Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2653/20.4T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
INOVAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
JUÍZOS CONCLUSIVOS
Nº do Documento: RP202306012653/20.4T8PRD.P1
Data do Acordão: 06/01/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os não provados, excluindo-se afirmações conclusivas e que contenham matéria de direito, as quais, acaso constem do elenco dos factos provados ou dos não provados, dele devem ser excluídos, o que pode ser feito, oficiosamente, pelo tribunal de recurso.
II – A colocação de uma estrutura metálica com um toldo no terraço de uma fracção autónoma de um edifício constituído em propriedade horizontal, fixada em partes comuns do edifício, constitui uma inovação que tem de ser aprovada por maioria dos condóminos representativa de dois terços do valor total do prédio.
III – Não constitui abuso de direito o pedido de reposição do prédio no estado anterior por parte de um condómino, porque é a própria lei que o determina e ele apenas reage contra o abuso do condómino que inovou, sendo o fim social do seu direito precisamente essa reposição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2653/20.4T8PRD.P1
(Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Paredes – Juiz 1)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Deolinda Varão
2ª Adjunta: Isoleta Costa
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I AA intentou, no Juízo Local Cível de Paredes do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, acção declarativa, com processo comum, contra BB, pedindo a condenação deste a retirar o toldo da sua fracção identificado nos arts. 3º a 13º da petição inicial, “por constituir uma obra nova e por alterar a estética e segurança de todo o edifício, e da fracção da A, em violação do disposto na a) do n.º 2 do art.º 1422.º do C.C.”.
Alegou para tal que é dona da fracção autónoma identificada no art. 1º da petição inicial e que o R., por sua vez, é dono da fracção autónoma aludida no art. 2º da petição inicial, situada no andar de baixo, e, no início de Agosto de 2020, colocou uma estrutura metálica com um toldo, rente à varanda da A., que coloca a sua habitação mais vulnerável a assaltos, faz barulho quando está vento, aquece a habitação com o reflexo da luz solar, limita as vistas e causa instabilidade à varanda, estando o toldo pregado à parede que é comum a todo o edifício. A A. interpelou o R. para retirar a referida estrutura, mas este recusa fazê-lo.
O R. contestou, impugnando os factos alegados pela A. para fundamentar a sua pretensão e alegando que quando comprou a fracção, em 18/10/2016, a estrutura em questão já estava colocada, tendo-o sido pelos anteriores proprietários, em meados de 2011, facto do conhecimento da A., que a colocação do toldo foi aprovada pelo condomínio e que, numa Assembleia de Condomínio, em 26/06/2020, foi aprovada a permanência do toldo, com a abstenção da A., que esteve presente, sendo que, mesmo que a colocação da estrutura fosse ilegal, apenas a administração do condomínio tem legitimidade para solicitar a sua remoção, porque estaria fixada numa parte comum do edifício.
O R. pede ainda a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização.
A A. respondeu, defendendo não existir litigância de má fé da sua parte.
Realizou-se audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, onde se relegou o conhecimento da legitimidade ad substantiam “para sede de sentença, dado o mesmo assentar em factos que se encontram controvertidos”, fixou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção procedente e, em consequência:
- condenar o R. “a retirar o toldo (pérgula e estrutura metálica) do terraço da sua fracção supra identificados, (de modo a verificar-se a reconstituição natural com consequente recondução do edifício à situação em que se encontrava antes da execução da inovação)”.
De tal sentença veio o R. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«A- Não se conforma o recorrente com a douta sentença proferida, porquanto entende que, com toda a matéria probatória produzida nos autos, bem como o facto de não se considerar, como adiante se demonstrará, uma obra inovadora – pois que pese embora não seja uma obra necessária, não envolve qualquer prejuízo aos condóminos -se impunha decisão diversa.
B- As obras que estão vedadas aos condóminos são aquelas que, sendo novas, provoquem efetivo dano ou prejuízo, caso em que poderão ser realizadas se para tal obtiverem prévia autorização da assembleia de condóminos, nos termos do artigo 1422, n.º 3 do CC, o que se verifica, in casu, pois que pese embora não existisse, à data da colocação da pérgula, condomínio constituído, sempre se deverá considerar a deliberação da assembleia de condóminos de 21.12.2021, como aprovação da sua manutenção pelo condomínio.
C- A simples colocação no terraço da pérgula, nas dimensões que se verificam, sem visibilidade a partir da rua, constitui uma mera utilização do terraço (para um fim que normalmente lhe estaria adstrito), que não altera substancialmente essa parte comum, nem impede a sua utilização por parte dos outros condóminos e que, como tal, não pode constituir uma inovação, no sentido previsto no artigo 1425.º do Código Civil. De facto, sendo a pérgula amovível, nunca poderia constituir uma obra de inovação, no sentido previsto do supracitado preceito legal.
D- Mesmo que se considerasse como obra inovadora, sempre importaria, em qualquer circunstância, que dessas obras resulte um prejuízo real e efetivo para os condóminos, o que não se verifica no caso, Nem tão pouco logrou a aqui recorrida provar tal prejuízo real e efetivo.
E- Com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento se provou, efectivamente, que a pérgula foi colocada pelos anteriores proprietários do imóvel, em meados de 2011, não representando qualquer perigo, insegurança, conforme invocado pela recorrida.
F- Entende o recorrente, ter feito prova bastante que a motivação da presente ação apenas se prende com o facto do aqui recorrente ter testemunhado num processo em que a recorrida era parte, representando assim uma retaliação – que resulta provado através de prova documental - motivo pelo qual apenas intenta a presente ação 9 anos depois da colocação da pérgula, pese embora tenha presenciado várias assembleias de condóminos sem que, para tanto, tenha votado contra à manutenção da dita pérgula – pelo contrário, tendo-se abstido de votar!
G- Sem que, para tanto, tenha invocado questões de segurança em qualquer assembleia de condóminos, durante estes nove anos.
H- Facilmente se depreende tal factualidade, também por força da recorrida ter dado entrada de uma queixa-crime, no decurso da presente ação, alegado o escalamento da varanda (!!!) única e exclusivamente para estribar a sua posição nos presentes autos, alegando que o arrendatário do recorrente escalou através da pérgula para a sua varanda, bem sabendo que é falso, revelador de uma clara e manifesta má-fé por banda da recorrida, que também alegou que o recorrente procedeu à colocação da pérg[o][u]la quando bem sabia que a mesma foi colocada há 9 anos atrás, pela anterior proprietária (altura em [que] a recorrida também lá vivia). Quem faz um cesto faz um cento; quem mente uma vez…
I- Tendo em conta que o ónus de prova pertencia à Autora, aqui recorrida, entende o recorrente não ter logrado provar o cerne da factualidade em que baseava a sua pretensão, motivo pelo qual sempre deveria improceder o petitório da recorrida.
J- O argumento da insegurança e receio de eventuais escalonamentos invocado pela recorrida, deveria ter improcedido, por ausência de prova cabal e coerente quanto à mesma.
K- O Recorrente apresentou também recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente – por incorrecta apreciação da matéria de facto.
L- A matéria de facto vertida nos pontos 8 a 12 da matéria da contestação considerada não provada, deveria ter sido julgada provada, em virtude de assim o impor a prova testemunhal produzida pelas testemunhas CC e DD, bem com a prova documental junta aos autos.
M- A matéria de facto vertida nos pontos 4 da matéria da Petição Inicial considerada provada, deveria ter sido considerada como não provada, em virtude de assim o impor a prova testemunhal, documental e considerando que a recorrida não logrou provar, de forma clara e inequívoca, o perigo e insegurança sustentado.
N- O [N]Mmo. Juiz a quo apresentou a sua fundamentação para a decisão ora em recurso, o que, com o devido respeito, fez com absoluto desprendimento da realidade fáctica e em desconformidade com os elementos carreados para os autos, assim como com desconsideração da prova produzida e relevante para a presente causa.
O- Não podemos concordar com os critérios e valoração do Mmo. Juiz a quo. Aliás, a decisão do Tribunal a quo fez uma ponderação errada da provada carreada para os presentes autos, considerando na decisão a quo, factualidades que nunca deveriam ter sido valoradas e desconsiderando outras que possuíam força probatória plena.
P- Com relevo para a decisão da causa, o Tribunal a quo considerou que “a nível de segurança para a fração da autora, como é bem ilustrativo o episódio relatado na queixa-crime apresentada, já na pendência da ação, contra o arrendatário do Réu”.
Q- Cumpre referir que o arrendatário do aqui recorrente não é o alegado Sr. EE – contra quem a queixa-crime foi intentada - mas sim o Sr. FF, pelo que se conclui que não é o arrendatário da fração do recorrente, o denunciado na denúncia referida.
R- Jamais se poderia ter considerado tal facto em sede de prolação de sentença, uma vez que, à data, inexiste qualquer condenação pela prática dos factos que são imputados ao aludido Sr. EE, valendo sempre o princípio in dubio pro reo, constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, cuja prolação não se verificou, até ao presente.
S- Nunca se poderia concluir que o alegado denunciado escalou até à varanda da recorrida através da pérgula existente no terraço do recorrente, pois tal facto não resulta provado no referido processo-crime, não passando de uma mera alegação da recorrida, sem qualquer base factual, por forma a sustentar a sua posição nos presentes autos – motivo pelo qual a referida queixa-crime foi intentada no decurso da presente ação.
T- Não foi o denunciado condenado pela prática dos factos que lhe foram imputados pela recorrida, não foi considerado provado que o denunciado escalou através da pérgula, podendo tê-lo feito através do uso de um escadote, mesa, ou qualquer outro objeto – sendo certo que é impossível o acesso à varanda através da pérgula uma vez que tal estrutura não suportaria o peso em questão, nem, tão pouco, é viável tal acesso através da estrutura da pérgula, assente apenas em “vigas”.
U- O sentido decisório da sentença a quo vem inquinado por erro de julgamento e que mereciam resposta em sentido diametralmente oposto.
V- A fa[c]tualidade vertida na P.I., que se veio refletir na sentença ora em crise, não passa de meras alegações e conclusões da recorrida, sendo certo que até na prova documental junta pela mesma é passível de comprovar que não assiste qualquer razão à mesma.
W- A sentença recorrida violou o artigo 413.º do Código de Processo Civil.
X- O princípio da livre apreciação da prova não permite ao julgador “julgar de forma arbitrária, mas antes julgar de acordo com as regras da experiência e critérios da lógica” Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 27-04-2017, disponível em www.dgsi.pt.
Y- A sentença recorrida violou o princípio da livre apreciação da prova vertido no artigo 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, na medida em que “o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras da experiência e critérios da lógica” Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11-03-2010, disponível em www.dgsi.pt.
Z- Os meios de prova que implicariam a prolação de decisão em inverso sentido, e que aqui se deixam consignados nos termos e para os efeitos do preceituado pela alínea b) do n.º 1 e pelo n.º 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil, são os depoimentos testemunhais cuja transcrição segue infra, nos termos e para os efeitos do preceituado pela parte final da alínea a) do n.º 2 do referido artigo 640.º do Código de Processo Civil – e, essencialmente, os documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente registos fotográficos e relatório pericial, por si e apreciados conjuntamente com os depoimentos testemunhais.
AA- Sempre se devia ter dado como NÃO PROVADO o facto de que a pérgula existente configurar um prejuízo para a recorrida, por colocar a sua habitação em perigo, mais vulnerável a assaltos, com escalados pelo exterior e invasão de propriedade privada.
BB- Dos depoimentos das testemunhas CC e DD, outras conclusões se impunham ao tribunal, nomeadamente dar por provado a matéria da contestação tida como não provada.
CC- O recorrente não aceita que o testemunho das testemunhas CC e DD não tenha sido devidamente considerado e ponderado, porquanto as testemunhas demonstraram isenção e objetividade.
DD- Não poderia desconsiderar-se, como se desconsiderou, o depoimento das aludidas testemunhas, porquanto ambas as testemunhas foram imparciais e falaram com verdade, sem qualquer influência, tendo o Insigne Tribunal a quo feito uma errada ponderação da prova produzida.
EE- Assim nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, pretender ver alterada a resposta aos factos da contestação tidos como não provados (nomeadamente 8 a 12 dos factos não provados), bem como a resposta aos factos da petição inicial considerados provados (nomeadamente 4 a 6),cujo sentido decisório vem inquinado por erro de julgamento e que mereciam resposta em sentido diametralmente oposto.
FF- A sentença a quo feito uma aplicação errada da matéria de facto e de direito, o que levou à prolação de uma sentença totalmente infundada.
Além disso, entendeu a sentença em crise não se verificar litigância de má-fé por banda da recorrida não se conformando, com isso, o recorrente.
GG- A recorrida alegou factos falsos cuja falta de fundamento não pode desconhecer – e não desconhecia
HH- E, deduziu uma pretensão cuja falta de fundamento não desconhece, alterando a verdade dos factos, e omitindo factos relevantes para a boa decisão da causa, tentando iludir o tribunal, de modo a conseguir um objetivo ilegal,
II- Pelo que litigou com manifesta má-fé processual.
JJ- Deve o tribunal julgar procedente o presente recurso e alterar a resposta aos factos tidos como não provados e provados, cujo sentido decisório vem inquinado por erro de julgamento e que mereciam resposta em sentido diametralmente oposto.
KK- Deve ser revogada a douta sentença recorrida e dando-se por provado que a colocação da dita pérgula não representa qualquer perigo para a fração da recorrida, inexistindo possibilidade de escalonamento pela mesma.
LL- Deve o presente recurso ser recebido, julgado procedente por provado, serem julgados os pedidos formulados pelo recorrente procedentes, por provados, absolvendo-se o recorrente nos pedidos formulados pela recorrida e condenando-se a recorrida em litigante de má-fé revogando-se assim a douta sentença recorrida.
Nestes termos, e nos que V. Exas. muito doutamente suprirão:
Deve ser, por V. Exas., concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.».
A A. apresentou contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar:
a) apurar da alteração da matéria de facto conforme propugnado pelo recorrente;
b) averiguar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se deve manter-se a estrutura com toldo existente na fracção autónoma do R.;
c) apreciar da existência de litigância de má fé por parte da A., recorrida.
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Vejamos a primeira questão.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
Neste caso, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º):
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
No caso concreto, verifica-se que o recorrente deu cumprimento às referidas exigências, especificando os concretos factos que põe em causa e indicando as razões da sua discordância, nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugna.
Apreciemos então.
Pretende o recorrente que devem ser dados como não provados os factos dos pontos 4, na parte em que refere que “veio potenciar insegurança”, e 6 dos factos provados.
E que devem ser dados como provados os factos dos pontos 8 a 12 dos factos não provados.
1) Matéria que o recorrente considera que deve integrar os factos não provados:
É a seguinte a redacção dos pontos do elenco dos factos provados postos em crise:
«4 - No terraço da fracção do Réu existe uma estrutura metálica de mais um toldo rente à varanda da A. (com esclarecimento de que – abaixo da parte de cima da varanda – vulgo parapeito), a qual veio potenciar insegurança.
(…)
6 - A colocação do referido toldo coloca a habitação da Autora em perigo, mais vulnerável a assaltos, com escaladas pelo exterior, e invasão da propriedade privada.».
Antes de mais, há que anotar que no elenco dos factos provados e não provados apenas devem constar “factos” e não matéria conclusiva e/ou de direito.
Relativamente a esta matéria, a qual não constitui facto, não há lugar à sua inclusão nos factos (provados ou não provados).
No sentido da exclusão da matéria conclusiva do elenco dos factos provados da sentença, por via do disposto no art. 607º, nº 4, do C.P.C., cfr. o Ac. do STJ de 29/04/2015, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 306/12.6TTCVL.C1.S1, e o Ac. da R.E. de 28/06/2018, publicado no mesmo sítio da Internet, com o nº de proc. 170/16.6T8MMN.E1.
Como se refere neste último acórdão, “na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito”, pelo que, “mesmo no âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada” dessas afirmações, devendo ser eliminado qualquer ponto da matéria de facto que “integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões”.
Ora, no que a estes dois pontos concerne, verifica-se que a parte do ponto 4 onde se refere “a qual veio potenciar insegurança” e as partes do ponto 6 onde consta “coloca a habitação da Autora em perigo” e “mais vulnerável a (…) invasão da propriedade privada” constitui matéria conclusiva e também, no caso de “invasão da propriedade privada”, matéria de direito.
Na realidade dizer que a estrutura colocada potencia insegurança e coloca a habitação da A. em perigo e vulnerável a invasão da propriedade privada não constitui a descrição de factos da vida, mas conclusão a retirar de factos concretos, designadamente, entre outros, respeitantes às características da estrutura e do exterior da fracção da A., ao posicionamento daquela relativamente a esta, e à forma de acesso a esta fracção.
Sendo assim, esta matéria não tem de constar do elenco da matéria de facto, provada ou não provada, pelo que não há que apreciar se deve ser retirada dos factos provados para ser incluída nos factos não provados.
Antes há que, usando da competência oficiosa que advém das disposições conjugadas dos arts. 663º, nº 2, e 607º, nº 4, do C.P.C., eliminar do elenco factual da sentença recorrida a referida matéria incluída nos pontos 4 e 6 dos factos provados.
Resta apreciar o segmento do ponto 6 dos factos provados onde consta “a colocação do referido toldo coloca a habitação da Autora mais vulnerável a assaltos, com escaladas pelo exterior” – aqui já se está perante matéria de facto, pois que se concretizam situações de vida (a ocorrência de assaltos e escaladas pelo exterior).
Pretende o recorrente que a apreciação conjugada dos registos fotográficos, do relatório pericial e dos depoimentos das testemunhas DD e CC determina que se considere não provado este facto.
Na motivação da matéria de facto não se discrimina quanto a este facto o que determinou a convicção do tribunal quanto à sua prova, pois que as provas apreciadas são enumeradas e descritas sem que se individualize os factos que se deram como provados com base em cada uma (ou conjunto) delas.
Percorrendo-se o texto da motivação afigura-se-nos que quanto ao facto objectivo em causa (já que não está em causa o sentimento subjectivo de insegurança da A., aí várias vezes referido), o tribunal se terá baseado no relatório pericial, junto em 10/01/2022, e na inspecção ao local, documentada na acta de 13/06/2022, e bem assim num documento respeitante ao Inquérito nº 712/21.5GBPRD, que teve origem em queixa crime apresentada pela A., junto em 26/05/2022 – sendo que a situação a que respeita esta queixa foi abordada no depoimento da testemunha GG, filho da A., e nas declarações de parte da A., a cuja audição procedemos.
Ora, o facto em causa é passível de averiguação pela simples visualização do local, documentado nas fotografias juntas com o relatório pericial e nas fotografias inseridas na acta da segunda sessão da audiência de julgamento.
E, vendo as mesmas, constata-se que não resulta que a estrutura acrescentada aumente a possibilidade de a habitação da A. sofrer assaltos com escalada pelo exterior. Com efeito, o risco de assalto não é maior actualmente do que aquele que já existia com a configuração física do terraço do R., com as divisórias de vidro martelado, da varanda da A. e do edifício na sua totalidade.
Note-se que um assalto, que significa a entrada de terceiros estranhos à habitação com a finalidade de subtrair objectos para deles se apropriarem, implica não só o acesso da habitação do R. à da A., mas o acesso desde a rua (a não ser que se perspective a ocorrência de assaltos perpetrados por outros moradores do prédio – mas estes sempre terão ao seu alcance outros meios de acesso, nomeadamente pelo interior, eventualmente com estroncamento de fechaduras) – ou seja, para além da eventual facilidade de acesso do 3º para o 4º andar, necessário se torna que seja fácil o acesso desde o nível da rua até ao 3º andar.
E se pode conjecturar-se que a existência das barras da estrutura que suporta o toldo possam ser utilizadas por alguém que pretenda subir de um andar ao outro pelo exterior, certo é que o toldo tem de estar corrido para que a barra esteja acessível e a diferença de altura da mesma para a divisória de vidro martelado já existente não é de grande relevância (na medida em que teremos de estar a falar de alguém com destreza para a necessária escalada).
Por outro lado, se estiver a pensar-se na utilização de uma escada (que foi referida no depoimento da testemunha GG, nos termos que infra melhor se aludirão), isso implica sempre que a pessoa que quer escalar esteja no interior da habitação do R. e, podendo haver ou não diferença de tamanhos da escada, o certo é que com este objecto a subida à varanda da A. é possível com ou sem a estrutura – aliás, a testemunha indicada pelo recorrente, DD, morador no mesmo prédio, no 3º andar, deu conta de um episódio em que teve de aceder a casa da A. por causa de um incêndio, e explicou que passou para o terraço do R. e subiu à varanda da A. utilizando uma escada, sem se socorrer da estrutura do toldo, que não lhe parece estar feita para aguentar o peso de um adulto (sendo que mesmo que fosse utilizar esta estrutura sempre precisava de uma escada).
Veja-se ainda que a testemunha HH, sobrinha da A., referiu que a tia nunca foi assaltada e a testemunha CC II, gestora de clientes da empresa que administra o condomínio do edifício onde ficam as habitações em causa, referiu que nunca soube de nenhum assalto em casa da A..
Relativamente ao episódio a que respeita a queixa apresentada pela A., pelo documento junto em 26/05/2022 (cópia extraída do processo de inquérito, em que consta o auto de notícia com a denúncia apresentada pela A.) verifica-se que se tratou de um desentendimento entre vizinhos, em que a A. se queixou à vizinha que na ocasião habitava no apartamento do R. do volume da música que esta estava a ouvir, o que originou uma reacção da parte desta e de outras pessoas que com ela se encontrariam, denunciando a A. que uma dessas pessoas “subiu através de escalamento para a varanda”, mas nada resultando do auto de que forma foi concretizado esse escalamento, nomeadamente que tivesse sido utilizada a estrutura do toldo para o efeito. A A. e o seu filho já só viram a pessoa dentro de casa e não viram de que forma escalou a varanda, sendo que o filho da A. afirmou que foi utilizada uma escada, pois viu a mesma no terraço do andar de baixo (embora na sua convicção sem a estrutura tivesse que ser usada uma escada maior, o certo é que se trata apenas de convicção, não havendo prova objectiva de que assim fosse).
Ou seja, para além de não resultar sem sombra de dúvida que o acesso se devesse à existência da estrutura, afigura-se que se tratou de uma situação excepcional, motivada por um desentendimento de vizinhança, que não permite extrapolar para concluir que a fracção da A. está mais vulnerável a que estranhos acedam à mesma em qualquer circunstância, e nomeadamente que aí acedam para assaltar, até porque o acesso é possível independentemente da estrutura.
Anote-se que o Sr. perito referiu apenas que atenta a altura de 1,50 metros da parte superior da estrutura ao parapeito da varanda “admite-se que através da estrutura metálica se possa aceder à varanda do prédio da A.”, sendo que, embora essa medida não tenha sido apurada nem na peritagem, nem na inspecção ao local, das fotografias juntas, afigura-se que a distância da estrutura à parte de cima da divisória em vidro martelado onde se encontra assente não chegará a 50 cm.
Portanto, em face do exposto, afigura-se que a prova produzida não permite concluir pela prova do facto de que “a colocação do referido toldo coloca a habitação da Autora mais vulnerável a assaltos, com escaladas pelo exterior”, devendo o mesmo ser considerado não provado.
Há, pois, que alterar a matéria de facto, passando o facto em questão a constar dos factos não provados, merecendo acolhimento a pretensão do recorrente nesta parte.
2) Matéria que o recorrente considera que deve integrar os factos provados:
É a seguinte a redacção dos pontos do elenco dos factos não provados postos em crise:
«8 - A pérgula não tem qualquer interferência no campo de visão, privacidade e sossego da Autora.
9 - A pérgula em causa não representa, nem nunca representou, qualquer perigo para a habitação da Autora.
10 - A colocação do toldo foi aprovada pelo respetivo condomínio.
11 - Desde essa data (15 de Julho de 2020) que o arrendatário do R. – Sr. FF - tem sofrido várias represálias e implicâncias por parte da A.
12 - A A. intentou a presente ação contra o R. por mera vingança, pelo facto do R. ter testemunhado num processo em que esta era parte.».
Antes de mais, há que referir que valem aqui as mesmas considerações já explanadas a propósito da não inclusão na matéria de facto de matéria conclusiva e/ou de direito.
Ora, dizer que a estrutura com o toldo (embora se tenha utilizado a expressão “pérgula”, porque se transcreveram os factos tal como alegados na contestação, onde foi utilizada essa expressão para nomear a estrutura) não tem qualquer interferência no campo de visão, privacidade e sossego da A. e não representa, nem nunca representou, qualquer perigo para a habitação desta é matéria conclusiva, a que se teria de aceder mediante a consideração de factos concretos que o permitissem concluir.
E de todo o modo, essa afirmação dos factos negativos na contestação constitui apenas a impugnação dos factos alegados pela A. na petição inicial, constitutivos do seu direito à retirada da estrutura – tendo em conta o objecto da acção, é irrelevante apurar o contrário dos factos alegados pela A., o que interessa é apurar (ou não) estes factos, positivos, que integram a causa de pedir na acção.
Assim, nos mesmos termos já referidos anteriormente, também quanto aos pontos 8 e 9 do elenco dos factos não provados, o que há a fazer é eliminá-los do elenco factual da sentença recorrida.
Relativamente ao ponto 10 do elenco dos factos não provados, cuja prova o recorrente genericamente fundamenta (como todas as restantes alterações pretendidas à matéria de facto) na apreciação conjugada dos documentos e dos depoimentos das testemunhas DD e CC, verifica-se que, ao contrário do defendido no recurso, o mesmo resultou efectivamente não provado, e por se ter feito prova do contrário.
Com efeito, não só dos depoimentos das indicadas testemunhas, mas da generalidade da prova produzida, resultou que antes da colocação da estrutura não foi solicitada autorização para o efeito, nem houve qualquer aprovação dessa colocação pelos condóminos (sendo que pelo condomínio não poderia haver, pois que à data da sua colocação ainda não havia condomínio constituído, como também resultou da prova).
Ademais, conforme consta do ponto 27 dos factos provados, o que sucedeu foi que em 26/06/2020 foi votada em Assembleia de Condóminos a permanência (e não a colocação) do toldo (anos depois de ter sido colocado).
No que concerne à matéria dos pontos 11 e 12 do elenco dos factos não provados, vista toda a prova produzida, incluindo os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte prestados em audiência de julgamento (e não só a prova indicada pelo recorrente), verifica-se que nenhuma prova foi feita quanto a tal matéria, não havendo qualquer meio de prova que permita a consideração dos mesmos como provados.
Não há, pois, que alterar a resposta dada aos pontos 10, 11 e 12 dos factos não provados.
Assim, vista a prova produzida (que apreciamos na totalidade) não resulta que a mesma imponha decisão diversa (cfr. art. 662º, nº 1, do C.P.C.) sobre os pontos 10, 11 e 12 dos factos não provados, antes pelo contrário, apontando aquela precisamente no sentido decidido na primeira instância.
Pelo que, é de prover apenas parcialmente, quanto ao ponto 6 dos factos provados nos termos supra expostos, a impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente.
*
Passemos à segunda questão.
Tendo em conta a alteração da matéria de facto resultante do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão do recorrente é a seguinte:
«1- A A. é a dona e legítima possuidora da fração autónoma designada pelas letras “DB”, correspondente a uma habitação do tipo “T- um”, no quarto andar direito, com entrada pelo número ...0 da Praceta ..., com uso exclusivo de um lugar de garagem, na cave cinco, com o número ..., com entrada pelo número ... da Rua ... e pelo número ... da Rua ..., que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., na Rua ... números ... a ... na Praceta da Liberdade, números ... a ..., na Rua ..., números ..., ..., ... e ..., e na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Paredes, descrito na Conservatória do Registo predial de Paredes sob o número ...23 – ..., afecto ao regime da propriedade horizontal pela inscrição “G- um” e inscrito na matriz sob o artigo ...56, no prédio sito na Praceta ..., freguesia ..., a inscrita na matriz predial urbana ...56.
2- O R. é o dono e legítimo possuidor da fração sita na Praceta ..., ... ....
3- O imóvel do Réu mostra-se arrendado a FF.»
4- No terraço da fracção do Réu existe uma estrutura metálica de mais um toldo rente à varanda da A., situada abaixo da parte de cima da varanda – vulgo parapeito.
«5- A altura do referido toldo é de 2,40m de largura e tem 8,40 metros de comprimento.»
«7- O toldo está pregado à parede que é comum a todo o edifício.
8- A A. fez interpelar o R., para que a dita estrutura fosse retirada e removida – sem êxito.
9- O R. opõe-se, e faz saber que nunca a removerá.»
«10- O Réu é dono e legítimo possuidor da fração autónoma designada pelas letras CX, sita na Praceta ..., ... em ..., correspondente a uma habitação de tipologia ..., descrita na C.R.P. ... sob o n.º ...23..., da freguesia ..., e inscrita na matriz predial respetiva sob o artigo ...56.
11- A Autora possui uma fração que fica colocada no piso imediatamente superior à fração do R.
12- O Réu foi vizinho de baixo da Autora, desde que adquiriu o respetivo imóvel - em 18.10.2016 - até o arrendar.
13- Quando a dita fração adveio à posse do Réu, já havia sido colocada a pérgula em questão.
14- O Réu nunca procedeu a qualquer colocação de estrutura metálica e de um toldo no seu terraço, uma vez que tal estrutura, denominada “pérgula” era preexistente à aquisição da fração pelo Réu.
15- Quando o Réu comprou a fração citada, já se encontrava colocada a pérgula em causa no local onde se encontra presentemente.
16- A dita pérgula foi colocada pela anterior proprietária do imóvel (D. JJ) encontrando-se assim desde meados de 2011.
17- Quando a anterior proprietária pretendeu vender a fração, em 2016 publicitou a fração numa imobiliária com fotografias da mesma, com a pérgula já colocada.
18- Quando o Réu adquiriu o imóvel em causa, adquiriu-o no modo em que o imóvel se encontra atualmente, não tendo levado a cabo qualquer construção, colocação ou alteração no mesmo.
19- O Réu manteve a dita pérgula no local onde já se encontrava colocada, aquando a aquisição do imóvel.
20- A colocação da pérgula não carece de qualquer licença, nos termos e para os efeitos do Plano Diretor Municipal da Câmara Municipal de Paredes.
21- Não interfere na estrutura do edifício.
22- Não causa impacto visual.
23- A pérgula existente no terraço do R. encontra-se colocada abaixo (com esclarecimento de que – abaixo da parte de cima da varanda – vulgo parapeito) da varanda da Autora.
24- A pérgula existente apenas limita o campo de visão da A. no que concerne o terraço do aqui R.
25- A administração do condomínio do prédio onde se insere a fração da A. e do R. respondeu ao ilustre mandatário da A. defendendo que não existe motivo para retirar a pérgula do local, nos termos do documento n.º 5.
26- Posteriormente a essa data, nomeadamente a 15 de julho de 2020, o aqui R. celebrou um contrato de arrendamento encontrando-se a fração, desde essa data, ocupada pelo arrendatário do R.
27- (Provado apenas e com o esclarecimento que) A 26 de junho de 2020, aquando [d]a realização de uma Assembleia de Condomínio, na qual a A. esteve presente e absteve-se de votação, foi votado (por maioria dos condóminos presentes) a permanência do toldo.
28- A A., esteve presente na dita Assembleia e não votou contra a proposta, não tendo levantado qualquer questão em relação à mesma.».
No presente caso está em causa um edifício constituído por várias fracções autónomas pertencentes a proprietários diversos, sendo a A. e o R. condóminos, proprietários cada um de uma fracção.
Tal edifício encontra-se, pois, sujeito ao regime jurídico da propriedade horizontal, o qual se encontra estabelecido nos arts. 1414º a 1438º-A do C. Civil, sendo constituído quer por normas imperativas, quer por normas supletivas.
Da análise de tal regime retira-se que a propriedade horizontal constitui “um direito real que combina a propriedade e a compropriedade, fundindo-se tais direitos para constituir uma unidade nova” (Moitinho de Almeida, Propriedade Horizontal, 2ª ed., pág. 13).
A existência desta forma de propriedade deve-se ao facto de em tais edifícios existirem fracções que constituem unidades independentes, distintas e isoladas entre si (cfr. art. 1415º do C.C.), sendo, portanto, susceptíveis de individualização e de pertença a diferentes proprietários.
Todavia, aqueles mesmos edifícios não deixam de constituir uma estrutura unitária e são constituídos por partes - como as paredes exteriores do edifício, a entrada, o telhado, as escadas ou os corredores - que estão na dependência funcional de cada uma das fracções, na medida em que são necessárias para a utilização e gozo normal de cada uma delas pelos respectivos proprietários.
Efectivamente, tais partes são necessariamente usadas por todos (ou alguns) os condóminos, pois “cada uma das fracções resultantes da divisão não tem autonomia estrutural e só adquire autonomia funcional através da utilização de partes do edifício que necessariamente estão afectadas ao serviço de outras fracções” (P. Lima e A. Varela, C.C. anotado, vol. III, 2ª ed., pág. 393).
Têm, pois, de ser partes comuns a todos os condóminos.
Daí que se estabeleça no art. 1420º, nº 1, do Código Civil que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.
Determina o art. 1421º do Código Civil quais são as partes comuns do edifício, sendo imperativa a enumeração constante do nº 1 e supletiva a constante do nº 2 (as partes aqui referidas apenas se presumem comuns).
As partes referidas naquele nº 1 são, então, forçosamente comuns, não podendo o título constitutivo atribuir a sua propriedade exclusiva a qualquer condómino.
Nas partes forçosamente comuns cabem as que integram a estrutura do edifício, como elementos vitais de toda a construção (desde logo as referidas nas alíneas a), b) e c) do referido art. 1421º, nº 1), e as que transcendem o âmbito restrito de cada fracção e revestem interesse colectivo (designadamente as referidas na alínea d) do mesmo artigo), por serem necessárias ao uso comum do prédio e “indispensáveis à utilização normal de cada fracção pelo respectivo condómino”, não se podendo prescindir delas “para o gozo normal da propriedade singular de que são complemento” (cfr. Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 2ª ed., pág. 141).
E tais partes são comuns mesmo que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pois a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos eles (veja-se P. Lima - A. Varela, ob. e vol. cits., pág. 420).
Do que acaba de referir-se, não restam dúvidas de que o terraço que está em causa nos autos - e cujo uso, não se discute, é exclusivo da fracção do R. - é parte comum, dado desde logo tratar-se de terraço de cobertura (cfr. al. b), nº 1, do artigo em apreço), servindo de cobertura à fracção situada imediatamente por baixo da fracção do R., bem como é comum a parede exterior da varanda da fracção da A. onde foi fixada a estrutura com o toldo colocada naquele terraço. Como, aliás, foi decidido na sentença recorrida e não está posto em causa no recurso.
Não obstante a configuração especial da mesma, como se aludiu, não deixa de estar-se na propriedade horizontal perante uma forma de direito de propriedade, logo sujeita também ao estatuto legal dos direitos reais e dentro destes do direito de propriedade.
E resultando das diversas propriedades individuais (o que mais ainda ocorre, atenta a proximidade das fracções autónomas, na propriedade horizontal) e das consequentes relações de vizinhança a necessidade de harmonizar os possíveis conflitos existentes entre os vários direitos dos proprietários vizinhos, o Código Civil estabelece determinadas restrições ao direito de propriedade por necessidades de vizinhança, “a fim de conciliar os interesses conflituantes dos proprietários limítrofes” (Henrique Mesquita, Direitos Reais, lições dactilografadas, pág. 148).
Efectivamente, o direito de propriedade está limitado “pela função social ou económica que desempenha”, sendo que a peculiar fisionomia da propriedade horizontal “requer especial atenção à interdependência dos condóminos no uso e fruição do prédio, com relevo para a comodidade e tranquilidade destes e para a sua segurança e a do edifício” (Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3ª ed., pág. 174)
Tanto assim que, no art. 1422º, nº 1, do Código Civil se determina que os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.
E no nº 2 do mesmo artigo estabelecem-se limitações especiais para os condóminos, enquanto proprietários de fracções individualizadas de um edifício que, apesar das fracções, constitui no seu todo uma estrutura unitária.
Designadamente, de acordo com a alínea a) de tal normativo, é especialmente vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, quer com falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício.
No caso, não há qualquer dúvida que estamos perante uma obra nova, qual seja a de colocar uma estrutura com um toldo a cobrir o terraço que serve a fracção do recorrente em toda a extensão deste.
No presente recurso não se coloca a questão da linha arquitectónica ou do arranjo estético do edifício.
E não nos parece que seja um caso de prejuízo para a segurança do edifício.
Na verdade, a segurança do edifício (e não da fracção – cfr. J.A. Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª ed. revista, 2002, pág. 101) prende-se com a segurança do próprio edifício enquanto estrutura, enquanto equilíbrio de forças de todos os seus elementos estruturantes e partes componentes.
Com efeito, sendo prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (art. 204º, nº 2 do C.C.) e edifício “a construção que limita o solo por todos os lados, incluindo o espaço aéreo”, o qual tem de “estar ligado, unido ou fixado ao solo directa ou indirectamente, por alicerces ou por colunas” (Rodrigues Pardal - Dias da Fonseca, Da Propriedade Horizontal no Código Civil e legislação complementar, 6ª ed., pág. 53), pode-se dizer que a estrutura do prédio compreende aquelas partes sem as quais não existe sequer construção, isto é, as superestruturas e as infra-estruturas do edifício constituídas por um sistema hiperestático de pilares, vigas e lajes que constitui o esqueleto daquele, e aquelas sem as quais o prédio fica impróprio para o seu uso.
Ou, usando a distinção que costuma fazer-se entre partes componentes, partes integrantes e partes acessórias de um prédio (sobre a mesma veja-se Rodrigues Pardal - Dias da Fonseca, ob. cit., págs. 55-56), que a estrutura de um prédio compreende as suas partes componentes, onde se enquadram as paredes mestras, as escadas ou as telhas.
As paredes mestras “são as que constituem o esqueleto do edifício, desde as fundações até à cobertura, sem as quais a construção no seu conjunto seria impossível” e ainda “as interiores, sobre as quais se regula o edifício, principalmente as paredes das escadas” (Moitinho de Almeida, ob. cit., pág. 39).
Nelas se incluem as paredes exteriores que delimitam o perímetro da construção e que constituem as fachadas principais e as fachadas posteriores e “as paredes interiores que, pertencendo à ossatura do imóvel, não podem ser livremente alteradas ou eliminadas sem risco de toda a construção” (veja-se sobre o assunto Moitinho de Almeida, ob. cit., págs. 39-40, e P. Lima - A. Varela, ob. e vol. cits., pág. 421).
Ora, não se podem efectuar obras novas que coloquem em risco toda a construção, a própria ossatura do imóvel, em termos de este, por exemplo, poder ficar em risco de sofrer alguma derrocada, não estando aqui em causa a maior facilidade ou não de acesso ao interior do edifício ou das fracções por parte de terceiros, relacionada não com a segurança do edifício, mas com a segurança dos bens e das próprias pessoas (aliás, aqui é o comportamento do terceiro e não a obra em si que porá em causa tal segurança).
Pelo que, a obra em apreço não coloca em causa a segurança do edifício.
Mas esta circunstância não significa que a obra pudesse ter sido feita e manter-se.
É que as restrições impostas nesta norma “respeitam exclusivamente à fracção do condómino e suas componentes próprias”, uma vez que “as inovações nas partes comuns”, que competem à assembleia de condóminos e ao administrador, estão sempre vedadas aos condóminos, mesmo as “simples “inovações” ou alterações”, sendo-lhes aplicável o disposto no art. 1425º do Código Civil (com excepção unicamente dos casos previstos no nº 3 deste artigo).
Aliás, “as inovações nas partes comuns dirigem-se ao melhoramento ou ao uso mais cómodo da coisa comum”, não se destinando “a privilegiar o proprietário da fracção, e reflexamente esta, mas sim a coisa comum” (cfr. J.A. Aragão Seia, ob. cit., págs. 101 a 103 e 137 a 139).
“O preceito adoptou um conceito amplo de inovação”, abrangendo quer alterações introduzidas na substância ou forma das coisas comuns, quer modificações relativas ao seu destino ou afectação.
“São inovações apenas as obras que trazem algo de novo em benefício das coisas comuns já existentes, ou que as melhoram e, ainda, as que levam ao seu desaparecimento ou a modificações no seu uso. Nelas se englobam a instalação da canalização para a introdução no edifício do gás natural, a colocação de um sistema de vídeo ou de câmaras de vigilância na porta da entrada, de ventilação mecânica, de instalações de água, electricidade, telefones, a destruição de uma parede na garagem comum que separa duas zonas de aparcamento e a modificação do destino da casa dos lixos que se transforma num gabinete para o vigilante”.
Igualmente “constituem inovações em parte comum fechar espaços numa garagem, a construção de uma garagem e de uma marquise, a instalação de um sistema de ar condicionado ou de um termo-acumulador, a demolição de um terraço, construção de uma chaminé, de umas escadas, a instalação de cabos eléctricos, a construção num terraço de cobertura, etc.”.
“Estas obras não podem prejudicar a utilização, por parte de qualquer condómino, tanto das coisas próprias como das coisas comuns. Mas mesmo que a parte comum esteja afecta ao uso exclusivo de um condómino, como um terraço de cobertura por exemplo, ele não poderá efectuar aí qualquer construção sem autorização de todos os outros, nos termos legais”.
Esta autorização, nos termos do art. 1425º, nº 1 (não se tratando das situações previstas nos nºs 2 e 3 deste artigo), do Código Civil, depende da aprovação da maioria dos condóminos, representativa de dois terços do valor total do prédio. “Trata-se da conjugação de uma maioria pessoal – maioria absoluta de condóminos – com uma maioria numérica, representativa de dois terços do valor total do prédio”.
Mas, atento o disposto no nº 7 do mesmo artigo, a autorização “não pode ser concedida, ou se o for não é válida, no caso de a inovação prejudicar algum dos condóminos” (no dizer da lei, prejudicar a sua utilização tanto das coisas próprias como das comuns), “desde que contra a sua vontade, e não conte com a aprovação das entidades legais respectivas”, “cuja autorização respeita unicamente a fins administrativos e não ao direito de propriedade que escapa à sua alçada” (J.A. Aragão Seia, ob. cit., págs. 140 a 143).
Esquematizando:
- na sua fracção, o condómino pode realizar obras novas que não prejudiquem a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, sem autorização da assembleia de condóminos – art. 1422º, nº 2, al. a), a contrario, do Código Civil;
- na sua fracção, o condómino pode realizar obras novas que prejudiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício, com autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio – art. 1422º, nº 2, al. a), e nº 3, do Código Civil;
- na sua fracção, o condómino não pode realizar obras novas que prejudiquem a segurança do edifício, ainda que com autorização da assembleia de condóminos – art. 1422º, nº 2, al. a), e nº 3, a contrario, do Código Civil;
- nas partes comuns, o condómino pode colocar rampas de acesso e plataformas elevatórias, nos termos do art. 1425º, nº 3, do Código Civil, apenas mediante comunicação prévia ao administrador;
- nas partes comuns, podem ser realizadas obras que constituam inovações com a aprovação da maioria dos condóminos, representativa de dois terços do valor total do prédio – art. 1425º, nº 1, do Código Civil;
- nas partes comuns, podem ser colocados ascensores e instalado gás canalizado, havendo pelo menos oito fracções autónomas, com a aprovação de condóminos que representem a maioria do valor total do prédio – art. 1425º, nº 2, do Código Civil;
- nas partes comuns, não podem ser realizadas obras que constituam inovações que sejam capazes de prejudicar a utilização, por algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns, ainda que com autorização da assembleia de condóminos – art. 1425º, nº 7, do Código Civil.
Revertendo ao caso concreto, verifica-se que estamos perante uma obra que constitui uma inovação, nos termos descritos, na medida em que constitui uma construção efectuada num terraço, que altera a sua composição, e que se encontra fixada em partes comuns do edifício, alterando nomeadamente a parede da varanda da fracção da A. onde se encontram fixadas as barras da estrutura, pois que para o efeito nela foram efectuados buracos (onde encaixam os parafusos), por onde pode, por exemplo, infiltrar-se água ou que pode alterar as condições de isolamento dessa parede.
E que essa inovação, como já se disse supra, foi feita em partes comuns do edifício.
É certo que a obra efectuada na fracção do R. não prejudica a utilização das coisas próprias e das comuns pelos outros condóminos, incluindo a A., valendo aqui as considerações já expendidas a propósito da questão da segurança do edifício [ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida que considerou existir impacto ao nível da segurança para a fracção da A. e que essa situação integrava o prejuízo de utilização previsto no art. 1425º, nº 7, do Código Civil (na sentença alude-se ao nº 2, mas trata-se de lapso manifesto, reportado à redacção da norma anterior a 2012)].
Ademais, com a alteração à matéria de facto resultante do tratamento da anterior questão, com a consideração como não provado do facto que constava do ponto 6 do elenco dos factos provados da sentença, ficou definitivamente afastada a possibilidade de integração da situação dos autos no nº 7 do artigo em questão.
Porém, como se trata de uma inovação efectuada por um condómino (a anterior proprietária da fracção do R.) em partes comuns do prédio, a mesma só poderia ter sido efectuada com a aprovação prévia (cfr. J.A. Aragão Seia, ob. cit., pág. 141) dos restantes condóminos, o que não sucedeu.
Ainda que se entendesse que, não tendo havido autorização prévia, podia haver uma aprovação a posteriori da obra construída, o certo é que da acta respeitante à assembleia de condóminos referida nos pontos 27 e 28 da matéria de facto, e que se encontra junta com o requerimento de 27/04/2022, decorre que os condóminos que votaram favoravelmente a permanência do toldo na fracção do R. não representam dois terços do valor total do prédio.
Na verdade, do documento de presenças anexo decorre que as 21 fracções que compõem o condomínio representam no total a permilagem de 200 por mil, o que significa que a maioria de dois terços corresponderá a uma permilagem de 134 por mil. No caso estavam presentes condóminos representativos de uma permilagem de 150 por mil, sendo que se abstiveram naquela votação os condóminos das fracções “DC”, “CR” e “DB”, que correspondem a uma permilagem de 22 por mil (6 + 9 + 7 por mil), o que significa que os votos favoráveis correspondem a uma permilagem de 128 por mil (150 – 22 por mil), logo inferior aos dois terços necessários para essa aprovação.
Conclui-se, assim, que a construção da estrutura com o toldo e a sua manutenção no terraço da fracção actualmente pertencente ao R. constitui um acto que não podia ser praticado pelo proprietário de uma das fracções autónomas do edifício e que se traduz numa violação de uma disposição legal imperativa, o art. 1425º, nº 1, a contrario, do Código Civil.
Ora, “as restrições previstas na lei para o exercício do direito de propriedade horizontal são verdadeiros direitos reais” e, “no caso de violação de um direito real, ao respectivo titular cabe a faculdade de auto-defesa ou de actuação judicial, não sendo impeditiva desta a existência de autorização ou licença administrativa que permita a alguém a actuação que o titular do direito impugna” (Moitinho de Almeida, Propriedade Horizontal, 3ª ed., págs. 64 e 65, citando Oliveira Ascensão).
E titular do direito de interpor a acção de carácter real destinada ao restabelecimento da situação anterior tanto pode ser um proprietário vizinho que seja directamente afectado pela violação, como o próprio condomínio que será sempre o primeiro atingido pela violação do direito de propriedade horizontal.
No caso, a sanção a aplicar, com vista à reconstituição natural, é “a destruição da obra realizada” - não valem aqui as regras da possibilidade de substituição da indemnização por reconstituição natural pela indemnização em dinheiro, uma vez que estamos perante o estatuto real e não uma relação obrigacional, estando “em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio” (cfr. P. Lima - A. Varela, ob. e vol. cits., págs. 428 a 429, e J.A. Aragão Seia, ob. cit., pág. 143).
Ademais, tal como se concluiu na sentença recorrida, não se verifica a existência de abuso de direito por parte da A., até porque “o pedido de demolição das obras não constitui abuso de direito, porque é a própria lei que o determina e o condómino requerendo-a não está a exceder em nada o seu direito. Apenas reage contra o abuso do condómino que inovou, para que o edifício seja restituído ao seu estado anterior. O fim social do seu direito é esse mesmo: a reposição do prédio no seu estado anterior. Se procedesse o abuso do direito ficava a subsistir o ilicitamente construído” (J.A. Aragão Seia, ob. cit., pág. 144).
Pelo que, a consequência resultante da conduta do proprietário da fracção do R. é a retirada da estrutura com o toldo (uma vez que a mesma pode ser retirada sem ser demolida) colocada em toda a extensão do terraço, dado tal obra ter sido feita em desconformidade com os preceitos legais, no caso o art. 1425º, nº 1, do Código Civil, o que cabe ao R. fazer, posto que é o actual proprietário da fracção, ainda que não tenha sido ele a colocar a estrutura.
Não merece, assim, acolhimento a pretensão do recorrente no sentido da improcedência da acção.
*
Resta apreciar a questão da litigância de má fé da A., ora recorrida.
Pretende o recorrente que existiu litigância de má fé por parte da recorrida por ter alegado factos que sabia não corresponderem à verdade e deduzido pretensão cuja falta de fundamento não desconhecia.
Nos termos do art. 542º, nº 2, do C.P.C., a litigância de má fé ocorre quando a parte tiver agido por alguma das formas aí tipificadas, com dolo ou negligência grave.
Pretende-se que as partes, no âmbito da resolução dos seus conflitos em tribunal, se pautem “pelas regras da cooperação intersubjectiva, pela lealdade e pela boa fé processual”, destacando-se “a necessidade de as partes e os seus mandatários colaborarem na resolução do litígio com a maior brevidade” (António Geraldes, Temas Judiciários, vol. I, 1998, pág. 304).
E isto porque o processo não pode ser visto como um campo de batalha, “onde os intervenientes se pudessem «degladiar» sem regras, ou que os comportamentos processuais seguissem os manuais de guerrilha, com o único objectivo de vencer o adversário a todo o custo e sem olhar às consequências” (idem).
Evidentemente que as partes podem lutar para fazer vencer as suas posições, mas “desde que não sejam excedidos certos limites para além dos quais se considera ilegítimo o exercício dos direitos processuais” (ob. e aut. cits., pág. 305).
Daí que há que ter em conta que não é qualquer alteração da verdade que justifica a cominação legal, mas sim uma alteração importante “no contexto da acção ou da defesa”, e ainda que só a negligência grave é punida e já não aquelas “acções ou omissões que, embora censuráveis, não atinjam uma tal gravidade que mereça especial reprovação” (ob. e aut. cits., págs. 316 e 317, 321 e 322).
No caso concreto, afigura-se-nos não ser possível concluir pela existência de uma situação subsumível a qualquer das alíneas do art. 542º, nº 2, do C.P.C..
Na verdade, do próprio resultado da acção e do recurso decorre que a pretensão da A. tem fundamento, tanto que foi acolhida, obtendo a mesma ganho de causa.
E quanto à alteração de factos, no que concerne à matéria relevante para a presente acção, verifica-se que a A. confessou nas suas declarações de parte que a estrutura com o toldo foi colocada pela anterior proprietária da fracção e não pelo R. em Agosto de 2020, como foi alegado no art. 3º da petição inicial (o que ficou a constar da acta de julgamento da sessão de 13/06/2022).
Porém, para além de tal diferença não ter relevância no resultado da acção, pois os efeitos jurídicos dos factos são os mesmos, ainda decorre das declarações prestadas pela A. (que ouvimos na totalidade, como se disse no tratamento da segunda questão) que a mesma logo afirmou que o que constava na petição inicial (com que foi confrontada) não correspondia à verdade, tendo até referido que nunca afirmou tal facto, o que inculca a ideia de que pode ter havido algum mal-entendido na transmissão da informação ao mandatário e algum erro de percepção dos factos relatados por parte deste.
Donde se conclui que não resulta que esta situação se devesse a dolo ou negligência grave por parte da recorrida A. ou que a sua atitude processual se enquadre em qualquer das referidas alíneas.
Pelo que, embora nos pareça poder considerar-se ter ocorrido uma certa negligência por parte da recorrida (ou do seu mandatário), que deveria assegurar-se da realidade dos factos antes de os alegar na petição inicial, podendo dizer-se que aquela poderia ter sido mais diligente, afigura-se-nos tratar-se aqui de mera imprudência e já não de erro grosseiro ou culpa grave.
Ou dito de outra forma, que terá havido uma lide algo imprudente da parte da recorrida, mas já não uma lide temerária e muito menos dolosa.
Não resulta assim que tenha existido dolo ou negligência grave, nos termos definidos, na forma como a recorrida actuou processualmente.
Pelo que, não há que a condenar como litigante de má-fé.
*
Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir, com excepção da alteração do ponto 6 da matéria de facto (e das restantes alterações oficiosamente efectuadas pelo tribunal), pela não obtenção de provimento do recurso interposto pelo R. e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
***
III - Por tudo o exposto, acorda-se em:
a) alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, nos seguintes termos:
1. alterar a redacção do ponto 4 dos factos provados, retirando da mesma a expressão “a qual veio potenciar insegurança”;
2. retirar da redacção do ponto 6 dos factos provados, o segmento “coloca a habitação da Autora em perigo, mais vulnerável a (…) invasão da propriedade privada”;
3. retirar a restante matéria constante do ponto 6 do elenco dos factos provados e incluí-la no elenco dos factos não provados, passando a ser o novo ponto 8, com a seguinte redacção:
- “a colocação do referido toldo coloca a habitação da Autora mais vulnerável a assaltos, com escaladas pelo exterior”;
4. retirar do elenco dos factos não provados os pontos 8 e 9;
b) no mais, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelo recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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Porto 1/6/2023
Isabel Ferreira
Deolinda Varão
Isoleta de Almeida Costa