Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8215/15.0T9PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
DESPACHO DE NÃO CONCORDÂNCIA
Nº do Documento: RP201601088215/15.0T9PRT-A.P1
Data do Acordão: 01/08/2016
Votação: RECLAMAÇÃO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 664, FLS.246-248)
Área Temática: .
Sumário: A declaração de concordância ou não concordância do Juiz de Instrução na suspensão provisória do processo é irrecorrível.
Reclamações: Reclamação nº 8215/15.0T9PRT-A.P1
4ª secção

Nos autos de inquérito que correm termos na 9ª secção do DIAP do Porto, Comarca do Porto, com o nº 8215/15.0T9PRT, o Mº Público propôs a suspensão provisória do processo crime instaurado contra B…, mediante a injunção de prestação de trabalho socialmente útil com duração de 70 horas em instituição e termos a fixar em colaboração com DGRSP, por se mostrar indiciada a prática de um crime de falsidade de testemunho p. e p. no artº 360º nº 1 do C.Penal.
Submetidos os autos ao Sr. Juiz de Instrução Criminal, em conformidade com o disposto no artº 281º do Cód.Proc.Penal, foi proferido despacho concluindo nos seguintes termos:
«[…] Em suma, exigências de prevenção geral opõem-se à aplicação, nos presentes autos, da promovida suspensão provisória do processo, pelo que não se mostra preenchida a condição vertida na al. f) do nº 1 do artº 281º do C.Pr. Penal.
Assim, uma vez que não se encontram reunidas as condições legais para o efeito e nos termos do artº 281º nº 1 do C.Pr. Penal, manifesta-se discordância com a suspensão do presente processo nos termos promovidos pelo M. Público.
Notifique e depois devolva.»

Inconformado com o despacho de não concordância, o Mº Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, o qual não foi admitido por despacho proferido a fls. 79 dos autos principais.
O Mº Público reclamante insurge-se agora contra a não admissão do recurso, por entender que o despacho de não concordância com a SPP é um ato decisório suscetível de recurso e que o entendimento do despacho reclamado viola o disposto nos artºs. 219º nº 1, 32º nºs. 1 e 7 e 20º nº 1 da CRP.
Cumpre apreciar e decidir:
A questão objeto da presente reclamação consiste em saber se é suscetível de impugnação por meio de recurso ordinário a decisão de concordância ou discordância do juiz de instrução relativamente à suspensão provisória do processo da iniciativa do Mº Público.
Os «recursos», na aceção comum de «recursos jurisdicionais» - que é a utilizada quer no artigo 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, quer no artigo 399.º do Código de Processo Penal, consubstanciam, por natureza, a impugnação perante um tribunal (superior) de anterior decisão de outro tribunal (inferior), diversamente do que ocorre com o «recurso contencioso» (impugnação perante um tribunal de um ato da Administração) ou com o «recurso administrativo» (impugnação perante um órgão administrativo de um ato de outro órgão administrativo subalterno ou tutelado). Como refere Armindo Ribeiro Mendes[1], recursos, naquela aceção comum, são «os meios processuais destinados a submeter a uma nova apreciação jurisdicional certas decisões proferidas pelos tribunais». Quando o citado artigo 399.º proclama que «é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei» está a referir-se às três formas de «atos decisórios dos juízes» cuja utilização o artigo 97.º, n.º 1, do mesmo Código descreve do seguinte jeito: «a) Sentenças, quando conhecerem a final do objeto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando pu­serem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior; c) Acórdãos, quando se tratar de decisão de um tribunal colegial».
Neste contexto, o despacho proferido pelo Juiz de Instrução ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 281º do C.P.P. não é propriamente uma decisão; é acima de tudo um despacho de simples concordância; e, nos termos do artigo 281.º n.º 6 do CPP, a decisão de suspensão provisória do processo, em conformidade com o nº 1 e não a manifestação de concordância do juiz de instrução, não é suscetível de impugnação.
Procurando definir a natureza jurídica da denominada “concordância” judicial para aferir da respetiva recorribilidade, o Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 16/2009[2] refere que «dispõe o artigo 359º[3] do Código de Processo Penal que é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei. Existe uma relação linear e convergente entre este normativo e o complexo de atos que consubstanciam a atuação processual do juiz no processo penal, os quais o artigo 97º do mesmo diploma, cataloga e alberga sobre a designação de ato decisório. Falamos, assim, dos atos do juiz que conhecem afinal do objeto do processo, e tomam a forma de sentença; que conhecem uma qualquer questão interlocutória; ou que põem termo ao processo e que tomam a forma de despacho.
A questão que então se coloca é de saber se a denominada “concordância” do juiz integra qualquer uma das hipóteses citada e assume, assim, a natureza de ato decisório e, como tal, é recorrível. Na verdade, nem todos os atos praticados pelo juiz no processo assumem a natureza de ato decisório e certamente que um daqueles que suscita mais perplexidade pela sua morfologia equívoca é a denominada “concordância” do juiz.
Efetivamente, como refere Roxin, os atos do juiz podem-se agrupar segundo a forma (sentenças ou despachos) e segundo o seu conteúdo, distinguindo-se entre aqueles que põem fim ao processo e aqueles que possibilitam a sua continuação. Os atos do juiz reconduzem-se, assim, a uma de duas tipologias diferentes:- por um lado os atos que visam a ordenação, e impulso processual, e, por outro, os atos que visam a finalização do processo. Os primeiros visam a ordem do processo, adequando a tramitação do procedimento à lei adjetiva, e os segundos visam a resolução da questão substantiva, ou seja, o terminus da relação processual.
Assumam uma, ou outra natureza, os atos judiciais, para revestirem a natureza de um ato decisório, devem ter por finalidade ou o conhecimento, a final, do objeto do processo, ou a sua finalização, ainda que sem tomar conhecimento do respetivo objeto. No caso da denominada “concordância” do Juiz de instrução, e excluída a possibilidade de assumir a integração categorial de despacho interlocutório, poderá afirmar-se que a mesma se define como ato decisório? […] a questão a equacionar no caso vertente é somente a de saber se a denominada “concordância” do Juiz de Instrução é uma decisão que põe fim à relação processual penal, podendo subsumir-se no conceito de ato decisório, nos termos e para os efeitos do citado artigo 97º do CPP. A resposta é, quanto a nós, manifestamente negativa, pois que o instituto da “concordância” judicial surge como um mero pressuposto da determinação do Ministério Público, essa sim sinalizando o fim daquela relação processual penal.
Como refere Anabela Rodrigues[4] a verdadeira decisão de suspensão compete ao Ministério Público. Mais adianta a mesma autora que a concordância do juiz é, assim uma mera formalidade essencial, embora de conformação (validade) daquela decisão (do Ministério Público) prevista pelo legislador em nome da ideia que fundamenta o instituto. Não se trata assim de uma decisão de que se possa recorrer. É certo que, em termos formais-categoriais, a não concordância do juiz assume a forma de um “despacho” mas, em termos materiais, não é um ato decisório que assuma aquela força. Tratando-se, como se trata, de um controle da legalidade, nenhuma razão há para intervir -não faria sentido- uma 2ª instância quanto a essa fiscalização. Entendemos, assim, que o despacho judicial que consubstancia a denominada “concordância” do juiz na suspensão provisória do processo é um ato processual de natureza judicial, não decisório, que constitui o pressuposto formal, e substancial, da determinação do Ministério Público de suspensão do processo nos termos do nº1 do artigo 281 do Código de Processo Penal».
Acresce que o nº 6 do artº 281º do Cód. Proc. Penal refere expressamente que a decisão de suspensão não é suscetível de impugnação, o que é uma concessão a exigências de celeridade processual. Assim, excluindo, como se exclui, a hipótese de o normativo se referir ao despacho de “concordância” judicial, é evidente que o seu objeto é a determinação do Ministério Público que suspende o processo. Pressupondo que o legislador se rege por critérios lógicos, e por uma articulação racional do sistema, não se vislumbra como se possa defender que a decisão que conforma o terminus da relação processual não admita impugnação de qualquer tipo e o despacho de “concordância” que é um pressuposto, e premissa daquela conclusão, já o admita.
Conclui-se, assim, que a atuação do juiz de instrução na suspensão provisória do processo redunda, formalmente, como ato processual, em declaração de concordância ou de não concordância, que não consubstancia, quer pela natureza, quer pela finalidade, ato decisório.
No âmbito do instituto processual da suspensão provisória do processo o juiz de instrução não profere decisão.
Inexistindo decisão, não pode haver recurso.
A declaração de concordância ou não concordância do juiz de instrução na suspensão provisória do processo é pois irrecorrível, como se depreende dos artºs 399º e 400º do CPP.
E não se diga, como pretende o reclamante, que tal entendimento viola o direito ao recurso por parte do arguido ou do assistente, constituindo ainda uma limitação injustificada à defesa da legalidade por parte do Mº Público, no exercício das suas competências processuais penais.
É que, por um lado, a lei só prevê a possibilidade de impugnação por via de recurso de atos (judiciais) decisórios, o que, como vimos, não é o caso.
Por outro lado, como tem acentuado o Tribunal Constitucional em diversos arestos, designadamente no Ac. nº 50/2010 de 03.02.2010[5] “o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões. […] O legislador ordinário terá, pois, de assegurar o recurso das decisões penais condenatórias e ainda, segundo certo entendimento, de quaisquer decisões que tenham como efeito afetar direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos. Quanto aos restantes casos, goza de ampla margem de manobra na conformação concreta do direito ao recurso, desde que não suprima em globo a faculdade de recorrer.”
A circunstância de o legislador prever situações em que não é admissível recurso cabe, portanto, nessa margem de liberdade, constitucionalmente reconhecida, razão por que o entendimento que vimos seguindo não padece da inconstitucionalidade invocada.
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Pelo exposto, indefere-se a reclamação.
Sem tributação.
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Porto, 08 de Janeiro de 2016
Eduarda Maria de Pinto e Lobo
(Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto)
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[1] In Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1994, pág. 19.
[2] Publicado no DR, I Série de 24.12.2009.
[3] Trata-se de lapso manifesto, já que é o artº 399º do CPP que tem esta redação e não o artº 359º.
[4] In A relevância politico criminal da suspensão provisória do processo, pág. 218.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
Decisão Texto Integral: