Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2055/16.7T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: EMPREITADA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
DEFEITO
REPARAÇÃO
Nº do Documento: RP202302072055/16.7T8STS.P1
Data do Acordão: 02/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Num contrato celebrado para a reparação de um veículo automóvel, não sendo aquele que se comprometeu a realizar essa reparação capaz de corrigir os defeitos verificados nesse veículo e, particularmente, os atinentes ao sistema de travagem, depois de várias tentativas nesse sentido, tem o respetivo dono o direito à resolução do contrato.
II - Alegando o dono de tal veículo que já pagou mais do que o valor devido pela reparação concretizada e pretendendo ser reembolsado pelo que pagou em excesso, impõe-se determinar qual o valor concreto dessa reparação, tal como foi feita.
III - Tendo este facto sido alegado, mas não instruído, nem julgado, deve sê-lo, por via da ampliação da matéria de facto, consequente à anulação parcial da sentença, em sede de recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2055/16.7T8STS.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto,

I- Relatório
1- A..., Unipessoal, Ldª, intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma do processo comum, contra AA, alegando, em breve síntese, que este último, que é profissional de reparação de veículos automóveis, procedeu à reparação da sua viatura de matrícula GB-..-.., mas fê-lo de forma defeituosa e sem observância do orçamento entre ambos acordado, como explica detalhadamente.
Como tal, pretende não só a redução do preço a pagar por esse serviço, com a consequente devolução do valor que já lhe pagou em excesso, como pretende ser indemnizada por todos os prejuízos que suportou em consequência de tal incumprimento do contrato.
Mais concretamente, pede a redução do valor do custo da reparação do citado veículo para o montante de 3.844,22€, devendo, por conseguinte, o R. restituir-lhe o montante de 2.655,78€, a que acresce o valor depositado à ordem do tribunal, a título de caução; como pede igualmente que o R. seja condenado a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) 93,48€, referentes à despesa suportada pela A. pelos serviços da agente de execução para entrega do veículo no dia 26/02/2016;
b) 73,80€, referentes à despesa do reboque no dia 26/02/2016 para transporte de ... para o Porto;
c) 30,54€, referentes ao valor para a realização da inspeção periódica;
d) 167,82€, referentes às despesas suportadas pela A. para reparação dos travões do veículo automóvel;
e) 30,54€, referentes ao valor para a realização da inspeção periódica;
f) 1.643,90€, referentes ao valor despendido pela A. para a realização do transporte no período compreendido de setembro de 2015 a 21/01/2016;
g) 13.819,59€, a título de indemnização pela privação do uso do veículo no período de 22/01/2012 a 29/04/2016;
h) 87,00€, referente ao valor despendido para a realização de transportes no período compreendido entre a entrega da viatura e a entrada da presente ação em juízo.
2- Contestou o R. rejeitando este pedido, uma vez que todo o trabalho desenvolvido o foi em concordância com a pessoa que o contactou para fazer a aludida reparação.
Assim, diz ser ainda credor da A. no montante de 5.599,19€, que, com os respetivos juros moratórios, pede, em sede reconvencional, que lhe sejam pagos por aquela.
3- A A. respondeu, impugnando os factos alegados em sede reconvencional e pedindo a improcedência do que aí é pedido.
4- Terminada a fase dos articulados, foi realizada a audiência prévia e nela, além de as partes terem acordado sobre alguns dos factos que devem ser julgados assentes, foi ainda, para além do mais, proferido despacho saneador, fixado o objeto em litígio e enunciados os temas de prova.
5- Finalmente, realizou-se o julgamento, após o qual foi proferida sentença que julgou a presente ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo o R. do pedido, e a reconvenção parcialmente procedente, por provada, condenando a A. a pagar ao R. a quantia de 1.000,00€.
6- Inconformadas com esta sentença, dela recorreram ambas as partes. Todavia, o recurso apresentado pelo R. não foi admitido, por despacho proferido no dia 04/11/2022.
O recurso da A., por sua vez, termina com as seguintes conclusões:
“A. Recorrente não se pode resignar com a douta decisão recorrida, visto que, no seu humilde entendimento, a interpretação feita pelo tribunal a quo da matéria de facto e de direito com significância para a decisão, se reputa como incorreta, como superiormente, na motivação melhor se concretizou;
B. A factualidade dada como provada pelo tribunal a quo mostra-se manifestamente desajustada, mesmo contraditória e fez vista grossa às questões principais alegadas pelas partes, ao relatório pericial (complemento) e seus esclarecimentos, aos documentos juntos com a petição inicial (n.º 12, 13 e 14), bem como as declarações de parte, do depoimento de parte e as declarações das testemunhas prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento;
C. Entende, assim, a Recorrente, que a douta decisão espelha uma rude violação da lei substantiva e da lei adjetiva de normas instituídas pelo nosso ordenamento jurídico;
D. Entende-se, também, que houve manifesto erro de julgamento, - error in judicando - na modalidade de error facti, já que, se verifica uma flagrante distorção da realidade factual de tal sorte, que o decidido não corresponde à realidade;
E. Deste modo, a decisão recorrida, objeto do presente Recurso, não pode manter-se, pois, por um lado, dever-se-ão alterar os factos provados e não provados como supra melhor se discriminou, e por outro lado, é a douta a Sentença nula de acordo com o superiormente exposto, tendo violado os seguintes normativos legais: artigos 1207.º, 939.º, 1222.º, n.º 1 e 2 e 884.º todos do Cód. Civil, assim como, o disposto nos artigos 283.º, 452.º; al. c) e d) do n.1 do artigo 615.º, todos do Cód. Proc. Civil;
Assim,
F. QUANTO À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA, por se considerar ocioso e inútil transcrever, dão-se aqui por integralmente reproduzidos todos os factos dados como provados e não provados.
G. Mais especificadamente e tendo em vista concretizar os factos assentes na douta Sentença recorrida cuja redação deve ser alterada, atente-se aos seguintes:
H. Quanto aos factos assentes 17 e 18, o sentido dado pela Autora no seu articulado (artigos 19.º a 27.º da PI) encontra-se em sentido oposto a estes dois factos assentes.
I. Foi extrapolando o alegado pela parte, visto que se inverte o sentido dado pela Autora nos artigos em questão, o que faz o Tribunal a quo sem qualquer prova validamente produzida.
J. Da mesma forma que a matéria aditada no facto n.º 18. “Quando se encontrava eliminado o defeito de reparação…” extrapola o alegado pela parte e o sentido dado pela mesma aos factos em questão;
K. Se os travões já funcionassem corretamente (facto 17) e se já se encontrasse eliminado o defeito (facto 18), então não faziam sentido os factos posteriormente assentes sob o n.º 19., 20., 47, que se encontravam a contraditar os primeiros;
L. Se já se encontravam eliminados os denunciados defeitos, mais especificamente com os travões, o Réu não tinha procedido ao levantamento do veículo na oficina Bencar para a sua eliminação como o próprio confessou;
M. Atente-se à transcrição supra realizada do Réu AA (acta do dia 15-04-2021, com início às 09:48:03, com o tempo [00:00:00] a [02:29:06]: que quando questionado [00:31:26] pela Meritíssima Juíza – Pronto, e aqui diz-se que no dia 04/11/2015 o senhor procedeu ao levantamento desta viatura nessa oficina, na B... e levou para a sua oficina?
N. [00:31:38] F – E levei para a minha oficina. [00:32:18] Meritíssima Juíza – Portanto, fizeram o tal diagnóstico então nessa tal oficina? [00:32:22] F – Sim, sim.
O. [00:32:24] Meritíssima Juíza – E havia defeitos a eliminar? [00:32:28] F- Relativamente aos travões.
Ora,
P. Ao suprimir a matéria alegada no articulado, nomeadamente o sentido dado pelo “supostamente”, substituindo-o por a afirmação de “eliminado o defeito da reparação” alterou, por completo, e inverteu-se o sentido do facto alegado pela Recorrente.
Q. Na motivação o Tribunal fundamentou a sua convicção quanto a estes factos (17 e 18) na confissão do Réu.
R. Todavia, a redacção atribuída a estes (novos) factos, encontra-se muito para além da matéria susceptível de confissão, porque apenas beneficiam o próprio Réu. Tendo por esta via a douta Sentença recorrida violado o disposto nos artigos 283.º e seguintes, assim como o disposto no artigo 452.º ambos do Cód. Proc. Civil.
S. Acresce que, foi junta documentação em oposição, mais concretamente os documentos n.º 12 e 13, com a petição inicial onde se discriminam os defeitos do veículo que em 4/01/2016 ainda se mantinham.
T. E ainda, foi decidido este facto em oposição com a perícia colegial realizada ao veículo, que após inspeção mecânica, concluíram os Exmos Peritos que: “Quanto aos travões, a viatura continua a apresentar valores de teste (fig.2) não compatíveis com os mínimos razoáveis para a viatura circular.” (cfr. relatório apresentado em 23/02/2018 – Ref. Citius 17876435).
U. E, em consequência, foi revisto o nível de restauro, chegando à seguinte conclusão:
V. “Os peritos LM e BV consideram que se deve reavaliar o nível do restauro, considerando que o problema da caixa de velocidades e do sistema de abastecimento de combustível estavam englobados na reparação, além do problema nos travões do veículo.” (cfr. esclarecimentos prestados pelos Exmos. Peritos em 4/07/2018, Ref. Citius 19355219).
W. Face ao supra exposto propõe a Recorrente a alteração da redação destes dois factos assentes, devendo passar a ter a seguinte: 17. A Autora voltou a entregar o veículo para eliminação do defeito quanto ao sistema de travagem. E, 18. A Autora entregou o veículo automóvel na oficina “B..., Lda” para a verificação do problema de travagem.
X. Quanto aos factos dados como provados no ponto 52 de a) a co) o mesmo deverá passar, a não provado, atendendo a que como resultou assente sob o n.º 7 o veículo encontrava-se, antes do restauro “com a caixa de carga em bom estado, tal como o chassi, o carro estava completo, com as peças originais, como os vidros, faróis, manómetros, espelhos, etc – artigo 11.º da pi” (…).
Y. A Recorrente não aceitou, “entre outras que tenham sido instaladas peças de mecânica que se concretizam: 1 caixa de direção (carcaça) no valor de € 170,73 (fatura n.º ...); 1 vedante de caixa de velocidades no valor de € 6,42 (fatura n.º ...); 1+1bombites travão da frente no valor € 38,17 (fatura n.º...); 2+2 bombites travão frente no valor de € 50,69 (fatura n.º...); 1 bomba de travão no valor de € 23,27 (fatura n.º...); 1 Bomba de embraiagem € 19,32 (fatura n.º ...); 1 bombite embraiagem € 16,78 (fatura n.º...) e Tubo de borracha de travão € 5,59 (fatura n.º...), o que soma a quantia de € 331, 07 (trezentos e trinta e um euro e sete cêntimos).”
Z. Em consequência, requereu a Recorrente que o Réu procedesse à junção das facturas de aquisição de todos estes componentes, visto que não foram entregues nem mostrados os materiais velhos alegadamente substituídos. O Réu, de uma forma geral não juntou as faturas de aquisição da maioria dos bens alegadamente substituídos;
AA. Mas, na realidade, como superiormente melhor se demonstrou o Réu apresenta faturas de peças no montante de apenas € 620,00 (seiscentos e vinte euros). Sucede que, além de não estar evidenciado nas faturas todo o “material” solicitado, como alegado na petição inicial e faturado pelo Réu, o valor aposto dos materiais é muito superior ao valor cobrado pelos fornecedores.
BB. Acresce que, do teor dos documentos então juntos, verifica-se que parte das peças de mecânica não foram colocadas no veículo, sendo que o seu pagamento foi solicitado à Autora.
CC. Quesitada esta questão no âmbito da perícia realizada, na resposta ao quesito 5., esclareceram inicialmente os Exmos. Peritos que o valor das peças, com base nas faturas apresentadas pelo Réu, é de 620 euros e o valor em peças faturadas à Autora foi de 2.900 euros mais IVA.
DD. Posteriormente, esclareceram os Exmos. Peritos, em 2018-06-26 que, quanto às peças, os peritos * LM, BV e GS, consideram que não é possível relacionar, por vários motivos, desde logo pelo facto de haver várias peças cujas referências são diferentes das referências das faturas. Depois, há peças que não têm sequer qualquer referência.
EE. Mais esclareceram os peritos LM, BV e GS, que no quesito anterior demonstrou-se a dificuldade que existe em fazer qualquer correlação entre peças faturadas e montadas no veículo, princípio este também usado para este quesito. Para além disso o perito BV acrescenta que não foi comprovado pelo Réu a aquisição da maioria das peças debitadas à Autora.
FF. Na motivação o Tribunal fundamentou a sua convicção quanto a este facto 52 nas declarações da testemunha BB e no depoimento do próprio filho do Réu. Por um lado, o Sr. BB referiu que “… é chapeiro e que teve intervenção na montagem e desmontagem do veículo, da parte de chapa … teve intervenção na parte de chapa! (minuto 3.57). Mais referiu, ao minuto 5 e seguintes do seu depoimento, quanto as peças apenas que: meteu borrachas, foras das portas, ferragens, rebites, pára-brisas, oculo de trás, espelho das portas, guarda-lamas, pintura e galvanizar. E Ao minuto 16:47 e seguintes, assegura que “quando é a parte do chassi vai para o mecânico”, mais referiu que “o mecânico foi fora … vai lá e outras vezes foi fora … não tem lá mecânica e por isso tem que ser fora”. Mais assegurou ao minuto 19:06 que: não é mecânico …que não tinha conhecimento a nível de mecânica e do que foi colocado …. Não anda atrás dele!
GG. Quanto ao depoimento do filho do Réu, CC, constante na ata do dia 21-06-2021, às 11:53:28 até às 12:10:54, declarou que tem a profissão de restaurador de automóveis antigos! E, quando questionado sobre as peças constantes no artigo 73.º da contestação, ao minuto 2:00, e seguintes, quando sugerido pelo Mandatário do Réu que o depoente fez a parte de mecânica e o outro funcionário fez a montagem de carroçaria “chapeiro”, o que depoente confirmou esta tese.
HH. Ora, esta declaração é contrária ao afirmado pela testemunha anterior. O próprio BB uns dias antes, de forma verdadeira, declarou que não existia mecânico nas instalações e que o carro ia fora;
II. Nem no depoimento (mal) preparado do filho do Réu este afirmou que era mecânico, mas restaurador de automóveis antigos!
JJ. Tendo, ainda assim, afirmado que: “essas peças foram colocadas no carro”. … “por mim e pelo meu pai”. O que faz de forma vaga, genérica e dizendo sempre que trabalhou em simultâneo no carro com o Pai. Facto não acompanhado no depoimento da testemunha anterior ou pelo depoimento de outra qualquer testemunha.
KK. A realidade é que do depoimento desta testemunha denota-se tudo menos isenção e imparcialidade, até porque aos minutos 16:00, referiu que a oficina é sua “nossa oficina”. O que se compreende por ser filho do Réu, solteiro e a viver na casa que se encontra no piso superior à oficina, onde, note-se, exerce a sua profissão de restaurador de veículos automóveis.
LL. No relatório pericial (de 16 de novembro de 2017 Ref. Citius 16818116) e posterior resposta aos quesitos em falta (23/2/2018 – Ref. Citius 17876435 e 4/7/2018 – Ref. Citius 19355219) foram identificados múltiplos defeitos, nomeadamente, as caves da roda traseira e traseira não foram devidamente decapadas, os rebites e cravos aplicados desvalorizam a viatura, as janelas da frente instaladas não são originais, as grelhas de ventilação encontram-se pintadas na cor da carroçaria; na traseira tem duas faixas com rebites que não deviam existir, o teto / tejadilho tem uma configuração e quantidade de rebites diferentes do modelo original, tendo, posteriormente verificado defeitos ao nível da caixa, travagem, suspensão etc.
MM. Pelo que não se poderá afirmar, nunca, atendendo à prova produzida no processo que todos os componentes e, mais importante, que os serviços constantes neste facto (co) desmontagem, montagem, pintura, zincagem e galvanização – artigo 73.º da contestação) foram prestados e colocados pelo Réu no veículo.
NN. Esta factualidade, aliada às contradições com o depoimento da testemunha BB e ainda à ausência de prova documental necessária, mais especificamente as faturas de aquisição das peças alegadamente montadas, terá, de, forçosamente, determinar a passagem deste facto 52 assente, para não provado, com a redacção constante do mesmo.
OO. QUANTO AO FACTO 53,
PP. Verifica-se que o documento (10), junto com a contestação, não versa sobre múltiplos defeitos, que foram atempadamente denunciados, nomeadamente a questão mecânica. Por estar fora do alcance de parte significativa do objecto em litígio, foi requerida e ordenada a realização de uma perícia colegial.
QQ. O relatório pericial e esclarecimentos foram alegadamente tomados em consideração na douta decisão recorrida, por ser “claro e fundamentado quer na sua fundamentação quer nas suas conclusões”.
RR. A ser assim, como é, a douta decisão quanto a este facto (53) não se funda em qualquer motivação / fundamento válido.
SS. O relatório pericial de 16 de novembro de 2017 (Ref. Citius 16818116) encontrava-se omisso quanto a parte substancial da matéria quesitada.
Concretamente à parte mecânica (2 quesitos), tendo no entanto identificado parte dos denunciados defeitos, nomeadamente: que as caves da roda traseira e traseira não foram devidamente decapadas, etc. e em consequência atribuíram inicialmente a classificação 7 ao restauro, sem que tenham, nesta data verificado as componentes mecânicas, o que apenas posteriormente aconteceu.
TT. Assim, posteriormente, conforme consta do relatório de 23/02/2018 (junto com a ref. Citius 178764735), para resposta aos 2 (dois) quesitos em falta fizeram deslocar o veículo ao centro de inspecções e em resultado identificaram e enumeraram graves deficiências a nível do funcionamento geral do veículo, nomeadamente de segurança. Em consequência, posteriormente em 4/7/2018 (Ref. Citius 19355219) os peritos consideram “que se deve reavaliar o nível do restauro, considerando que o problema da caixa de velocidades e do sistema de abastecimento de combustível estavam englobados na reparação, além do problema nos travões do veículo.” O perito indicado pelo tribunal (LM) defendeu que “… atendendo aos problemas agora verificados, numa escala de “0 a 10”, sendo “0” o estado péssimo, e “10” estado ótimo, se deve atribuir um valor negativo, ou seja, inferior a 5. E, o perito indicado pela Autora (BV) “refere que um correto e dispendioso restauro, conforme o que está em causa, deverá ter uma nota nunca inferior a 8, no entanto as anomalias mecânicas constatadas são graves e obrigam para além da reparação das mesmas a necessidade de uma inspecção global a todos os componentes mecânicos, única forma de se poder garantir as perfeitas condições de restauro que deveriam existir na altura em que o Reu entregou a viatura à Autora. Face ao que antecede a nota terá que ser pelo menos inferior a 4, já com alguma atenuante pelo facto de, em termos estéticos, o restauro ter um nota positiva.
UU. Atente-se que face aos verificados defeitos nem foi possível aos Exmos Peritos avaliar o veículo, referindo unanimemente que: … “não é possível atribuir um valor a um veículo que tem defeitos, pois torna-se demasiado subjetivo que depreciação se deve tomar em linha de conta….”.
VV. Existe um erro clamoroso na decisão da matéria de facto, atendendo à prova produzida em audiência e que foi desconsiderada, nomeadamente o sentido do Relatório Pericial e dos esclarecimentos prestados pelos Exmos Peritos. Assim, face a tudo o supra exposto na redacção do facto 53, deverá passar a avaliação para o nível não superior a 4, propondo-se a seguinte redacção: 53. A qualidade da reparação entre 1 a 10 valores é de 4 valores.
WW. QUANTO AO FACTO 26. Na sequência do supra referido quanto aos factos assentes 52 e 53, que aqui por mera economia processual se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais, importa em aditamento recordar que foram múltiplas as hipóteses dadas pela Autora ao Réu para suprir as deficiências assinaladas no restauro do veículo.
XX. Como prova disso mesmo são as múltiplas deslocações do veículo à oficina do Réu, nomeadamente conforme os factos já assentes sob o número 13, 14, 15, 20, 38 a 47, sem que este conseguisse suprir as irregularidades e defeitos.
YY. Como prova dos defeitos atente-se ao relatório pericial, seu aditamento e esclarecimentos prestados pelos Exmos. Peritos, mais concretamente em 4/7/2018 (Ref. Citius 19355219) que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
ZZ. Assim sendo, a Autora enviou uma carta registada, com aviso de recepção, ao Réu em 4/1/2016, com o seguinte assunto: entrega do veículo com a matrícula GB-..-.., paralisação e imobilização indevida e denúncia dos defeitos.
AAA. Após a descrição de toda a factualidade, constante da própria petição inicial, mais concretamente quanto ao prazo de realização do restauro, condições, preço, avarias e defeitos, tendo no final da carta referido o seguinte:
BBB. Foi dado um prazo admonitório de 3 dias, após a recepção da carta, para o Réu proceder à entrega do veículo, em bom estado de funcionamento, sem os denunciados defeitos (cfr. doc. n.º 12 junto aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido)
CCC. Esta carta foi recebida pelo Réu em 5/1/2016 pelas 16:30h (cfr. documento 13 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais). Como no aludido prazo o Réu não procedeu à entrega do veículo sem defeitos, foi, com justa causa, em 21 de janeiro de 2016, dezasseis dias depois, rescindo o contrato, conforme o documento junto sob o número 14 na petição inicial. Face ao exposto propõe-se a alteração da redacção do facto 26, passando a ter a seguinte: 26. A Autora em 4 de janeiro de 2016 remeteu uma carta registada ao Réu, recebida em 5 de janeiro de 2016 pelo Réu, denunciando os defeitos do veículo, quanto à carroçaria e mecânica, conferindo ao Réu o prazo de 3 dias para a entrega do veículo em bom estado de funcionamento.
DDD. QUANTO AOS FACTOS NÃO PROVADOS, considera a recorrente que os seguintes factos deverão passar a provados, nos seguintes fundamentos:
QUANTO À ALÍNEA A) Este facto dado como não provado, deveria tê-lo sido dado, parcialmente, como provado atendendo, essencialmente, às declarações prestadas por ambas as partes. Atente-se ao Depoimento de parte do Réu AA (Transcrição constante na audiência do dia 15-04-2021, com início às 09:48:03 e fim às 12:17:09, aos minutos 13:30:00 a 13:55) confessou que: “O que foi acordado com o Dr DD foi cerca de 3 meses”, mais referiu que: “nessa data (23/07/2027) queria ir ao Algarve no carro e eu disse que ia fazer os possíveis, porque não gosto de falhar”.
EEE. Transcrições das declarações da Autora na pessoa de DD, constante na audiência do dia 21-05-2021 (minuto 11:20 a 13:17) referiu que: “o prazo de entrega era cerca de 3 meses, não era mais de 3 meses, era cerca de 3 meses e eu tenho a certeza absoluta da data em que tinha que entregar, porque eu há 35 anos que tenho um time share no Algarve, que é perpétuo e por isso que há 35 anos na semana 30 e 31 eu vou lá para baixo, vou sempre para Vilamoura.
FFF. Assim, a Autora e o Réu, na audiência referiram ambos que o prazo de entrega do veículo era de 3 meses, tendo o próprio Réu declarado que “foi acordado o prazo de 3 meses com o Dr. DD”
GGG. Face e esta prova produzida, propõe-se que este facto passe a assente, com a seguinte redacção: a) As partes acordaram como data para a conclusão do serviço e entrega do veículo até 3 meses.
HHH. QUANTO À ALÍNEA D), conforme consta da audiência de julgamento (ata do dia 15/4/2021 – 9:48h a 12:17h) admitiu o Réu, aquando do depoimento de parte prestado, a existência de diferença de tratamento – decapagem, tratamento e pintura – entre a caixa traseira, que apresenta visíveis suidades e restos de tinta antigas, o que não acontece na frente do veículo. (minuto 47:43 e seguintes do depoimento do Réu superiormente transcrito na motivação); Defeitos denunciados, atempadamente, pela Autora, e confirmados pelos Excelentíssimos Peritos no relatório pericial datado de 16/11/2917 Ref, citius 16818116, que em resposta ao quesito 7, da Autora, confirmaram que: “Verificamos que algumas peças, tais como, caves de roda traseiras e traseira não foram devidamente decapadas….”. Facto que vai ao encontro das imagens juntas pela Autora na sua Petição Inicial, cfr documentos n.º 28, 29 e 30 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos legais.
III. Assim como, vai ao encontro do facto dado como provado sob o n.º 39 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. Termos em que, deverá este facto (Al. D) passar para os factos assentes (provados), com a mesma redacção.
JJJ. QUANTO ALÍNEA G) E H). Da conjugação da certidão permanente da sociedade Autora e do documento único do veículo – comercial - conjugado com as declarações prestadas pelo representante da Autora (cfr. acta do dia 21/5/2021 das 14:28 às 16:57) deveria o Tribunal recorrido considerar como provado estes factos.
KKK. Atente-se aos factos assentes sob o n.º 1 e sob o n.º 2 e ainda Às declarações prestadas pelo representante da Autora (ao minuto 8:50 ss): … “que o carro era necessário ajudar nas montagens das casas de alojamento local que estavam em conclusão para abrir. Tendo referido ainda que: era necessário para levar umas “mesinhas e coisinhas assim e depois tínhamos as bicicletas, era no fundo para levar umas bicicletas da ... até à ... e assim era para fazer alguns quilómetros e assim era para trabalhar e não ficar fechado como está há mais de cinco anos. Não era para andar todos os dias, mas não era para fazer de museu, era para trabalhar, conforme as necessidades da empresa nos transportes dos materiais e fazer face às necessidades…
LLL. Mais referiu que: … “e eu disse várias vezes ao Sr. AA que o carro é para trabalhar, não é para ficar em uma garagem até porque nós tínhamos um carro e eu disse-lhe inclusivamente que carro era, um ..., com 5 portas e caixa, que eu vendi, na certeza que este carro ia ficar como novo…”
MMM. Assim sendo, da conjugação destas provas, deverão dar-se como assentes os factos sob a alínea G) e H), com a mesma redacção.
NNN. QUANTO À ALÍNEA J – dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo o superiormente alegado. Assim como a prova superiormente indicada.
OOO. Como referido vendeu a Autora o veículo Jeep ..., tendo tudo investido neste restauro na promessa de o veículo ficaria como novo.
PPP. Na sequência da prova supra indicada, deverá este facto J passar para assente, com a mesma redacção.
QQQ. QUANTO À ALÍNEA I - Na sequência dos factos assentes sob o número 15, 17, 18, 20, 21, 25, 26, 27, 28 e 31 que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os devidos efeitos legais verifica-se que após a data acordada para a conclusão da empreitada, final de julho de 2015, o veículo deslocou-se múltiplas vezes à oficina do Réu, na sequência dos denunciados defeitos.
RRR. E permaneceu ininterruptamente desde 4 de novembro 2015 até 26 de fevereiro 2016 na oficina, com maior relevância, atente-se, ao período em que o Réu recusou a entrega do veículo.
SSS. Esta factualidade está confessada e assente e vai de encontro com as declarações do representante legal da Autora (ao minuto 16:20 e seguintes, da ata da audiência supra melhor identificada, referindo as deslocação constantes à oficina do Réu datas e momentos que o veiculo aí permaneceu), às declarações do Réu, e ainda, de acordo com os documentos 12, 13 e 14 juntos com a Petição Inicial e ainda, de acordo com a providência cautelar junta por apenso aos presentes autos.
TTT. Face à indicada prova, deverá dar-se como provado este facto com a seguinte redação: i)- A viatura esteve imobilizada na oficina do Réu em Agosto e Setembro de 2015 e de forma interrupta, desde 4 de Novembro 2015 até 26 de Fevereiro de 2016.
UUU. QUANTO AOS FACTOS CONSTANTES SOB A ALÍNEA K), I), M) E, N). Estas alíneas estão intimamente relacionadas e deverão dar-se por assentes porque suportadas em documentos juntos aos autos e reproduzidos na audiência de julgamento na sequência das declarações do representante legal da Autora (cfr. ata da audiência de julgamento do dia 21/05/2021 – das 14:28:59 às 16:57:08) tendo referido, quanto a estes factos que na sequência das sucessivas falhas, avarias, defeitos e imobilização do veículo teve que suportar despesas com transportes realizados por terceiros (cfr. Minutos 1:08:54 a 1:13:25 da ata supra melhor identificada); Assim, confrontando-se estas declarações com os documentos juntos aos autos, sob o número 79 e 80, referente às faturas e recibos n.º ..., ... e ... emitidas por Sr EE demonstrado resulta que a Autora despendeu a quantia de €1.643,90 com o serviço de transporte de materiais que necessitava para as obras que se encontravam a decorrer na Rua ... e ....
VVV. Face ao exposto, deverão ser dados por assentes as alíneas K e I devendo ter a seguinte redação: k) Durante o tempo que a Autora ficou inibida de utilizar o veículo automóvel solicitou vários serviços de transporte a EE, com vista a colmatar os atrasos derivados das reparações defeituosas desde setembro de 2015 a janeiro de 2016; l) Tendo despendido a quantia de €1.643,90 (mil, seiscentos e quarenta e três euros e noventa cêntimos);
WWW. Atendendo às declarações supra transcritas, confrontadas com os documentos n.º 83 a 85 juntos com a petição inicial e reproduzidos na audiência de julgamento deverá ser dado como assente a alínea m), com o seguinte teor: m) A Autora para alugar uma viatura similar à dos autos despendia o valor diário de €142,40 (cento e quarenta e dois euros e quarenta cêntimos).
XXX. Atendendo às declarações supra transcritas, confrontadas com os documentos n.º 87 juntos com a petição inicial e reproduzidos na audiência de julgamento, deverá ser dado como assente a alínea n), com o seguinte teor: n) A Autora teve de recorrer aos serviços de transporte do C... e de outros estabelecimentos comerciais, tendo despendido a quantia global de €87 (oitenta e sete euros).
YYY. QUANTO AO DIREITO, De acordo com o n.º do artigo 463.º do Cód. Proc. Civil: “O depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória”. Acresce que se dira que a parte da confissão que não conste da assentada terá sempre que ser valorizada pelo Tribunal, cumprindo deste do modo o estipulado no n.º 4 do artigo 358.º. Ora, deverá ser aproveitado pelo Tribunal superior as declarações e o depoimento do Réu para a alteração da matéria de facto superiormente proposta, mesmo que vá além da assentada. Por outro lado,
ZZZ. como superiormente referido foi dado por assente factualidade com base na confissão de factos favoráveis ao próprio Réu confessor. Em arrepio à lei e que importa reverter.
Prosseguindo,
AAAA. De acordo com o artigo 1222.º do Cód. Civil: “1. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. 2. A redução do preço é feita nos termos do artigo 884.º”.
BBBB. Resulta dos factos dados como provados que a Autora, denunciou os vários defeitos do veículo, alguns dos quais muito graves (travões) que impossibilitavam, como impossibilita, a utilização do automóvel para qualquer fim.
CCCC. Por outro lado, foi de facto dada a oportunidade ao Réu, por múltiplas vezes, para suprir todos os vícios e defeitos identificados no veículo. Tendo para isso, deslocando-se o veículo (em reboque ou por meios próprios) à oficina do Réu sem resultados positivos.
DDDD. Como exemplo paradigmático disto mesmo é o resultado negativo aos serviços prestados pelo Réu no veículo, atribuído pela maioria dos peritos, abaixo de 5 cfr. o relatório de 4/7/2018 junto aos autos com a referência 19355219.
EEEE. Ainda que assim não fosse, na Sentença recorrida foi atribuído o grau de 7 quanto à qualidade da reparação (cfr ponto 53 dos factos assentes).
FFFF. Acresce que a Autora interpelou o Réu, de forma expressa, por carta registada, com aviso de recessão em 4 de janeiro de 2016, conferindo-se um prazo admonitório para a resolução dos denunciados defeitos e entrega do veículo em bom estado de funcionamento (cfr. documento junto aos autos sob o n.º 12 e 13 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
Assim,
GGGG. Perante as várias denúncias dos defeitos, designadamente da falta de travões, não só o Réu não reagiu num prazo razoável, como demostrou que não tinha competência para o fazer, colocando por diversas vezes a vida do representante legal da A. e das pessoas no geral, em perigo. Pelo que, face à não entrega do veículo em bom funcionamento e restaurado, tendo-lhe sido dada varias oportunidades para reparar o sistema de travagem, a Autora, por via de carta registada com aviso de recepção datada de 21/01/2016 rescindiu o contrato celebrado entre as partes, com justa causa.
HHHH. Atente-se que o Tribunal a quo desconsiderou por completo que foi, por múltiplas vezes, facultada a possibilidade do Réu corrigir os apontados defeitos, tendo, para correção dos defeitos, o veículo se deslocado à oficina do Réu. Estas deslocações à oficina encontram-se assentes os pontos 15.,16. e 20.
IIII. Como também desconsiderou a prova produzida na audiência de julgamento, quando não valorizou correctamente o teor da carta de 4/1/2016, que conferiu o prazo (último) de 3 dias para a entrega do veículo, em bom estado de funcionamento e sem os denunciados defeitos.
JJJJ. A ser assim, como o é, foi legalmente rescindido o alegado contrato de empreitada, com justa causa.
KKKK. Ainda que assim não se considere, atendendo ao deficiente restauro, assim como deficiente reparação mecânica, nunca poderia ter procedido parcialmente a reconvenção, e, ser a Autora condenada ao pagamento ao Réu da totalidade do orçamento inicial no montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros (cfr. assente no ponto 8.).
LLLL. E em consequência, face ao supra exposto, não faz sentido a absolvição do Réu quanto à redução do preço, ao ressarcimento à Autora das despesas que esta teve com o processo (providência cautelar, Proc. n.º 257/16.5TBSTS, correu termos na Comarca do Porto – Santo Tirso – Instância Local –Secção Cível – J1), inspecções, transporte de mercadorias, reboques do próprio veículo e imobilização do mesmo.
MMMM. Em primeiro lugar porque a Autora gozava da excepção de não cumprimento.
NNNN. No contrato bilateral, não cumprindo o Réu as obrigações a que estava obrigado (cfr. factos assentes), não tinha a Autora Reconvinda que proceder ao pagamento da totalidade do preço.
OOOO. Por outro lado, antes da Autora proceder a qualquer reparação por meio próprio deu a possibilidade de facto ao Réu para suprir todas as deficiências e defeitos no restauro e reparação mecânica que este se propôs a realizar.
PPPP. Ou seja, contactou telefonicamente o Réu que veio buscar de reboque ou por meio próprio o veículo, mais de 3 vezes.
QQQQ. E como não entregava o veículo em bom estado de funcionamento foi dado ao Réu um prazo último, cominatório, de 3 dias, para eliminação dos defeitos assinalados e proceder à entrega do veículo.
RRRR. Passados 16 dias, não antes, sem que procedesse à entrega do veículo, tinha a Autora, no seu humilde entendimento, justa causa para resolução do contrato. Assim como, tem direito a ser ressarcida das importâncias pagas, e a consequente redução e devolução de parte do preço pago por um serviço que não foi realizado. Visto que, o restauro reuniu do Colégio de peritos (maioria) uma nota negativa como referido pelo perito do tribunal em uma escala de 0 a 10, inferior a 5).
SSSS. Depois de tudo o exposto dizer-se que o “dono da obra, não poderá proceder previamente à eliminação do defeito, por iniciativa própria ou recurso a terceiros, a qual se for realizada implica a perda do direito ao ressarcimento das despesas com a eliminação do defeito” só se compreende por uma interpretação totalmente oposta à prova produzida na audiência de discussão e julgamento e carreada nos autos. E omissão de pronuncia quanto a tudo o demais peticionado que vai muito para além das despesas com a eliminação dos defeitos que se mantêm aos dias de hoje.
TTTT. Carecendo de fundamentação e omitindo pronúncia quanto a questões essenciais colocadas.
UUUU. O Réu nunca conseguiu proceder à eliminação dos defeitos, muito menos nos travões, e assim, visto que pese embora interpelado para o efeito o Réu nunca conseguiu eliminar os defeitos teria a acção que proceder, e, a reconvenção, que improceder totalmente.
VVVV. A condenação da Autora ao pagamento dos €1.000,00 referentes ao remanescente do preço da alegada empreitada, quando lhe é atribuída uma nota negativa aos serviços prestados, e, não se consegue atribuir um valor venal ao veículo, que nem pode circular, é incompreensível, ilegal e não poderá manter-se.
Dever-se-ão alterar os factos provados e não provados como supra melhor se discriminou e por outro lado, proferir-se uma decisão em sentido oposto”.
Finaliza, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, “deve baixar o processo ao tribunal de primeira instância por forma a suprir as invocadas deficiências, obscuridades e contradições quanto à matéria de facto e consequentemente, quanto ao direito; ou, se assim se não entender, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, nos termos e fundamentos supra descritos, substituindo-a por outra que espelhe um correto julgamento dos pontos de facto e questões de direito e, em consequência, julgue a presente ação totalmente procedente e improcedente, por não provado, o pedido reconvencional, com as demais ínsitas consequências legais”.
6- O R. respondeu defendendo a improcedência deste recurso, seja porque a matéria de facto se deve manter inalterada (apontado o deficiente exercício dos ónus que a lei impõe ao recorrente para impugnar a matéria de facto), seja no que concerne ao direito.
7- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la:
*
II- Mérito do recurso
1- Definição do seu objeto
O objeto dos recursos é, em regra e ressalvadas, designadamente, as questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente [artigos 608.º, n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil (CPC)].
Assim, tendo em consideração este critério, o objeto deste recurso cinge-se a saber se deve haver lugar à requerida modificação da matéria de facto e o R. condenado nas prestações peticionadas pela A. e esta absolvida do remanescente do pedido reconvencional.
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2- Fundamentação
A- Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:
1. A Autora dedica-se ao armazenamento e comercio a retalho de artigos em segunda mão e à prestação de serviços de chaveiro, comércio de veículos, construção, transformação, compra e venda de imóveis adquiridos para esse fim, gestão, arrendamento, subarrendamento, administração de imóveis, turismo em espaço rural, compra, intermediação, gestão, administração, locação de bens móveis, transporte de passageiros em veículos automóveis até nove pessoas.
2. A Autora tem inscrita a seu favor a propriedade do veículo ligeiro de mercadorias, de caixa aberta sem cobertura, de marca Land Rover, modelo ..., com a matrícula GB-..-...
3. O Réu dedica-se à reparação de automóveis, a título profissional, na oficina denominada “D...”, com o CAE ... – manutenção e reparação de veículos automóveis, sita na Rua ..., ..., Trofa.
4. A Autora solicitou ao Réu os serviços de reparação da viatura identificada em 2.
5. Após a verificação da viatura, nos ..., em Vila Nova de Gaia, onde se encontrava parqueada, o Réu apresentou um orçamento para reparação no montante de 8.600,00€ (oito mil e seiscentos euros), que compreendia:
. o valor de 3.200,00€ (três mil e duzentos euros) para desmontar e montar carroçaria; rever a instalação elétrica (limpar e isolar a mesma); preparar todas as peças que sejam para galvanizar ou zincar; verificar órgão de carroçaria a fim de que fique tudo a funcionar; separar a carroçaria do chassi, pintura do chassi e revisão mecânica e mão de obra;
. o valor de 5.408,00€ (cinco mil, quatrocentos e oito euros) para pintura da carroçaria, depois de feita a decapagem com jato de areia, tratamento epóxi e restante processo de pintura, a pintura será feita peça por peça e não tudo montado.
6. No dia 1.5.2015, o Réu deslocou-se ao Porto para verificar o estado mecânico do veículo.
7. Após verificação pessoal pelo Réu, o veículo encontrava-se com a caixa de carga em bom estado, tal como o chassi, o carro estava completo, com as peças originais, como os vidros, faróis, manómetros, espelhos, etc.
8. O Réu pôs o motor do carro em funcionamento e posteriormente após reavaliação do estado geral do mesmo, reajustou o orçamento inicial, no valor de 8.600,00€ (oito mil e seiscentos euros) para 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros), mantendo-se as reparações descritas no orçamento dos autos.
9. Nesse dia, após a aceitação do valor supra orçamentado o referido veículo foi para a oficina do Réu para a sua reparação.
10. No dia 23.07.2015, o veículo automóvel não se encontrava integralmente reparado pelo Réu.
11. A Autora efetuou vários pagamentos ao Réu, no montante global de 6.500,00€ (seis mil e quinhentos euros).
12. O veículo foi entregue à Autora na pessoa do Sr. DD.
13. Após o que o identificado DD trouxe o veículo para o Porto tendo verificado que o veículo deitava muito fumo e que não conseguia ultrapassar os cerca de 40km/hora.
14. Numa segunda viagem realizada, o veículo automóvel apresentou dificuldades em travar.
15. O veículo automóvel voltou à oficina do Réu.
16. Após a Autora ter ido buscar a dita viatura à oficina do Réu voltou a mesma a ter problemas de travões.
17. A Autora voltou a entregar o veículo para eliminação do defeito quanto ao sistema de travagem e quando o verificou os travões já funcionavam corretamente.
18. Quando se encontrava eliminado o defeito da reparação, a Autora entregou o veículo automóvel na oficina “B..., Lda” para a verificação deste problema de travagem.
19. A entrega do veículo para verificação foi acompanhada pelo Réu.
20. No dia 4.11.2015, o Réu procedeu ao levantamento do veículo automóvel da oficina “B..., Lda”, com vista a eliminar os defeitos entretanto apontados, mais concretamente os travões, entrada de água no interior, vidro lateral, entre outros reportados ao Réu.
21. No dia 30.12.2015, o representante legal da Autora deslocou-se à oficina para proceder ao levantamento da viatura, tendo sido solicitado o pagamento da quantia de 5.803,68€ (cinco mil, oitocentos e três euros e sessenta e oito cêntimos).
22. Valor este não faturado nem aceite pela Autora.
23. O Réu não apresentou à Autora outros valores extra de peças ou materiais ou de mão de obra, com exceção do orçamento de peças (materiais) de junho de 2015, parcialmente aceite, com exceção da armação da capota, no valor de 834,56€ (oitocentos e trinta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos) e capota beije com janelas, no valor de 808,12€ (oitocentos e oito euros e doze cêntimos).
24. As peças mecânicas que foram consentidas pela Autora, conforme orçamento extra de junho de 2015, foram as seguintes: a) dois espelhos exteriores; b) 1 espelho interior; c) duas capas de pedais; d) um fole travão; e) foles para as alavancas; f) três molas de alavanca; g) uma chapa diesel tamão de gasóleo; h) um tubo entrada de depósito; i) dois farolins da frente; j) um kit borrachas com portas; k) janelas com portas; l) fechos de portas; m) tampão de gasóleo; n) mola do acelerador; o) 1+1 bombite travão de trás; p) 2+2 travão da frente; q) uma bomba de embraiagem; s) um bombite; t) um tubo de borracha; u) três tubos borracha de embraiagem; v) kit tubos de água do radiador; w) tubo de admissão ar filtro; x) filtro de gasóleo; y) filtro de óleo; z) 1+1 embaladeira; aa) bomba de água, que totalizam aquantia de 1.405,20€ (mil, quatrocentos e cinco euros e vinte cêntimos), totalmente liquidado em 16.6.2015.
25. O Réu recusou-se a entregar a viatura à Autora enquanto esta não procedesse ao pagamento da quantia de 5.803,68€ (cinco mil, oitocentos e três euros e sessenta e oito cêntimos).
26. A Autora interpelou várias vezes o Réu para proceder ao levantamento da viatura, conforme teor dos documentos n.º 12 e 13 juntos com a pi.
27. Por carta datada de 21.1.2016 remetida pela Autora ao Réu, registada com aviso de receção, aquela declarou rescindir o contrato com justa causa e solicitou a entrega do veículo, conforme teor do documento junto como n.º 14 com a petição inicial.
28. No dia 22.1.2016, a Autora interpôs procedimento cautelar comum contra o Réu, que deu origem ao processo n.º 257/16.5T8STS que correu termos pelo J1 deste Tribunal, tendo sido ordenada judicialmente a entrega do veículo automóvel.
29. Em 27.1.2016, data do segundo envio, por a primeira ter sido devolvida, foi enviada missiva pelo Réu dirigida a DD, conforme teor do documento n.º 15 junto com a pi, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
30. No dia 28.1.2016, o Réu enviou nova carta conforme documento n.º 16 junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
31. No dia 26.2.2016, o veículo foi entregue à Autora, com 1930 km, no âmbito do procedimento cautelar indicado.
32. Tendo a Autora suportado o custo de 93,48€ (noventa e três euros e quarenta e oito cêntimos).
33. E o valor de 73,80 (setenta e três euros e oitenta cêntimos) pelo serviço de reboque que levou o veículo de ... (Trofa) para o Porto.
34. Em 7.3.2016, o Réu apresentou oposição ao procedimento cautelar apresentado pela Autora.
35. Foi designada audiência de julgamento para o dia 13.4.2016, tendo as partes transigido nos termos constantes do documento n.º 19 com a pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
36. O Réu apresentou à Autora as faturas juntas como documentos n.º 20 a 27 com a pi e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
37. O Réu não tinha autorização para colocar os farolins no valor de 21,75€ (vinte e um euros e setenta e cinco cêntimos), os dois para-brisas, no valor de 44,72€ (quarenta e quatro euros e setenta e dois cêntimos) – fatura n.º ... e três óculos no valor de 58,54€ (cinquenta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos) – fatura n.º ....
38. A pintura do veículo apresenta danos pontuais pouco significativos.
39. As caves de roda traseira e a traseira apresenta sinais de decapagem defeituosa.
40. As janelas verticais instaladas na parte de trás do veículo automóvel não correspondem ao modelo original.
41. Foram aplicados rebiques em pontas de solda e cravos em cima de pontos, o que desvaloriza a viatura.
42. As janelas da frente instaladas na viatura com fecho em baixo não são da série da viatura.
43. As grelhas de ventilação encontram-se pintadas na cor da carroçaria e a grelha do radiador zincada.
44. Na traseira tem duas faixas com rebites cromados juntos de outros com cor.
45. Foram colocadas forras nas portas com rebites que não deveriam existir.
46. O teto/tejadilho tem uma configuração e quantidade de rebites diferente do modelo original.
47. Em 29.2.2016, a viatura foi inspecionada – inspeção técnica periódica – tendo sido reprovada por eficiência reduzida do travão de serviços e desequilíbrio no travão de serviços superior a 30% d nas rodas do mesmo eixo de 39%.
48. A Autora com tal inspeção teve de suportar o montante de 30,54€ (trinta euros e cinquenta e quatro cêntimos).
49. A Autora despendeu a quantia de 167,82€ (cento e sessenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos) na reparação dos travões e bombites.
50. No dia 29.4.2016, a viatura voltou a ser inspecionada tendo sido aprovada.
51. A Autora despendeu em tal inspeção a quantia de 30,54€ (trinta euros e cinquenta e quatro cêntimos).
52. A Ré executou e colocou na viatura dos autos os seguintes serviços e peças: a) 4 casquilhos para amortecedores; b) 12 casquilhos para amortecedores; c) 1 correia para a ventoinha; d) 8 foles ponteiras de direção; e) 1 esfera reboque; f) 1 ficha reboque; g) correia para esticador diferencial; h) corrente para tampa traseira; i) vulcanizar cintas de travão; j) borracha para janelas (base); k) borracha tampa traseira; l) caixa de direção (carcaça); m) revisão motor de arranque; n) reparação e limpeza do radiador; o) 3 pilotos para o quadrante; p) 1 par de buzinas; q) 1 jante usada; r) 1 bateria; s) óleo para o motor; t) 1 vedante caixa de velocidades; u) escape completo com apoios e braçadeiras; v) 4 apoios para roda suplente capô; w) 2 peças fixar roda suplente capô; x) 1 peça para aloquete capo; y) fazer chaves ignição; z) 4 pneus e válvulas; aa) desmontar e montar dois pneus; ab) batentes e fixadores para os bancos; ac) 3 argolas para cadeira; ad) alinhar direção; ae) endireitar suspensão (casa das molas); af) macaco hidráulico; ag) 1 kit (colete, luvas e triângulo); ah) 1 chave de rodas; ai) 2 aluquetes; aj) dois espelhos exteriores; ak) 1 espelho interior; al) 2 capas pedais; am) 1 fole travão de mão; an) 1 fole alavanca; ao) 1 mola alavanca; ap) 1 mola alavanca; aq) 1 mola alavanca; ar) 1 legenda diesel; as) 1 tubo entrada depósito; at) 1 tubo entrada depósito respiro; au) 2 farolins da frente; av) 1 kit borrachas das portas; aw) janelas das portas completas; ax) fecho das portas com fechaduras; ay) 1 tampão gasóleo; az) 1 mola acelarador; ba) 1 + 1 bombite travão trás; bb) 2+2 bombite travão frente; bc) 1 bomba travão; bd) 1 bomba embraiagem; be) 1 bombite embraiagem; bf) 1 tubo borracha embraiagem; bg) 3 tubos borracha travão; bh) kit tubo água radiador; bi) 1 tubo admissão filtro ar; bj) 1 filtro óleo; bk) 1 filtro gasóleo; bl) 1 bomba água; bm) cinta capô + cravos; bn) 1 capa pedal acelerador; bo) 4 molas maxilas travão frente; bp) 2 borrachas ventiladores; bq) 1 bicha com km; br) 1 alavanca velocidades; bs) 2 óticas; bt) 1 rádio; bu) 2 colunas; bv) 2 refletores; bw) 1 corta corrente; bx) 1 isqueiro; by) 3 estrados de madeira (pinho tratado); bz) 2 pára-brisas; ca) 3 óculos; cb) 2 terminais bateria; cc) 1 par de matrículas de época; cd) 1 par de matrículas de época; cd) 1 pega traseira; ce) reparação do diferencial da frente; cf) rolamentos, vedantes, óleo e trabalho mecânico; cg) inspeção; ch) 2 painéis de porta; ci) guarda lamas (frente e parte interior); cj) rebites, cravos, parafusos, anilhas e fêmeas; ck) aditivo para gasóleo; cl) 1 abraçadeira (mola diferencial); cm) gasóleo; cn) 4 resistências (usadas); co) desmontagem, montagem, pintura, zincagem e galvanização.
53. A qualidade da reparação entre 1 a 10 valores foi de 7 valores.
*
B- Na mesma sentença não se julgaram provados os factos seguintes:
a) As partes acordaram como data para a conclusão do serviço e entrega do veículo até ao dia 23.07.2017;
b) A Autora não teria adjudicado ao Réu a reparação referida se o valor final fosse superior aos 7.500,00€ (sete mil e quinhentos euros), acrescido do orçamento extra para peças/ materiais aceite e pago em junho de 2015;
c) A Autora referiu ao Réu e este admitiu o valor comercial do veículo é inferior a 15.000,00€ (quinze mil euros);
d) Existe diferença de tratamento – decapagem, tratamento e pintura – entre a caixa traseira, que apresenta visíveis sujidades e restos de tinta antigas, o que não acontece na frente do veículo;
e) As alterações ao modelo original desvalorizam a viatura;
f) As jantes do veículo estão repletas de vestígios do sistema de travagem;
g) O veículo automóvel foi adquirido pela Autora para o desenvolvimento da sua atividade comercial;
h) A viatura é essencial para as deslocações e transporte de artigos e materiais, concretamente deslocações a armazéns para aquisição de artigos de construção civil, restauro, manutenção e móveis nos imóveis explorados pela Autora;
i) A viatura esteve imobilizada na oficina do Réu a deteriorar-se;
j) Não tendo a Autora outro veículo para fazer face à sua atividade comercial quer na Rua ... quer na Rua ... quer na Rua ..., Porto;
k) Durante o tempo que a Autora ficou inibida de utilizar o veículo automóvel solicitou vários serviços de transporte a EE, com vista a colmatar os atrasos derivados das reparações defeituosas desde setembro de 2015 a janeiro de 2016;
l) Tendo despendido a quantia de 1.643,90€ (mil, seiscentos e quarenta e três euros e noventa cêntimos);
m) A Autora para alugar uma viatura similar à dos autos despendia o valor diário de 142,40€ (cento e quarenta e dois euros e quarenta cêntimos);
n) A Autora teve de recorrer aos serviços de transporte do C... e de outros estabelecimentos comerciais, tendo despendido a quantia global de 87,00€ (oitenta e sete euros);
o) O automóvel encontra-se na oficina para reparação da embraiagem, tendo sido diagnosticada a necessidade de trocar a bomba de embraiagem;
p) Os trabalhos e peças identificados no ponto 52 dos factos provados foram aprovados e aceites pela Autora.
*
C- Análise dos fundamentos do recurso
Nele, começa por estar em causa alguma da factualidade que acabamos de transcrever. Mais concretamente, a que se acha descrita nos pontos 17, 18, 26, 52 e 53, do capítulo dos Factos Provados, e nas als. a), d), g), h), i), j), k), l), m) e n), da rubrica dos Factos não Provados, em relação à qual a A. pretende, nuns casos, a alteração do respetivo teor e, noutros, a modificação do seu destino probatório.
O R. não aceita essa modificação, mas, antes, suscita uma questão formal que tem a ver com a alegada falta de cumprimento dos ónus que estavam a cargo da A.. Alega ele, em suma, que esta última “não fundamentou as razões da sua discordância, nem concretizou nem apreciou criticamente os meios de prova que constam os autos, que impliquem uma decisão diversa”.
Mas, não é assim.
Efetivamente, percorrendo as alegações de recurso, facilmente se verifica que a A. deu genericamente cumprimento aos ónus previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPC; ou seja, indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnada.
De modo que, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se rejeita esta acusação.
Vejamos, então, se à A. assiste razão, no plano da matéria de facto impugnada.
Comecemos pelo capítulo dos Factos Provados.
Nele, a A. começa por pôr em causa o que se acha descrito nos pontos 17 e 18.
Refere-se nesses pontos o seguinte:
“17. A Autora voltou a entregar o veículo para eliminação do defeito quanto ao sistema de travagem e quando o verificou os travões já funcionavam corretamente.
18. Quando se encontrava eliminado o defeito da reparação, a Autora entregou o veículo automóvel na oficina “B..., Lda” para a verificação deste problema de travagem”.
Alega a A. que estes factos representam o oposto daquilo que foi por si referido nos artigos 19.º a 27.º da petição inicial, de onde foram extraídos. E continua: “Se os travões já funcionassem corretamente (facto 17) e se já se encontrasse eliminado o defeito de reparação (facto 18), então não faziam sentido os factos posteriormente assentes sob o n.º 19., 20., 47, que se encontravam a contraditar os primeiros.
Se já se encontravam eliminados os denunciados defeitos, mais especificamente com os travões, o Réu não tinha procedido ao levantamento do veículo na oficina Bencar para a sua eliminação como o próprio confessou. (…)
Ora, [a]o suprimir a matéria alegada no articulado, nomeadamente o sentido dado pelo “supostamente”, substituindo-o por a afirmação de “eliminado o defeito da reparação” alterou, por completo, inverteu o sentido do facto alegado pela Recorrente.
Acresce que,
Na motivação o Tribunal fundamentou a sua convicção quanto a estes factos (17 e 18) na confissão do Réu.
Todavia, a redacção atribuída a estes (novos) factos, encontra-se muito para além da matéria susceptível de confissão, porque apenas beneficiam o próprio Réu. Tendo por esta via a douta Sentença recorrida violado o disposto nos artigos 283.º e seguintes, assim como o disposto no artigo 452.º ambos do Cód. Proc. Civil.
Acresce que, foi junta documentação em oposição, mais concretamente os documentos n.º 12 e 13, com a petição inicial onde se discriminam os defeitos do veículo que em 4/01/2016 ainda se mantinham”.
E ainda, foi decidido este facto em oposição com a perícia colegial realizada ao veículo, que após inspeção mecânica, concluiu, no fundo, que o sistema de travagem do veículo continuava a ser insatisfatório.
Pretende, assim, que nos referidos pontos de facto passe a constar apenas o seguinte:
“17. A Autora voltou a entregar o veículo para eliminação do defeito quanto ao sistema de travagem.
18. A Autora entregou o veículo automóvel na oficina “B..., Ldª” para a verificação do problema de travagem”.
A A. tem razão. Todos os argumentos que esgrime são válidos e têm fundamento.
Na verdade, quem referiu, em julgamento, que quando verificou os travões, os mesmos “já funcionavam corretamente”, foi o R.. E isso, depois do representante da A. lhe ter levado o veículo queixando-se, como alega no artigo 23.º da petição inicial, que tinha ficado novamente sem travões.
Por outro lado, é igualmente verdade que a A. não alegou que, quando se encontrava eliminado o defeito da reparação, entregou o veículo automóvel na oficina “B..., Lda” para a verificação deste problema de travagem. O que referiu, distintamente, no artigo 25.º da petição inicial, é que “[s]upostamente, quando se encontrava eliminado o defeito da reparação, a Autora entregou o veículo automóvel na oficina “B..., Ld”, o que é diferente.
De resto, repetimos, todos os outros fundamentos avançados pela A. para a impugnação dos citados factos são válidos, pelo que nos dispensamos de aqui os repetir. Até porque estão amplamente evidenciados no processo.
Assim, acolhe-se, nesta parte, a pretensão da A., passando os pontos 17 e 18 dos Factos Provados a ter a redação pela mesma sugerida; isto é, que:
“17. A Autora voltou a entregar o veículo para eliminação do defeito quanto ao sistema de travagem.
18. A Autora entregou o veículo automóvel na oficina “B..., Ldª” para a verificação do problema de travagem”.
Seguidamente, questiona a A. o referido no ponto 52, als. a) a co), dos Factos Provados; ou seja, que o R., na viatura em causa, tenha executado os serviços e colocado as peças aí referidas. Isto porque, a seu ver, a prova produzida no processo, designadamente, a que indica, não evidencia que todos os componentes e, mais importante, que os serviços constantes do referido ponto tenham sido, respetivamente, colocados e prestados.
Ora, não é esse o nosso ponto de vista.
Na verdade, a prova pericial é perfeitamente clara a este propósito, quando refere, por exemplo, em resposta ao quesito 1.º formulado pelo R., que todas as peças mencionadas no artigo 73.º da contestação (que deu origem ao ponto de facto em análise - 52) estão montadas no veículo. Aliás, mesmo especificamente em relação a algumas delas, mencionadas no quesito 4.º apresentado pela A., os peritos foram também categóricos, no sentido de que essas peças estão montadas, embora algumas delas não constem das faturas apresentadas pelo R..
É certo que, mais tarde, em resposta aos pedidos de esclarecimento que lhes foram endereçados, os peritos referiram que não era possível relacionar todas as peças, por vários motivos, entre os quais, por haver várias delas cujas referências eram diferentes das referências das faturas, ou por haver peças que não tinham qualquer referência. Mas nunca se desdisseram contrariando a conclusão a que já tinham chegado anteriormente. Ou seja, que todas as peças referidas no artigo 73.º da contestação estavam montadas, avançando um dos peritos (Gomes da Silva) com uma explicação para haver peças sem fatura de aquisição, que se prende com a possível utilização de peças já existentes na oficina como salvado.
Seja como for, no entanto, independentemente da origem das peças e da prova da respetiva compra pelo R., certo é que os peritos ficaram convencidos, depois do exame que fizeram, que as peças em causa estavam montadas. O que, aliás, foi corroborado pelas testemunhas, BB (chapeiro que trabalhava por conta do R.) e CC (filho do R., que também trabalhava na oficina deste) e que, quando confrontados com a listagem constante daquele artigo (73.º da contestação), confirmaram a respetiva montagem, o que implica naturalmente o correspondente serviço.
Deste modo, não pode deixar de se corroborar o convencimento adquirido pelo Tribunal recorrido, indeferindo-se a pretensão da A. para que o aludido ponto da matéria de facto seja julgado não provado.
Prosseguindo na nossa análise, verificamos que, seguidamente, a A. questiona a afirmação contida no ponto 53 dos Factos Provados.
Assim, em vez de, como aí se refere, “a qualidade da reparação entre 1 a 10 valores foi de 7 valores”, defende que se deve considerar, na mesma escala, que essa qualidade foi de apenas 4 valores. Isto porque, entre outros aspetos relacionados com os defeitos que imputa a esta reparação, a valoração primeiramente atribuída por todos os peritos, (que se situou em 7 valores -cfr. resposta ao quesito 2.º, formulado pelo R.) foi posteriormente alterada, tendo o perito do tribunal atribuído 5 valores, o perito indicado pela A. , 4 valores, e o perito indicado pelo R., 7 valores.
Ora, não pode deixar de se reconhecer alguma razão à A.. Sobretudo, em face desta última modificação do resultado pericial.
Mas, daqui não resulta que se possa aderir ao valor que pela A. é proposto (4).
De entre todos os peritos, aquele que naturalmente nos merece mais credibilidade e confiança é o que foi nomeado em representação do tribunal, uma vez que mais afastado dos interesses das partes e, nesse sentido, mais independente.
Consequentemente, aderindo ao seu parecer, o teor do ponto em análise passará a conter o valor pelo mesmo proposto.
Não se ignora, com isto, que, como refere o R., junta aos autos (fls. 116) está também uma “declaração de vistoria técnica”, emitida pela E..., que considerou esta reparação com um nível “Muito Bom”. Mas, se a analisarmos mais em pormenor, verificamos que nela se refere que não foram avaliados os componentes mecânicos. O que naturalmente também tinha interesse para a avaliação que aqui está em causa.
Deste modo, e em resumo, altera-se a redação do ponto 53 dos Factos Provados, que passará a ser a seguinte: “a qualidade da reparação entre 1 a 10 valores, foi de 5 valores”.
Passemos, agora, à análise do ponto 26 dos Factos Provados, que a A. também impugna.
Refere-se nele o seguinte: “A Autora interpelou várias vezes o Réu para proceder ao levantamento da viatura, conforme teor dos documentos n.º 12 e 13 juntos com a pi”.
Pretende a A. que, diversamente, se faça constar que ela própria “em 4 de janeiro de 2016 remeteu uma carta registada ao Réu, recebida em 5 de janeiro de 2016 pelo Réu, denunciando os defeitos do veículo, quanto à carroçaria e mecânica, conferindo ao Réu o prazo de 3 dias para a entrega do veículo em bom estado de funcionamento”.
Esta pretensão, todavia, não pode ser acolhida.
Na verdade, baseando-se o teor da redação ora proposta pela A. naquilo que resulta de um dos documentos já referenciados no ponto de facto em análise (doc. 12) e referindo-se nesse ponto que a interpelação aí mencionada foi feita conforme (além do mais), o dito documento, é evidente que a mensagem neste transmitida já está englobada no dito ponto. Por conseguinte, esta pretensão é de também rejeitar.
Está, depois, em causa a afirmação contida na al. a), dos Factos não Provados. Segundo essa alínea, “[a]s partes acordaram como data para a conclusão do serviço e entrega do veículo até ao dia 23.07.2017”. Refere-se “23/07/2017”, mas trata-se, claramente, de lapso, pois que no artigo 14.º da petição inicial se diz “23/07/2015”. De qualquer modo, esta data é indiferente, uma vez que aquilo que a A. pretende é que se julgue comprovado que as “partes acordaram como data para a conclusão do serviço e entrega do veículo até 3 meses”.
Ora, além de não ter sido este o limite temporal alegado pela A., o R., embora se tenha referido, de facto, aos 3 meses em termos aproximados, fê-lo, ao que percebemos, não no sentido de se vincular exatamente a esse limite, mas como uma estimativa, em face da natureza e extensão da reparação que lhe estava a ser pedida. Aliás, como reconheceu na carta que dirigiu à A., datada de 07/01/2016, na qual refere justamente que “o tempo previsto do restauro foi de cerca de 3 meses, e não uma data em concreto”.
Nessa medida, na ausência de outra prova mais esclarecedora, para além das declarações do representante da A., que, neste domínio, é parte interessada e por isso mesmo sem crédito decisivo e que também se referiu a um período para a reparação de “cerca de 3 meses” e não “até 3 meses”, como agora pretende que se consigne, consideramos que é de manter o juízo feito na instância recorrida, não se podendo também julgar demonstrado que foi acordado entre as partes que o prazo para a reparação era, imperativamente, até 3 meses, como defende a A..
Quanto à al. d) do mesmo capítulo, em que se refere que “existe diferença de tratamento – decapagem, tratamento e pintura – entre a caixa traseira, que apresenta visíveis sujidades e restos de tinta antigas, o que não acontece na frente do veículo”, aquilo que a A. pretende é que se julgue esta afirmação como provada. E isso, com base, designadamente, nas declarações do R., da resposta dos peritos ao quesito 7.º da A. (fls. 202), das fotografias que constam de fls. 48 a 49 (docs. 28, 29 e 30) e do que já consta do ponto 39 dos Factos Provados.
Ora, o que começamos por verificar é que, através destes meios de prova, não é possível determinar o estado do tratamento - decapagem, tratamento e pintura - da frente do veículo. Nem, exatamente, na caixa traseira, entendida esta como o local onde podem ser transportadas mercadorias. Ou, pelo menos, isso não é inteiramente inequívoco. Sabemos, pelo que já resulta do ponto 39 dos Factos Provados, que “”as caves de roda traseira e a traseira apresenta sinais de decapagem defeituosa”. O que, aliás, também é referido na resposta dada pelos peritos ao quesito 7.º, apresentado pela A. (fls. 202). Mas, mais do que isso e, especificamente, naquela caixa não o temos por suficientemente evidenciado. Nem pelas fotografias referidas pela A. (fls. 48 a 49), nem pelo depoimento do R. que, neste aspeto, é pouco consistente. Tanto admitiu poder reconhecer isso como verdade, como, logo de seguida, admitiu não ter visto, por, tanto quanto percebemos, não ter sido trabalho por si realizado. O que, à falta de outra prova mais firme, nos deixa na dúvida, a este propósito.
Donde, só se pode conclui que a referida afirmação é de manter inalterada no seu destino probatório.
Impugna, de seguida, a A. as afirmações contidas na als. g) e h), dos Factos não Provados.
A seu ver, deve julgar-se provado que “o veículo automóvel foi adquirido pela Autora para o desenvolvimento da sua atividade comercial” e que esta “viatura é essencial para as deslocações e transporte de artigos e materiais, concretamente deslocações a armazéns para aquisição de artigos de construção civil, restauro, manutenção e móveis nos imóveis explorados pela Autora”.
Ora, embora não se ignore o objeto social da A. [que foi julgado demonstrado (ponto 1 dos Factos Provados) e resulta do teor de fls. 27], já não temos como certo que a viatura em questão tenha sido adquirida para o desenvolvimento da dita atividade societária; nem, menos ainda, que a mesma seja essencial para as tarefas indicadas. Por um lado, atendendo à idade (é do ano de 1966) e natureza do veículo em questão, que a A. queria manifestamente recuperar como carro antigo que é; e, por outro lado, porque foi o próprio representante da A. quem referiu em julgamento que alegadamente convencionou o R. que a reparação deste veículo devia estar pronta até ao dia 23/07/2015, porque tinha um “time sharing” em Vilamoura, para onde se queria deslocar, ao que se presume, em férias, como já acontece há 35 anos. O que pressupõe uma utilização diversa dos fins indicados. É verdade que o representante da A. disse em julgamento que esta, no fundo, foi uma desculpa para pressionar o R. para acabar a reparação até àquela data; mas, além de não termos por certo que assim tivesse sucedido, também nos ficam sérias reservas de que um carro deste tipo e idade seja destinado a uma utilização profissional regular nas atividades a que a A. se dedica, que pressupõem um uso intensivo.
Daí que não julguem provadas aquelas afirmações impugnadas, nem a que consta da al. j), dos Factos não Provados, cujo destino probatório a A. também põe em causa.
Num outro plano, pretende igualmente a A. que se julgue provado que “a viatura esteve imobilizada na oficina do Réu em Agosto e Setembro de 2015 e de forma interrupta, desde 4 de Novembro 2015 até 26 de Fevereiro de 2016”. Isto, em substituição do que consta da al. i) dos Factos não Provados, na qual se refere que a “viatura esteve imobilizada na oficina do Réu a deteriorar-se”.
Ora, como facilmente se percebe, esta última afirmação não coincide, no seu significado, com aquela. O seu acento tónico incide sobre a deterioração e, na primeira, apenas sobre os períodos de imobilização. O que não se pode ter como exatamente coincidente. Além disso, já constam da factualidade provada diversos elementos que ajudam a perceber o tempo em que a viatura esteve em poder do R.
Como tal, não se procederá, neste âmbito, a qualquer modificação.
Quanto aos factos constantes das als. k), l), m) e, n), dos Factos não Provados:
Refere-se nessas alíneas o seguinte:
“k) Durante o tempo que a Autora ficou inibida de utilizar o veículo automóvel solicitou vários serviços de transporte a EE, com vista a colmatar os atrasos derivados das reparações defeituosas desde setembro de 2015 a janeiro de 2016;
l) Tendo despendido a quantia de 1.643,90€ (mil, seiscentos e quarenta e três euros e noventa cêntimos);
m) A Autora para alugar uma viatura similar à dos autos despendia o valor diário de 142,40€ (cento e quarenta e dois euros e quarenta cêntimos);
n) A Autora teve de recorrer aos serviços de transporte do C... e de outros estabelecimentos comerciais, tendo despendido a quantia global de 87,00€ (oitenta e sete euros)”.
Estas alíneas estão relacionadas entre si. Mas não só. Estão também relacionadas com o afirmado nas alíneas g) e h), que já analisámos. E, como aí dissemos, não estamos convencidos de que este veículo tenha sido adquirido pela A. para o desenvolvimento da sua atividade societária, sendo indispensável para esse fim. Trata-se, repetimos, de uma viatura antiga (do ano de 1966), com uma caixa de carga bastante limitada de espaço e o tipo de recuperação que a A. se propôs fazer-lhe não se harmoniza, de todo, com uma utilização intensiva na maioria das atividades a que a A. se dedica. Isto, naturalmente, à luz das regras da experiência comum.
Por conseguinte, tal como o Tribunal recorrido, não estamos certos de que as despesas em que a A. alegadamente incorreu, e supra referidas, tenham tido lugar para colmatar a falta de reparação atempada do veículo que aqui está em causa. Até porque, bem vistos os documentos em que a A. baseia a sua pretensão, isto é, os documentos juntos a fls. 77 a 85, não se referem as características das mercadorias nalguns deles mencionadas, sobretudo a sua dimensão e peso, para que se possa concluir que as mesmas podiam ser transportadas em tal veículo ou num similar, que a A. diz ter alugado para o substituir.
Por tais razões, pois, também não se procederá, neste âmbito, a qualquer modificação.
Esgotada que está, assim, a análise da matéria de facto impugnada, debrucemo-nos sobre as questões substantivas.
E, nelas, a primeira que carece de resolução é a de saber se a A. tem direito, como pede, à restituição do montante de 2.655,78€, que diz ter pago em excesso ao R..
Para avaliar o mérito desta pretensão, o primeiro dado a ter em conta é que, efetivamente, tal como se decidiu na sentença recorrida, estamos perante um contrato de empreitada; isto é, um contrato mediante o qual o R. se obrigou a reparar o veículo automóvel da A., mediante um preço. A noção de obra prevista no artigo 1207.º, do Código Civil, compreende esse serviço[1] e, portanto, é no regime deste contrato - regime comum[2] - que devemos procurar a solução para o apontado problema.
Ora, no âmbito do referido regime, um dos direitos que a lei confere ao dono de obra para reagir contra a entrega pelo empreiteiro de uma obra defeituosa é a resolução do contrato. “Não sendo eliminados os defeitos ou construída obra nova – prescreve o artigo 1222.º, n.º 1, do Código Civil – o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”.
São pressupostos, assim, de tal resolução, a culpa do empreiteiro na verificação dos defeitos, a ocorrência destes e a sua consequência danosa; ou seja, tornarem esses defeitos a obra inadequada para o fim a que a mesma se destina[3]. Isto, pressupondo também que tais defeitos não foram eliminados previamente ou que também não foi realizada obra nova.
Mas, verificados estes requisitos, ao dono da obra assiste o direito de resolver o contrato.
E foi o que fez a A.. A nosso ver, legitimamente.
Com efeito, a A., como se provou, por mais de uma vez, denunciou alguns dos defeitos que se verificavam na reparação do seu veículo automóvel e o R., embora tivesse tentado corrigi-los, não o conseguiu em relação a todos eles. A tal ponto que ainda hoje alguns se verificam. Assim:
- A pintura do veículo apresenta danos pontuais pouco significativos;
- As caves de roda traseira e a traseira apresenta sinais de decapagem defeituosa;
- As janelas verticais instaladas na parte de trás do veículo automóvel não correspondem ao modelo original;
- Foram aplicados rebiques em pontas de solda e cravos em cima de pontos, o que desvaloriza a viatura;
- As janelas da frente instaladas na viatura com fecho em baixo não são da série da viatura;
- As grelhas de ventilação encontram-se pintadas na cor da carroçaria e a grelha do radiador zincada;
- Na traseira tem duas faixas com rebites cromados juntos de outros com cor;
- Foram colocadas forras nas portas com rebites que não deveriam existir;
- O teto/tejadilho tem uma configuração e quantidade de rebites diferente do modelo original;
- E, o sistema de travagem, já depois da data da resolução do contrato, continuava a ter uma eficiência reduzida; o que conduziu, de resto, à reprovação deste veículo na inspeção oficial a que foi sujeito, no dia 29/02/2016 (ponto 47 dos Factos Provados).
Evidentemente que nem todos estes defeitos têm a mesma relevância na economia do contrato. Mas, alguns deles e, particularmente, a ineficiência no sistema de travagem, depois de sucessivas tentativas do R. para a corrigir, não podem deixar de ter consequências no plano jurídico. Designadamente, legitimando a rutura contratual desencadeada pela A., com os consequentes efeitos. Como refere João Cura Mariano[4], deve “ser encarada como uma situação de incumprimento definitivo, a hipótese do empreiteiro não ter logrado eliminar o defeito, apesar de ter efetuado trabalhos com esse objetivo, não tendo o dono da obra o dever de lhe conceder mais oportunidades”. Se - como referem Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo[5], “há tentativa de eliminação dos defeitos ou realização de nova obra sem defeitos, e a mesma tentativa não é bem sucedida, continuando a verificar-se os defeitos da prestação, entende-se haver motivos para o dono da obra poder exigir outros remédios para além dos previstos no artigo 1221.º. Na verdade – continuam os mesmos Autores-, seria descabido afirmar originar cada tentativa, novamente, a necessidade de repetir o percurso dos artigos 1221.º e 1222.º. Deve considerar-se poder nessa hipótese, o dono da obra pedir a redução do preço ou a resolução do contrato. Nesta última hipótese, porém, apenas se os defeitos tornarem a obra inapropriada ao seu fim”.
Ora, a ausência num veículo automóvel de um sistema de travagem eficaz não pode deixar de ser considerado como um defeito que o torna inadequado para o fim a que se destina.
De modo que, sendo essa deficiência grave e da responsabilidade do R., que, repetimos, não a conseguiu corrigir, só se pode ter por legitimada a resolução do contrato, por parte da A.
Vejamos, agora, quais os seus efeitos. E, particularmente, aquele que começámos por enunciar; ou seja, a pretensão da A. de que lhe sejam restituídos 2.655,78€, que diz ter pago em excesso ao R.
Como é sabido, por regra, a resolução de qualquer contrato, na falta de disposição ou convenção em contrário, tem efeitos semelhantes à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico; isto é, tem efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigos 289.º, n.º 1, e 433.º, do Código Civil). Mas, nem sempre é assim. A retroatividade, como decorre do disposto no artigo 434.º do Código Civil, não tem lugar se contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução e, além disso, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.
Na situação em análise, sabendo nós que pela própria natureza do contrato celebrado entre as partes, nem todas as prestações podem ser restituídas, resulta evidente que, pelo menos o devem ser aquelas que não tiveram qualquer correspetividade na atividade convencionada com a contraparte.
E esse pode ser o caso do preço alegadamente pago em excesso pela A.[6]. Ponto é que se prove que não teve a devida contrapartida na atividade desenvolvida pelo R.
Analisemos, então, este aspeto.
Para justificar o referido excesso, a A. estriba-se nestes pressupostos:
a) Já entregou ao R., por conta deste contrato, 6.500,00€;
b) O valor da reparação pelo mesmo realizada, ao abrigo do orçamento inicial, tal qual foi levada a cabo, isto é, de forma defeituosa, corresponde a 3.000,00€;
c) A esse valor acrescem 844,22€, que, no fundo refletem a diferença entre o montante previsto no orçamento suplementar (1.405,20€) e a soma do preço das peças que foram colocadas sem a sua autorização (153,76€) com o que se refere a outras peças que não foram colocadas (407,22€).
E daí que ao R. só sejam devidos 2.655,78€ (6.500,00€ - 3.844,22€).
Acontece que, o segundo dos ditos pressupostos, ou seja, o valor da reparação efetivamente realizada pelo R., ao abrigo do orçamento inicial [leia-se, o conjunto de tarefas que lhe competiam executar, descritas no ponto 6 dos Factos Provados (e reafirmadas mais tarde, no segundo preço estipulado – ponto 8 dos Factos Provados)], não se mostra comprovado. Melhor, sobre ele não incidiu sequer qualquer juízo probatório; nem no sentido de o julgar provado, nem não provado.
Mas, devia ter incidido.
Com efeito, alega a A. que o valor dessa reparação se deve situar em 3.000,00€ (artigo 104.º da petição inicial). Ainda que não se expresse exatamente nestes termos é o que significa a sua alegação, a este propósito; até em articulação com o pedido (al. A). E, sendo esse valor, como vimos, um dos pressupostos de facto do direito de restituição já referido, o mesmo, enquanto facto essencial para a sorte de tal pedido, não podia deixar de ser instruído e julgado. Instruído, designadamente, por via de prova pericial, visto que, embora tivesse sido produzida nestes autos (fls. 198 a 208 e 220 a 225), o não foi em relação a este concreto aspeto, que, repetimos, é crucial para o destino de tal pedido.
De modo que, em suma, há necessidade de ampliar a matéria de facto e de anular parcialmente a sentença recorrida, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, para que, em instrução complementar, se determine qual o valor da reparação que efetivamente foi realizada pelo R., tendo por referência o conjunto de tarefas que inicialmente lhe competia desenvolver, para que, depois, se decida, em conformidade, se a A. tem direito à restituição de algum remanescente do preço que já pagou ao R. ou se, diversamente, é este último quem tem direito a haver o diferencial em falta em relação ao preço ajustado (de 7.500,00€), que peticionou em sede reconvencional e lhe foi reconhecido na sentença recorrida, mas que não se pode manter pelas razões já apontadas.
Passemos à análise dos demais pedidos.
Em primeiro lugar, importa, desde já, deixar claro que, nestes autos, não pode ser determinada, como pretende a A., a devolução do valor da caução que pretensamente está depositada à ordem de outro tribunal. É manifesto que assim não pode ser. Até por falta de poder jurisdicional, nesse domínio.
Por outro lado, em relação aos demais pedidos, temos realidades muito diversas.
Casos há, como os referentes às despesas com os serviços da Agente de Execução que desenvolveu o seu trabalho no procedimento cautelar que a A. instaurou contra o R. e os encargos que esta aí alegadamente suportou com o reboque da viatura para o Porto, que não podem aqui ser atendidos. Trata-se de encargos a levar, eventualmente, em consideração no procedimento cautelar onde foram realizadas essas despesas (artigo 533.º, n.º 2, al. b) e c), do CPC e artigo 16.º, n.º 1, als. h) e i) do RCP) e, nessa medida, aqui não podem ter acolhimento. Até porque a sua dimensão está dependente da decisão aí tomada quanto a custas.
Já quanto às despesas com alegados transportes, seja no período compreendido entre setembro de 2015 e 21/01/2016, seja posteriormente, não lograram as mesmas, como já vimos, ficar demonstradas (als. l) e n), dos Factos não Provados). Logo, também aqui não pode ser arbitrada nenhuma indemnização, a esse título. Nem a título de privação de uso. Desde logo, porque não se provou que a A., para alugar uma viatura similar à dos autos, despendesse um valor diário de 142,40€ (al.m), dos Factos não Provados). E, por outro lado, porque também não ficou demonstrada qual a utilização concreta que a A. pretendia dar a esta viatura (als. g), e h) dos Factos não Provados). Ora, não basta a privação de um veículo para que, necessariamente, a ela esteja associado um dano. Como se refere no Acórdão desta Relação de 11/11/2013[7] “uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso”. E só aquela, por regra, pode dar origem ao correspondente direito indemnizatório. Daí que nenhuma indemnização se atribua também, a esse título.
Restam as despesas com a reparação dos travões do veículo e as inerentes às inspeções oficiais.
Quanto às primeiras, é inequívoco que o seu valor é devido, uma vez que o artigo 1223º do Código Civil prevê, justamente, a indemnização dos danos provenientes do incumprimento do contrato, tanto pelo interesse contratual negativo, como pelo interesse contratual positivo, isto é, por via da recolocação do contraente credor na posição em que se encontraria, caso o contrato tivesse sido pontualmente cumprido[8], e esse é o caso, em relação à reparação dos travões que o R. deixou sem funcionar. Assiste, assim, à A. o direito a receber do R., o montante pedido; isto é, 167,82€, pois foi esse valor que se provou ter sido despendido pela mesma com tal reparação.
E o mesmo se diga do custo da inspeção oficial realizada no dia 29/02/2016, em que a viatura foi “reprovada por eficiência reduzida do travão de serviços e desequilíbrio no travão de serviços superior a 30% nas rodas do mesmo eixo de 39%”. Também este resultado é imputável ao R., pois que não cumpriu integralmente a prestação que estava a seu cargo. Daí que deva ser obrigado a pagar-lhe o custo dessa inspeção, no valor de 30,54€.
Já quanto à outra inspeção, a realizada no dia 29/04/2016, nenhuma razão há para que o R. seja obrigado a suportar o respetivo custo. A viatura, como se provou, foi aprovada e, assim, não há nenhuma desvantagem na esfera patrimonial da A. que justifique o ressarcimento do custo dessa inspeção, por parte do R.
Em resumo: o presente recurso procede parcialmente, devendo a sentença recorrida, numa parte, ser anulada, com o objetivo já indicado, e, noutra parte, revogada com a condenação do R. a pagar à A. a quantia de 198,36€ (167,82€ + 30,54€) e, no mais, improcede este recurso, com a consequente confirmação da referida sentença, nessa medida.
*
III- Dispositivo
Pelas razões expostas, acorda-se em:
a) Julgar parcialmente procedente o presente recurso e, consequentemente, condena-se o R. a pagar à A., a quantia de 198,36€ (cento e noventa e oito euros e trinta e seis cêntimos);
b) Anular parcialmente a sentença recorrida, para ampliação da matéria de facto, com o objetivo de, em instrução complementar, ser determinado o valor da reparação que efetivamente foi realizada pelo R., tendo por referência o conjunto de tarefas que inicialmente lhe competia desenvolver, no âmbito do contrato que celebrou com a A.;
c) Julgar, em tudo o mais, improcedente o presente recurso e confirmar, nessa medida, a sentença recorrida.
*
Em função deste resultado, as custas deste recurso serão suportadas por A. e R., na proporção de 90% e 10%, respetivamente - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Porto, 7.2.2023
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda
Lina Baptista
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[1] Neste sentido, por exemplo, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 12ª edição, Almedina, pág. 500, e, entre outros, o Ac. RP de 19/11/2020, Processo n.º 24904/18.5T8PRT.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[2] E não o regime de venda de bens de consumo (Decreto Lei nº 67/2003, de 8 de Abril e, atualmente, Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro), nem a Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Junho), por se encontrar em causa um serviço de reparação de um veículo para uma sociedade em que um dos seus objetos é o transporte de pessoas e mercadorias.
[3] Neste sentido, Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2017, 3ª edição, Almedina, pág. 533.
[4] Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2013, 5ª edição Revista e Aumentada, Almedina, págs. 112 e 113.
[5] Direito das Obrigações, Contratos em Especial, 2012, Vol. III, Almedina, pág.418.
[6] Cfr., no sentido de que, nestas circunstâncias, haver lugar a essa restituição, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, ob. cit., pág. 424.
[7] Processo nº 270/12.1TBBGC.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, Ac. RC, de 04/05/2020, Processo n.º 4581/15.6T8VIS.C2, consultável em www.dgsi.pt