualmente, serviu de fundamento para a resolução do seu contrato de trabalho, apesar de ter pago os salários dos demais trabalhadores.
XXXII. De referir que foi, aliás, a própria R., aqui Apelada, que, na sua contestação, apesar de ter impugnado a justa causa de resolução invocada pela trabalhadora, acabou por, expressamente, reconhecer existirem retribuições devidas à trabalhadora, vencidas há mais de 60 dias.
XXXIII. Assim, resulta por demais evidente que, após a nova gerência ter tomado funções, a Apelada deixou de pagar a retribuição devida à Apelante, de forma intencional, logo, culposa, tanto mais que tinha condições financeiras para o fazer, já que pagou os salários aos demais trabalhadores.
XXXIV. À data da resolução do contrato de trabalho, 05.10.2015, verificava-se um atraso de 60 dias da retribuição vencida em 31.07.2015, atraso esse que, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 394.º do CT, consubstancia uma presunção de culpa inilidível, sendo que as demais retribuições vencidas, designadamente em 31.08 e em 30.09.2015, caem, por seu turno, na previsão do n.º 1 do art.º 799.º do CC, presunção, esta sim, ilidível, o que não foi considerado pela sentença recorrida (no mesmo sentido, vide o Ac. do TRP citado na sentença recorrida e proferido em 21-02-2011, no Proc. n.º 345/10.1TTPNF.P1, em que foi relatora Paula Leal de Carvalho, e Ac. do STJ proferido em 18.10.2016, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).
XXXV. Com efeito, o Tribunal a quo apreciou a questão, tendo-a como presunção de culpa ilidível, prevista no art.º 799.º do CC, e havendo, em consequência e de forma absolutamente contra legem, atendido a factos sem interesse para a decisão da causa, como foi o caso dos factos imputados no processo disciplinar, designadamente na nota de culpa (cfr. factos dos itens 23. a 25. da resposta à matéria de facto), esquecendo-se que a trabalhadora, durante o período em que decorreu o processo disciplinar, se encontrava suspensa preventivamente sem perda de retribuição, como a Apelada demonstrou ter perfeito conhecimento, tanto mais que processou os recibos de salários respeitantes aos meses de julho, agosto e setembro de 2015 – ainda que mal processados, designadamente por redução unilateral do vencimento da trabalhadora – cfr. doc. 14 junto por aquela no seu requerimento probatório com a referência n.º 21518192.
XXXVI. No caso concreto, a entidade empregadora não logrou provar que a falta de pagamento de retribuição não proveio de culpa sua, antes, resultando provado dos factos constantes dos itens 8., 9., 10. e 15. da resposta matéria de facto, que, pelo contrário, a Apelada, de forma intencional e deliberada, omitiu o pagamento da remuneração devida à Apelante, quando tinha condições financeiras para o fazer, tanto mais que, como se disse, pagou aos demais trabalhadores, circunstância essa reforçada pelo facto de, naquele mesmo período, a Apelada ter decidido, de forma unilateral e ilegal, reduzir o vencimento da Apelante e respetivos descontos para a Segurança Social.
XXXVII. O pagamento da retribuição é a principal obrigação da entidade empregadora e constitui a fonte de rendimento do trabalhador, tendo carácter alimentício, sendo que dos autos resulta, de forma evidente, que essa falta de pagamento de forma continuada dos salários (julho, agosto e setembro de 2015), a acrescer ao facto de também não pagar, total ou parcialmente, os salários anteriores ainda em dívida, revelava que era intenção da Apelada continuar a omitir indefinidamente o pagamento da retribuição devida à Apelante.
XXXVIII. Não é aceitável, nem exigível, que a Apelante continuasse vinculada a um contrato de trabalho sem receber qualquer remuneração, colocando, assim, em causa a sua própria subsistência, o que, no caso em concreto, revela ter efetivamente ocorrido justa causa de resolução do contrato de trabalho, tendo, em consequência, a Apelante direito à indemnização a determinar nos termos previstos no n.º 1 do art.º 396.º do CT, (neste sentido, ver, entre outros, o Ac. proferido pelo TRP em 09-03-2015, no proc. 736/12.3TTVFR.1, em que igualmente foi relatora Paula Leal de Carvalho).
XXXIX. Inexplicavelmente, a sentença aqui em crise nega-se, porém, a considerar um tal comportamento deliberado da R. justa causa de resolução, negando, por essa via, o direito da A. à indemnização por antiguidade a que tinha direito, e, além do mais, violando, assim, a sentença recorrida o estatuído, designadamente, nos art.os 127.º al. b), 258.º n.º 1, 278.º n.os 1 e 2, 394.º n.os 1 e 2 al. a) e n.º 5, bem como o art.º 396.º n.º 1 todos do CT.
Conclui pedindo a procedência do recurso para, consequentemente, ser revogada a Sentença proferida pela 1.ª instância e substituída por outra que reconheça os créditos salariais peticionados pela Apelante e a justa causa por esta invocada para resolver o seu contrato de trabalho e condene a Apelada a pagar-lhe as correspondentes quantias tal qual consta da PI.
I.4 A recorrida Ré apresentou contra-alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
1.O recurso interposto pela A./Apelante não deverá ser admitido, ou não deverá ser conhecido pelo Tribunal ad quem, uma vez que o mesmo é inepto no que concerne às regras legais de formulação de conclusões.
2. Sem prescindir de que, caso não venha a ser esse o entendimento de Vs.ª Exas., deve a douta sentença do Tribunal a quo manter-se inalterada.
3.Porquanto a mesma procede a uma correta delimitação da factualidade subjacente aos presentes autos.
4.Bem como à correta subsunção jurídica de tais factos.
5.Não padecendo a sentença a quo de qualquer um dos vícios que lhe são assacados pelo recurso ora interposto pela A./Apelante.
6.Devendo assim o recurso interposto pela A./Apelante ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente o teor dos factos dado como provados na sentença a quo, bem como a respetiva qualificação jurídica dos mesmos.
Conclui pugnando pela rejeição do recurso ou, caso assim não se entenda, pela sua improcedência, mantendo-se a sentença recorrida.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela rejeição do recurso, na consideração de que a recorrente não elaborou uma síntese das alegações, o que equivale a falta de conclusões.
I.5.1 A autora respondeu defendendo que satisfez minimamente o ónus de formular conclusões, devendo o recurso ser conhecido. Caso assim não se entenda, deverá ser convidada a corrigir as conclusões.
I.6 Cumprido os vistos legais, determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
II. Questão suscitada pela recorrida: alegada violação do dever de sintetizar as conclusões de recurso (art.º 639º do C.P.C.)
A recorrida Ré põe em causa o recebimento do recurso, na consideração, conforme melhor se retira das contra-alegações, de que a recorrente A “(…)apresenta umas conclusões excessivamente extensas, prolixas, obscuras e complexas” que, por isso, “não cumprem, assim, o normativo legal segundo o qual as mesmas servem para delimitar, de forma sintética, os argumentos que sustentam o recurso, e o objetivo que fundamenta o mesmo”.
No mesmo sentido pronunciou-se o Digno Procurador- Geral Adjunto, no parecer a que alude o ar.º 87.º3, do CPT.
Vejamos então.
Conforme dimana do n.º 1 e 2, do art.º 639.º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º, n.º2 al. a), do CPT, as alegações devem conter conclusões, nas quais constem “de forma sintética”, a indicação dos fundamentos com base nos quais é pedida a alteração ou anulação, devendo nas mesmas indicar, quando o recurso verse sobre matéria de direito, “as normas jurídicas violadas” [al. a), do n.º2], “O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas” [al. b)] e “Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada” [al.c), do n.º2].
Mais estabelece o n.º 3, “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada”.
Sendo certo, ainda, que falta de conclusões gera o indeferimento do recurso a declarar pelo juiz a quo [art.º 641.º n.º 2 al. b), co CPC] ou, quando tal não seja declarado, obsta ao conhecimento do recurso, cabendo essa decisão ao relator no tribunal ad quem [art.º 652.º n.º 1 al. b, do CPC].
As conclusões consistem na enunciação de proposições sintéticas que contenham, por súmula, resumidamente, as razões porque se pede o provimento do recurso, devendo ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o Tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados.
Mas como preveniu o legislador, pode acontecer que as conclusões não cumpram aqueles requisito e se apresentem deficientes, obscuras, complexas ou com omissão de especificações.
Como elucida Abrantes Geraldes, as conclusões são deficientes “(..) quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito”; serão obscuras “(..) as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percepcionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama”; serão complexas “(..) quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados (..)” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 116/117].
No caso vertente, salvo o devido respeito, não pode dizer-se literalmente que as conclusões apresentadas reproduzem integralmente as alegações. De resto, nem a recorrida faz esta afirmação peremptória.
Confrontando umas e outras verifica-se que a recorrente retirou das conclusões partes que constam das alegações, mas devendo reconhecer-se que a síntese efectuada não prima pela qualidade, ou porque não teve essa preocupação ou porque não conseguiu fazer melhor.
Poderia, pois, questionar-se se estamos perante conclusões complexas, que não cumpram minimamente as exigências de síntese a que se refere o n.º 1 do art.º 639.º CPC e, logo, se deveria ter sido proferido o despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º3, do mesmo artigo.
Em nosso entender, aquele limite mínimo de síntese foi alcançado e, por isso, ainda que no limiar, as conclusões satisfazem aquela exigência.
Note-se, assumindo esse aspecto particular relevância, que a recorrida tão pouco teve dificuldade em perceber o que a recorrente põe em causa no recurso e em contrapor os seus argumentos.
Acresce outro aspecto. A maior parte das conclusões respeitam à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quanto a estas regendo o art.º 640.º CPC, não se prevendo ai a possibilidade de formulação de convite ao aperfeiçoamento. Nessa consideração, no nosso entender, não há lugar à prolação de despacho convidando ao aperfeiçoamento das conclusões na parte em que respeitem à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Por conseguinte, se porventura aqui se optasse por formular convite ao aperfeiçoamento abranger-se-ia um número limitado de conclusões, as quais, releva assinalar, são até aquelas em que melhor foi alcançado o dever de sintetização.
Por tudo isso, considerou-se não se justificar o convite ao aperfeiçoamento, pois, como também elucida Abrantes Geraldes, “[A] prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorrecções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais” [Op. Cit. p. 119].
Concluindo, entende-se que nada obsta ao conhecimento do recurso.
II.1 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelos recorrentes para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova, ao considerar como provados os factos constantes dos pontos 18, 19 e 20, e como não provado o facto constante do ponto b. da resposta à matéria de facto (conclusões IX a XXVII).
ii) Na aplicação do direito aos factos, ao não lhe ter reconhecido fundamento para a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa [Conclusões XXVIII a XXXIX].
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo tribunal a quo consiste no que passa a transcrever:
1. A Autora foi verbalmente admitida ao serviço da Ré, em 16 de Junho de 2012, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de Comercial de HACCP e Técnica de HST (Higiene e Segurança no Trabalho), por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da Ré.
2. A Ré dedica-se à prestação de serviços de higiene, segurança e saúde no trabalho, entre outros, explorando o seu negócio com intuito lucrativo.
3.A Autora auferia a retribuição mensal ilíquida de € 850,00, acrescida de € 5,00 a título de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
4. O período de trabalho da A. era das 9:00h às 13:00h e das 14:00h às 18:00h, de segunda a sexta-feira.
5. A A. desenvolvia o seu trabalho na sede da Ré.
6. No período compreendido entre 19 de Outubro de 2012 e 17 de Julho de 2015, a A., em acumulação com as referidas funções, exerceu ainda funções de gerente.
7. Enquanto gerente da ré, a A. procedeu ao processamento do seu salário e ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social.
8. A atual gerência, a partir da data em que assumiu funções, apesar de ter pago os salários aos restantes trabalhadores, não procedeu ao pagamento à A. de qualquer salário.
9.E passou a processar os descontos para a Segurança Social respeitantes à A. com base no salário mínimo nacional.
10. A gerência da ré sabia que tal montante não correspondia ao salário auferido pela A..
11. A A. comunicou esse facto à Ré, por carta registada com A/R, datada de 11/09/15 e recebida em 15/09/15, conforme documento constante de fls. 10 vº e 11 e cujo teor se dá por integralmente como reproduzido.
12. Por carta registada com A/R, datada de 5/10/2015 e rececionada pela Ré em 06/10/2015, a A. comunicou-lhe a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa, com efeitos imediatos, solicitando a emissão, no prazo de cinco dias, do Modelo 5044 (Declaração de situação de desemprego), conforme documentos constantes de fls. 12 e 13 e cujo teor se dá por integralmente como reproduzido.
13. A Autora esteve em gozo de férias desde 17 de julho de 2015 a 9 de setembro de 2015.
14. A Ré não pagou à A. a retribuição das férias vencidas em 1/01/2015 e correspondente subsídio de férias, nem os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015, bem como os salários correspondentes ao período de 9 de setembro a 6 de Outubro de 2015.
15.A Ré pagou os salários dos demais trabalhadores.
16. Em assembleia geral de sócios realizada a 17 de Julho de 2015, foi deliberada a destituição da A. enquanto gerente da R. e a consequente nomeação como tais da sócia D… e de G…, conforme documento constante de fls. 28 e 29 e cujo teor se dá por integralmente como reproduzido.
17. A A., enquanto sócia da R., fez-se representar na citada assembleia geral de sócios, conforme documento constante de fls. 28 e 29 e cujo teor se dá por integralmente como reproduzido.
18. Durante todo o período em que exerceu funções de gerente na R., a A. procedeu ao processamento do seu salário - emitindo os respetivos recibos de vencimento, conforme resulta de fls. 55 a 72 - ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social e comunicou através das Declarações Mensais de Remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira o respetivo valor recebido.
19. No período em que exerceu as funções de gerente, a A. procedeu a diversas retiradas de caixa que se atribuem, segundo indicação da mesma, a “adiantamento de despesas anteriores” até Novembro de 2014 e, a partir de Dezembro de 2014, a “adiantamentos de salários anteriores” sem identificar os respectivos períodos temporais a que os mesmos se reportavam.
20. Enquanto exercia cumulativamente as funções de trabalhadora e de gerente na R., para pagamento dos seus salários e subsídio de refeição referente ao período de dezembro de 2013 a julho de 2015, a A. retirou da caixa as seguintes quantias líquidas: dez-13 - 210,35 €; jan-14 - 827,72 €; fev-14 - 371,44 €; mar-14 - 105,16 €; abr-14 - 360,31 €; mai-14 - 564,00 €; jun-14 - 354,13 €; jul-14 - 330,08 €; ago-14 - 451,42 €; set-14 - 621,46 €; out-14 - 565,86 €; nov-14 - 642,38 €; dez-14 - 504,48 €; jan-15 - 444,79 €; fev-15 - 401,93 €; mar-15 - 625,47 €; abr-15 - 570,94 €; mai-15 - 1.026,87 € jun-15 - 677,22 €; jul-15 - 942,10 €.
21. A Ré pagou à A. a retribuição e o subsídio de alimentação respeitante ao mês de novembro de 2013.
22. Em 16 de Setembro de 2015, a R. regularizou junto da Segurança Social os descontos referentes ao salário da A. do mês de julho/2015, tendo por referência o vencimento desta no montante de 850,00€, conforme documentos constantes de fls. 117 vº e 164 a 168, cujo teor se dá por integralmente como reproduzido.
23.No dia 10 de Setembro de 2015, a Ré instaurou à A. um processo disciplinar com vista ao seu despedimento.
24. A partir de tal data, a A. foi suspensa preventivamente do exercício das suas funções na R..
25. O referido processo disciplinar veio a culminar com a decisão de despedimento da A., recebida pela A. no dia 29 de Outubro de 2015.
26. O pagamento do subsídio de férias e do subsídio de natal era feito a todos os colaboradores, Autora incluída, mediante transferência bancária, em duas tranches de 50% cada.
III.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Pretende a recorrente impugnar a decisão sobre a matéria de facto, discordando de terem sido considerados como provados os factos constantes dos pontos 18, 19 e 20, e como não provado o facto constante do ponto b. da resposta à matéria de facto (conclusões IX a XXVII).
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos estes princípios, cabe verificar se a recorrente observou os necessários ónus de impugnação.
No que respeita às conclusões, verifica-se que a recorrente indica com precisão quais os factos que impugna, bem como as respostas alternativas, concluindo-se, pois, que observam o que se entende exigível.
Quanto aos demais ónus acima apontados, a recorrente especifica os meios de prova em que se sustenta para pedir a alteração, nomeadamente o depoimento de parte da A., testemunhos e documentos, embora quanto àqueles dois primeiros não refira quais os concretos extractos dos respectivos depoimentos e onde se localizam.
Pareceria, assim, que a recorrente não cumprira adequadamente os ónus de impugnação. Contudo, assim não acontece, dado que os fundamentos que usa para impugnar as respostas dadas àqueles factos acabam por assentar exclusivamente na eventual incoerência entre o foi decidido pelo Tribunal a quo e o que se fez constar na fundamentação, bem assim por alegadamente não ter “ter oficiosamente promovido as diligências que, no seu entender, se reputassem essenciais e necessárias à descoberta da verdade material, designadamente, que fossem apresentados os documentos de contabilidade da Apelada“.
Concluindo, nada obsta à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
III.2.1 Pronunciando-se sobre os factos impugnados – 18, 19 e 20 dos factos provados e al. b), dos factos não provados, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto o tribunal a quo deixou consignado o seguinte:
Para a resposta aos demais pontos fácticos articulados o Tribunal formou a sua convicção nos seguintes meios de prova:
- Depoimento de parte da Autora B… [itens 7, 18, 19 e 20 (parte)], que reconheceu, total ou parcialmente, tais factos, conforme consta exarado na respetiva acta de audiência de julgamento – cfr. fls. 181 e 182.
Testemunhal:
- E… [resp. ao itens 7 a 11, 14 a 16, 18 a 20 e 26], gerente da sociedade "I…", que prestou serviços de contabilidade à ré, entre 2013 e 1 de julho de 2015.
Na sequência da alteração dos corpos sociais da ré, ocorrida em 17 de julho de 2015, a nova gerência prescindiu dos seus serviços.
Explicitou as alterações que foram ocorrendo na empresa ao nível da gerência, sendo que inicialmente os assuntos de contabilidade eram essencialmente resolvidos com a gerente D… e, posteriormente, após a doença desta e renúncia à gerência ocorrida em junho de 2013, passou a lidar com a A..
Confirmou que a Ré tinha salários em atraso com os seus colaboradores (incluindo os gerentes, como foi o caso da ora A., da D… e do H…) por atravessar dificuldades económicas.
Apesar de ter referido que até fevereiro (inclusive) de 2014 as retiradas de caixa feitas pela A., enquanto gerente, se destinaram ao pagamento de despesas com kms por utilização de veículo automóvel próprio nas deslocações profissionais e que só a partir de março de 2014 as retiradas de caixa passaram a destinar-se ao pagamento de salários anteriores da A., a verdade é que não foi feita nos autos qualquer prova das alegadas despesas de deslocação (nomeadamente, a existência dos respectivos mapas de deslocações e menção dos Kms percorridos) que alegadamente estariam em dívida, nem tão pouco do montante em causa.
Acresce que os documentos de fls. 147 e 148 (extracto de conta), elaborados pela empresa de contabilidade "I…", com base nos quais a A. pretendeu demonstrar que o de fls. 148 retratava as despesas de deslocações e o de fls. 147 os montantes pagos a título de salários, são manifestamente insuficientes inidóneos para o fim pretendido, visto a sua elaboração ser facilmente manipulável e não ser objeto de confirmação, pois, como se disse, inexiste prova documental de suporte que alicerce ou valide tais valores apresentados (e, como foi referido pela testemunha, a validação das despesas de deslocação careceria do respetivo documento comprovativo, quer seja o mapa de deslocações com a menção dos Kms percorridos, o talão de combustível ou de portagens).
Ademais, sendo a A., à data, gerente, e não uma mera colaboradora subordinada, pois era ela quem efetivamente geria (de facto e de direito) a sociedade, fazendo os pagamentos aos colaboradores e a terceiros, não é crível que as retiradas mensais de caixa, em numerário, sem qualquer suporte e sem que estar demonstrada qualquer razão justificativa para tais retiradas, não se destinassem ao pagamento, ainda que parcial, dos seus salários, visto este ser indispensável à satisfação das suas necessidades básicas diárias e do seu agregado familiar.
Aliás, as referidas despesas de deslocação com viatura própria reportar-se-iam ao período compreendido até meados do ano de 2013, que coincidiu com a aquisição de viaturas pela Ré adquiriu e em que as despesas com estas passaram a ser discriminadas nas folhas de caixa. A partir de então, tais despesas (como seja com combustível) passaram a ser diretamente pagas pelos técnicos, mediante a retirada do correspondente montante em numerário que estes retiravam dos valores cobrados aos clientes pelos serviços prestados.
Confirmou, no entanto, que, relativamente à A., foram sempre processados os salários (conforme se comprova pela emissão dos recibos de vencimento juntos aos autos), pagas as contribuições à Segurança Social e era feita a retenção na fonte para pagamento do IRS, sendo que a emissão dos recibos de vencimento era indispensável ao pagamento de tais “impostos” aos Estado.
Explicitou que, aquando da mudança da gerência, em julho de 2015, a nova gerente (D…) pediu-lhe expressamente para declarar à Segurança Social como sendo de 505,00€ o salário da A., ao que a testemunha referiu que tal pressuporia uma alteração contratual.
A empresa "I…" acabaria por já não fazer a contabilidade desse mês, por a ré ter, entretanto, prescindidos dos seus serviços.
Explicitou que o pagamento do subsídio de férias e de natal era feito a todos os colaboradores, gerentes incluídos, mediante transferência bancária, em duas tranches de 50% cada.
Confirmou, por último, que a A. era auxiliada pelo marido na elaboração das folhas de caixa.
Explicou o teor das rubricas das folhas de caixa
(…)
- F… [resp. aos itens 7 a 11, 13 a 16, 18 a 21 e 26], marido da autora, que nunca teve qualquer vínculo jurídico à ré.
Tem formação académica em contabilidade e auxiliava a A. no controlo contabilístico da Ré, nomeadamente ajudando a fazer a conferência das contas dos técnicos e das obrigações fiscais, segurança social e fornecedores.
Criou em formato “excel” as folhas ou mapas de caixa utilizadas pelos técnicos da ré (incluindo pela A.), através das quais estes reportavam individualmente a atividade diária (por ex, cobranças, despesas, parque de estacionamento, depósitos bancários).
O referido mapa contém algumas células bloqueadas a fim de evitar a manipulação dos resultados quanto aos dados introduzidos.
(..)
Mais referiu que as rubricas das despesas tinham de estar documentadas, sendo por si conferenciadas e depois enviadas para a contabilidade, a fim desta proceder ao seu lançamento.
Não resulta, porém, dos autos que esse procedimento era efetivamente cumprido.
Ora, apesar de ter apresentado um depoimento consonante com o prestado pela testemunha E…, valem aqui as mesmas objeções supra apontadas (nomeadamente quanto à falta de documentos de suporte que comprovem que as retiradas de caixa em numerário pela A. até março de 2014 se destinaram exclusivamente ao pagamento de despesas de deslocação com viatura própria) e que obstam a que se dê integral credibilidade a tal versão fáctica.
(…)
Documental
A resposta aos itens 7, 9, 18 e 22 baseou-se, também, no teor dos documentos de fls. 54 vº a 72, 117 vº, 135, 136, 164 a 168, 30 vº a 40 vº e 42 vº a 53 (recibos de vencimento, extratos de declaração de remuneração entregues nos serviços da Segurança Social e comunicação das declarações mensais de remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira).
(..)
A resposta aos itens 19 e 20 baseou-se no teor dos documentos de fls. 73 a 116 (folhas de caixa referentes à A., elaboradas em conformidade com as indicações por esta emitidas e cujo teor foi por si corroborado em sede de depoimento de parte).
(…)
Declarações de parte da legal representante da Ré, D… ….
(..)
Por sua vez, cabe ainda referir que, correu termos neste Tribunal, sob o n.º 960/13.0TTMTS, o processo movido pela ora declarante D… contra a ora ré (à data legalmente representada pela ora Autora), no qual aquela reclamava o pagamento de créditos salariais, tendo o processo findado por transação judicial.
Constata-se, por isso, que as referidas intervenientes se encontram neste processo em posições invertidas, pois nesta ação a gerência da ré cabe à D… e como Autora – reclamando também da ré o pagamento de créditos salariais - temos agora a então gerente da ré, B….
Serve isto para dizer que muito do que as partes pretenderam discutir em sede de audiência de julgamento entronca essencialmente na conflituosa relação de gerência vivenciada entre as duas mencionadas intervenientes, e não tanto na relação de subordinação jurídica que entre as partes (pelo menos formalmente) vigorou.
(…)
Os factos não provados assim foram consideradas por, na minha convicção e nos termos supra explicitados, a prova produzida e colhida nos autos não ter conduzido a diversa qualificação dos mesmos, nomeadamente por as testemunhas indicadas não terem revelado possuir conhecimentos concretos, objetivos e convincentes sobre a referida matéria controvertida e por os demais meios de prova produzidos (por ex. documentos) não terem sido de molde a formar uma certeza jurídica quanto à verificação desses factos».
No que concerne ao depoimento de parte da Autora B…, remetendo o Tribunal a quo para o que se encontra exarado na acta de audiência de julgamento, importa também deixar transcrita a assentada, aí se lendo o seguinte:
- «Seguidamente, pelo Mmº Juiz foi determinado, nos termos do disposto no art. 463º, do C.P.C. “ex vi2 do art. 1º, n.º 2, al. a) do CPT, que se fizesse constar a seguinte assentada:
"Relativamente à matéria do artigo 14º, (…) a autora confirma que, durante todo o período que exerceu funções de gerente na ré, procedeu ao processamento do seu salário, emitindo os respetivos recibos de vencimento e procedeu ao pagamento dos respectivos descontos legais junto da Segurança Social e comunicação às Finanças.
Relativamente à matéria dos artigos 15º a 18º, confirma que, ao longo do referido período, procedeu a variadas retiradas de caixa que, segundo indicação da mesma, aposta nas folhas de caixa, correspondem a adiantamento de despesas anteriores até novembro de 2014 e adiantamentos de salários anteriores, desde dezembro de 2014 a julho de 2015.
O adiantamento de tais despesas destinou-se ao pagamento de parte dos vencimentos da ora declarante, sendo que, confrontada com 2 (duas) folhas de caixa constantes nos autos, as despesas respeitantes a combustível, portagens e Scuts, estão descriminadas em rúbricas distintas.
Para além dos referidos adiantamentos, que se destinaram ao pagamento parcial dos seus salários, diz também ter recebido, no ano de 2014, o pagamento do subsídio de férias em duas tranches de 50% cada, não tendo a certeza se quanto ao subsídio de Natal o recebeu na totalidade ou apenas 50%.
Reconhece como válidas as folhas de caixa juntas aos autos que foram elaboradas pelo seu marido com base nas indicações que a ora declarante lhe forneceu, as quais eram por si verificadas, bem como as das técnicas também.
Esclarece que tinha como prioridade efetuar os descontos para o Estado, em seguida proceder ao pagamento dos demais funcionários, de seguida efetuar o pagamento aos fornecedores, e só por último proceder ao pagamento a si mesma do vencimento, que diz não ser na totalidade, podendo ser mais ou menos.
Os pagamentos dos funcionários da ré eram feitos mediante transferência bancária, sendo que os pagamentos do vencimento da ora declarante resultavam das retiradas de caixa por si efetuadas."
III.2.2 Vejamos se assiste razão à recorrente autora.
Discorda a recorrente de se ter dado como provado o que consta no facto 18, mas apenas pondo em causa a parte final, nomeadamente, onde se lê “o respectivo valor recebido”.
Para que melhor se perceba, consta ai provado o seguinte:
- “Durante todo o período em que exerceu funções de gerente na R., a A. procedeu ao processamento do seu salário - emitindo os respetivos recibos de vencimento, conforme resulta de fls. 55 a 72 - ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social e comunicou através das Declarações Mensais de Remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira o respetivo valor recebido.”
Defende a recorrente que tendo o Tribunal a quo tomado em consideração, essencialmente, o depoimento de parte da A. B… e o depoimento prestado pela testemunha E…, antiga contabilista da R. aqui Apelada, se conjugarmos o que foi referido a propósito desses meios de prova com a prova documental, designadamente os recibos de vencimento juntos como doc. 6 pela R., constata-se que deles resulta tão só que a emissão dos recibos apenas correspondeu a uma mera operação de processamento e não de pagamento. Assim, na parte final, ao invés de constar “o respectivo valor recebido”, deveria antes constar “o respetivo valor processado”.
Da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto retira-se que para considerar esse facto provado o Tribunal a quo teve em consideração o depoimento de parte da Autora B…, o testemunho de E…, contabilista da R. no período coincidente com a gerência da Autora e, ainda, os recibos de vencimento, extratos de declaração de remuneração entregues nos serviços da Segurança Social e comunicação das declarações mensais de remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira.
Do depoimento de parte da Autora resulta, no que aqui releva, que esta confessou ter feito “variadas retiradas de caixa”, destinado ao “pagamento de parte dos vencimentos” que não assumiu serem na totalidade, antes afirmando não o serem “podendo ser mais ou menos”.
Quanto ao testemunho de E…, refere-se na fundamentação que ela terá declarado, referindo-se à Autora, que “foram sempre processados os salários (conforme se comprova pela emissão dos recibos de vencimento juntos aos autos), pagas as contribuições à Segurança Social e era feita a retenção na fonte para pagamento do IRS, sendo que a emissão dos recibos de vencimento era indispensável ao pagamento de tais “impostos” aos Estado”. Ora, apesar de os recibos serem processados tendo em conta o valor integral da retribuição e de ser efectuado o pagamento das contribuições à segurança social e a retenção de IRS em função desse valor, não pode retirar-se desde testemunho que a autora recebeu todos os valores processados a título de salário.
Restam os documentos, sendo de assinalar, desde logo, que os recibos da Autora juntos aos autos não se encontram assinados.
Neste quadro, crê-se assistir razão à Autora, pois uma coisa é a prova de que “Durante todo o período em que exerceu funções de gerente na R., a A. procedeu ao processamento do seu salário - emitindo os respetivos recibos de vencimento, conforme resulta de fls. 55 a 72 - ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social e comunicou através das Declarações Mensais de Remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira valores processados e em função dos quais eram pagas as contribuições à segurança social e efectuada a retenção na fonte de IRS”, e outra bem diferente é provar-se que esses valores foram integralmente recebidos pela Autora.
Portanto, a expressão “o respectivo valor recebido”, na medida em que sugere qua a Autora recebeu todos os valores mencionados nos recibos e com base nos quais fez descontos para a segurança social e procedeu à retenção de IRS, não pode manter-se. Mais, note-se, essa ideia nem é consentânea com o facto provado 20, de onde se retira que os valores retirados pela A. da caixa para pagar a sua retribuição eram variáveis.
Para além disso, conferiria ao facto um sentido conclusivo quanto a um ponto fulcral em discussão.
Ora, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum”.
No caso o facto não fica integralmente afectado, apenas estando em causa aquela expressão no seu final.
Assim, nesta parte acolhe-se a impugnação, alterando-se a resposta ao facto 18 nos termos pretendidos pela recorrente.
Prosseguindo, insurge-se a recorrente contra a decisão sobre a matéria de facto, por ter considerado provado o que consta nos factos 19 e 20 e, em contraponto, não ter considerado provado o que consta na alínea b) dos factos não provados.
Defende que o tribunal a quo não poderia ter concluído que “as retiradas de caixa se destinaram ao pagamento dos seus salários e subsídio de refeição referente ao período de dezembro de 2013 a julho de 2015”, por tal estar em manifesta oposição com a prova documental, “nomeadamente os referidos documentos contabilísticos que espelham os saldos de conta corrente de despesas e de salários da Apelante, em suma, todos os lançamentos a débito e a crédito realizados pela empresa de contabilidade ao longo do tempo”.
Entende que o Tribunal a quo não tinha justificação para considerar que esses documentos de contabilidade apresentados nos autos “são manifestamente insuficientes inidóneos para o fim pretendido, visto a sua elaboração ser facilmente manipulável e não ser objeto de confirmação, pois, como se disse, inexiste prova documental de suporte que alicerce ou valide tais valores apresentados”, desvalorizando-os, bem como ao testemunho da responsável pela contabilidade da empresa, ignorando que a Apelada se trata de uma empresa com contabilidade organizada, “cujas despesas e pagamentos passam, necessariamente, pelo crivo do seu contabilista, no caso aqui em apreço, pelo crivo da supra referida testemunha E…”, que está sujeita ao código deontológico que rege a sua profissão.
Remata, sustentando que “se dúvidas houvesse quanto à idoneidade dos documentos contabilísticos juntos aos autos e à credibilidade da testemunha responsável pela contabilidade da empresa, impunha-se ao Tribunal de 1.ª instância que, ao abrigo dos amplos poderes que lhe são concedidos pelo Princípio do Inquisitório consagrado no art.º 71.º do CPT, ter oficiosamente promovido as diligências que, no seu entender, se reputassem essenciais e necessárias à descoberta da verdade material, designadamente, que fossem apresentados os documentos de contabilidade da Apelada”.
Nesta base defende o seguinte:
i) Deveria ter sido dado como provado no item 19 que: No período em que exerceu as funções de gerente, a A. procedeu a retiradas de caixa constantes nos documentos de fls. 73 e 116, até março de 2014, destinadas a pagamento de despesas e, a partir de abril de 2014, destinadas a pagamento de salários vencidos até Novembro de 2013.
ii) E no ponto 20 apenas que: “Enquanto exercia cumulativamente as funções de trabalhadora e de gerente na R., a A. retirou da caixa as seguintes quantias líquidas: dez-13 - 210,35 €; jan-14 - 827,72 €; fev-14 - 371,44 €; mar-14 - 105,16 €; abr-14 - 360,31 €; mai-14 - 564,00 €; jun-14 - 354,13 €; jul-14 - 330,08 €;ago-14 - 451,42 €; set-14 - 621,46 €; out-14 - 565,86 €; nov-14 - 642,38 €; dez-14 - 504,48 €; jan-15 - 444,79 €; fev-15 - 401,93 €; mar-15 - 625,47 €; abr-15 - 570,94 €; mai-15 - 1.026,87 €; jun-15 - 677,22 €; jul-15 - 942,10 €.
iii) No item b. dos factos não provados, deveria ao invés, ter sido dado como provado que: “As retiradas de caixa referidas no item 20) dos factos provados destinaram-se à liquidação de despesas anteriores realizadas pela A. por conta da empresa Ré e a salários vencidos até novembro de 2013”.
Adianta-se já não assistir razão à autora. Passamos a justificar esta asserção.
Em primeiro lugar, parece esquecer a Recorrente autora ter-se consignado na acta da audiência de julgamento que no seu depoimento de parte “confirm(ou) que, ao longo do referido período, procedeu a variadas retiradas de caixa que, segundo indicação da mesma, aposta nas folhas de caixa, correspondem a adiantamento de despesas anteriores até novembro de 2014 e adiantamentos de salários anteriores, desde dezembro de 2014 a julho de 2015”.
Em segundo lugar, entende-se serem perfeitamente justificadas as razões mencionadas pelo Tribunal a quo para considerar insuficientes e inidóneos os documentos de fls. 147 e 148, para demonstrar, como pretende a recorrente, que até Fevereiro de 2014 as retiradas de caixa destinavam-se ao pagamento de despesas, e não de retribuições. Com efeito, só por si esses documentos não são meio de prova bastante para demonstrar a que título eram retirados da caixa determinados valores. Necessário era que igualmente estivessem disponíveis documentos de onde resultassem que efectivamente foram realizadas deslocações em automóvel, nomeadamente, como se refere na fundamentação, mapas de deslocações com indicação dos km percorridos e quando, talões de pagamento de combustível e portagens.
Acompanha-se, pois, o tribunal a quo, quando, reportando-se ao testemunho de E…, contabilista da R. no período coincidente com a gerência da A., afirma o seguinte:
-«Apesar de ter referido que até fevereiro (inclusive) de 2014 as retiradas de caixa feitas pela A., enquanto gerente, se destinaram ao pagamento de despesas com kms por utilização de veículo automóvel próprio nas deslocações profissionais e que só a partir de março de 2014 as retiradas de caixa passaram a destinar-se ao pagamento de salários anteriores da A., a verdade é que não foi feita nos autos qualquer prova das alegadas despesas de deslocação (nomeadamente, a existência dos respectivos mapas de deslocações e menção dos Kms percorridos) que alegadamente estariam em dívida, nem tão pouco do montante em causa.
Acresce que os documentos de fls. 147 e 148 (extracto de conta), elaborados pela empresa de contabilidade "I…", com base nos quais a A. pretendeu demonstrar que o de fls. 148 retratava as despesas de deslocações e o de fls. 147 os montantes pagos a título de salários, são manifestamente insuficientes inidóneos para o fim pretendido, visto a sua elaboração ser facilmente manipulável e não ser objeto de confirmação, pois, como se disse, inexiste prova documental de suporte que alicerce ou valide tais valores apresentados (e, como foi referido pela testemunha, a validação das despesas de deslocação careceria do respetivo documento comprovativo, quer seja o mapa de deslocações com a menção dos Kms percorridos, o talão de combustível ou de portagens).
Ademais, sendo a A., à data, gerente, e não uma mera colaboradora subordinada, pois era ela quem efetivamente geria (de facto e de direito) a sociedade, fazendo os pagamentos aos colaboradores e a terceiros, não é crível que as retiradas mensais de caixa, em numerário, sem qualquer suporte e sem que estar demonstrada qualquer razão justificativa para tais retiradas, não se destinassem ao pagamento, ainda que parcial, dos seus salários, visto este ser indispensável à satisfação das suas necessidades básicas diárias e do seu agregado familiar.
Aliás, as referidas despesas de deslocação com viatura própria reportar-se-iam ao período compreendido até meados do ano de 2013, que coincidiu com a aquisição de viaturas pela Ré adquiriu e em que as despesas com estas passaram a ser discriminadas nas folhas de caixa. A partir de então, tais despesas (como seja com combustível) passaram a ser diretamente pagas pelos técnicos, mediante a retirada do correspondente montante em numerário que estes retiravam dos valores cobrados aos clientes pelos serviços prestados».
Em terceiro lugar, não tem cabimento pretender a Autora que cabia ao Tribunal a quoter oficiosamente promovido as diligências que, no seu entender, se reputassem essenciais e necessárias à descoberta da verdade material, designadamente, que fossem apresentados os documentos de contabilidade da Apelada”. Salvo o devido respeito, parece esquecer a recorrente que recai sobre si o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga (art.º 342.º 1, do CC), pressupondo tal que ela cabe indicar todos os meios de prova que repute necessários, idóneos e suficientes para fazer essa prova, bem assim que a lei processual faculta-lhe a possibilidade de requerer a notificação da parte contrária, caso pretenda fazer uso de documentos que estejam na posse desta, para os apresentar em juízo (art.º 429.º do CPC).
Portanto, se entendeu que os meios de prova que indicou eram suficientes e não quis servir-se daquela possibilidade, apenas a si é imputável.
Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436].
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
No caso em apreço, pelas razões apontadas pelo tribunal a quo na fundamentação, em termos claros e objectivos, acrescendo constatar-se serem correctos, não poderia ser outra a resposta dada aos factos 19 e 20.
Concluindo, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto apenas procede parcialmente, nomeadamente quanto ao facto 18, cuja redacção passa a ser a seguinte:
Durante todo o período em que exerceu funções de gerente na R., a A. procedeu ao processamento do seu salário - emitindo os respetivos recibos de vencimento, conforme resulta de fls. 55 a 72 - ao pagamento dos respetivos descontos legais junto da Segurança Social e comunicou através das Declarações Mensais de Remunerações à Autoridade Tributária e Aduaneira o respetivo valor processado”.
III.3 MOTIVAÇÃO de DIREITO
Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos ao não ter reconhecido à recorrente fundamento para a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa [Conclusões XXVIII a XXXIX].
A recorrente estriba-se em duas linhas de argumentação distintas.
A primeira assenta no pressuposto de ver alterada a matéria de facto, sustentando que, contrariamente ao invocado pelo Tribunal a quo,afinal, o valor em dívida não era meramente “residual”, na medida em que os créditos salariais vencidos entre 01.11.2013 e 01.06.2015 ascendiam ao montante de € 12.433,98 e não a € 1.117,10 como se conclui na sentença em crise”.
Sendo certo que a alteração à decisão sobre a matéria de facto procedeu apenas parcialmente nos termos acima decididos, sem que resulte alteração ao montante dos créditos salariais em divida, vencidos naquele período, necessariamente improcede essa primeira linha argumentativa.
A segunda parte dos factos provados considerados na sentença, para defender que não foram só os valores em dívida à data de 30.06.2015 que serviram de fundamento para a resolução do contrato de trabalho por parte da aqui Apelante, tendo ficado provado (factos 8, 14 e 15) que a Apelada não lhe pagou as retribuições a que a mesma tinha direito no final do mês de julho, de agosto e de setembro de 2015, quer respeitante ao serviço efetivo, quer respeitante ao período de férias, apesar de ter pago os salários dos demais trabalhadores.
III.3.1Antes de prosseguirmos mostra-se pertinente deixar as notas essenciais sobre o regime legal da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com invocação de justa causa, regulado nos artigos 394.º e seguintes do CT/09.
Dispõe o artigo 394º [Justa causa de resolução]:
1 – Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2 – Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;
b) Violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador;
c) Aplicação de sanção abusiva;
d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;
e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;
f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticadas
3 – Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;
b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes pelo empregador;
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
4 – A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações.
5 – Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão do não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
E, o artigo 396º [Indemnização devida ao trabalhador]
1. Em caso de resolução do contrato com fundamento no facto previsto no nº 2 do artigo 394º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
O trabalhador pode fazer cessar o contrato de trabalho imediatamente, isto é, sem necessidade de aviso prévio, sempre que se verifique uma situação de justa causa [n.º1 do art.º 394.º do CT/09].
A justa causa para a resolução do contrato de trabalho pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objectivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de actos lícitos pelo empregador [respectivamente, n.º2 e n.º3 do art.º 394]. No primeiro caso diz-se que a resolução é fundada em justa causa subjectiva; e, no segundo, que é fundada em justa causa objectiva.
A resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (n.º1 do art.º 395.º, CT/09), o que se compagina como artigo 329.º do Código Civil, onde se estabelece que o «(..) prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido».
No que respeita à forma, o trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].
Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão [Cfr. [Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, 2012, Parede – Portugal, pp. 533; e, Ac. da Relação de Lisboa, de 22-06-2011 processo n.º478/09.7TTTVD.L1-4, Desembargador Ramalho Pinto. Disponível em www.dgsi.pt/jtrl].
No caso em apreço releva apenas a resolução do contrato de trabalho que tem na sua base um comportamento do empregador que se reconduza a um acto ilícito, nomeadamente, uma das situações referidas nas alíneas do n.º2, do art.º 394.º do CT/09.
Só nestes casos, em que seja fundada em comportamento culposo do empregador, a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador fundada em justa causa poderá conferir o direito ao pagamento de indemnização (art.º 396.º n.º1).
Não basta, porém, a verificação de um desses comportamentos por parte do empregador. É também necessário que se verifique a característica essencial do conceito de justa causa, isto é, é preciso que esse comportamento da entidade empregadora lhe seja imputável a título de culpa e que pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral [Cfr. Furtado Martins, Op. cit., pp. 534; e, Acórdãos do STJ de 18.04.2007, Processo 06S4282, Conselheiro Mário Pereira; de 31-05-2016, Processo 337/13.9TTFUN.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes; (disponíveis em www.dgsi.pt)].
Vale isto por dizer, que tal como no despedimento por iniciativa do empregador com fundamento em justa causa facto imputável ao trabalhador, a noção de justa causa para resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador assenta na ideia de inexigibilidade do prosseguimento da relação laboral, o que pressupõe respeitar a situações anormais e particularmente graves, mas agora apreciada na perspectiva do trabalhador [Cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp.644].
Para que a resolução seja lícita, é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa, ou seja, que alegue os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho, bem assim que deles faça prova [art.º 342.º 1, do Código Civil].
Feita aquela prova pelo trabalhador, a culpa do empregador presume-se, nos termos gerais da responsabilidade contratual, por aplicação do artigo 799.º do CC. Assim, cabe à entidade empregadora afastar a presunção, alegando e provando os elementos suficientes para habilitar o tribunal a formular um juízo de não censurabilidade da sua conduta [artigos 344.º 1 e 350.º 1 e 2, do Código Civil].
No que respeita à resolução do contrato de trabalho com fundamento em justa causa motivada pela falta de pagamento da retribuição, situação que aqui está em causa, importa ter presente que a lei, nomeadamente no art.º 394.º, distingue entre o incumprimento culposo [n.º 2, al. a)], e o não culposo [n.º3.º al.c)], mas para além disso, que o n.º 5 vem estabelecer que há culpa do empregador quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongar por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Sobre esta norma, acompanha-se o entendimento de Pedro Furtado Martins, defendendo tratar-se “de uma presunção juris et de jure, porquanto não afastável por prova em contrário, mas que não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda que a falta de pagamento não perdure por 60 dias”, aferindo-se, caso a caso, a conduta culposa do empregador que está subjacente à falta de pagamento da retribuição ao trabalhador por período inferior àquele. Mas para além disso, acompanha-se igualmente o autor, quando também sustenta que “(..) por outro lado, também não nos parece que não basta o mero atraso no pagamento de qualquer prestação retributiva, mesmo que por mais de 60 dias, para concluir que o comportamento do empregador – sendo embora culposo, dada a presunção decorrente do artigo 394.º, 5 – constitui necessariamente justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador” [Op. cit., p. 537].
Com efeito, como vem sendo pacificamente entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, mesmos nos casos em que o fundamento invocado assenta na falta de pagamento da retribuição, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, sendo ainda necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral [cfr. Acórdãos do STJ: 11/05/2011, processo 273/06.5TTABT.S1, Conselheiro Fernandes da Silva; de 1-10-2015, processo 736/12.3TTVFR.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado; de 14-01-2016, processo 529/13.0TTOAZ.P1.S1, conselheiro Pinto Hespanhol; de 28-01-2016, processo 774/13.9TTVNG.P1.S1,Conselheiro António Leones Dantas; de 31-05-2016, processo 337/13.9TTFUN.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes]
III.3.2Na perspectiva da recorrente, resulta evidente que “após a nova gerência ter tomado funções, a Apelada deixou de pagar a retribuição devida à Apelante, de forma intencional, logo, culposa, tanto mais que tinha condições financeiras para o fazer, já que pagou os salários aos demais trabalhadores”. À data da resolução do contrato de trabalho, 05.10.2015, verificava-se um atraso de 60 dias da retribuição vencida em 31.07.2015, atraso esse que, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 394.º do CT, consubstancia uma presunção de culpa inilidível, sendo que as demais retribuições vencidas, designadamente em 31.08 e em 30.09.2015, caem, por seu turno, na previsão do n.º 1 do art.º 799.º do CC, presunção, esta sim, ilidível, o que não foi considerado pela sentença recorrida.
Refere que o Tribunal a quo apreciou a questão, tendo-a como presunção de culpa ilidível, prevista no art.º 799.º do CC, mas de forma contra legem, atendeu a factos sem interesse para a decisão da causa, como foi o caso dos factos imputados no processo disciplinar, designadamente na nota de culpa, esquecendo que a trabalhadora, durante o período em que decorreu o processo disciplinar, se encontrava suspensa preventivamente sem perda de retribuição.
Defende, ainda, que a entidade empregadora não logrou provar que a falta de pagamento de retribuição não proveio de culpa sua, antes, resultando provado dos factos constantes dos itens 8., 9., 10. e 15. da resposta matéria de facto, que, pelo contrário, de forma intencional e deliberada, omitiu o pagamento da remuneração devida à Apelante, quando tinha condições financeiras para o fazer, tanto mais que pagou aos demais trabalhadores.
Sustenta, que nesse circunstancialismo não era aceitável, nem exigível, que continuasse vinculada a um contrato de trabalho sem receber qualquer remuneração, ocorrendo justa causa de resolução do contrato de trabalho, tendo, em consequência, direito à indemnização a determinar nos termos previstos no n.º 1 do art.º 396.º do CT.
Vista a argumentação da recorrente, importa agora atentar no essencial da fundamentação do tribunal a quo, na parte relevante para a apreciação da questão, onde se lê o seguinte (não transcreveremos as notas de rodapé):
Considerando que a questão enunciada sob a al. c) – aferição dos créditos salariais reclamados pela A. – constitui um dos fundamentos invocados para a resolução do contrato de trabalho promovido pela trabalhadora, será aquela analisada previamente a esta.
2.2.) Apuramento - e quantificação – dos créditos salariais devidos à Autora.
2.2.1) A A. arroga-se credora sobre a ré de créditos salariais atinentes a vencimentos, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de Natal, vencidos desde 1 de novembro de 2013 até 30 de junho de 2015, no montante total líquido de € 12.433,98, assim como vencimentos ilíquidos vencidos desde 1 de julho de 2015 a 6 de outubro de 2015, subsídio de alimentação desde 1 a 17 de julho e 9 de Setembro a 5 de outubro de 2015, férias e subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2015, e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015.
Como preliminar diremos ser aplicável ao caso em apreço o regime jurídico estabelecido com a entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02 (diploma a que pertencerão os preceitos adiante citados, sem menção da origem).
Vejamos, então, o quadro legal com relevância para a aferição dos créditos salariais em causa:
(..)
Dos autos mostra-se provado que:
(..)
Em face do que antecede, tem a A. direito a receber, a título de diferenças de vencimentos, subsídio de alimentação, subsídios de férias e de natal, vencidos desde 1 de novembro de 2013 até 30 de Junho de 2015, a quantia líquida de € 1.117,103.
A este montante acrescem os seguintes créditos:
- Vencimentos respeitantes ao trabalho prestado de 1/07/2015 a 17/07/2015 e de 9/09 a 06/10/20154, no valor ilíquido de € 1.274,855.
- Subsídio de alimentação desde 1 a 16 de Julho e 9 de Setembro a 5 de Outubro de 2015, no valor de € 155,00;
- Férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 2015, no valor de € 1.700,00;
- Proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015, no valor de € 1.950,217.
2.3) Averiguar se existiu fundamento de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte da A..
Está apurado que entre a autora, como trabalhadora, e a ré, na qualidade de entidade patronal, se estabeleceu uma relação jurídica subordinada, com início em 16 de Junho de 2012 e cessação em 06/10/2015, vínculo esse que cessou por iniciativa daquela, por rescisão com invocação de justa causa traduzida na (alegada) falta culposa do pagamento das retribuições vencidas desde 1/12/2013 e por a nova gerência ter diminuído o valor da remuneração da A. de 850,00 € para 505,00€ e respetivas contribuições para a Segurança Social, conforme carta cuja cópia consta de fls. 12 e 13.
Do contrato de trabalho firmado entre as partes resultou para a A. a obrigação de prestar a sua atividade à R. e para esta a obrigação de lhe pagar a retribuição acordada.
Vejamos agora se dos factos provados se pode concluir também que, como pretende a autora, houve “justa causa” para resolver o respetivo contrato de trabalho, pois que efetivamente operou a resolução do mesmo.
(..)
Em resumo, à semelhança do que sucedia no regime do Cód. do Trabalho/2003, do art. 394º resulta que a falta de pagamento pontual da retribuição pode dar lugar à resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador em três situações:
- no caso de falta culposa do pagamento pontual de retribuição [n.ºs 1 e 2, al. a)], independentemente da sua duração;
-no caso de falta não culposa de pagamento pontual da retribuição, independentemente da sua duração [n.º 3, al. c)];
- no caso de falta (culposa ou não) de pagamento da retribuição que se prolongue por período de 60 dias após a data do seu vencimento, que se considera culposa (n.º 5).
A primeira e a terceira das situações referidas conferem ao trabalhador o direito a indemnização (art. 396º).
(..)
Para terminar esta abordagem teórica refira-se que, na distribuição do ónus da prova, compete ao trabalhador demonstrar a falta de pagamento atempado da retribuição pela entidade empregadora, como facto constitutivo do seu direito de resolução, nos termos do disposto no art. 342º, n.º 1 do Código Civil; ao empregador, relativamente ao atraso no pagamento da retribuição inferior a 60 dias, caberá, nos termos do n.º 2 do citado art. 342º, o ónus de alegação e prova de que a falta de pagamento da retribuição não proveio de culpa sua, atenta a presunção de culpa constante do art. 799º, n.º 1, do Cód. Civil; relativamente ao atraso de 60 dias (ou superior), presume a lei (art. 394º, n.º 5, do CT/2009), de forma inilidível, que é ele culposo12.
Posto isto, e considerando a factualidade invocada pela A. na carta de resolução do seu contrato de trabalho e os factos provados, importa, agora, averiguar se se verificam os requisitos para a resolução contratual operada pela trabalhadora com justa causa, isto é, com direito a indemnização de antiguidade.
No caso versado nos autos, como já vimos, a Autora foi verbalmente admitida ao serviço da Ré, em 16 de Junho de 2012, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de Comercial de HACCP e Técnica de HST (Higiene e Segurança no Trabalho), por conta e sob a autoridade, direção e fiscalização da Ré.
A Autora auferia a retribuição mensal ilíquida de € 850,00, acrescida de € 5,00 a título de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efetivamente prestado.
Sucede que, no período compreendido entre 19 de Outubro de 2012 e 17 de Julho de 2015, em acumulação com as referidas funções de Comercial de HACCP e Técnica de HST, a A. exerceu ainda funções de gerente.
E, nesse período em que exerceu cumulativamente as funções de trabalhadora e de gerente na R., para pagamento dos seus salários e subsídio de refeição referente ao período de dezembro de 2013 a julho de 2015, a A. retirou da caixa diversas quantias líquidas, que perfizeram o valor global de € 10.598,11, pelo que o valor em débito era apenas de € 1.117,10, manifestamente aquém dos reclamados 12.433,98€.
Assim, tendo a ré pago à A. a quase totalidade dos créditos que a esta eram devidas, restando em dívida um valor residual, é manifesta a improcedência do invocado fundamento consubstanciador da justa causa de resolução do contrato de trabalho.
E essa inviabilidade é ainda mais patente se entrarmos em linha de consideração com o facto de, no período em que a A. reporta os créditos reclamados - entre 19 de Outubro de 2012 e 17 de Julho de 2015 –, ser ela quem exercia as funções de gerência e providenciava pelo cumprimento das obrigações da ré sociedade, pagando-se a si mesma (cfr. itens 7, 18, 19 e 20 dos factos provados), o que não é minimamente comparável com a situação de um comum colaborador subordinado da empresa, que nenhuma influência tem nos pagamentos dos salários que mensalmente lhe são feitos (quer quanto aos montantes efetivamente pagos, quer quanto ao “timing” do pagamento) como contrapartida da sua prestação laboral.
Se, porventura, a Ré estava numa situação de impossibilidade de cumprimento pontual das suas obrigações – ao ponto de não lograr proceder ao pagamento atempado dos salários devidos à A. -, numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mal se compreende que a A., na qualidade de gerente, não tenha requerido ao tribunal a apresentação da ré à insolvência ou a instauração de um processo especial de revitalização e pretenda, agora, valer-se dessa (alegada, mas inverificada) situação de incumprimento pontual das obrigações da ré para consigo para resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa.
O deferimento dessa pretensão da A. corporizaria uma evidente situação de abuso de direito (art. 334º do Cód. Civil), na modalidade de venire contra factum próprio13, o que é de rejeitar.
No tocante ao 2º fundamento invocado como fundamento de resolução - a nova gerência diminuiu o valor da remuneração de 850,00 € para 505,00€ e respetivas contribuições para a Segurança Social -, resulta, de facto, apurado que a nova gerência passou a processar os descontos para a Segurança Social respeitantes à A. com base no salário mínimo nacional, sabendo que tal montante não correspondia ao salário por esta efetivamente auferido.
A A. comunicou esse facto à Ré, por carta registada com A/R, datada de 11/09/15 e recebida em 15/09/15, na qual referiu que aguardaria pelo prazo máximo de 5 dias para a ré proceder à retificação dos valores junto da Segurança Social (carta cuja cópia consta de fls. 10 vº e 11).
Ora, na sequência dessa comunicação, em 16 de Setembro de 2015 a R. regularizou junto da Segurança Social os descontos referentes ao salário da A. do mês de julho/2015, tendo por referência o vencimento desta no montante de 850,00€.
Tendo, pois, a ré regularizado os referidos valores junto da Segurança Social logo no 16/09/2015, carece identicamente de viabilidade o segundo fundamento erigido pela A. como justa causa da resolução do contrato de trabalho.
É certo que, à data da comunicação da resolução do contrato, a Ré não havia ainda pago à A. a retribuição de férias por esta gozadas no período de 17 de julho de 2015 a 9 de setembro de 2015, nem o respetivo subsídio de férias.
Sucede, porém, que a A. não logrou provar que tinha direito a férias majoradas (no caso a 41 dias úteis de férias14) e essa questão constituiu, inclusivamente, o fundamento da instauração contra si do procedimento disciplinar tendente ao seu despedimento, cujo desfecho ocorreu já após a produção dos efeitos da resolução do contrato15 16.
Mas mesmo que sobrelevássemos o não pagamento atempado das férias vencidas em 1/01/2015 e do respetivo subsídio de férias – o que se concebe para efeitos meramente argumentativos – sempre seria de exigir a demonstração que a conduta do empregador tornou imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral17, afigurando-se-nos que o atraso no pagamento das citadas retribuições em causa, no contexto vivenciado, não assume gravidade suficiente a determinar a verificação daquele requisito.
Manifesta é, por conseguinte, a improcedência dos fundamentos invocados de justa causa subjetiva de resolução do contrato de trabalho.
Pelo exposto, entendemos que não se verificava justa causa subjetiva para a resolução do contrato, improcedendo, consequentemente, o pedido indemnizatório com base nela formulado pela autora».
III.3.3 Como se referiu, para sustentar a argumentação que contrapões a esta fundamentação a recorrente estriba-se nos factos 8, 14 e 15, onde se lê:
(8) A atual gerência, a partir da data em que assumiu funções, apesar de ter pago os salários aos restantes trabalhadores, não procedeu ao pagamento à A. de qualquer salário.
(14) A Ré não pagou à A. a retribuição das férias vencidas em 1/01/2015 e correspondente subsídio de férias, nem os proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015, bem como os salários correspondentes ao período de 9 de setembro a 6 de Outubro de 2015.
(15) A Ré pagou os salários dos demais trabalhadores.
Confrontando os argumentos desta segunda linha de argumentação da recorrente com a fundamentação do Tribunal a quo, percebe-se que aquela está a insurgir-se contra a parte final da sentença, a partir do parágrafo onde se afirma ”É certo que, à data da comunicação da resolução do contrato, a Ré não havia ainda pago à A. a retribuição de férias por esta gozadas no período de 17 de julho de 2015 a 9 de setembro de 2015, nem o respetivo subsídio de férias”.
Pelas razões que de seguida melhor se perceberá, impõe-se recordar as posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados.
Como o Tribunal a quo menciona no início da parte acima transcrita, a autora reclamou da Ré créditos salariais que agrupou em dois períodos distintos:
i) vencidos desde 1 de novembro de 2013 até 30 de junho de 2015, no montante total líquido de € 12.433,98;
ii) e, vencimentos ilíquidos vencidos desde 1 de julho de 2015 a 6 de outubro de 2015, subsídio de alimentação desde 1 a 17 de julho e 9 de Setembro a 5 de outubro de 2015, férias e subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2015, e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal respeitantes ao ano de 2015.
Interessa-nos o segundo grupo, cabendo deixar esclarecido que dos créditos ai abrangidos, para efeitos de fundamentar o pedido de resolução do contrato de trabalho, a autora apenas invocou os “salários correspondentes aos meses de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015” (art.º 14.º da PI), sustentando que “a atual gerência, a partir da data em que assumiu funções, apesar de ter pago os salários devidos aos restantes trabalhadores, (art.º 15.º) “De uma forma deliberada e intencional, não procedeu ao pagamento à A. de qualquer salário”.
Portanto, não foi invocado como fundamento a falta de pagamento do subsídio de férias. Esse alegado crédito é pedido, mas mais adiante no artigo 38.º/ al. d), onde se lê “Férias e subsídio de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2015, no valor de € 1.700,00 (mil e setecentos euros)”, sendo de notar que antes e separadamente, na alínea b) do mesmo artigo da pi, liquida-se o valor pedido a título de “ Vencimentos ilíquidos vencidos desde 01 de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015, no valor de € 2.720,00 (dois mil setecentos e vinte euros”.
Percebe-se que para fundamentar o pedido de resolução do contrato de trabalho só tenha sido invocado -entenda-se, no período posterior a 1 de Julho de 2015 – os “salários correspondentes aos meses de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015”, dado que na carta enviada à R. comunicando a resolução do contrato apenas refere “encontrarem-se em falta as retribuições devidas desde 1.12.2013” (dada por reproduzida no facto 12), depois remetendo para a anterior carta de 15.09.2015 (dada por reproduzida no facto 11), onde escreveu “Apesar de, até à presente data, não me terem sido pagos os salários relativos aos meses de Julho e Agosto de 2015, já vencidos, para além dos demais em divida desde Dezembro de 2013 (..)”.
Assim sendo, salvo o devido respeito, não se vê porque razão o Tribunal a quo passou a referir-se também ao subsídio de férias.
Daí que, para efeitos de se saber se assiste fundamento à Autora para fazer cessar o contrato de trabalho com invocação de justa causa, relevam apenas os “salários correspondentes aos meses de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015” (art.º 14.º da PI).
No que respeita à posição assumida pela Ré, é certo que esta veio alegar ter instaurado à A. um processo disciplinar, no dia 10 de Setembro de 2015, com vista ao despedimento. Contudo, fê-lo apenas para sustentar que previamente a considerar-se que aquela resolveu o contrato de trabalho com justa causa, ter-se-ia necessariamente de atender ao despedimento com justa causa efectuado pela R., em concreto, dizendo que “não poderá a A. vir peticionar a produção de efeitos de tal alegada resolução contratual, como pretende com a presente PI” (artigos 24.º a 37.º).
Por conseguinte, fica claro que a Ré não veio alegar que não procedeu ao pagamento das retribuições posteriores a 31 de Julho, nomeadamente as respeitantes ao período em que a autora estava em gozo de férias - desde 17 de julho de 2015 a 9 de setembro de 2015 (facto 13) – por achar que esta não tinha direito às mesmas. Na verdade, percorrendo toda a contestação retira-se que a Ré admite não ter pago à autora as retribuições de Julho, Agosto e Setembro de 2015 (art.º 42.º), mas em parte alguma alega seja que razão for para justificar não ter procedido ao respectivo pagamento.
Assim sendo, razão tem a recorrente ao questionar o facto de o Tribunal a quo ter dado relevância ao processo disciplinar, designadamente à nota de culpa, à margem dos factos provados e do alegado pela Ré, quando em contraponto não tomou em consideração que durante o período em que decorreu o processo disciplinar aquela se encontrava suspensa preventivamente, não implicando essa situação perda de retribuição (art.º 329.º /5, do CT).
Com efeito, no que a este ponto respeita, apenas se encontra provado o seguinte:
(23) No dia 10 de Setembro de 2015, a Ré instaurou à A. um processo disciplinar com vista ao seu despedimento.
(24) A partir de tal data, a A. foi suspensa preventivamente do exercício das suas funções na R..
25. O referido processo disciplinar veio a culminar com a decisão de despedimento da A., recebida pela A. no dia 29 de Outubro de 2015.
Por conseguinte, não se acompanha a sentença recorrida quando afirma que “a A. não logrou provar que tinha direito a férias majoradas (no caso a 41 dias úteis de férias14) e essa questão constituiu, inclusivamente, o fundamento da instauração contra si do procedimento disciplinar tendente ao seu despedimento, cujo desfecho ocorreu já após a produção dos efeitos da resolução do contrato”.
Se porventura a Autora estava em gozo de férias numa situação irregular, designadamente sem a elas ter direito, equivalendo tal a uma situação de faltas injustificadas, era à Ré que cabia alegar e provar essa realidade. Ora, a Ré não seguiu esse caminho, simplesmente tendo invocado a existência do processo disciplinar, sem sequer mencionar quais os fundamentos do mesmo – que o tribunal a quo percebeu por ter sido junta nota de culpa -, com o único propósito de defender a posição acima referida, em suma, que estando em curso processo disciplinar com intenção de despedimento, não poderia a autora antecipar-se à decisão e pretender a “produção de efeitos de tal alegada resolução contratual”.
Em poucas palavras, nem a autora tinha que provar que tinha direito aos 41 dias úteis de férias que gozou, nem podia relevar-se o fundamento do processo disciplinar, quando a Ré não suscita essas questões.
III.3.4 Resolvido este ponto, retomamos a questão fulcral, ou seja, a de saber se assiste razão à Autora ao defender que sempre lhe deveria ter sido reconhecido fundamento para resolver o contrato de trabalho com justa causa, em razão da nova gerência ter deixado de lhe pagar as retribuições a partir de 31 de Junho de 2015, intencionalmente, quando tinha condições para o fazer, já que pagou aos demais trabalhadores.
Recorda-se que para esse efeito, o que releva são os “salários correspondentes aos meses de Julho de 2015 a 06 de Outubro de 2015” (art.º 14.º da PI).
Retira-se dos factos provados o seguinte:
i) A autora auferia a retribuição mensal ilíquida de € 850,00 (facto 3);
ii) Em assembleia geral de sócios realizada a 17 de Julho de 2015, foi deliberada a destituição da A. enquanto gerente da R., sendo nomeados gerentes a sócia D… e G… (facto 16);
iii) Essa gerência, a partir da data em que assumiu funções, apesar de ter pago os salários aos restantes trabalhadores, não procedeu ao pagamento à A. de qualquer salário (facto 8);
iv) A Autora esteve em gozo de férias desde 17 de julho de 2015 a 9 de setembro de 2015 (facto 13);
v) A Ré pagou os salários dos demais trabalhadores (facto 15).
vi) No dia 10 de Setembro de 2015, a Ré instaurou à A. um processo disciplinar com vista ao seu despedimento, ficando a A., a partir dessa data, suspensa preventivamente do exercício das suas funções na R.. (factos 23 e 24);
vii) Por carta registada com A/R, datada de 5/10/2015 e rececionada pela Ré em 06/10/2015, a A. comunicou-lhe a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa (facto 12).
Importa ainda ter em conta, tal como concluiu o Tribunal a quo com base na conjugação dos factos provados 19 e 20, que no respeitante a créditos salariais vencidos desde 1 de novembro de 2013 até 30 de Junho de 2015, a autora é credora – e era à data em que comunicou a resolução do contrato de trabalho – da quantia líquida de € 1.117,103.
Resulta assim, que em 5 de Outubro de 2015, quando a autora comunicou à Ré a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, encontravam-se em falta o pagamento das retribuições seguintes:
- € 1.117,103, relativas a diferenças de retribuição no período de 1 de Novembro de 2013 a 30 de Junho de 2015;
- As retribuições mensais de Julho, Agosto e Setembro de 2015, à razão de € 850,00 - deduzida a primeira delas da quantia relativa à contribuição para a segurança social, dado que a Ré, na sequência da carta da autora de 11 de Setembro de 2015 (facto 11), em 16 de Setembro de 2015, regularizou junto da Segurança Social os descontos referentes ao salário da A. do mês de julho/2015, tendo por referência o vencimento desta no montante de 850,00€ (facto 22).
Em suma, sendo apenas isso o que aqui interessa, quando a autora comunicou a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, estavam em divida o montante de € 1 117,103, resultante de diferenças salariais entre o que era devido à autora e entre o que aquela recebeu recorrendo à retirada de valores de caixa, bem assim três meses de retribuição: Julho, Agosto e Setembro.
Embora decorra do que se deixou dito anteriormente, para que fique claro deixam-se duas notas. A primeira, para referir que não estando questionado pela Ré na acção o direito ao gozo do período de férias, no período de 17 de julho de 2015 a 9 de setembro de 2015, deve entender-se que assiste à A. o direito à retribuição correspondente à que “receberia se estivesse em serviço efectivo” (art.º 264.º 1 do CT), na medida em que o trabalhador tem direito a férias retribuídas, regra que abrange todo o período a que o trabalhador tenha direito a gozar, isso é, respeite este apenas às vencidas nesse ano, ou abranja férias já vencidas em ano anterior, mas não gozadas (art.º 237.º 1, CT). A segunda, para relembrar que o trabalhador suspenso na pendência de procedimento mantém o direito ao pagamento da sua retribuição (art.º 329.º 5, do CT).
Por conseguinte, como refere a recorrente, à data em da resolução do contrato de trabalho - 05.10.2015, verificava-se um atraso de 60 dias relativamente à retribuição vencida em 31.07.2015, atraso esse que, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 394.º do CT, consubstancia uma presunção de culpa inilidível. Por outro lado, quanto as retribuições vencidas em 31.08.2015 e em 30.09.2015, caem na previsão do n.º 1 do art.º 799.º do CC, presunção ilidível, mas que a Ré não ilidiu, já que não alegou qualquer facto para demonstrar a impossibilidade de pagamento ou outro qualquer fundamento susceptível de excluir a sua culpa, tanto mais que se provou que nesse mesmo período pagou as retribuições devidas aos demais trabalhadores.
Mais, no âmbito da presunção estabelecida no n.º5, do art.º 394.º, cai também o valor de € 1.117,103, relativas a diferenças de retribuição no período de 1 de Novembro de 2013 a 30 de Junho de 2015. É verdade que até 16 de Junho de 2015 a gerente era a A., mas a nova gerência foi confrontada com o pedido de pagamento de retribuições atrasadas através da carta da autora de 11/09/15, recebida em 15/09/15 (facto 11). É certo, também, que a Autora pediu valores a que não tinha o direito, mas tal não obsta a que sobre a Ré recaísse o dever de procurar apurar o que era efectivamente devido e proceder à sua liquidação ou, pelo menos, tomar posição quanto à pretensão da autora.
Aqui chegados coloca-se finalmente a questão de saber se a falta de pagamento das aludidas retribuições, essencialmente as respeitantes aos meses de Julho, Agosto e Setembro, não pagas a título culposo, são fundamento suficiente para a resolução do contrato de trabalho com justa causa, conferindo à recorrente o direito a indemnização, nos termos estabelecidos no art.º 396.º CT.
Como se deixou dito, para que o trabalhador possa resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva com fundamento na falta de pagamento da retribuição, não basta que o comportamento do empregador seja ilícito e culposo, sendo concomitantemente necessário que esse facto torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, bem como a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral (art.º 394.º/4 CT).
A culpa do empregador no não pagamento pontual da retribuição é apreciada no contexto da justa causa para a resolução do contrato, considerados os factores mencionados no n.º 3 do artigo 351.º Código do Trabalho, isto é, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses (aqui) do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Nesse juízo de ponderação, relevam particularmente as circunstâncias em que o trabalhador se determinou a resolver o contrato de trabalho e a aferição dos prejuízos que lhe foram causados pela falta de pagamento das retribuições que se encontrarem em dívida, passando este último aspecto pela questão de saber se o trabalhador se viu confrontado com uma situação de absoluta ou, pelo menos, de grande carência de meios económicos, com transtornos sérios ou consequências nefastas para a sua vida pessoal e familiar, de tal modo que se tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho [cfr. Ac. STJ, de 31/05/2016, acima citado].
No que tange ao contexto, no âmbito da empresa, em que a autora se determinou a resolver contrato de trabalho, afigura-se-nos assumir especial relevância o facto de aquela só ter enveredado por esse caminho após lhe ter sido instaurado processo disciplinar com vista ao seu despedimento, em 10 de Setembro de 2015, pese embora fundasse a resolução, desde logo, com a invocação de não ter recebido a totalidade dos seus vencimentos líquidos, subsídio de alimentação e subsídios de férias e de Natal, vencidos desde 30 de Novembro de 2013 até 30 de Junho de 2015, no montante total de € 12.433,98.
Com efeito, embora na sua versão não fosse praticamente retribuída durante 19 meses, só depois de lhe ser comunicada a instauração do procedimento disciplinar é que dirigiu a primeira carta, de 11 de Setembro de 2015, a reclamar a regularização dos pagamentos alegadamente em falta, acrescendo que nesta data também já não tinha sido paga em Julho e Agosto de 2015.
Portanto, parece claro que a instauração do processo disciplinar influenciou a decisão da autora, o que em termos lógicos leva a deduzir que a falta dos alegados pagamento não tinha até então assumido uma gravidade tal, quer no contexto laboral, quer para a sua vida pessoal e familiar, que a determinasse a resolver o contrato de trabalho.
Por outro lado, embora a autora venha agora alegar não ser aceitável, nem exigível, que continuasse vinculada a um contrato de trabalho sem receber qualquer remuneração, “colocando, assim, em causa a sua própria subsistência”, o certo é que na acção nada alegou a esse propósito, ou seja, sobre os reflexos do não pagamento dos salários, nomeadamente a partir de Julho de 2015, na sua situação económica e familiar. Justamente por isso, dos factos assentes não resulta seja o que for sobre esse aspecto, sendo de assinalar que relevando para a apreciação da justa causa o grau de lesão dos interesses do trabalhador e todas as demais circunstâncias relevantes, sobre a autora competia alegar e provar a situação económica e familiar decorrente do não pagamento da retribuição (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil), ónus que não cumpriu [cfr. Ac. STJ, de 31/05/2016, acima citado].
Neste quadro, pese embora as discordâncias manifestadas sobre os pontos apontados da sentença recorrida, já se concorda cm o Tribunal a quo quando afirma que “(..) mesmo que sobrelevássemos o não pagamento atempado das férias vencidas em 1/01/2015 e do respetivo subsídio de férias – o que se concebe para efeitos meramente argumentativos – sempre seria de exigir a demonstração que a conduta do empregador tornou imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral17, afigurando-se-nos que o atraso no pagamento das citadas retribuições em causa, no contexto vivenciado, não assume gravidade suficiente a determinar a verificação daquele requisito”.
Concluindo, embora subjacente à falta de pagamento destas retribuições esteja uma conduta ilícita e culposa da Ré, não permitem os factos concluir que mesma fosse impeditiva da manutenção da relação de trabalho com a Autora e, consequentemente, não pode considerar-se que a mesma integre justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhadora, com direito à indemnização prevista no artigo 396.º do Código do Trabalho.
Assim, improcede o recurso.
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
a) Parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, alterando-se a resposta ao facto 18, nos termos mencionados no ponto III.2.2.
b) Improcedente na impugnação da aplicação do direito aos factos, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente autora, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 2 de Março de 2017
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Fernanda Soares
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SUMÁRIO
1. As conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada e a aplicação do direito.
2. Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
3. Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
4. Para que o trabalhador possa resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva com fundamento na falta de pagamento da retribuição, não basta que o comportamento do empregador seja ilícito e culposo, sendo concomitantemente necessário que esse facto torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, bem como a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral (art.º 394.º/4 CT).
5. A culpa do empregador no não pagamento pontual da retribuição é apreciada no contexto da justa causa para a resolução do contrato, considerados os factores mencionados no n.º 3 do artigo 351.º Código do Trabalho, isto é, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses (aqui) do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
6. Nesse juízo de ponderação, relevam particularmente as circunstâncias em que o trabalhador se determinou a resolver o contrato de trabalho e a aferição dos prejuízos que lhe foram causados pela falta de pagamento das retribuições que se encontrarem em dívida, passando este último aspecto pela questão de saber se o trabalhador se viu confrontado com uma situação de absoluta ou, pelo menos, de grande carência de meios económicos, com transtornos sérios ou consequências nefastas para a sua vida pessoal e familiar, de tal modo que se tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Jerónimo Freitas