Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2675/23.3T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: CONDOMÍNIO
CITAÇÃO
CITAÇÃO DO CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
Nº do Documento: RP20232675/23.3T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A citação ou notificação do condomínio tem de ser efetuada na pessoa do seu administrador;
Tendo a notificação do requerimento de injunção sido efetuada nos termos do artigo 246º do CPC, em cartas dirigidas para a morada do “condomínio”, há falta de notificação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2675/23.3T8PRT-A.P1

Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto

Por apenso à execução que A..., LDA, lhe moveu, veio o executado CONDOMÍNIO SITO NA Rua ..., apresentar os presentes embargos de executado, que correm termos no Juízo de Execução do Porto - Juiz 3, sob o n.º 2675/23.3T8PRT-A.P1, pedindo a procedência dos embargos e a consequente a extinção da execução.
Na petição sustenta, para além do mais, não ter sido citada.
A Embargada notificada, defende ter sido o embargante devidamente citado e pugna pela improcedência dos presentes embargos de executado.
*
Findos os articulados, foi justificada a desnecessidade de realização da audiência prévia e de seguida foi proferido saneador/sentença, que julgou procedente a arguida nulidade da notificação em causa, efetuada em sede do procedimento de injunção, em consequência do que determinou a absolvição do embargante/executado, da instância executiva e, por força da mesma, determinou a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.

A Embargada/ Exequente apelou e terminou as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A ora Apelante instaurou execução para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo o Requerimento de Injunção que correu termos no Balcão Nacional de Injunções com o processo nº 70477/22.5YIPRT, ao qual foi aposta fórmula executória.
2) Por apenso à execução apresentou o executado (ora recorrido) Condomínio ..., embargos de executado.
3) Na sua petição de embargos de executado alega o recorrido, entre outros factos, não ter sido notificado no âmbito da Injunção, por ter sido remetida a notificação por via postal e depositada em caixa postal que não pertence ao condomínio.
4) Alegando, ainda, que apenas com a citação nos autos de execução tomou conhecimento da Injunção.
5) A ora Recorrente contestou os embargos, pugnando pela improcedência dos mesmos.
6) Alegando, entre outros fundamentos, a Recorrente não ser verdade que o Embargante/Executado não tenha sido validamente notificado no âmbito do Processo de Injunção, que correu termos no Balcão Nacional de Injunções, com o nº 70477/22.5YIPRT.
7) Findos os articulados, foi proferido pelo Meritíssimo Juiz despacho com o seguinte teor: “Dado que o processo já reúne todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito, tal decisão será proferida de imediato, ao abrigo da conjugação do disposto nos arts. 591º, nº, al. d), 593º, nº 1, 595º, nº 1, al. b) e 597º, al. c), todos do C.P.Civil – tendo ainda em conta que o valor da causa é inferior a metade da alçada do tribunal da Relação. Na verdade, estando o presente processo munido de todos os elementos que permitem ao tribunal proferir decisão de mérito seria inútil e mesmo violador do princípio da economia processual (vide art.º. 130º, do C.P.Civil) a designação de uma audiência prévia com vista a facultar às partes a decisão final proferida no processo. Assim sendo, ao abrigo dos citados normativos e ainda do dever de gestão processual plasmado no art.º. 6º, do citado código - que, para além do mais, impõe ao juiz o dever de providenciar pelo andamento célere do processo -, dispenso a realização da audiência prévia, sendo proferida de imediato decisão final.”
8) Concluindo o Tribunal “a quo” que “(…) o título dado à execução mostra-se inquinado e despido de força executiva, pelo que terão de ser julgados procedentes os presentes embargos de executado com a consequente absolvição da instância do aqui opoente/executado, por força da verificada nulidade da notificação (…).”
9) Como tal, decide o Douto Tribunal “(…) julgo procedente a arguida nulidade da notificação em causa, efectuada em sede do procedimento de injunção, em consequência do que determino a absolvição do aqui embargante/executado, da instância executiva e, por força da mesma, determino a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.”
10) Visa o presente recurso demonstrar o demérito da referida sentença proferida pelo Douto Tribunal recorrido, ao julgar procedente os embargos de executado apresentados pelo Condomínio ...”, julgando “procedente a arguida nulidade da notificação em causa, efectuada em sede do procedimento de injunção”.
11) Da análise dos elementos fornecidos pelo processo impõe-se decisão diversa.

A) DA OBRIGATORIEDADE DA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA PRÉVIA:

12) Entendeu o Douto Tribunal “a quo” reunir o processo todos os elementos necessários para que fosse proferida decisão de mérito.
13) Considerando, ainda, e sem qualquer outra diligência, despacho ou notificação às partes, de dispensar a realização da audiência prévia.
14) Ora, a regra da obrigatoriedade da realização da audiência prévia apenas poderá ser afastada quando as especificidades da causa assim o justifiquem, ao abrigo dos deveres de gestão processual e adequação formal, “(…) desde que, para além do indispensável contraditório sobre as questões de direito ou de facto a apreciar no saneador-sentença, as partes se possam previamente pronunciar sobre a conveniência duma diferente tramitação processual, manifestando a sua concordância de forma expressa ou tácita (pela não oposição) à dispensa de
audiência prévia.” (Acórdão Tribunal Relação Lisboa, 26-05-2022, Processo 15919/16.9T8LSB-B.L1-2).
15) Analisados os autos verifica-se não terem sido as partes notificadas para se pronunciar quanto à possibilidade de não realização da audiência prévia.
16) Assim, sendo essa uma imposição legal, a sua omissão constitui irregularidade que influi na decisão da causa.
17) A referida nulidade processual, determina a anulação do douto despacho-sentença,
nos termos do disposto no artigo 195º, nº 1 do CPC.

B) DA NULIDADE DA SENTENÇA POR CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO PROFERIDA:

17) Entende o ora Recorrente que, salvo melhor opinião a Douta sentença ora recorrida enferma de nulidade da alínea c) do nº 1do artigo 615º do Código do Processo Civil, uma vez que existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão proferida.
18) Entende o Meritíssimo Juiz que “(…) não tendo sido observadas as formalidades prescritas na lei, a notificação do requerimento de injunção foi nula.”
19) Concluindo o Douto Tribunal ora recorrido “(…) o título dado à execução é despido de força executiva na medida em que o mesmo pressupõe um correto exercício do contraditório, tendo o requerido, em sede de injunção, a plena oportunidade para deduzir oposição à injunção apresentada. Não tendo sucedido tal situação no procedimento de injunção em apreço, o título dado à execução mostra-se inquinado e despido de força executiva, pelo que terão de ser julgados procedentes os presentes embargos de executado com a consequente absolvição da instância do aqui opoente/executado, por força da verificada nulidade da notificação (sendo aplicáveis às notificações o regime previsto para as citações).”
20) Assim, decidiu o Tribunal a quo “julgo procedente a arguida nulidade da notificação em causa, efectuada em sede do procedimento de injunção, em consequência do que determino a absolvição do aqui embargante/executado, da instância executiva e, por força da mesma, determino a extinção da execução de que estes autos constituem um apenso.”
21) No entanto, e salvo melhor opinião, da interpretação e aplicação da Lei resulta decisão diferente da proferida pelo Douto Tribunal.
22) Não é verdade que o Embargante não tenha sido validamente notificado no âmbito do Processo de Injunção, que correu termos no Balcão Nacional de Injunções, com o nº 70477/22.5YIPRT.
23) Pois que, no âmbito do referido processo, após a entrada do Requerimento de Injunção, foi remetida notificação ao Condomínio ...”, para a sua morada – Rua ..., ... Porto, por carta registada com aviso de recepção (artigo 12º, nº 1 do DL 269/98, de 1 de Setembro).
24) Perante a devolução da referida carta, em cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 12º do DL 269/98, foram feitas as necessárias consultas às bases de dados pela Secretaria do Balcão Nacional de Injunções, tendo resultado como (única) morada do Condomínio ...” a já indicada no Requerimento de Injunção, e para a qual havia sido remetida a anterior notificação por carta registada com aviso de recepção.
25) Como tal, de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 12º do supra referido diploma legal, foi enviada notificação postal através de carta com registo simples.
26) Aquela carta foi devidamente depositada no recetáculo postal a 30/09/2022.
27) Alega o Embargante que a caixa postal na qual foi depositada a carta não pertence ao Condomínio ....
28) No entanto, diga-se que, a morada indicada pelo requerente no Requerimento de Injunção, que também resulta da consulta à base dados efectuada no âmbito referido processo, e para a qual foi remetida a notificação, é a que consta da Procuração Forense agora junta pelo Embargante - Rua ... Porto.
29) Assim, a notificação no âmbito do processo de Injunção foi efectuada em observância de todos os formalismos legais exigíveis.
30) Não é exigível a um qualquer credor de um Condomínio que saiba quem, à data em que age judicialmente contra o mesmo, é a sua administração de condomínio.
31) Não têm os credores obrigação de saber quem é a administração de condomínio, que poderá ser alterada em qualquer momento por decisão dos seus condóminos.
32) Não existe base de dados que seja possível consultar para verificação de quem é administração de um certo condomínio e sua morada.
33) O não conhecimento do teor da notificação remetida no âmbito do processo de Injunção ao Embargante apenas a si é imputado, não sendo de forma alguma responsabilidade do Embargado.
34) Preenchido o formulário do Requerimento de Injunção e enviado o mesmo via Citius ao Balcão Nacional de Injunções, não tem o Requerente qualquer outra intervenção nos actos subsequentes, designadamente nas diligências desenvolvidas por aquela entidade com vista à notificação do Requerido.
35) Todas as diligências de notificação do Requerido são da única e exclusiva responsabilidade do Balcão Nacional de Injunções.
36) Sendo certo que, ficou perfeitamente demonstrado e assente que o Requerente (ora Alegante) não indicou no Requerimento de Injunção morada incorrecta ou incompleta do requerido.
37) Assim, a notificação efectuada ao Embargante no âmbito da Injunção é válida e eficaz.
38) Não existindo violação de qualquer disposição legal quer na notificação, quer no demais processado no âmbito do Processo de Injunção.
39) Pelo que, foi devidamente formado o título executivo que serve de base à execução a que os presentes embargos de executado são apenso.
40) Por outro lado, ao considerar como inexistente o título executivo, a sentença ora recorrida põe em dúvida se valerá a pena recorrer ao procedimento de Injunção… ou até mesmo à Justiça…
41) Qual a certeza que teremos no futuro que um outro qualquer Requerimento de Injunção ao qual foi aposta formula executória valerá efectivamente como título executivo?!
42) Um qualquer credor, que não conseguiu que lhe fosse pago o valor em dívida extrajudicialmente, recorre a um procedimento legal, perfeitamente regulado e definido na Lei, vê aposta fórmula executória no Requerimento de Injunção e decide (por que a Lei assim o permite e prevê) prosseguir para a cobrança do valor em questão através da competente execução para pagamento de quantia certa.
43) Pagou a taxa de justiça devida na apresentação da Injunção, posteriormente paga na execução e, ainda, a provisão ao Agente de Execução.
44) Mas depois, alega o Requerido (sem prova…) que não foi notificado na Injunção e decide o Tribunal que, afinal, não existe título executivo…
45) Mas então e a confiança que se pretende exista na Justiça?!
46) A confiança, certeza e segurança na Justiça é um princípio basilar da nossa sociedade!
47) Entende, assim, e salvo melhor opinião, a ora Recorrente que os fundamentos da douta sentença estão em oposição clara com a decisão proferida.
48) Por outro lado, considerando o antes exposto e o previsto no Decreto Lei 269/98, de 1 de Setembro, designadamente o seu artigo 12º, padece também a Douta Sentença, salvo melhor opinião, de uma errada interpretação do disposto no referido normativo legal.
49) Assim, a Douta sentença ora recorrida é nula, porquanto viola o disposto no Decreto Lei 269/98, de 1 de Setembro, designadamente o seu artigo 12º, enfermando da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º C.P.C.”

O Apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Fundamentação
As questões a decidir são as seguintes:
Se se verifica nulidade processual, referente à não realização da audiência prévia;
Se há nulidade da sentença, por contradição entre os fundamentos e a decisão;
Se houve ou não nulidade de notificação do requerimento de injunção.

A factualidade julgada provada na decisão recorrida foi a seguinte:
“1. A exequente apresentou à execução o requerimento de injunção com o nº 70477/22.5YIPRT, do qual consta, para além do mais, no seu canto superior direito o seguinte: “Este documento tem força executiva Porto, 28-10-2022. O Secretário de Justiça” (documento junto com o requerimento executivo nos autos de execução de que estes constituem um apenso, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).
2. Nesse requerimento de injunção a aqui exequente assinalou não existir domicílio convencionado.
3. Foi enviada notificação com AR do requerimento de injunção na morada constante do documento supra referido em 1. (Rua ... Porto, ... Porto), que veio devolvida com a referência “RPD interno”.
4. Foram realizadas pesquisas nas bases de dados referente ao ISS e pesquisa por
NIPC, tendo posteriormente sido depositada a carta no recetáculo postal em causa da morada referida em 1.”

I – Nulidade processual- relativa à dispensa e não realização da audiência prévia.

Nos termos do artigo 597º do CPC nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, o juiz não tem o dever de designar audiência prévia e consequentemente não está obrigado a dispensar a sua realização.

No caso, a Sr.ª Juíza a quo justificou a dispensa da realização da audiência prévia e de seguida proferiu a decisão recorrida.

No entanto, estando perante ação com valor inferior a metade da alçada da Relação (o valor da causa está definitivamente fixado em € 5.669,73), a Sr.ª Juíza não tinha sequer de fundamentar a dispensa de realização da audiência prévia.

Assim, ao contrário do que sustenta a Apelante não foi omitido qualquer ato ou formalidade que a lei prescreva, por não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre a não realização da audiência prévia.

Quanto à não realização da audiência prévia, como se referiu, o Tribunal Recorrido apesar de ir proferir saneador/ sentença não estava nos termos do artigo 597º do CPC obrigado a convocá-la.
A não convocação da audiência prévia, apenas se justificava, nos termos do artigo 3º n.º 3 do CPC, se o tribunal fosse proferir decisão sobre questão nova, sobre a qual as partes ou, no caso, concretamente a embargada, ainda não se tivesse pronunciado.
Ora, a questão de a embargante ter ou não sido devidamente citada do requerimento de injunção era um dos fundamentos dos embargos, tendo a Embargada oportunidade de se pronunciar sobre essa questão, como fez, na sua contestação.

Não foi, pois preterida qualquer formalidade legal, por não ter sido realizada audiência prévia e, consequentemente, não ocorreu qualquer nulidade processual.

II – Nulidade da sentença, por alegada contradição entre a fundamentação e a decisão.

Para tanto, se bem compreendemos as suas alegações e conclusões, defende que por ter sido julgado provado que foi depositada a carta no recetáculo postal correspondente à morada do Executado, há contradição entre esta factualidade e a decisão, ao julgar nula a notificação do Executado/Embargante em sede de procedimento de injunção.

A contradição entre os fundamentos e a decisão, repetidamente arguida, é um vício que apenas ocorre quando a fundamentação da sentença segue uma determinada linha de raciocínio, apontando numa determinada conclusão e depois, decide em sentido oposto ou divergente (cf. neste sentido Lebre de Freitas e outros CPC Anotado, 2001, vol. 2º, pág. 670 e Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, vol. I, pág. 737 e 738).
Ora, no caso, não existe qualquer incompatibilidade entre a fundamentação e a decisão.
A decisão recorrida argumentou logicamente, apesar da factualidade julgada provada, acima transcrita, designadamente ter sido depositada a carta no recetáculo postal correspondente à morada do Executado, que a notificação foi feita com preterição de formalismos legais, ou seja, a fundamentação não contradiz a decisão.
Este vício não pode confundir-se com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou com o erro na interpretação desta.
Ora, das conclusões acima transcritas o que se concluiu é que o Apelante sustenta é que a decisão recorrida contraria normas jurídicas, mas essa questão nada tem a ver com o arguido vicio, da contradição entre os fundamentos e a decisão.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença.

III – Se há ou não nulidade da notificação do Requerido/ Embargante no procedimento de injunção.
A decisão recorrida apresenta sobre esta questão a seguinte fundamentação:

“A embargante veio invocar a nulidade da citação que foi efetuada no âmbito do processo de injunção, o que pode constituir fundamento da oposição à execução, nos termos do artigo 14.º-A, n.º 2, al. b), do DL 269/98, de 1 de setembro, na redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09.
Aqui chegados urge apreciar, em primeira linha, da nulidade de citação da embargante em sede do procedimento de injunção dado não ter havido domicílio convencionado no contrato celebrado com a exequente.
De acordo com o disposto no nº 1 do art.º. 1º desse diploma legal, nos contratos reduzidos a escrito, susceptíveis de desencadear o procedimento de injunção, podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeito de realização da citação ou notificação, em caso de litígio, sendo aplicável o regime art.º. 12º-A, do Anexo ao D.L. nº 269/98, de 1-09.
Contudo, tal como resultou assente, no contrato em apreço (aludido no requerimento de injunção em causa) não existiu domicílio convencionado entre a credora originária e o embargante.
Nos termos do artigo 1437, n.º 1, do Código Civil, “O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.
Neste caso, a citação foi considerada realizada por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando para a sua sede inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas no RNPC (arts. 228º, nº 1 e 246º, nº 1).
Como estipula o nº 4 do art. 246º, devolvido o expediente por motivo que não seja a recusa de assinatura do AR ou do recebimento da carta, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção à citanda e advertindo-a da cominação constante do nº 2 do art. 230º (a citação considera-se efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter deixado aviso, no 8º dia posterior a essa data, presumindo-se que o destinatário teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados), observando-se o disposto no nº 5 do art. 229º (é deixada a própria carta, de modelo oficial, contendo cópia de todos os elementos referidos no art. 227º, devendo o distribuidor do serviço postal certificar a data e o local exacto em que depositou o expediente e remeter de imediato certidão ao tribunal, ou não sendo possível o depósito da carta na caixa de correio do citando, o distribuidor deixa aviso nos termos do nº 5 do art. 228º).
Contudo, o n.º 5 do art. 246 estipula: “O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas colectivas não seja obrigatório”.
Por outro lado, do DL n.º 129/98, de 13 de maio, que regulamenta o Registo
Nacional de Pessoas Colectivas, concretamente do seu art. 4º, não decorre que a inscrição dos “Condomínios”, seja obrigatório no Ficheiro Central de Pessoas Colectivas (FCPC).
Entendemos, na esteira do Acórdão da Relação do Porto datado de 27-9-2018 que aqui se segue, que o condomínio não integra a previsão de nenhuma das alíneas do n.º 1 mas antes o n.º 2 al. a), 2ª parte, do transcrito artigo, por isso, não é obrigatória a inscrição do condomínio no Registo Nacional de Pessoas Colectivas. A sua inscrição é facultativa e efectuada como "entidade equiparada a pessoa colectiva".
Por outro lado, perante as normas do CC e CPC que regulam o regime de propriedade horizontal, entendemos que no nosso ordenamento jurídico o condomínio não pode ser considerado uma pessoa colectiva, não sendo aplicável ao condomínio o regime do art. 246º do CPC.
Temos, pois, de concluir, que o condomínio em causa não se encontrava regularmente citado, uma vez que não foi tentada sequer a citação do condomínio na pessoa do seu administrador.
Assim, não tendo sido observadas as formalidades prescritas na lei, a notificação do requerimento de injunção foi nula.
Daqui resulta, por força do disposto no art. 191º, nº 1, do C.P.Civil, que a citação (ou melhor, notificação a que se aplicam as regras da citação) realizada, sem observância das formalidades legais, é nula.”

Em síntese a decisão recorrida considerou que tendo o Embargante/Condomínio sido notificado do requerimento de injunção, nos termos do artigo 246º do CPC, no regime das pessoas coletivas, tinham sido preteridas formalidades prescritas na lei, por não haver fundamento legal para considerar o condomínio pessoas coletiva.
Por outro lado, considerou que quem ter sido notificado era o administrador do condomínio.

A Apelante argumenta como estes dois fundamentos carecessem de fundamento legal.

Relativamente ao primeiro, a decisão recorrida, seguiu a posição defendida no acórdão de 27.09.2018, proferido na apelação n.º 9970/17.9T8PRT-B.P1, relatado pelo aqui relator, que quanto à questão do condomínio não ser considerado uma pessoa coletiva e não ser obrigatória a sua inscrição no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, adianta a seguinte fundamentação:
“a questão que, no caso, se coloca é a de saber se o condomínio pode ser considerado para efeitos legais, designadamente de citação, como pessoa coletiva, aplicando-lhe o regime do citado artigo, como decidiu o despacho recorrido e pretende a Exequente.
Ora, desde logo, o n.º 5 do art. 246 estipula: “O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica às citandas cuja inscrição no ficheiro central de pessoas coletivas não seja obrigatório.
Por outro lado, do DL n.º 129/98, de 13 de maio, que regulamenta o Registo Nacional de Pessoas Colectivas, concretamente do seu art. 4º, não decorre que a inscrição dos “Condomínios”, seja obrigatório no Ficheiro Central de Pessoas Coletivas (FCPC).
Esse art. 4º do DL n.º 129/98, dispõe:
1 - O FCPC integra informação relativa a:
a) Associações, fundações, sociedades civis e comerciais, cooperativas, empresas públicas, agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, bem como quaisquer outros entes colectivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que habitualmente exerçam actividade em Portugal;
b) Representações de pessoas colectivas internacionais ou de direito estrangeiro que habitualmente exerçam actividade em Portugal;
c) Entidades a que a lei confira personalidade jurídica após o respectivo processo de formação, entre o momento em que tiverem iniciado esse processo e aquele em que o houverem terminado;
d) Entidades que, prosseguindo objectivos próprios e actividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica;
e) Organismos e serviços da Administração Pública, não personalizados, que constituam uma unidade organizativa e funcional;
f) Estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada;
g) Comerciantes individuais;
h) Empresários individuais que exerçam actividade económica legalmente não qualificada como profissão liberal e usem firma diferente do seu nome completo ou abreviado;
i) Instrumentos de gestão fiduciária e sucursais financeiras exteriores registados na Zona Franca da Madeira.
2 - O FCPC pode ainda incluir informação:
a) De quaisquer sujeitos passivos da relação jurídica tributária não abrangidos pelo número fiscal de pessoa singular, enquanto tal for necessário para efeitos fiscais, incluindo de fundos fiduciários e de outros centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica com uma estrutura ou funções similares que não se encontrem integrados no FCPC nos termos do número anterior;
b) De qualquer outra entidade sujeita à obrigação de declaração do beneficiário efetivo, nos termos da lei.”

Entendemos, que o condomínio não integra a previsão de nenhuma das alíneas do n.º 1 mas antes o n.º 2 al. a), 2ª parte, do transcrito artigo, por isso, não é obrigatória a inscrição do condomínio no Registo Nacional de Pessoas Coletivas. A sua inscrição é facultativa e efectuada como "entidade equiparada a pessoa coletiva".
Por outro lado, perante as normas do CC e CPC que regulam o regime de propriedade horizontal, entendemos que no nosso ordenamento jurídico o condomínio não pode ser considerado uma pessoa coletiva.
O condomínio não tem personalidade jurídica. Trata-se de uma situação em que um prédio materialmente indiviso ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre frações determinadas (cf. neste sentido Henrique Mesquita, Direitos Reais, pág. 281).
Nos termos do art. 1430.º do Código Civil a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador. (…)
Por força do disposto no art. 12.º al. e) do CPC, o condomínio resultante de propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes de administração têm personalidade judiciária, isto é, é susceptível de ser parte e tem também capacidade judiciária (cf. art.º 15 do CPC e art.º 1437 do CC), mas quem deve estar em juízo é o administrador na sua qualidade de órgão executivo da assembleia de condóminos.(…)
Por outro lado, o condomínio ao contrário do que ocorre com as pessoas colectivas, não tem património próprio, integrando-se as frações e partes comuns no património dos condóminos e não tem obrigações que são atribuídas aos condóminos ( cf. neste sentido Menezes Leitão, Direitos Reais, pág. 353, que refere ainda “ nem as contribuições dos condóminos nem o fundo comum de reserva, instituído pelo art. 4º do DL 268/94, de 25.10, constituem receitas próprias do condomínio, sendo antes pagamento de despesas comuns).
No mesmo sentido, Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 4.ª ed., pág. 208, citando Carvalho Fernandes, em Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, pág. 538, escreve: “O instituto da propriedade horizontal encerra um modelo de técnica jurídica de tratamento de interesses colectivos, sem recurso à criação duma pessoa jurídica de ficção, atribuindo-se a determinados órgãos do coletivo para assegurar a realização de direitos e a satisfação de vinculações de grupo.
Se um condomínio não tem “profissão”, por não visar a prossecução de um objetivo económico, político, social, filantrópico ou recreativo pelo que não pode ser equiparado às pessoas coletivas (...)”.

Em suma, não tendo o condomínio património próprio, nem obrigações, que são atribuídas aos condóminos, não visando a prossecução de um objetivo social ou económico autónomo relativamente aos condóminos e não tendo personalidade jurídica, não pode ser considerado uma pessoa coletiva, não havendo fundamento para lhe ser aplicável o regime dos nºs 1 a 4 do art.º. 246 do CPC.”

Assim, como decidiu a sentença recorrida não sendo aplicável ao condomínio o regime do art.º. 246.º do CPC, temos de concluir que o Embargante não foi validamente notificado do requerimento de injunção.

É, assim, irrelevante estar provado que depois de ter sido enviada notificação com AR do requerimento de injunção para a Rua ... Porto, ... Porto (indicada nesse como morada do requerido , que veio devolvida com a referência “RPD interno” e que após a realização da pesquisas nas bases de dados referente ao ISS e por NIPC, ter posteriormente sido depositada a carta no recetáculo postal da referida morada.
Como se referiu esse é o regime de citação das pessoas coletivas não aplicáveis ao condomínio.

No entanto, independentemente da questão da natureza jurídica do condomínio, no caso, a citação não se pode considerar ter sido validamente realizada.

O artigo 223º n.º 1 do CPC dispõe que o condomínio é citado na pessoa do seu legal representante.
Por outro lado, o artigo 1437ºn.º 1 do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 8/20222, de 10.01, dispõe: “O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele”.

Destes normativos resulta que o condomínio tem de ser citado ou notificado do requerimento de injunção, na pessoa do administrador, sendo este que o representa em juízo.

Assim como decidiu o acórdão de 17.03.2022 do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 142/21.9T8VIS.C1, relatora Maria João Cardoso, “I. O condomínio deve ser citado na pessoa do seu administrador, seu legal representante (…) II - Tendo sido citado com o envio de uma primeira carta, devolvida, e uma segunda, por depósito, dirigida à sua morada, há falta de citação do condomínio.”
Na fundamentação, acrescenta “Não tendo sido enviada qualquer carta para citação do condomínio, na pessoa do seu administrador, a citação do condomínio tem de ter-se por inexistente- a pessoa na qual deveria ter-se efetuada a citação, não o foi.”
No mesmo sentido, acórdão de 28.09.2021, do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.ºT8LSB.L1-7, relatora Isabel Salgado, com o sumário: “1. O condomínio enquanto centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos não sendo dotado de personalidade jurídica, carece para atuar em juízo de estar representado pelo administrador, tal como decorre do estabelecido no artigo 26º do Código de Processo Civil, em conjugação com o artigo 1437º, do Código Civil. (…) 3. Por seu turno, dispondo o artigo 223º, nº1, do Código de Processo Civil que o condomínio é citado ou notificado na pessoa dos seus representantes legais, significa que a citação do condomínio deverá ser-lhe dirigida, com a indicação- referência do seu administrador e, a carta expedida para o local onde normalmente funciona a administração.”
Assim, tendo a notificação do requerimento de injunção sido efetuada nos termos do artigo 246º do CPC, em cartas dirigidas para a morada/sede do condomínio (prédio constituído em regime de propriedade horizontal) e não para o seu administrador, há falta de notificação.

O Apelante argumenta que não é exigível a um qualquer credor de um Condomínio que à data em que age judicialmente contra o mesmo, saiba quem é a administração de condomínio, que poderá ser alterada em qualquer momento por decisão dos seus condóminos.
No entanto, essa argumentação não tem qualquer relevância jurídica, nem sequer tem fundamento do ponto de vista da realidade. Estando perante um procedimento de injunção que tem por causa de pedir um contrato celebrado com o Requerido/Condomínio, o alegado credor tem de ter conhecimento do administrador com quem celebrou o contrato e caso tenha havido alteração da administração sobre ele recai o dever de recolher informação sobre essa alteração, designadamente junto a algum dos condóminos.
O Embargado defende ainda que não são da sua responsabilidade as diligências desenvolvidas com vista à notificação do requerimento de injunção, que são da única e exclusiva responsabilidade do Balcão Nacional de Injunções. Sustenta ainda que não pode ser penalizado e que a decisão recorrida põe em causa a confiança, certeza e segurança na Justiça.
Esta argumentação do Apelante é também inconsequente. Desde logo, por ser também responsável por não terem sido cumpridas as formalidades legais na notificação do condomínio, por não ter indicado, como devia, a identificação e morada do administrador do condomínio.
Por outro lado, mesmo aceitando que a secretaria do Balcão Nacional de Injunções devia ter considerado frustrada a notificação do requerido e seguir a tramitação prevista no artigo 13º- A do DL n.º 269/98, em vez de ter aposto formula executória ao requerimento, o requerido não pode ser prejudicado no seu direito de defesa (cf. artigo 157º n.º 6 do CPC).
O Apelante não pode pretender que os Tribunais atendam apenas aos direitos dos demandantes.
Como é pacifico, o direito de defesa e integra ao mesmo nível que o direito de ação, o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art.º. 20º da Constituição da República.
Ora, o ato de citação ou equiparado, como no caso da notificação do requerimento de injunção, tem de ser rodeado de especiais cautelas para garantir, o efetivo conhecimento pelo demandando, do processo que contra ele foi instaurado, pois esse efetivo conhecimento é um pressuposto essencial do direito fundamental de defesa.
De resto, o Apelado apesar da procedência dos embargos de executados, não está impedido de numa ação declarativa, com base no contrato que serve de causa de pedir ao requerimento de injunção, conseguir a condenação do Embargante no pagamento das quantias a que tiver direito.
Improcedem, pois, ou são irrelevantes as conclusões apresentadas pela Apelante.
Decisão
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.

Porto, 28.09.2023
Os Juízes Desembargadores
Leonel Serôdio
Ana Luísa Loureiro
Manuela Machado