Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2499/21.2T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTOS INSTRUMENTAIS
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RP202402052499/21.2T8PNF.P1
Data do Acordão: 02/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A ampliação da decisão da matéria de facto só deve ter lugar quando se conclua que a matéria dela objeto é indispensável para o conhecimento das diversas questões suscitadas pelas partes e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito em aberto.
II - Por definição, os factos instrumentais são factos probatórios, factos que servem para provar factos essenciais e dada esta feição probatória não devem ser incluídos nos fundamentos de facto, antes devem ser relevados em sede de análise crítica da prova produzida e, sendo caso disso, contribuir para a prova ou não prova de factos essenciais que devem constar dos aludidos fundamentos.
III - A celebração de um acordo negocial por parte de um órgão de uma autarquia local sem que tenha competência para o efeito, cabendo essa competência a outro órgão da mesma pessoa coletiva, no caso, a Câmara Municipal, configura uma incompetência relativa geradora de anulabilidade.
IV - Na cláusula penal indemnizatória o devedor pode afastar a sua aplicação provando a inexistência de qualquer dano, pois, nessa eventualidade, falta um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e a cláusula penal indemnizatória é uma mera liquidação antecipada do montante da obrigação de indemnizar.
V - Para que a cláusula penal acordada pelas partes possa ser reduzida de acordo com a equidade é imprescindível que se provem factos donde resulte que é manifestamente excessiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2499/21.2T8PNF.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 2499/21.2T8PNF.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

            1. Relatório

Em 10 de setembro de 2021, endereçado ao Tribunal de Penafiel, Comarca do Porto Este, com o benefício de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e atribuição de agente de execução, AA e esposa BB instauraram a presente ação declarativa sob forma comum contra o Município ..., requerendo a intervenção principal de CC e esposa DD pedindo, na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso:

“A) Que seja considerado procedente o incidente de intervenção principal provocada, e assim notificados os Chamados por este Tribunal a participar na presente lide;

B) Que o Réu Município ... seja condenado ao pagamento da quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) aos Autores e aos chamados a título de cláusula penal nos termos do acordado;

C) Quantia esta acrescida de juros de mora a contar do dia 01/01/2017 até ao momento da propositura desta ação, que neste momento se computa em € 37.567,12 (trinta e sete mil, quinhentos e sessenta e sete euros e doze cêntimos);

D) Que seja ainda condenado o Réu Município ... ao pagamento de juros de mora a contar da data da propositura desta ação até efetivo e integral pagamento das referidas quantias”.

            Para fundamentar as suas pretensões os autores alegaram que juntamente com os chamados CC e DD são donos do prédio rústico com a área total de 41.150,20 m2, denominado por “...”, também conhecido por “...”, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob a descrição ... (oitenta e três), situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Paredes, a confrontar de Norte com EE, de Sul com CC e AA, de Nascente com FF e de Poente com limite da freguesia/Avenida ...; este prédio tinha a área inicial de 48.000 m2, a qual foi reduzida devido a algumas operações, nomeadamente devido à venda de uma parcela ao Município ... com a área de 963,65 m2, pelo preço de € 19.273,00 (dezanove mil, duzentos e setenta e três euros); esta venda foi efetuada em 08 de fevereiro de 2013 mediante escritura celebrada no Cartório Privativo da Câmara Municipal e à qual foi atribuída o n.º ...; nesse mesmo dia, os autores, os chamados e o Município ..., outorgaram um “ACORDO COMPLEMENTAR À ESCRITURA n.º ... DE OITO DE FEVEREIRO DE 2013”; nesse acordo complementar, os autores e os chamados ocupam a posição de Primeiros Outorgantes e o Município ... ocupa a posição de Segundo Outorgante representado por GG; nesse acordo o representante do segundo outorgante, em nome do seu representado, comprometeu-se a executar até final do ano de 2016 um arruamento que passaria no prédio propriedade dos primeiros outorgantes e que daria acesso à Rua ... ou à Rua ...; para esse efeito, os primeiros outorgantes cederam ao segundo outorgante a parcela de terreno necessária à construção do referido arruamento; clausulou-se no referido acordo complementar que o incumprimento definitivo do referido contrato e apenas este, conferia ao outorgante não faltoso, o direito a uma indemnização no montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros), a título de cláusula penal; os Primeiros Outorgantes cumpriram a sua parte do acordo, colocando, desde logo, à disposição do Município ..., a parcela que este entendeu necessária para a construção do referido arruamento; ao invés, o Município ..., até à presente data, ou seja, volvidos quase cinco anos e não obstante ter sido interpelado para tanto por várias vezes, não cumpriu aquilo a que se obrigou naquele acordo, nem pagou aos autores e aos chamados a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) a título de cláusula penal.

           Citado, o réu contestou arguindo a ilegitimidade ativa dos autores em virtude de CC e DD, também donos do imóvel de que uma parcela foi vendida ao réu, não serem autores nesta ação, a nulidade do acordo complementar à escritura de compra e venda em virtude de a deliberação da Câmara Municipal ... que autorizou o “Acordo de Cedência” não prever o estabelecimento de qualquer cláusula penal e, além disso, a obrigação de construção do arruamento no prédio dos autores é impossível de executar por colidir com as servidões e restrições que à luz do Plano Diretor Municipal de Paredes incidem sobre aquela área de território, constituindo uma condição contrária à lei e determinando a nulidade do contrato; ainda que o Plano Diretor Municipal de Paredes admitisse a construção do referido arruamento, o mesmo era e é fisicamente impossível de executar, por apresentar uma inclinação de 20% e por geologicamente ser constituído por rocha à vista, o que era do conhecimento dos autores e do então representante do réu, o que também determina a nulidade desse acordo; excecionou abuso do direito por parte dos autores por bem saberem exercer um direito que não lhes assiste e que viola manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito, pois bem sabiam que a Câmara Municipal ... não tinha aprovado as obrigações consagradas no acordo complementar, nem uma cláusula penal no montante de € 200.000,00, tal como sabiam que o então Presidente da Câmara Municipal ... não tinha poderes para obrigar o Município àquela cláusula penal, além de que não invocam qualquer prejuízo resultante do incumprimento do acordo complementar e, em todo o caso, os autores não invocam factos integradores do alegado incumprimento definitivo do contrato, concluindo pela procedência das exceções, com as consequências legais e, caso assim não se entenda, pela improcedência da ação, com absolvição do réu do pedido e, subsidiariamente, caso se julgue válido o Acordo Complementar à Escritura, requer a redução equitativa da cláusula penal por ser manifestamente excessiva.

           O réu foi notificado para, querendo, se pronunciar sobre o incidente de intervenção principal requerido pelos autores, nada tendo dito, sendo em 02 de dezembro de 2021 admitida a intervenção principal provocada do lado ativo requerida pelos autores, ordenando-se a citação dos chamados.

           Citados, os chamados vieram em 27 de janeiro de 2022 aderir à petição inicial dos autores.

           Designou-se data para realização de audiência prévia e antes ainda da realização desta diligência, foram os autores e os chamados notificados para, querendo, até à data designada para a audiência prévia responder à defesa por exceção deduzida pelo réu.

           Na audiência prévia os autores responderam oralmente às exceções invocadas pelo réu e requereram a condenação deste como litigante de má-fé, requerimento a que aderiram os chamados, tendo os autores sido convidados a formular por escrito a resposta às exceções e o pedido de condenação do réu como litigante de má-fé; fixou-se o valor da causa no montante de € 237.567,12, proferindo-se despacho saneador em que se julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade ativa dos autores, identificou-se o objeto do litígio, discriminou-se a factualidade que já se podia considerar assente, enunciaram-se os temas da prova, tendo o réu reclamado contra a enunciação dos temas da prova nºs 4 a 16, reclamação que foi indeferida, admitindo-se as provas oferecidas e requeridas pelas partes.

           Os autores e os chamados ofereceram resposta por escrito às exceções pugnando pela sua total improcedência e requereram a condenação do réu como litigante de má-fé ao pagamento de indemnização no montante de € 10.000,00 para cada um dos autores e chamados.

           O réu pronunciou-se sobre o pedido de que seja condenado como litigante de má-fé ao pagamento de indemnização, pugnando pela total improcedência desta pretensão.

           Realizou-se uma sessão da audiência final na qual foram ouvidas testemunhas, determinando-se a realização de diversas diligências e marcando-se dia para continuação da audiência final.

           Determinou-se a realização de perícia médico-legal ao autor AA a fim de aferir da sua capacidade auditiva e da efetiva possibilidade de o mesmo prestar depoimento de parte.

           Realizaram-se mais duas sessões da audiência final, a segunda delas com inspeção judicial ao local, documentada mediante gravação vídeo, ficando os autos a aguardar a realização da perícia médico-legal ao autor AA.

           Realizada a perícia médico-legal ao autor AA e notificado relatório pericial às partes, veio o réu requerer que o comportamento do autor na primeira sessão da audiência final ao declarar nada ouvir, seja livremente apreciado como recusa de colaboração com o tribunal.

           Posteriormente, o réu prescindiu do depoimento de parte do autor AA e realizou-se uma última sessão da audiência final em que os Senhores Advogados das partes proferiram alegações orais.

           Em 23 de fevereiro de 2023 foi proferida sentença[1] que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julgando-se a acção parcialmente procedente, decide-se:

a) condenar o réu a pagar aos autores e chamados a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde 23/09/2020 e até efectivo e integral pagamento, absolvendo aquele do demais peticionado;

b) absolver o réu do pedido de condenação como litigante de má fé.

Custas da acção a cargo dos autores, chamados e do réu, na proporção do respectivo decaimento.

Registe e notifique.

            Em 17 de abril de 2023, inconformado com a sentença cujo dispositivo precede, o Município ... interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1º Em violação do disposto no nº 4 do artº 607º CPC, a sentença “a quo” faz uma errada apreciação crítica das provas produzidas nos autos, descura na decisão sobre a matéria de facto assente um conjunto de factos instrumentais apurados nos autos, muito relevantes para a boa decisão da causa, e não utilizou as regras da experiência para extrair da factualidade apurada as devidas presunções;

2º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto:

“Os AA. e os Chamados sabiam que, à data da assinatura do Acordo Complementar, a parcela de terreno vendida ao R. integrava solo rural e solo florestal”;

3º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto:

“Os AA. e os Chamados sabiam que a obrigação da construção do arruamento no seu prédio, e que daria acesso à Rua ... ou à Rua ..., consagrado no Acordo Complementar à Escritura, colidia com as restrições do PDM que vinculavam aquele território”;

4º Deve ser levado á matéria de facto provada nos autos o seguinte facto:

“Os AA. e os Chamados tinham conhecimento que as normas em vigor do PDM não permitiam a construção daquele arruamento”;

5º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto:

“O arruamento previsto no Acordo Complementar é fisicamente impossível de executar, dadas as características do solo e ao declive superior a 20% do local onde estava previsto ser executado”;

6º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto:

“A natureza do terreno é de rocha à vista”;

7º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto:

“Os AA. e os Chamados sabiam que o arruamento era fisicamente impossível de executar devido às características do solo do terreno”;

8º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto:

“A não construção do arruamento não causou nenhum prejuízo aos AA. e Chamados”;

9º A prova produzida nos autos permitiu ao Tribunal deduzir um conjunto de factos instrumentais, relativos aos factos essenciais discutidos nos autos, que erradamente não foram levados à matéria julgada como provada na sentença;

10º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto instrumental:

“Não é possível executar um arruamento que ligue o prédio propriedade dos AA. e dos Chamados à Rua ..., porque o terreno daqueles não confronta e não tem ligação com aquela rua”;

11º deve ser levada à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto instrumental:

“Não é possível executar um arruamento que ligue o prédio propriedade dos AA. e dos Chamados à Rua ..., porque o terreno daqueles não confronta e não tem ligação com aquela rua”;

12º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto instrumental:

“O interesse na execução do arruamento previsto no Acordo Complementar era da Câmara Municipal ...”;

13º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto instrumental:

“O arruamento previsto no Acordo Complementar servia para dar acesso ao reservatório de água construído pela empresa A...”;

14º Deve ser levado à matéria de facto provada nos autos o seguinte facto instrumental:

“O Acordo Complementar celebrado entre os AA. e os Chamados e o R. deveria ter sido aprovado pela Câmara Municipal”;

15º Ao contrário do decidido pela sentença “a quo” o Acordo Complementar à escritura de compra e venda de terreno dos AA. e dos Chamados não é um contrato de permuta autónomo;

16º Fazia parte das condições aprovadas pela Câmara Municipal ... para a celebração do contrato de compra e venda da parcela de terreno dos AA. e dos Chamados, a cedência de um terreno para a abertura de um arruamento de acesso ao reservatório de água e não à parte sobrante do terreno dos AA. e dos Chamados;

17º As condições do Acordo Complementar alteram as condições do negócio aprovadas por deliberação da Câmara Municipal ...;

18º O Acordo Complementar é nulo, dado que o Presidente da Câmara em exercício de funções não tinha competência para alterar a deliberação da Câmara Municipal que aprovou as condições da compra e venda a celebrar com os AA. e os Chamados;

19º Ao assim não entender, a sentença “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação dos artºs. 36º, 37º nº 1, 161º nº 2 a), e 162º nº 1 do Código do Procedimento Administrativo;

20º Dado que a construção do arruamento previsto no Acordo Complementar era impossível de executar, este Acordo é nulo porquanto subordinado a uma condição contrária à lei e ofensiva dos bons costumes e da boa fé;

21º Ao assim não decidir, a sentença “a quo” faz uma errada interpretação e aplicação dos artºs. 271º nºs. 1 e 2 e 401º CC;

22º Está provado nos autos que os AA. e os Chamados não suportaram qualquer prejuízo com a não execução do arruamento, pelo que ao exigirem o pagamento da cláusula penal aqueles agem em manifesto abuso de direito, em violação do disposto no artº 334º CC;

23º Ao pretenderem inflacionar o preço da venda da parcela do seu terreno em mais 1.000%, os AA. e os Chamados apenas pretendem locupletar-se à custa do erário público, exercendo abusivamente um direito, o que lhe é vedado pelo artº 334º CC;

24º Ao assim não entender, a sentença “a quo” interpretou e aplicou erradamente o disposto no artº 334º CC;

25º Face à matéria apurada nos autos, é patente que estamos perante uma situação manifestamente abusiva que sempre justificaria a intervenção corretiva do Tribunal, à luz do disposto no artº 812º CC;

26º Verifica-se uma clara desproporção entre o montante da cláusula penal reclamada pelos AA. e os Chamados, e o valor da parcela de terreno vendida ao R., e, por outro lado, quaisquer prejuízos que se pudessem presumir pela não construção do arruamento;

27º A exigência dos AA. e dos Chamados em receber em acréscimo ao preço da venda da sua parcela de terreno, acordado no valor de € 19.273,00, uma indemnização no montante de € 200.000,00, é manifestamente abusiva e contrária aos superiores princípios da justiça e da boa fé, consagrados no nº 2 do artº 762º CC;

28º O Tribunal “a quo” deveria ter exercido o seu direito de reduzir para valor equitativo o montante da cláusula penal, determinado de acordo com critérios de justiça, conforme peticionado pelo R.;

29º Ao assim não decidir, o tribunal “a quo” faz uma errada interpretação e aplicação dos artºs. 334º, 762º nº 2, 811º nº 3 e 812º nº 1 CC.

           Os autores e os chamados responderam ao recurso pugnando pela sua total improcedência.

           O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

           Colhidos os vistos dos restantes membros do coletivo, cumpre agora apreciar e decidir.

           2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da reapreciação dos factos não provados sob os pontos 1 a 6 e 10 a 12[2] e da ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na factualidade provada de matéria que o recorrente qualifica de instrumental e identifica;

2.2 Da nulidade do acordo complementar;

2.3 Do abuso do direito dos recorridos ao exigirem o pagamento de cláusula penal;

2.4 Da redução equitativa da cláusula penal.

3. Fundamentos

3.1 Da reapreciação dos factos não provados sob os pontos 1 a 6 e 10 a 12[3] e da ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na factualidade provada da matéria que o recorrente qualifica de instrumental e identifica

O recorrente impugna os seguintes pontos de facto não provados:

- Os autores soubessem que, à data da assinatura do Acordo Complementar, a parcela de terreno vendida ao réu integrava-se em área classificada pelo Plano Diretor Municipal do concelho de Paredes (PDMP), como solo urbano e rural, nas categorias de zonas industriais, floresta complementar e floresta condicionada (ponto 1 dos factos não provados);

- Os autores soubessem que a obrigação da construção do arruamento no seu prédio, e que daria acesso à Rua ... ou à Rua ..., consagrada no Acordo Complementar à Escritura, colidisse e colida com as servidões e restrições de utilidade pública que à luz do PDMP, vinculam aquela área de território (ponto 2 dos factos não provados);

- O referido arruamento era e é fisicamente impossível de executar, isto porque o único local possível para executar um arruamento que passasse no prédio descrito em 1 dos factos provados, e que daria acesso à Rua ... ou à Rua ..., apresenta um declive de 20% (ponto 3 dos factos não provados);

- A sua natureza geológica é de rocha à vista (ponto 4 dos factos não provados);

- O declive do terreno e a sua natureza geológica impossibilitam a construção do arruamento previsto no Acordo Complementar à Escritura celebrada em 08-02-2013 (ponto 5 dos factos não provados);

- Os autores e o anterior Presidente da Câmara Municipal ..., bem sabiam que a obrigação de construir o arruamento era fisicamente impossível (ponto 6 dos factos não provados)[4];

- Os autores tinham conhecimento que as normas em vigor do PDMP não permitiam a construção daquele arruamento (ponto 10 dos factos não provados);

- E sabiam também que o arruamento em causa era fisicamente impossível de executar devido às características do solo do terreno (ponto 11 dos factos não provados);

- A não construção do arruamento não tivesse causado nenhum prejuízo aos autores e chamados (ponto 12 dos factos não provados).

Os factos que o recorrente qualifica de instrumentais[5] e que pretende sejam incluídos nos factos provados são os seguintes:

- Não é possível executar um arruamento que ligue o prédio propriedade dos AA. e dos Chamados à Rua ..., porque o terreno daqueles não confronta, e não tem ligação, com aquela rua (primeiro facto instrumental);

- Não é possível executar um arruamento que ligue o prédio propriedade dos AA. e dos Chamados à Rua ..., porque o terreno daqueles não confronta nem tem ligação, com aquela rua (segundo facto instrumental);

- O interesse na execução do arruamento previsto no Acordo Complementar era da Câmara Municipal ... (terceiro facto instrumental);

- O arruamento previsto no Acordo Complementar servia para dar acesso aos reservatórios de água construídos pela empresa A... (quarto facto instrumental)[6];

- O Acordo Complementar celebrado entre os AA. e os Chamados e o R. deveria ter sido aprovado pela Câmara Municipal (quinto facto instrumental).

           As respostas que o recorrente pretende sejam dadas à factualidade não provada impugnada são as seguintes:

            - Os AA. e os Chamados sabiam que, à data da assinatura do Acordo Complementar, a parcela de terreno vendida ao R. integrava solo rural e solo florestal;  

- Os AA. e os Chamados sabiam que a obrigação da construção do arruamento no seu prédio, e que dava acesso à Rua ... ou à Rua ..., prevista no acordo complementar à Escritura, colidia com as restrições do PDM que vinculavam aquele território;

- Os AA. e os Chamados tinham conhecimento que as normas em vigor do PDM não permitiam a construção daquele arruamento;

- O arruamento previsto no Acordo Complementar é fisicamente impossível de executar, dado as características do solo e ao declive superior a 20% do local onde estava prevista ser executado;

- A natureza do terreno é de rocha à vista;

- O AA. e os Chamados sabiam que o arruamento era fisicamente impossível de executar devido às características do solo do terreno.

-  A não construção do arruamento não causa nenhum prejuízo aos AA. e Chamados.

As provas que o recorrente indica para firmar as suas pretensões em sede de impugnação da decisão da matéria de facto são as seguintes:

- quanto aos pontos 1, 2 e 10 dos factos não provados, refere que o tribunal a quo deveria ter apreciado a conduta processual do autor AA quanto às consequências da sua surdez na prestação do depoimento de parte como uma recusa de cooperação e, nessa medida deveria ter julgado provada esta factualidade; os ficheiros 1, 2, 3 e 4 da inspeção ao local permitiram ao tribunal percecionar diretamente as características do terreno vendido pelos autores e chamados ao réu e o perfeito conhecimento que os vendedores tinham dessa realidade;

- quanto aos pontos 3, 4, 5 e 11 dos factos não provados, o recorrente reitera que a conduta processual do autor AA quanto às consequências da sua surdez na prestação do depoimento de parte deveria ter sido valorada como uma recusa de cooperação e, nessa medida deveria ter julgado provada esta factualidade; a inspeção judicial permitiu ao tribunal recorrido conhecer diretamente as características físicas da parcela de terreno vendida ao réu e bem assim das restantes partes desse terreno, como bem se evidencia dos ficheiros 2, 3, 4, 8 e 9 do auto de inspeção ao local; a testemunha engenheiro HH, diretor dos Serviços Municipais ..., pronunciou-se sobre a impossibilidade prática na execução do referido arruamento nas passagens que localiza no tempo da gravação, resumindo o conteúdo do depoimento nesse segmento;

- quanto ao ponto 12 dos factos não provados o recorrente refere que os autores e os chamados não articularam quaisquer prejuízos que tenham sofrido com a não construção do arruamento, nem os autores no depoimento de parte identificaram qualquer prejuízo suportado com a não construção do arruamento previsto no acordo complementar, tendo os autores e os chamados declarado ao tribunal, no auto de inspeção ao local que não pretendiam a construção do arruamento (ficheiro 9 do auto de inspeção ao local, minutos 00:02:24 a 00:2:52); por outro lado, no depoimento de parte que prestou, nas passagens que localiza temporalmente, a autora BB confessou que o interesse no arruamento era do réu; a testemunha GG, Presidente da Câmara do réu Município à data da assinatura do acordo complementar, declarou que o arruamento nele previsto servia para dar acesso aos reservatórios de água nas passagens que localiza temporalmente, resumindo o conteúdo desse depoimento; os teores dos depoimentos das testemunhas II, JJ e KK nas passagens que localiza temporalmente e cujo conteúdo resume;

- no que respeita ao primeiro facto instrumental que pretende seja julgado provado o recorrente indica o ficheiro 8 da inspeção ao local, nas passagens que localiza temporalmente;

- quanto ao segundo facto instrumental que pede seja julgado provado o recorrente invoca o ficheiro 9 da inspeção ao local;

- relativamente ao terceiro facto instrumental o recorrente invoca o depoimento de parte da autora BB nas passagens que localiza temporalmente e os depoimentos das testemunhas GG, II e KK, nas passagens que localiza temporalmente;

- no que tange o quarto facto instrumental o recorrente baseia a sua pretensão recursória no teor dos depoimentos das testemunhas II e KK nas passagens que localiza temporalmente;

- no que se prende com o quinto facto instrumental o recorrente abona-se com o teor dos depoimentos das testemunhas GG, LL e KK, nas passagens que localiza temporalmente.

O tribunal recorrido motivou os pontos de facto impugnados pelo recorrente da forma que segue:

No que respeita ao não apuramento dos factos dados como não provados, os mesmos não são suportados pela prova produzida.

Na verdade, os factos em questão não foram confirmados por nenhuma das testemunhas ouvidas e não resultam dos documentos juntos aos autos, sendo certo que a testemunha MM afirmou que, quando lhe incumbiram essa tarefa, deslocou-se ao local e confirmou que a construção do arruamento em questão era fisicamente possível, sem prejuízo de ter um custo elevado, o que corresponde ao contrário do que foi alegado pela ré.

Cumpre apreciar e decidir.

A nosso ver, o recorrente observa suficientemente os ónus que recaem sobre quem impugna a decisão da matéria de facto, pois indica os pontos de facto impugnados, as respostas pretendidas e os meios de prova documental e pessoal que suportam essas pretensões probatórias, localizando as passagens da gravação (artigo 640º, nº 1 e nº 2 alínea a), do Código de Processo Civil), pelo que, se estiver em causa matéria passível de prova[7], cumprirá proceder à reapreciação da prova documental pertinente e bem assim da prova gravada de modo a que este Tribunal da Relação forme de modo autónomo a sua convicção probatória relativamente aos pontos de facto impugnados e sem prejuízo da cognição de pontos de facto não impugnados na estrita medida do necessário para remover eventuais contradições nos fundamentos de facto.

Contudo, como amiúde sucede em ações em que se controvertem situações jurídicas em que são relevantes as características do local e em que por isso os autos estão instruídos com mapas, plantas e levantamentos topográficos, o acesso do tribunal ad quem à prova produzida perante o tribunal a quo é sempre mais limitado porque quase nunca se consegue ter uma perceção precisa ou sequer aproximada daquilo que os diversos depoentes vão apontando ou assinalando nos mapas, plantas e desenhos que lhes vão sendo exibidos no decurso da audiência final[8].

Não obstante a observância dos ónus que recaem sobre o impugnante da decisão da matéria de facto, quanto à pretendida ampliação da decisão da matéria de facto com inclusão na mesma de matéria que o recorrente qualifica de instrumental, cumpre aferir da viabilidade legal desta pretensão.

Nos termos do disposto na alínea c), do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, além do mais, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão da primeira instância, quando não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida, quando considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto.

Assim, a ampliação da decisão da matéria de facto só deve ter lugar quando se conclua que a matéria dela objeto é indispensável para o conhecimento das diversas questões suscitadas pelas partes e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito em aberto.

Por outro lado, ainda que se conclua pela necessidade de ampliação da decisão da matéria de facto, isso não determina obrigatoriamente a anulação da decisão recorrida, pois que, sempre estejam ao dispor da segunda instância todos os elementos do processo que permitam a necessária ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório, deve a ampliação da decisão da matéria de facto processar-se na segunda instância[9].

Ora, por definição, os factos instrumentais são factos probatórios, factos que servem para provar factos essenciais e dada esta feição probatória não devem ser incluídos nos fundamentos de facto, antes devem ser relevados em sede de análise crítica da prova produzida e, sendo caso disso, contribuir para a prova ou não prova de factos essenciais que devem constar dos aludidos fundamentos.

Deste modo, os factos instrumentais que o recorrente pretende que estão provados relevam apenas na estrita medida em que provem ou possam contribuir para a prova de factos essenciais, não devendo em caso algum ser inseridos nos fundamentos de facto.

Ora, relativamente ao terceiro e quarto facto instrumental é notório que podem relevar para a prova do ponto 12 dos factos não provados e, nessa medida, se acaso se provarem, serão tidos em conta quando se proceder à reapreciação deste ponto de facto.

No que respeita ao primeiro e ao segundo facto instrumental afigura-se-nos que não têm qualquer relevo probatório de qualquer facto essencial, já que no acordo complementar em que foi convencionada a obrigação do ora recorrente proceder à abertura de um arruamento não consta que tal arruamento dá acesso direto do prédio dos recorrido às aludidas ruas, mas apenas que com a abertura desse arruamento o prédio dos recorridos ficaria com acesso a estas vias.

Trata-se por isso de matéria inócua, não tendo sequer relevância instrumental, como pretende o recorrente, razão pela qual, atenta a sua patente inutilidade, mesmo em termos meramente instrumentais, não deve o labor de reapreciação da prova gravada incidir sobre tal matéria.

Na verdade, a reapreciação da prova gravada tem em vista uma possível alteração da decisão da matéria de facto em pontos relevantes para a boa decisão da causa e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito e não uma determinação da realidade dos factos, independentemente do relevo que possam ter nas questões de direito decidendas.

Assim, sendo proibida a prática no processo de atos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil), deve com tal fundamento indeferir-se a reapreciação da prova gravada para averiguação da realidade do primeiro e segundo factos que o recorrente identificou como instrumentais.

No que respeita ao quinto facto instrumental, por não constituir matéria de facto, mas sim de forma clara matéria de direito, também não reúne os atributos necessários para se constituir como objeto probando em sede de ampliação da decisão da matéria de facto.

Na realidade, é objeto deste ponto matéria que envolve a interpretação do alcance da deliberação da Câmara Municipal que autorizou a celebração do negócio, razão pela qual também quanto a este quinto facto que o recorrente qualifica como instrumental, por integrar matéria de direito, indefere-se a pretendida ampliação, ainda que com o referido escopo probatório.

Procedeu-se à análise crítica da prova documental pertinente para a pretendida impugnação da decisão da matéria de facto, como seja o acordo complementar à escritura nº ... de oito de fevereiro de 2013 oferecido pelos autores como documento nº 4 com a petição inicial[10], o acordo de cedência datado de 22 de novembro de 2007 que integra o documento nº 2 oferecido pelo réu com a sua contestação[11], a certidão nº ... junta de folhas 127 a 140 do processo físico[12] e o primeiro  aditamento à certidão nº ... de 14 de junho de 2022 e junto de folhas 181 a 200 do processo físico[13], ouviu-se a prova pessoal gravada e reproduziram-se os nove ficheiros da inspeção ao local realizada no dia 28 de junho de 2022.

A autora BB prestou depoimento de parte em que nada confessou, respondendo quase sempre por monossílabos, por vezes apenas percetíveis pelo que a Sra. Juíza que presidiu à audiência final ia repetindo. De útil referiu que a negociação que levou à celebração do negócio celebrado com o réu teve a intervenção, segundo crê, de seu cunhado II, que o arruamento talvez fosse também do interesse dos autores e dos chamados, emitindo a opinião de que podia construir no seu terreno.

GG, Presidente da Câmara Municipal ... entre 2005 e 2017, representou o réu na compra e venda e no acordo complementar em discussão nestes autos, desconhecendo se este acordo foi celebrado no mesmo dia da compra e venda ou posteriormente. Declarou ter um conhecimento superficial dos autores e chamados e que relativamente à cláusula penal constante do acordo complementar recorda algo por ter sido contactado há uns meses atrás pelo Sr. Dr. NN para apuramento de factos tendo em vista a defesa do réu. Desconhece detalhadamente as restrições e servidões que possam impender sobre o prédio dos autores e dos chamados, mas tem ideia de um compromisso por parte do réu no sentido de envidar esforços junto das autoridades competentes para alteração do uso do solo naquele local. Na sua perspetiva, o arruamento previsto no acordo complementar era do interesse de ambas as partes, dizendo depois que era do interesse da Câmara a fim de aceder aos reservatórios e voltando posteriormente a afirmar que era do interesse de ambas as partes. Frisou que se limitou a consumar os compromissos que tinham sido acordados pelo anterior executivo e que o acordo complementar lhe foi de certeza proposto pelos serviços da Câmara. A previsão da cláusula penal ter-lhe-á sido apresentada pelos serviços da Câmara pois que não participou na negociação. Se porventura, esse acordo complementar tinha de ser presente a reunião de Câmara e não o foi, isso ter-se-á devido a falha dos serviços. Sabe vagamente a localização do terreno e que a Câmara tinha interesse no arruamento para aceder aos reservatórios, enquanto os donos do terreno tinham interesse nessa obra para urbanização dos terrenos. Na altura dos factos, era vereadora do ambiente a Sra. OO e antes dela tinha desempenhado essas funções o Sr. KK. Desconhece se é possível construir no imóvel dos autores e dos chamados, crendo que existe alguma restrição, embora não saiba se incide sobre a totalidade ou apenas parte do terreno. Na sua perspetiva, a inclinação do terreno não constitui obstáculo à construção do arruamento, apenas tendo incidência nos custos e o montante da cláusula penal pode ter a ver com os custos da construção do arruamento.

II, irmão do autor AA e cunhado da autora BB, declarou ter sido incumbido pelos irmãos de negociar com a Câmara as condições de cedência de terreno para construção de reservatórios de água. Como não tinham acesso aos reservatórios, acordaram fazer um acesso por baixo, obrigando-se a Câmara a fazer as infraestruturas e se as não fizessem a pagar uma indemnização de duzentos mil euros. Pensa que por parte da Câmara as negociações foram conduzidas pelo Dr. GG. Entretanto, a Câmara fez negócio com um dono de um terreno da parte de cima e fizeram por aí um acesso aos reservatórios, não fazendo o acesso por baixo que tinha sido negociado. O Sr. Presidente da Câmara chegou a dizer-lhe que era mais barato pagar a indemnização do que fazer o acesso por baixo. O arruamento era para permitir o acesso aos reservatórios, mas também era bom para o terreno de seus irmãos. Com a construção dos reservatórios, o terreno de seus irmãos ficou sem o acesso em terra que tinha por esse lado.

PP, mediador imobiliário, amigo do chamado CC e bem assim do então Presidente da Câmara Municipal ..., Sr. GG, a pedido do primeiro intercedeu junto deste último no sentido de ser celebrada a escritura de compra e venda do terreno onde haviam sido construídos reservatórios de água e na sequência de uma negociação que se arrastava desde o ano 2000, em que não teve intervenção e que tinha sido conduzida pelo anterior Presidente da Câmara Municipal ..., o Sr. QQ. Esteve presente na data da celebração da escritura de compra e venda, tendo-se a Câmara obrigado a abrir um arruamento com passeios até 2016 e não o fazendo pagaria uma indemnização de duzentos mil euros.

JJ, urbanista na área de planeamento regional e urbano, funcionária no Município ... desde 1998 e a exercer presentemente as funções de chefe de divisão de planeamento e gestão urbanística, referiu que recentemente passou pelos seus serviços uma certidão sobre os condicionamentos urbanísticos do terreno em causa nestes autos, na área compreendida entre os reservatórios de água e a Rua ..., reproduzindo o que foi exarado na referida certidão. Referiu que a abertura de um arruamento não altera a edificabilidade do solo em que é implantado.

MM, engenheiro civil aposentado, técnico superior por conta do réu desde 2017 a 2021, em 2015 ou 2016 deslocou-se ao local onde foram construídos os reservatórios de água na companhia do então Presidente da Câmara Municipal ... e do antigo Presidente da Junta de Freguesia ..., Sr. II a fim de ver as condições de abertura de um arruamento dos reservatórios de água até um arruamento já existente. A abertura desse arruamento era uma exigência dos donos do terreno. Depois da deslocação ao local, referiu ao Presidente da Câmara que a abertura desse arruamento embora tecnicamente viável, tinha algumas dificuldades resultantes do declive do terreno e da natureza rochosa do solo a determinar o uso de explosivos e, consequentemente, com custos mais elevados. Foi-lhe dito que a abertura do arruamento foi um compromisso assumido pela Câmara em troca do terreno dos depósitos de água.

LL, chefe de divisão na Câmara Municipal ... há mais de dez anos, presta apoio aos órgãos municipais e ao Notário Privativo do Município, procedendo à recolha de toda a documentação necessária à celebração das escrituras de compra e venda. Elaborou a informação junta ao processo físico de folhas 50 verso a 51. Declarou que o acordo de cedência datado de 22 de novembro de 2007 e junto de folhas 51 verso a 52 verso do processo físico foi aprovado pelo executivo. Não recorda se foi por si elaborado o acordo adicional à escritura de compra e venda, mas com certeza deve ter sido uma exigência dos proprietários e deve ter sido minutado por determinação do Sr. Presidente da Câmara. O Sr. Presidente da Câmara Municipal tinha competências delegadas para adquirir, alienar e onerar bens imóveis. Ninguém a questionou sobre a necessidade de aprovação do acordo complementar pelo executivo. Não tem conhecimento de qualquer procedimento tendente à invalidação do acordo complementar.

OO, professora do ensino básico, vereadora no Município ... durante cerca de vinte anos, no período compreendido entre 1996 e outubro de 2012, titular do pelouro do ambiente entre 2009 e 2012, declarou não ter qualquer conhecimento dos factos objeto destes autos.

KK, gestor, vereador do Município ... com o pelouro do ambiente, além de outros no período compreendido entre 1998 e 2005, declarou não ter tido qualquer intervenção no negócio e no acordo complementar porque nessa data já não exercia funções no Município, tendo-se o processo iniciado quando ainda exercia funções. Depois de um levantamento cadastral, fez diligências no sentido de contactar os donos do terreno onde se pretendia construir os reservatórios. Não tem presente se o processo de negociação se concluiu no seu mandato. Teve reuniões com alguns dos proprietários, sendo uma das condicionantes a execução de um arruamento para acesso aos reservatórios. Pensa que na execução da obra houve uma alteração no acesso aos reservatórios, não se seguindo o que inicialmente estava previsto. Não tem presente se a Câmara perante os proprietários do terreno assumiu a obrigação de executar um arruamento. Não conhece o acordo complementar. Não fechou nenhum acordo. Esteve sempre em cima da mesa um arruamento de acesso exigido pela empresa concessionária das A.... O reservatório terá sido construído em 2004/2005, posteriormente à negociação.

Na acareação das testemunhas GG, II, PP e HH, a testemunha GG referiu que procurou refrescar a memória, estabelecendo para tanto contactos com funcionários camarários e vereadores chegando à conclusão que tinham sido construídos os reservatórios sem que tivesse sido celebrado a escritura de compra e venda e, contactados os donos do terreno para o efeito, estes recusaram-se a outorgar a escritura enquanto o Município não assumisse a obrigação de executar o arruamento inicialmente previsto. Nessa altura optaram pela fixação de uma cláusula indemnizatória porque os proprietários não acreditavam que o Município honrasse o acordado. O valor da cláusula indemnizatória foi fixado aquém do custo que seria necessário para a execução do arruamento. Aquando da sua intervenção, já existia um acesso aos reservatórios do lado oposto ao que havia sido inicialmente previsto. A testemunha GG declarou que havia interesse do Município e dos proprietários na construção do arruamento mesmo depois de construído o acesso aos reservatórios para urbanização do local, consolidando o território. A decisão das condições do acordo complementar foi da responsabilidade da testemunha GG, no âmbito das suas competências delegadas. Declarou ainda que as caraterísticas do solo, do ponto de vista urbanístico, não contendiam com a execução do arruamento pois sempre podia vir a ocorrer uma desafetação dos solos.

Resumido o que de essencial resultou da prova pessoal produzida em duas sessões da audiência final é tempo de apreciar cada um dos pontos de facto impugnados pelo recorrente.

No que respeita aos pontos 1, 2 e 10 dos factos não provados, apesar de se poder concluir que as dificuldades de audição do réu AA terão sido algo exageradas na primeira sessão da audiência final, não se nos afigura que só por isso se possa concluir por uma recusa a depor por parte deste.

Na verdade, a prestação de depoimento em audiência não é comparável com a prestação informal de declarações no decurso de uma inspeção judicial em que a proximidade física entre os diversos intervenientes é muito maior do que a que se verifica na sala de audiência.

Por outro lado, ainda que eventualmente se pudesse configurar uma recusa a depor do autor AA, a mesma apenas se poderia projetar negativamente na sua esfera jurídica e não na esfera jurídica da autora e dos intervenientes principais do lado ativo.

As características físicas do terreno dos autores que é possível percecionar nas gravações vídeo da inspeção ao local não são por si só bastantes para permitir uma extrapolação para a classificação desse solo no Plano Diretor Municipal e os seus diversos condicionamentos.

Está em causa matéria eminentemente técnica que não está ao alcance do comum das pessoas.

Assim, tudo sopesado, não foi produzida prova que permita concluir pela existência de um erro na apreciação e valoração do tribunal recorrido relativamente aos pontos 1, 2 e 10 dos factos não provados, improcedendo por isso a impugnação pelo recorrente desta matéria.

Debrucemo-nos agora sobre os pontos 3, 4, 5, 6 e 11 dos factos não provados.

À semelhança dos que se referiu a propósito da impugnação dos pontos 1, 2 e 10 dos factos não provados e com os fundamentos então aduzidos, a conduta do autor AA não é passível de se configurar como uma recusa a depor e, ainda que o fosse, os reflexos probatórios de tal conduta processual teriam de se cingir à esfera jurídica do recusante.

O que se perceciona na gravação vídeo da inspeção judicial não permite qualquer conclusão sobre a impossibilidade física de execução do arruamento, matéria que dado o seu caráter técnico exigiria a produção de prova pericial para uma esclarecida resposta com emissão de um pertinente juízo pericial.

Ao contrário do que é afirmado pelo recorrente, a testemunha MM, engenheiro civil, pronunciou-se claramente no sentido do arruamento previsto poder ser executado, a tanto não obstando nem o declive, nem a eventual natureza rochosa do solo, circunstâncias que apenas se refletiriam nos custos agravados da execução da obra.

Assim, face ao exposto, devem manter-se intocados os pontos 3, 4, 5, 6 e 11 dos factos não provados, improcedendo a impugnação do recorrente no que esta matéria respeita.

           Debrucemo-nos agora sobre a impugnação do ponto 12 dos factos não provados.

A não articulação de qualquer prejuízo por parte dos recorridos em consequência da não construção do arruamento é irrelevante para a prova deste ponto de facto impugnado pois que sendo exigido o pagamento do montante de uma cláusula penal, o credor está dispensado de alegar e provar os prejuízos sofridos, bastando a alegação e prova do incumprimento que determina a aplicação da cláusula penal.

Ao contrário do que refere o recorrente, a autora BB declarou que a abertura do arruamento seria também do interesse dos donos do terreno, sendo certo que não acompanhou as negociações, nas quais, segundo crê, terá tido papel preponderante seu cunhado II.

No decurso da inspeção judicial não houve qualquer manifestação de vontade por parte dos autores e dos chamados no sentido de que não pretendiam a construção do arruamento, tendo isso sim sido declarado por alguém que se identificou como mandatário dos autores e dos chamados, sem que exista nos autos alguém munido de procuração com poderes especiais que o habilite a representar todos estes sujeitos processuais[14].

De todo o modo, ainda que pudesse considerar expressa esta vontade por parte dos recorridos, não se pode dela extrair inequivocamente a conclusão de que a não construção do arruamento não lhes causa qualquer prejuízo. De facto, estando em causa uma situação que se vem arrastando há longos anos e sendo a contraparte litigante uma autarquia local, seria compreensível que os recorridos pretendessem uma solução tanto quanto possível rápida para o litígio e que não fosse fonte de novas demoras.

A testemunha GG declarou, ainda que com oscilações, que o interesse no arruamento era de ambas as partes.

O depoimento da testemunha II foi no sentido de que com a construção dos reservatórios ficou inviabilizado o acesso ao prédio dos autores[15] e intervenientes por esse lado e que o arruamento inicialmente previsto era também bom para o terreno de seus irmãos.

A testemunha HH declarou que a abertura do arruamento era uma exigência dos donos do terreno, pronunciando-se no mesmo sentido a testemunha LL.

A testemunha JJ nada de relevante referiu a propósito da matéria vertida neste ponto de facto.

Finalmente, a testemunha KK declarou que uma das condições do negócio era a abertura de um arruamento para acesso aos reservatórios, desconhecendo se o Município se obrigou perante os proprietários do terreno a abrir esse arruamento.

Assim, sopesada toda a prova produzida, tendo ainda em conta que de acordo com as regras da experiência comum a acessibilidade a um imóvel é um fator de valorização do mesmo e que por isso a privação de um acesso a um imóvel constitui um prejuízo para o dono do mesmo, entende-se que o tribunal recorrido apreciou corretamente a prova produzida, improcedendo a impugnação do ponto 12 dos factos não provados.

Pelo exposto, improcede na totalidade a impugnação e ampliação da decisão da matéria de facto, mantendo-se intocados os fundamentos de facto exarados na sentença recorrida.

3.2 Fundamentos de facto exarados na sentença recorrida e que se mantêm atenta a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelo recorrente, não se divisando qualquer fundamento para a sua alteração oficiosa

3.2.1 Factos Provados


3.2.1.1

Encontra-se registada a favor dos autores e dos chamados CC e DD, desde 19/05/1989, a aquisição por compra do seguinte prédio: Prédio rústico com a área total de 41.150,20 m2, denominado por “...”, também conhecido por “...”, inscrito na respetiva matriz com o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob a descrição ... (oitenta e três), situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Paredes, a confrontar de Norte com EE, de Sul com CC e AA, de Nascente com FF e de Poente com limite da freguesia / Avenida (alínea A) dos factos assentes).

3.2.1.2

Este prédio tinha a área inicial de 48.000 m2 (alínea B) dos factos assentes).

3.2.1.3

Esta área de terreno foi reduzida devido a algumas operações, nomeadamente devido à venda de uma parcela ao réu Município ... com a área de 963,65 m2 e pelo preço de € 19.273,00 (dezanove mil, duzentos e setenta e três euros) - alínea C) dos factos assentes.

3.2.1.4

Esta venda foi efetuada em 08/02/2013, através de escritura efetuada no Cartório Privativo da Câmara Municipal, à qual foi atribuído o n.º ... (alínea D) dos factos assentes).

3.2.1.5

No dia 08/02/2013, por documento intitulado “acordo complementar à escritura n.º ... de oito de Fevereiro de 2013”, CC, DD, AA e BB, todos na qualidade de primeiros outorgantes, e o Município ..., na qualidade de segundo outorgante, no ato representado por GG, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal, declararam o que consta do documento n.º 4 junto com a petição inicial e designadamente o seguinte: “O segundo outorgante, em nome da sua representada, compromete-se a executar um arruamento que passará no prédio propriedade dos primeiros outorgantes e que dará acesso a um dos seguintes arruamentos: Rua ... ou Rua ..., até final do ano de 2016”; “Para o efeito, os primeiros outorgantes cedem ao segundo outorgante a parcela de terreno necessária à construção do referido arruamento”; “O incumprimento definitivo do presente contrato e apenas este, confere ao outorgante não faltoso, o direito a uma indemnização no montante de € 200.000 € (duzentos mil euros), a título de cláusula penal.” (alínea E) dos factos assentes).

3.2.1.6

Os autores e os chamados interpelaram, por mais do que uma vez, o réu Município ... para que o mesmo executasse um arruamento a passar no prédio descrito em 1 [3.2.1.1], arruamento este que daria acesso a um dos seguintes arruamentos: Rua ... ou Rua ... (alínea F) dos factos assentes).

3.2.1.7

No dia 22 de setembro de 2020, a Sr.ª Dr.ª RR, Advogada, enviou à ré uma carta registada com o seguinte teor vertido no doc. 05 junto com a petição inicial:

Assunto: incumprimento do acordo complementar à escritura 3/2013 de 8 de fevereiro de 2013

Exmo. Sr. Presidente

Dirijo-me a V. Exa na qualidade de advogada dos Exmos. Sr. AA e mulher BB (cuja procuração segue me anexo), que me mandataram para interpelar V. Exas. Sobre o acordo denominado “acordo complementar à escritura 3/2013 de 8 de fevereiro de 2013” celebrado no mesmo dia 8 de fevereiro de 2013, entre os meus constituintes juntamente com CC e mulher DD, na qualidade de proprietários do prédio rústico inscrito na matriz rútica sob o artigo ... da freguesia ... e descrito na conservatória do registo predial de paredes sob o n.º ... e o Município ..., mediante o qual este Município, representado pelo Sr. Presidente da Câmara, se comprometeu a executar um arruamento que passaria no aludido prédio e que daria acesso a um dos seguintes arruamentos: Rua ... ou Rua ..., até final do ano de 2016.

Mais ficou estipulado, que o incumprimento definitivo do referido acordo confere ao outorgante não faltoso o direito a uma indemnização de € 200.0000,00, a título de cláusula penal.

Tendo decorrido quase quatro sobre o prazo da execução do referido arruamento, e não foi dada qualquer justificação para a não execução da obra, não restam dúvidas que o Município ... incumpriu definitivamente com o acordo.

Face ao exposto, serve a presente para, em representação dos meus constituintes supra identificados, interpelar V. Exa ao pagamento da cláusula penal acordada.

Aguardo por 15 dias uma resposta de V. Exa., findo esse prazo intentarei a competente ação Judicial.

Com os melhores cumprimentos,

Junto: procuração” (alínea G) dos factos assentes).


3.2.1.8

Volvidos quase três meses sem que o réu Município ... tivesse dado qualquer resposta àquela carta, em 07/12/2020 a Sr.ª Dr.ª RR remeteu nova carta registada com o teor vertido no doc. 06 junto com a petição inicial e com o seguinte teor:

Assunto: incumprimento do acordo complementar à escritura 3/2013 de 8 de fevereiro de 2013

Exmo. Sr. Presidente

           Na sequência da minha missiva enviada no dia 23 de setembro do corrente ano, em representação dos Exmos. Sr. AA e mulher BB, da qual não obtive qualquer resposta, venho pela presente numa última e derradeira tentativa de resolução extrajudicial deste litígio, solicitar uma resposta, até ao dia 15 deste mês, findo esse prazo intentarei a competente ação Judicial.

           Com os melhores cumprimentos” (alínea H) dos factos assentes).


3.2.1.9

O Município decidiu a compra da parcela identificada em 3 [3.2.1.3] através da deliberação de 05-09-2005, da Câmara Municipal ..., destinando-a à construção do Reservatório de Água R10, em ..., freguesia ..., integrado na rede municipal de abastecimento de água, tudo nos seguintes moldes vertidos no doc. nº 1 junto com a contestação:

Titulo do assunto Aquisição de terreno para a construção do reservatório R10 em ... – ...

Data 2005-09-05 Tipo de reunião Ordinária

Assunto Presente à reunião uma informação do Vice-Presidente, Drº KK, referente a aquisição duas parcelas de terreno, uma com a área de setecentos e oitenta e seis virgula trinta e cinco metros quadrados e outra com a área de novecentos e sessenta e três virgula sessenta e cinco metros quadrados, para a construção do Reservatório R10 em ..., freguesia .... Após apreciação, a Câmara deliberou, por unanimidade a aquisição das referidas parcelas, pelo montante de vinte euros o metro quadrado.

Esta deliberação foi aprovada em minuta.” (alínea I) dos factos assentes).


3.2.1.10

Entretanto, constatou-se que naquela deliberação estava erradamente identificado o nome do proprietário da parcela de terreno a adquirir, EE, pelo que, por deliberação de 19-12-2007, da Câmara Municipal ..., foi retificado o teor da deliberação de 05-09-2005, decidindo o Município adquirir a identificada parcela de terreno com a área de 963,65m2 aos Senhores CC e AA, pelo montante de € 20,00 (vinte euros) o metro quadrado, tudo nos seguintes moldes vertidos no doc. nº 2 junto com a contestação:

Reunião Ordinária da Câmara Municipal

Data Reunião – 2007/12/19

Contrato de Aquisição de Terreno para Construção do Reservatório R10 em ...-...-Aprovação

Presente à reunião, uma informação da Divisão Administrativa, referente à aquisição de terreno para construção do Reservatório R10 em ..., .... Após apreciação, a Câmara deliberou, por unanimidade, rectificar deliberação tomada em 05/09/2005, na parte referente à aquisição de uma parcela de terreno com a área de 963,65 m2 ao Senhor II, uma vez que a aquisição daquela parcela será feita a CC e AA, pelo montante de vinte euros o metro quadrado. Mais foi deliberado, com a mesma votação, aprovar o acordo de cedência, que se anexa, com todas as condições nele contidas.” (alínea J) dos factos assentes).


3.2.1.11

Nessa deliberação de 19-12-2007 foi também decidido aprovar o “Acordo de Cedência” anexado à Informação de 22-11-2007, da Divisão Administrativa da Câmara Municipal ..., tudo nos moldes vertidos no mencionado doc. nº 2 junto com a contestação[16] (alínea K) dos factos assentes).

3.2.1.12

Aquele “Acordo de Cedência”, aprovado por deliberação de 19-12-2007, da Câmara Municipal ..., regia-se pelas seguintes cláusulas: “1ª – Os segundos outorgantes [CC, casado com DD e AA casado com BB] vendem pelo preço de € 19.273,00, uma parcela de terreno, com a área de 963,65 m2, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ... – ..., destinada à construção do reservatório de abastecimento de água R10; 2ª – O Município ... promoverá a abertura de um novo arruamento de acesso, devido ao desaparecimento do existente, originado pela construção do reservatório.; 3ª – O Município ... efetuará as ligações de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais domésticas para os seguintes locais (exceto taxas de ligação e contrato): - Rua ..., ... (1 ramal de água, 1 ramal de saneamento); - Rua ..., ... (1 ramal de água, 1 ramal de saneamento); - Rua ..., ... (2 ramais de água, 1 ramal de saneamento); - ..., ... (1 ramal de água, 1 ramal de saneamento) - alínea L) dos factos assentes.

3.2.1.13

A Câmara Municipal ... não deliberou vincular o Município à cláusula penal invocada pelos autores e que veio a constar do “Acordo Complementar à Escritura”, de 08-02-2013 (alínea M) dos factos assentes).

3.2.1.14

Logo após o dia 8/02/2013, os autores e os chamados colocaram à disposição do réu Município ... a parcela que este entendeu necessária para a construção do arruamento referido no documento descrito no anterior ponto 5 [3.2.1.5].

3.2.1.15

O réu Município ... não deu qualquer resposta à carta referida em 8 dos factos provados [3.2.1.8].

3.2.1.16

O réu, representado pelo então Presidente da Câmara, tinha conhecimento, desde 2013, da cláusula penal invocada pelos autores e que veio a constar do “Acordo Complementar à escritura do 08-12-2013”.

3.2.1.17

A área onde o terreno identificado em 1 [3.2.1.1] se insere, e concretamente a área onde se insere a parcela referida em 14 [3.2.1.14], possuía e possui as classificações/qualificações, servidões e restrições de utilidade pública descritas na certidão emitida em 14 de junho de 2022, junta de fls. 181 a 200 dos autos, com o seguinte teor:

Pelouro de Planeamento e Urbanismo

Divisão de Planeamento

1º Aditamento à Certidão N.º ... [[17]]

(emitida em 11/05/2022)

SS, Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal ..., certifica, no processo nº ..., requerimento nº ..., que a parcela restante, identificada na planta topográfica apensa aos autos e localizada nas plantas anexas, e de acordo com a base de dados de Planos Municipais de Ordenamento do Território – PMOTs do Projeto SIGPLA, possui as seguintes classificações/qualificações, servidões e restrições de utilidade pública:
1. O PMOT que classificava a parcela, à data de acordo complementar de 08-12- 2013, era o Plano Diretor Municipal – PDM de Paredes publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/94 de 8 de julho,
1.1 A planta de Ordenamento do PDM, classifica a parcela restante, delimitada nas plantas anexas como:

Zona de Ocupação Industrial – Zona Industrial;

Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Condicionada, (artigos 35.º, 36.º, 37.º e 38.º do regulamento do PDM de Paredes), cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação), não sendo considerada a localização de indústria, residualmente abrangida por uma área afeta à Reserva Ecológica Nacional – REN;

Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Complementar (artigos 25.º e 26.º do regulamento do PDM), cuja área mínima para edificação é de 3000 m2 (habitação) e 10.000 m2 (indústria);
1.2 A Planta de Condicionantes do PDM, identifica que a parcela é residualmente abrangida por uma área afeta à Reserva Ecológica Nacional, conforme planta;
2. O PMOT, em vigor, à data de hoje, é o Plano Diretor Municipal de Paredes, publicado pelo aviso n.º .../2014, de 22 de maio, alterado pelos avisos n.º .../2018 de 15 de outubro e n.º .../2021 de 3 de agosto.
2.1 A planta de Ordenamento do PDM classifica a já referida parcela como:
Solo Urbano:  Espaço Residencial – Área Residencial de Baixa Densidade;
Solo Urbano: Espaço de Atividades Económicas – Área de Atividades Económicas;
Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal (Artigos 68.º e 69.º do Regulamento do PDM) Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal, cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação) e 35.000m2 (indústria), não sendo permitidas operações de loteamento;
2.2 A Planta de condicionantes do PDM, que identifica no espaço em apreço as seguintes servidões e restrições de utilidade publica:
2.2.1 Reservatório de água, sendo que a alínea a) do artigo 50.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “Na vizinhança das captações para abastecimento público e redes de adução e distribuição de água, são interditas, cumulativamente, as seguintes intervenções: a) A edificação de novas construções numa faixa/raio de 10 metros à volta dos furos/galerias de captação de água”;
2.2.2 Linhas Elétrica, da Rede Elétrica, neste âmbito o artigo 52.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “O licenciamento de infraestruturas e demais construções, públicas e privadas, na vizinhança da rede de energia elétrica deverá respeitar o prescrito na legislação aplicável”;
3. Áreas Classificadas com Perigosidade de Incêndio Elevada e Muito Elevada (Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal). Neste âmbito, o decreto-lei n.º 82/2021 de 13 de outubro, que estabelece o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as sua regras de funcionamento, refere “nas áreas da APPS correspondentes às classes de perigosidade de incêndio rural «elevada» e «muito elevada», delimitadas na carta de perigosidade de incêndio rural ou já inseridas na planta de condicionantes do plano territorial aplicável, nos termos do n.º 6 do artigo 41.º, em solo rústico, com exceção dos aglomerados rurais, são interditos os usos e as ações de iniciativa pública que se traduzam em operações de loteamento e obras de edificação, com as exceções previstas no artigo 60.º”

Mais certifica, que foi também consultada a base de dados de Planos Municipais de Ordenamento de Território para aferição da classificação/qualificação, servidões e restrições de utilidade pública para a área entre a Rua ..., Rua ... e a Rua ..., tendo-se apurado:
4. O PMOT que classificava o espaço, à data do Acordo Complementar de 08-02-2013, era o Plano Diretor Municipal – PDM de Paredes, publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/94, de 8 de julho,
4.1 A planta de Ordenamento do PDM, classifica a área como Zona de Ocupação Industrial – Zona Industrial. A área entre o referido Reservatório e a Rua ... como Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Complementar (artigos 25.º e 26.º do regulamento do PDM), cuja área mínima para edificação é de 3000 m2 (habitação) e 10.000m2 (indústria) e por último a área entre Rua ... e a Rua ... como Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Condicionada (artigos 35.º, 36.º, 37.º e 38.º do regulamento do PDM de Paredes), cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação), não sendo considerada a localização de industria;
4.2 A Planta de Condicionantes do PDM, identifica na referida área:
4.2.1 No espaço entre a Rua ... e a Rua ... a existência de leitos de cursos de água;
4.2.2 No espaço a Norte da Rua ..., uma área de REN – Reserva Ecológica Nacional.
5. O PMOT, em vigor, à data de hoje, é o Plano Diretor Municipal de Paredes, publicado pelo aviso n.º .../2014, de 22 de maio, alterado pelos avisos n.º .../2018 de 15 de outubro e n.º .../2021 de 3 de agosto.
5.1 A planta de Ordenamento do PDM classifica a área como Solo Urbano: Espaço de Atividades Económicas – Área de atividades Económicas. (tratando-se de uma área menor, relativamente ao PDM publicado pela Resolução do Conselho de Ministros de n.º 40/94 de 8 de julho). O espaço entre a Rua ... e a Rua ... e o Reservatório encontra-se classificada como Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal, cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação) e 35.000m2 (indústria), não sendo permitidas operações de loteamento;
5.2 A Planta de condicionantes do PDM, identifica no espaço em apreço as seguintes servidões e restrições de utilidade publica:
5.2.1 Reservatório de água, sendo que a alínea a) do artigo 50.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “Na vizinhança das captações para abastecimento público e redes de adução e distribuição de água são interditas, cumulativamente, a seguintes intervenções: a) A edificação de novas construções numa faixa/raio de 10 metros à volta dos furos/galerias de captação de água”;
5.2.2 Linhas Elétrica, da Rede Elétrica, neste âmbito o artigo 52.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “O licenciamento de infraestruturas e demais construções, públicas e privadas, na vizinhança da rede de energia elétrica deverá respeitar o prescrito na legislação aplicável”;
6. Áreas Classificadas com Perigosidade de Incêndio Elevada e Muito Elevada (Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal). Neste âmbito, o decreto-lei n.º 82/2021 de 13 de outubro, que estabelece o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as sua regras de funcionamento, refere “nas áreas da APPS correspondentes às classes de perigosidade de incêndio rural «elevada» e «muito elevada», delimitadas na carta de perigosidade de incêndio rural ou já inseridas na planta de condicionantes do plano territorial aplicável, nos termos do n.º 6 do artigo 41.º, em solo rústico, com exceção dos aglomerados rurais, são interditos os usos e as ações de iniciativa pública que se traduzam em operações de loteamento e obras de edificação, com as exceções previstas no artigo 60.º”

Certifica, ainda, que por imperativo legal, se encontra a decorrer a adaptação dos planos Municipais de Ordenamento do Território às novas regras de classificação e qualificação dos solos.

E, para os devidos efeitos, se passou a presente certidão que vai ser por mim assinada e autenticada com o selo branco deste Município.

E, TT, Coordenadora Técnica, a redigiu.

Paredes, 14 de junho de 2022”.

3.2.2 Factos não provados


3.2.2.1

Os autores soubessem que, à data da assinatura do Acordo Complementar, a parcela de terreno vendida ao réu integrava-se em área classificada pelo Plano Diretor Municipal do concelho de Paredes (PDMP), como solo urbano e rural, nas categorias de zonas industriais, floresta complementar e floresta condicionada.

3.2.2.2

Os autores soubessem que a obrigação da construção do arruamento no seu prédio, e que daria acesso à Rua ... ou à Rua ..., consagrada no Acordo Complementar à Escritura, colidisse e colida com as servidões e restrições de utilidade pública que à luz do PDMP, vinculam aquela área de território.

3.2.2.3

O referido arruamento era e é fisicamente impossível de executar, isto porque o único local possível para executar um arruamento que passasse no prédio descrito em 1 dos factos provados, e que daria acesso à Rua ... ou à Rua ..., apresenta um declive de 20%.

3.2.2.4

A sua natureza geológica é de rocha à vista.

3.2.2.5

O declive do terreno e a sua natureza geológica impossibilitam a construção do arruamento previsto no Acordo Complementar à Escritura celebrada em 08-02- 2013.

3.2.2.6

Os autores e o anterior Presidente da Câmara Municipal ..., bem sabiam que a obrigação de construir o arruamento era fisicamente impossível.

3.2.2.7

Ao celebrarem o Acordo Complementar à Escritura, os autores bem sabiam que as obrigações nele consagradas a seu favor não tinham sido aprovadas pela Câmara Municipal ....

3.2.2.8

Os autores sabiam que a Câmara Municipal ... tinha deliberado aprovar a compra do seu terreno pelo preço acordado € 20,00 (vinte euros) por metro quadrado, mas não tinha aprovado uma cláusula penal para o caso de não ser executado o arruamento no seu terreno.

3.2.2.9

Os autores sabiam também que o então Presidente da Câmara Municipal ..., Dr. GG, não tinha poderes para sujeitar o Município à referida cláusula penal.

3.2.2.10

Os autores tinham conhecimento que as normas em vigor do PDMP não permitiam a construção daquele arruamento.

3.2.2.11

E sabiam também que o arruamento em causa era fisicamente impossível de executar devido às caraterísticas do solo do terreno.

3.2.2.12

A não construção do arruamento não tivesse causado nenhum prejuízo aos autores e chamados.

4. Fundamentos de direito

4.1 Da nulidade do acordo complementar

O recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida porque, na sua perspetiva, o acordo complementar datado de 08 de fevereiro de 2013 é nulo por ter sido celebrado pelo então Presidente da Câmara Municipal, com usurpação de poderes, negando autonomia a tal acordo que, em seu entender, integra condições complementares ao contrato de compra e venda de terreno deliberado pela Câmara Municipal ..., não estando provado que a Câmara Municipal na deliberação que aprovou o negócio a celebrar com os autores e chamados tenha aceite executar o arruamento nos termos previstos no acordo complementar e bem assim que tenha vinculado o Município à cláusula penal invocada pelos autores e que veio a constar do referido acordo complementar; além disso pugna pela nulidade do acordo complementar em virtude da execução do arruamento nele prevista em violação do acordo de cedência deliberado pela Câmara Municipal e de impossível execução integra condição contrária à lei, ofensiva dos bons costumes e da boa-fé.

Na sentença recorrida, relativamente a esta problemática, no essencial, escreveu-se o seguinte:

Decorre dos factos provados que este negócio é, em parte, a renovação do acordo de cedência aprovado pela deliberação Câmara Municipal ... de 19/12/07, no sentido de o Município réu se obrigar para com os autores e chamados, entre outras coisas, a abrir um acesso ao prédio dos mesmos melhor descrito em 1 dos factos provados, devido ao desaparecimento do acesso existente originado pela construção do mencionado reservatório (cfr. ponto 12 dos factos provados), tratando-se de um só e mesmo negócio.

E, além de renovar e reiterar este acordo, acrescentou ainda que:

a) o referido acesso seria aberto no prédio propriedade dos autores e chamados, que se obrigaram, em contrapartida, a ceder ao réu a parcela de terreno necessária à construção do referido arruamento;

b) o referido acesso ligaria esse prédio à Rua ... ou à Rua ...;

e,

c) o incumprimento definitivo do presente contrato e apenas este, confere ao outorgante não faltoso o direito a uma indemnização no montante de € 200.000,00, a título de cláusula penal.

Estes acrescentos não foram objecto de deliberação por parte da Câmara Municipal ..., tendo sido assumidos pelo réu, representado pelo então Presidente da Câmara.

Ora, em nosso entender e como já referimos, este negócio é conexo com a supra descrita compra e venda, mas é absolutamente autónomo em relação à mesma.

Isto porque as obrigações emergentes deste segundo negócio não são sinalagmáticas de qualquer obrigação decorrente da mencionada compra e venda.

E a conexão existente reconduz-se, apenas, à circunstância de este novo negócio ter sido celebrado em virtude de aquela compra e venda, e subsequente construção do reservatório, ter feito desaparecer o acesso existente ao prédio dos autores e chamados descrito em 1 dos factos provados, concretamente à sua área sobrante após aquele primeiro negócio, sem que, neste, tivesse sido estipulada qualquer quantia indemnizatória decorrente deste facto a pagar pelo réu aos autores e chamados.

Ora, este segundo negócio consubstancia um contrato bilateral atípico, dado que as obrigações dele emergentes não correspondem a nenhuma daquelas que são próprias dos contratos tipificados na lei civil.

O referido negócio foi celebrado ao abrigo da liberdade negocial prevista no art. 405º do CC e aproxima-se da figura da permuta, porquanto os autores e os chamados transferem para o património privado do réu uma parcela de terreno do seu prédio para este construir o mencionado arruamento, obrigação a que o réu se vinculou, recebendo os autores e chamados em troca o direito real de aceder à parte sobrante do seu prédio através desse arruamento (servidão de passagem).

Ao contrato de permuta são aplicáveis as regras relativas ao contrato de compra e venda, por ser o que lhe é mais próximo (art. 939º do CC).

(…)

Trata-se de uma relação obrigacional, na medida em que surge para os intervenientes uma a obrigação, recíproca e concomitante, de entrega de uma coisa, adstrita a cada um dos contraentes – cfr. al. b) do art. 879º do CC – e, ao mesmo tempo de feição real, dado que, através do acto da troca, cada um dos contraentes transfere para o outro a dominialidade de que cada um era detentor relativamente às coisas ou direitos que são objecto do acto de troca ou permuta – cfr. artigos. 879º, al. a), e 408º, n.º 1, do CC -, no caso concreto os autores e chamados transferiam para o património privado do réu a dominialidade da parcela onde aquele tinha de construir o arruamento e o réu constituía a favor daqueles o direito a aceder por aquele arruamento à área sobrante do seu prédio.

(…)

Aqui chegados, importa referir que a obrigação assumida pelo réu de abertura do arruamento para garantir aos autores e chamados o acesso à área sobrante do seu prédio, em virtude do desaparecimento com a construção do reservatório do acesso anteriormente existente, foi deliberada pela respectiva Câmara.

E os acrescentos ao negócio em causa referidos supra, nas alíneas a) e b), mais não são do que obrigações acessórias de localização do mencionado arruamento a construir pelo réu – obrigação principal -, destinadas a regulamentar e concretizar a forma de cumprimento daquela obrigação principal.

E, a ser assim, como entendemos que é, quanto às mesmas, não há qualquer problema de validade por alegada falta e/ou usurpação de poderes por parte do Presidente da Câmara ... à época, o qual, para este efeito, tinha poderes, por si só, para vincular o réu, nos termos dos arts. 64º, a contrario, e 68º, n.º 1, als. a), b) e c), da L n.º 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações nela introduzidas até à L n.º 67/07, de 31/12, esta inclusive, por se tratar da lei em vigor à data da celebração do negócio.

Do mesmo modo, entendemos que o acrescento ao negócio referido supra, na alínea c), ou seja, a cláusula penal, se reconduz apenas a uma obrigação acessória destinada a regulamentar o bom, pontual e integral cumprimento da obrigação principal do réu de construir o arruamento e, assim, constituir a favor dos autores e dos chamados o direito de passagem e acesso pelo mesmo de e para a área sobrante do seu prédio em troca da transferência para o património do réu da parcela de terreno desse prédio cedida por aqueles para a construção daquele arruamento.

(…)

Assim sendo, como entendemos que é, forçoso é concluir que, apesar dos mencionados acrescentos não terem sido objecto de deliberação/aprovação pela Câmara Municipal, o então Presidente da Câmara não actuou com falta de poderes ou usurpação de poderes na celebração do acordo descrito em 5 dos factos provados, porquanto o podia celebrar em representação da Câmara, por si só e sem aprovação daquele órgão, na medida em que o mesmo visou a execução da obrigação principal efectivamente deliberada/aprovada pelos órgãos competentes.

(…)

O réu vem, ainda, arguir a nulidade do negócio em causa com o fundamento de que o mesmo é juridicamente impossível de executar por colidir com as servidões e restrições de utilidade pública que, à luz do PDMP, vinculam aquela área do território, tudo nos termos dos arts. 271º e 401º do CC.

Porém, da análise do ponto 17 dos factos provados e do teor da certidão aí referida não resulta que a construção daquele arruamento colida com as servidões e restrições de utilidade pública, sendo certo que o réu adquiriu a parcela referida em 4 dos factos provados para construir um reservatório de água naquela área e os autores e chamados já antes tinham um acesso ao seu prédio, pelo que improcede automaticamente a excepção em causa.

No entanto, mesmo que assim não fosse, no que não se concede, sempre não ocorreria uma impossibilidade jurídica da construção desse arruamento, porquanto o PDMP não é um instrumento imutável e o réu sempre pode, a cada momento, diligenciar pelo adaptar às necessidades existente a cada momento.

Cumpre apreciar e decidir.

No acordo de cedência celebrado com data de 22 de novembro de 2007 e aprovado pelo executivo municipal, o Município ... assumiu a obrigação de promover a abertura de um novo arruamento de acesso, devido ao desaparecimento do existente, originado pela construção do reservatório (cláusula 2ª do acordo de cedência).

O texto desta cláusula aponta no sentido de estar em causa um arruamento para acesso ao prédio dos autores e chamados, pois o que da mesma resulta é que a construção do reservatório implicou o desaparecimento do acesso até então existente.

Se estivesse simplesmente em causa o acesso ao reservatório, o Município não assumiria uma obrigação de abertura de um arruamento, antes zelaria por que lhe fosse cedido solo para nele implantar esse acesso ao reservatório, tal como cuidou de obter a aquisição da propriedade do solo necessário à implantação do reservatório.

Neste contexto, concorda-se com a decisão recorrida quando considerou que as obrigações assumidas em primeiro e segundo lugar no acordo complementar datado de 08 de fevereiro de 2013 são meramente concretizadoras da obrigação assumida no acordo de cedência datado de 22 de novembro de 2007, acordo este aprovado pelo executivo municipal.

Daí que no que respeita estas obrigações não se possa configurar qualquer violação das regras da competência por parte do então Presidente da Câmara Municipal[18], não enfermando o acordo complementar, nesta parte, de qualquer vício.

No entanto, já não acompanhamos a decisão recorrida quando considera que a estipulação de uma cláusula penal no mesmo acordo complementar “se reconduz apenas a uma obrigação acessória destinada a regulamentar o bom, pontual e integral cumprimento da obrigação principal do réu de construir o arruamento e, assim, constituir a favor dos autores e dos chamados o direito de passagem e acesso pelo mesmo de e para a área sobrante do seu prédio em troca da transferência para o património do réu da parcela de terreno desse prédio cedida por aqueles para a construção daquele arruamento.

A nosso ver, a estipulação de cláusula penal interfere na garantia da relação jurídica[19] estabelecida entre os autores e intervenientes e o Município ..., modelando-a dentro do espaço que o legislador confere à autonomia das partes (vejam-se os artigos 809º e 810º, ambos do Código Civil).

A estipulação da cláusula penal não é meramente concretizadora da obrigação de construção do arruamento que havia sido assumida pelo Município ... no acordo de cedência de 22 de novembro de 2007 e, sendo embora acessória na medida em que interfere na garantia de uma situação jurídica previamente definida e ajustada entre as partes, envolve uma vinculação das partes precipuamente dirigida a tal fim, exigindo o acordo das partes para tal efeito (veja-se o nº 1 do artigo 810º do Código Civil).

Por isso, a nosso ver, não se pode retirar da assunção pelo réu Município ... da obrigação de abertura de um arruamento para facultar o acesso ao prédio dos autores e intervenientes a possibilidade de estipulação de uma cláusula penal para garantia do cumprimento daquela obrigação.

Nesta medida, o então Presidente da Câmara Municipal ... não se limitou a concretizar uma deliberação da Câmara Municipal e, ao invés, inovou acordando sobre o estabelecimento de uma cláusula penal para reforço da garantia de cumprimento do acordo complementar concretizador do acordo de cedência aprovado pela Câmara Municipal ....

Não tendo o então Presidente da Câmara Municipal ... feito menção de que outorgava o acordo complementar com delegação de poderes (veja-se o artigo 38º do Código de Procedimento Administrativo então vigente e aprovado pelo decreto-lei nº 442/91 de 15 de novembro), afigura-se-nos que não compete ao réu a demonstração de que o mesmo agiu sem delegação de poderes[20].

Importa por isso determinar se o Sr. Presidente da Câmara tinha competência para convencionar uma cláusula penal para reforço da garantia do cumprimento de obrigações assumidas pela Câmara Municipal e, sendo a resposta negativa, definir qual a consequência jurídica dessa conduta.

Na sentença recorrida entendeu-se que o estabelecimento de cláusula penal no denominado acordo complementar se enquadrava dentro da competência própria do Presidente da Câmara, à luz do disposto nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 68º da Lei nº 169/99 de 18 de setembro, na redação vigente à data da outorga daquele instrumento negocial.

A nosso ver, a aplicação da alínea c) do nº 1 do artigo 68º da Lei nº 169/99 de 18 de setembro está de todo excluída pois não está em causa assegurar a execução de deliberação da Assembleia Municipal ou o cumprimento de decisões de órgãos da Assembleia Municipal.

A alínea b) do nº 1 do artigo 68º da Lei nº 169/99 de 18 de setembro apenas dá cobertura às obrigações concretizadoras das que foram assumidas pela Câmara Municipal no acordo de cedência de 22 de novembro de 2007, excluindo-se do âmbito de aplicação desta previsão o estabelecimento da cláusula penal, por ser inovatória e pelas razões que antes se adiantaram.

Finalmente, a alínea a) do nº 1 do artigo 68º da Lei nº 169/99 de 18 de setembro nenhum relevo tem para aferição da competência do Presidente da Câmara para acordar no estabelecimento de uma cláusula penal de duzentos mil euros em garantia do cumprimento do acordo complementar celebrado com data de 08 de fevereiro de 2013, pois que não está em causa uma função de simples representação mas antes a prática de um ato negocial, de alcance patrimonial não despiciendo, sem que se preencha uma qualquer previsão legal atribuidora de competência própria ao referido agente e sem uma deliberação da entidade representada que se possa considerar executada pela referida entidade ao outorgar tal ato negocial.

Assim, conclui-se que o Sr. Presidente da Câmara Municipal ... não tinha competência para no acordo complementar datado de 08 de fevereiro de 2013 convencionar o estabelecimento de uma cláusula penal indemnizatória no montante de duzentos mil euros.

Significa isto que nessa parte o referido acordo é nulo por ter ocorrido usurpação de poderes, como pretende o recorrente?

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 29º do Código de Procedimento Administrativo, na redação que vigorava em 08 de fevereiro de 2013, a competência é definida por lei ou regulamento e é irrenunciável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes e à substituição.

Por outro lado, é nulo todo o ato ou contrato que tenha por objeto a renúncia à titularidade ou ao exercício da competência conferida aos órgãos administrativos, sem prejuízo da delegação de poderes e figuras afins (nº 2 do artigo 29º do Código de Procedimento Administrativo).

No caso dos autos está em causa a celebração de um acordo negocial por parte de um órgão de uma autarquia local sem que tenha competência para o efeito, cabendo essa competência a outro órgão da mesma pessoa coletiva, no caso, a Câmara Municipal.

Trata-se de uma incompetência relativa e não de uma incompetência absoluta[21].

Por isso, ao invés do que sustenta o recorrente, não está em causa uma nulidade decorrente de usurpação de poderes, tal como previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 133º do Código de Procedimento Administrativo que vigorava na data em que foi outorgado o acordo complementar, mas sim uma anulabilidade como decorre do artigo 135º do referido Código de Procedimento Administrativo, já que a incompetência relativa não está contemplada no artigo 133º do referido código.

Ora, o ato anulável produz efeitos até que seja invalidado e a anulabilidade é sanável pelo decurso do tempo, tendo expirado há muito o prazo para impugnação do ato em causa (artigo 136º do Código do Procedimento Administrativo que temos vindo a citar).

Deste modo, conclui-se que a violação das regras de competência por parte do Sr. Presidente da Câmara ... ao subscrever o acordo complementar datado de 08 de fevereiro de 2013, contendo a estipulação de uma cláusula penal indemnizatória não contende com a sua eficácia jurídica, achando-se sanada a sua invalidade em consequência do decurso do tempo.

E enferma o referido acordo complementar de nulidade por ser de execução impossível a abertura do arruamento, porque contrário aos condicionamentos urbanísticos no local do prédio dos autores e chamados, constituindo assim uma condição nula nos termos previstos nos artigos 271º e 401º, ambos do Código Civil.

Que dizer?

Salvo melhor opinião, o recorrente erra ao qualificar a obrigação de abertura do arruamento por si assumida como uma condição, sendo certo que não se divisa no acordo complementar qualquer cláusula que tenha subordinado a eficácia jurídica dessa obrigação à verificação de um facto futuro e incerto (veja-se o artigo 270º do Código Civil).

Está em causa a assunção de uma obrigação civil, juridicamente coercível e que como qualquer obrigação está sujeita aos requisitos gerais da licitude do negócio jurídico (artigos 280º e 401º, nº 1, ambos do Código Civil).

Ora, os condicionamentos urbanísticos que o recorrente sustentou impedirem a execução do aludido arruamento não se verificam de facto como é bem evidenciado do teor da certidão reproduzida no ponto 3.2.1.17 dos factos provados. Na realidade, resulta desta certidão que o terreno dos autores e dos chamados permite diversas utilizações urbanísticas e, além disso, como bem refere a sentença recorrida, a realidade definida pelos planos urbanísticos não é imutável.

Assim, também esta alegada nulidade não se verifica, improcedendo esta questão recursória.

4.2 Do abuso do direito dos recorridos ao exigirem o pagamento de cláusula penal

O recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida porque, na sua perspetiva, os recorridos agem com abuso do direito já que está provado que os autores e os chamados não suportaram qualquer prejuízo com a não execução do arruamento e ao pretenderem inflacionar o preço da venda da parcela do seu terreno em mais 1.000%, os autores e os chamados apenas pretendem locupletar-se à custa do erário público, exercendo por essas razões abusivamente um direito, o que lhes é vedado pelo artigo 334º do Código Civil.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 810º do Código Civil, as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível, convenção denominada cláusula penal.

Trata-se da chamada cláusula penal indemnizatória que se contrapõe à cláusula penal compulsória.

Na cláusula penal indemnizatória o devedor pode afastar a sua aplicação provando a inexistência de qualquer dano, pois, nessa eventualidade, falta um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e a cláusula penal indemnizatória é uma mera liquidação antecipada do montante da obrigação de indemnizar[22].

Ora, no caso dos autos, o recorrente não logrou provar a inexistência de qualquer prejuízo decorrente da não execução do arruamento (veja-se o facto não provado sob o nº 12) e ao invés, logo no acordo de cedência celebrado em 22 de novembro de 2007, o ora recorrente reconhecia que em consequência da construção do reservatório, o prédio dos autores e chamados ficou sem o acesso de que até então dispunha.

Além disso, não parece oferecer dúvida de que o desaparecimento de um acesso a um prédio constitui um prejuízo, podendo sim discutir-se o seu valor, ou seja, o correspetivo monetário necessário para a remoção desse dano, já que não está em causa a execução específica da abertura do arruamento.

No entanto, a liquidação antecipada do dano mediante a cláusula penal acordada entre as partes dispensa esta determinação concreta do dano sofrido[23].

Finalmente, visando a abertura do arruamento a reposição de uma utilidade que o prédio dos autores e dos chamados beneficiava, é de todo desajustada a comparação do valor ajustado para a cláusula penal com o preço ajustado para o solo cedido para a construção do reservatório, pois estão em causa realidades de facto totalmente díspares.

O acionamento da cláusula penal visa o ressarcimento do prejuízo decorrente da inexecução por parte do recorrente da obrigação de abertura do arruamento, pelo que é com relação a esta obrigação que se há de aferir a cláusula penal ajustada pelas partes.

Assim, ao contrário do que pretende o recorrente, os recorridos fizeram valer o direito à indemnização liquidada antecipadamente mediante a fixação de cláusula penal para reparação de prejuízos efetivos reconhecidos há muito pelo próprio recorrente, não se divisando qualquer excesso por parte dos recorridos na exigência da importância ajustada entre as partes[24] que implique uma ofensa intolerável dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito de indemnização de que os recorridos são titulares por força do incumprimento definitivo do ora recorrente.

Ofensiva da boa-fé é a conduta do recorrente que volvida mais de uma década sobre a satisfação do seu interesse mediante a aquisição do solo necessário à implantação de um reservatório de água insiste em não honrar a obrigação de indemnização decorrente da não abertura do arruamento nos termos constantes do acordo de cedência de 22 de novembro de 2007 e concretizado no acordo complementar de 08 de fevereiro de 2013.

Pelo exposto, improcede esta questão recursória.

4.3 Da redução equitativa da cláusula penal

O recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida porque, na sua perspetiva, a cláusula penal reclamada pelos autores e chamados deveria ter sido reduzida de acordo com a equidade, amparando-se normativamente no disposto no nº 3 do artigo 811º, nº 3 e no nº 1 do artigo 812º, ambos do Código Civil.

Na sentença recorrida, sobre esta problemática escreveu-se o seguinte:

Por fim, resta apreciar a defesa subsidiária do réu, no sentido da redução equitativa do valor da cláusula penal, nos termos dos arts. 811º, n.º 3, e 812º, do CC.

Já vimos e defendemos que existe um prejuízo efectivo dos autores e chamados e que o caso em apreço não é subsumível ao disposto no art. 811º, n.º 3, do CC.

E, por outro lado, não está alegado e não está provado qualquer outro facto que permita concluir que o valor da cláusula penal manifestamente excessivo.

A nosso ver, não incumbia aos autores e chamados alegar e provar que o prejuízo por eles sofrido tem o valor de € 200.000,00.

Isto porque foi acordada uma cláusula penal dessa ordem de grandeza, a significar que as partes, por acordo, aceitaram que a indemnização decorrente do incumprimento definitivo tinha aquele valor e tacitamente aceitaram que esse era o valor do prejuízo adveniente desse incumprimento (cfr. art. 810º, n.º 1, do CC).

Assim, incumbiria ao réu alegar e provar que assim não foi, de molde a permitir a redução da cláusula penal (cfr. arts. 342º, n.º 2, e 812º, n.º 1, do CC).

Porém, o réu não provou que os autores não tivessem sofrido qualquer prejuízo, nem alegou, subsidiariamente, que o prejuízo sofrido era inferior, concretizando o valor do mesmo, a 200.000,00.

Consequentemente, não se tem por demonstrada qualquer circunstância que justificasse a redução pretendida, improcedendo a mesma.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 811º do Código Civil, o credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.

A interpretação deste preceito não é doutrinalmente pacífica, afigurando-se-nos que a interpretação veiculada pelo Professor António Pinto Monteiro[25] é a mais correta, pelo que tal previsão apenas será aplicável nos casos em que seja convencionada a reparação do dano excedente.

De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 812º do Código Civil, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula qualquer estipulação em contrário.

No caso em apreço, não só o recorrente não logrou demonstrar que a não abertura do arruamento a que se obrigou não causa qualquer prejuízo aos autores e chamados, como resultou demonstrado o prejuízo concreto do desaparecimento do acesso ao prédio dos autores e chamados com a construção do reservatório.

Por outro lado, ao sustentar a inexistência de qualquer prejuízo da parte dos recorridos com a não abertura do arruamento, o recorrente descurou a alegação e subsequente prova de que os danos sofridos pelos ora recorridos eram manifestamente inferiores ao valor fixado para a cláusula penal.

Ora, para que a cláusula penal acordada pelas partes possa ser reduzida de acordo com a equidade é imprescindível que se provem factos donde resulte que é manifestamente excessiva.

Assim, para que se pudesse concluir por essa manifesta excessividade era imperativo que se provasse o valor concreto do prejuízo que se visa reparar com a exigência da cláusula penal e que se pudesse concluir que o montante desta última era ostensivamente excessiva para reparação do dano sofrido.

Sucede que não existe qualquer factualidade provada que permita determinar o montante do dano que se visa indemnizar com a cláusula penal acionada pelos autores e chamados nestes autos.

Por isso, improcede esta pretensão de redução da cláusula penal, improcedendo in totum a apelação e sendo as custas do recurso da responsabilidade do recorrente por ter ficado vencida em todas as questões recursórias que suscitou (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelo Município ... e, em consequência, em confirmar a sentença recorrida proferida em 23 de fevereiro de 2023, nos segmentos impugnados.

Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.


***

O presente acórdão compõe-se de quarenta e nove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 05 de fevereiro de 2024
Carlos Gil
Ana Paula Amorim
Miguel Baldaia de Morais
________________
[1] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 24 de fevereiro de 2023.
[2] Note-se que o recorrente, impugna sete pontos de facto pugnando por que sejam dados como provados, sem curar de nas conclusões do recurso identificar precisamente a que pontos dos factos não provados se refere. Porém, tendo em conta que transcreve cada um dos factos que impugna e que desse modo é possível identificar a que pontos dos factos não provados se refere, entende-se suficientemente observado o ónus de identificação precisa da matéria de facto impugnada (alínea a) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil). Acresce que a identificação precisa destes pontos de facto com referência à numeração constante da sentença figura no corpo das alegações.
[3] Note-se que o recorrente impugna sete pontos de facto pretendendo que sejam dados como provados, sem curar de identificar precisamente a que pontos dos factos não provados se refere. Porém, tendo em conta que transcreve cada um dos factos que impugna e que desse modo é possível identificar a que pontos dos factos não provados se refere, entende-se suficientemente observado o ónus de identificação precisa da matéria de facto impugnada (alínea a) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil).
[4] Embora o recorrente não se refira explicitamente ao ponto 6 dos factos não provados é notória a sua similitude com o ponto 11 dos factos não provados e, por isso, deve também considerar-se impugnado na parte em que respeita aos autores.
[5] Apesar desta qualificação, o recorrente afirma que tais factos são essenciais à boa decisão da causa (ponto XVIII, página 15, do corpo das alegações do recorrente). Ora, são melhor opinião, os factos instrumentais são factos probatórios e, de per si, não podem ser considerados factos essenciais, podendo assim suceder com os factos que se destinam a provar. No entanto, não está excluída a possibilidade de um facto instrumental servir para a prova de outro facto instrumental e este, por sua vez, destinar-se à prova de um facto essencial.
[6] O recorrente sustenta que da prova do terceiro e do quarto facto instrumental resulta a prova do facto essencial de que a não execução do arruamento previsto no acordo complementar não causou qualquer prejuízo aos autores e chamados.
[7] Esta ressalva tem em vista a eventual existência de matéria de direito na factualidade impugnada e bem assim matéria conclusiva sem que tenha sido produzida prova pericial que permita suportar tais juízos de valor ou conclusões (veja-se o artigo 388º do Código Civil, na parte em que se refere à apreciação de factos por meio de peritos).
[8] No limite, isso pode nalguns casos determinar o indeferimento da reapreciação da decisão da matéria de facto em virtude de o tribunal ad quem não ter ao seu dispor todo o manancial probatório de que o tribunal a quo dispôs. Sublinhe-se que no caso dos autos, a Sra. Juíza que presidiu à audiência final teve sempre o cuidado de localizar no processo físico os elementos com que os depoentes foram sendo confrontados.
[9] A este propósito, por todos, veja-se Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, página 358, primeiro parágrafo.
[10] Este acordo intitulado “Acordo Complementar à Escritura nº ... de Oito de Fevereiro de 2013”, exarado em papel com um logotipo aparentemente do réu no cabeçalho, à esquerda e com os seguintes dizeres, no mesmo cabeçalho, à esquerda: “... ... Paredes Tel: ... Fax: ... ...”, tem o seguinte teor: “Primeiros: CC, NIF ..., natural da freguesia ..., concelho de Paredes, titular do cartão de cidadão ... emitido pela República Portuguesa e válido até 16/06/2015 e DD, NIF ..., casados sob o regime da comunhão de adquiridos, natural da freguesia ..., concelho de Tarouca, titular do cartão de cidadão ... emitido pela República Portuguesa e válido até 26/04/2017, ambos residentes no Lugar ..., freguesia ..., deste concelho. AA, NIF ..., natural da freguesia ..., concelho de Paredes, titular do cartão de cidadão ... emitido pela República Portuguesa, válido até 27/09/2015, e BB, NIF ..., natural da freguesia ..., concelho de Paredes, titular do B.I. ... emitido em 18/10/2002, pelos SIC do Porto, ambos residentes no Lugar ..., freguesia ..., desde concelho. Segundo: Município ..., Pessoa Coletiva de Direito Público número ..., com sede no ..., freguesia ..., aqui representado por GG, casado, natural da freguesia ..., deste concelho, com domicílio necessário no edifício Paços do Concelho, sito no ..., freguesia ..., na qualidade de Presidente da Câmara Municipal com poderes legais para obrigar nos termos da alínea a) do número um, do artigo 68 da Lei número 169/99 de 18 de Setembro, alterada pela Lei número 5-A/2002 de 11 de Janeiro. Que em complemento à escritura nº ..., lavrada em oito de Fevereiro de 2013, estabelecem o seguinte acordo: - O segundo outorgante, em nome da sua representada, compromete-se a executar um arruamento que passará no prédio propriedade dos primeiros outorgantes e que dará acesso a um dos seguintes arruamentos: Rua ... ou Rua ..., até final do ano de 2016. – Para o efeito, os primeiros outorgantes cedem ao segundo outorgante a parcela de terreno necessária à construção do referido arruamento – O incumprimento definitivo do presente contrato e apenas este, confere ao outorgante não faltoso, o direito a uma indemnização no montante de 200.000 € (duzentos mil euros), a título de cláusula penal. – Os outorgantes aceitam o presente acordo, nos precisos termos em que se encontra exarado, pelo que o vão assinar em sinal da sua ratificação. Paredes, 08 de Fevereiro de 2013.” Após a menção “Os primeiros outorgantes” estão manuscritas as seguintes assinaturas legíveis: “CC”, “DD da DD Nu[segue-se uma parte ilegível]”, “AA” e “BB”. Sob a menção “O segundo outorgante” está aposta uma assinatura ilegível. No canto inferior direito da última folha deste Acordo Complementar consta um carimbo com o seguintes dizeres: “Termo de Autenticação É fotocópia do original com o qual conferi e está conforme, contém [segue-se um espaço em branco no qual foi manuscrita a palavra “uma”] folhas Câmara Municipal ..., [segue-se a seguinte data, manuscrita “2013/02/08”] O Director do DAJAF, achando-se sob este dizer uma assinatura manuscrita, ilegível.
[11] O Acordo de Cedência, com data de 22 de novembro de 2007 e sem qualquer assinatura no final do mesmo, tem o seguinte conteúdo: “Primeiro Outorgante: - GG, casado, natural da freguesia ..., deste concelho, com domicílio necessário no edifício dos Paços do Concelho, sito no ..., freguesia ..., o qual na qualidade de Presidente da Câmara Municipal e nos termos da alínea a) do número 1, do artigo 68 da Lei número 169/99 de 18 de Setembro, alterada pela Lei número 5-A/2002 de 11 de Janeiro, outorga em representação do Município ..., Pessoa Colectiva de Direito Público número ..., com sede no ..., já referido. Segundos Outorgantes: -a) CC, NIF ..., natural da freguesia ..., concelho de Paredes, residente em ... – Paredes, titular do B.I. ..., emitido em 28/04/1999, pelos SIC do Porto, casado no regime da comunhão de adquiridos com DD; - b) AA, NIF ..., natural da freguesia ..., desse concelho, residente em ... – Paredes, titular do BI nº ..., emitido em 26/09/2000, pelos SIC do Porto, casado no regime da comunhão de adquiridos com BB. O primeiro e os segundos outorgantes celebram entre si o presente acordo com as cláusulas seguintes: 1ª – Os segundos outorgantes vendem pelo preço de 19.273 €, uma parcela de terreno, com a área de 963,65 m2, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ... – ..., destinada à construção do reservatório de abastecimento de água R10. 2ª – O Município ... promoverá a abertura de um novo arruamento de acesso, devido ao desaparecimento do existente, originado pela construção do reservatório. 3ª – O Município ... efectuará as ligações de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais domésticas para ao seguintes locais (excepto taxas de ligação e contrato): - Rua ..., ... ( 1 ramal de água, 1 ramal de saneamento); - Rua ..., ... ( 1 ramal de água, 1 ramal de saneamento); - Rua ..., ... ( 2 ramais de água, 1 ramal de saneamento); - ..., ... ( 1 ramal de água, 1 ramal de saneamento); Os outorgantes aceitam o presente acordo nos precisos termos em que se encontra exarado, pelo que o vão assinar. Paredes, 22 de Novembro de 2007”.
[12] A certidão N.º ..., emitida em 11 de maio de 2022, tem o seguinte teor: “Pelouro de Planeamento e Urbanismo Divisão de Planeamento 1º Aditamento à Certidão N.º ... (emitida em 11/05/2022) SS, Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal ..., certifica, no processo nº ..., requerimento nº ..., que a parcela restante, identificada na planta topográfica apensa aos autos e localizada nas plantas anexas, e de acordo com a base de dados de Planos Municipais de Ordenamento do Território – PMOTs do Projeto SIGPLA, possui as seguintes classificações/qualificações, servidões e restrições de utilidade pública: 1. O PMOT que classificava a parcela, à data de acordo complementar de 08-12-2013, era o Plano Diretor Municipal – PDM de Paredes publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/94 de 8 de julho; 1.1 A planta de Ordenamento do PDM, classifica a área em torno do reservatório de água como Zona de Ocupação Industrial – Zona Industrial. A área entre o referido Reservatório e a Rua ... como Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Complementar (artigos 25.º e 26.º do regulamento do PDM), cuja área mínima para edificação é de 3000 m2 (habitação) e 10.000m2 (indústria) e por último a área entre a Rua ... e a Rua ... como Zona de Ocupação Condicionada - Floresta Condicionada (artigos 35.º, 36.º, 37.º e 38.º do regulamento do PDM de Paredes), cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação), não sendo considerada a localização de industria; 1.2 A Planta de Condicionantes do PDM, identifica a referida área: 1.2.1 No espaço entre a Rua ... e a Rua ... a existência de leitos de cursos de água e no espaço; 1.2.2 A Norte da Rua ... uma área de REN – Reserva Ecológica Nacional; que a parcela é residualmente abrangida por uma área afeta à Reserva Ecológica Nacional, conforme planta; 2. O PMOT, em vigor, à data de hoje, é o Plano Diretor Municipal de Paredes, publicado pelo aviso n.º .../2014, de 22 de maio, alterado pelos avisos n.º .../2018 de 15 de outubro e n.º .../2021 de 3 de agosto. 2.1 A planta de Ordenamento do PDM classifica a área em torno do Reservatório de água como Solo Urbano: Espaço de Atividades Económicas – Área de atividades Económicas. (Tratando-se de uma área menor, relativamente ao PDM publicado pela Resolução de Conselho de Ministros de n.º 40/94 de 8 de julho). O espaço entre a Rua ... e a Rua ... e o Reservatório encontra-se classificada como Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal, cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação) e 35.000m2 (indústria), não sendo permitidas operações de loteamento; 2.2 A Planta de condicionantes do PDM, identifica no espaço em apreço as seguintes servidões e restrições de utilidade publica: 2.2.1 Reservatório de água, sendo que a alínea a) do artigo 50.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “Na vizinhança das captações para abastecimento público e redes de adução e distribuição de água, são interditas, cumulativamente, as seguintes intervenções: a) A edificação de novas construções numa faixa/raio de 10 metros à volta dos furos/galerias de captação de água”; 2.2.2 Linhas Elétrica, da Rede Elétrica, neste âmbito o artigo 52.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “O licenciamento de infraestruturas e demais construções, públicas e privadas, na vizinhança da rede de energia elétrica deverá respeitar o prescrito na legislação aplicável”; 3. Áreas Classificadas com Perigosidade de Incêndio Elevada e Muito Elevada (Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal). Neste âmbito, o decreto-lei n.º 82/2021 de 13 de outubro, que estabelece o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as sua regras de funcionamento, refere “nas áreas da APPS correspondentes às classes de perigosidade de incêndio rural «elevada» e «muito elevada», delimitadas na carta de perigosidade de incêndio rural ou já inseridas na planta de condicionantes do plano territorial aplicável, nos termos do n.º 6 do artigo 41.º, em solo rústico, com exceção dos aglomerados rurais, são interditos os usos e as ações de iniciativa pública que se traduzam em operações de loteamento e obras de edificação, com as exceções previstas no artigo 60.º” Mais certifica que, por imperativo legal, se encontra a decorrer a adaptação dos planos Municipais de Ordenamento do Território às novas regras de classificação e qualificação dos solos. E, para os devidos efeitos, se passou a presente certidão que vai ser por mim assinada e autenticada com o selo branco deste Município. E. TT, Coordenadora Técnica, a redigiu.”
[13] O teor desta certidão é o seguinte: “Pelouro de Planeamento e Urbanismo Divisão de Planeamento 1º Aditamento à Certidão N.º ... (emitida em 11/05/2022) SS, Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal ..., certifica, no processo nº ..., requerimento nº ..., que a parcela restante, identificada na planta topográfica apensa aos autos e localizada nas plantas anexas, e de acordo com a base de dados de Planos Municipais de Ordenamento do Território – PMOTs do Projeto SIGPLA, possui as seguintes classificações/qualificações, servidões e restrições de utilidade pública: 1. O PMOT que classificava a parcela, à data de acordo complementar de 08-12- 2013, era o Plano Diretor Municipal – PDM de Paredes publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/94 de 8 de julho, 1.1 A planta de Ordenamento do PDM, classifica a parcela restante, delimitada nas plantas anexas como: Zona de Ocupação Industrial – Zona Industrial; Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Condicionada, (artigos 35.º, 36.º, 37.º e 38.º do regulamento do PDM de Paredes), cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação), não sendo considerada a localização de indústria, residualmente abrangida por uma área afeta à Reserva Ecológica Nacional – REN; Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Complementar (artigos 25.º e 26.º do regulamento do PDM), cuja área mínima para edificação é de 3000 m2 (habitação) e 10.000 m2 (indústria); 1.2 A Planta de Condicionantes do PDM, identifica que a parcela é residualmente abrangida por uma área afeta à Reserva Ecológica Nacional, conforme planta; 2. O PMOT, em vigor, à data de hoje, é o Plano Diretor Municipal de Paredes, publicado pelo aviso n.º .../2014, de 22 de maio, alterado pelos avisos n.º .../2018 de 15 de outubro e n.º .../2021 de 3 de agosto. 2.1 A planta de Ordenamento do PDM classifica a já referida parcela como: Solo Urbano: Espaço Residencial – Área Residencial de Baixa Densidade; Solo Urbano: Espaço de Atividades Económicas – Área de Atividades Económicas; Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal (Artigos 68.º e 69.º do Regulamento do PDM) Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal, cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação) e 35.000m2 (indústria), não sendo permitidas operações de loteamento; 2.2 A Planta de condicionantes do PDM, que identifica no espaço em apreço as seguintes servidões e restrições de utilidade publica: 2.2.1 Reservatório de água, sendo que a alínea a) do artigo 50.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “Na vizinhança das captações para abastecimento público e redes de adução e distribuição de água, são interditas, cumulativamente, as seguintes intervenções: a) A edificação de novas construções numa faixa/raio de 10 metros à volta dos furos/galerias de captação de água”; 2.2.2 Linhas Elétrica, da Rede Elétrica, neste âmbito o artigo 52.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “O licenciamento de infraestruturas e demais construções, públicas e privadas, na vizinhança da rede de energia elétrica deverá respeitar o prescrito na legislação aplicável”; 3. Áreas Classificadas com Perigosidade de Incêndio Elevada e Muito Elevada (Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal). Neste âmbito, o decreto-lei n.º 82/2021 de 13 de outubro, que estabelece o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as sua regras de funcionamento, refere “nas áreas da APPS correspondentes às classes de perigosidade de incêndio rural «elevada» e «muito elevada», delimitadas na carta de perigosidade de incêndio rural ou já inseridas na planta de condicionantes do plano territorial aplicável, nos termos do n.º 6 do artigo 41.º, em solo rústico, com exceção dos aglomerados rurais, são interditos os usos e as ações de iniciativa pública que se traduzam em operações de loteamento e obras de edificação, com as exceções previstas no artigo 60.º” Mais certifica, que foi também consultada a base de dados de Planos Municipais de Ordenamento de Território para aferição da classificação/qualificação, servidões e restrições de utilidade pública para a área entre a Rua ..., Rua ... e a Rua ..., tendo-se apurado: 4. O PMOT que classificava o espaço, à data do Acordo Complementar de 08-02-2013, era o Plano Diretor Municipal – PDM de Paredes, publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/94, de 8 de julho, 4.1 A planta de Ordenamento do PDM, classifica a área como Zona de Ocupação Industrial – Zona Industrial. A área entre o referido Reservatório e a Rua ... como Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Complementar (artigos 25.º e 26.º do regulamento do PDM), cuja área mínima para edificação é de 3000 m2 (habitação) e 10.000m2 (indústria) e por último a área entre Rua ... e a Rua ... como Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Condicionada (artigos 35.º, 36.º, 37.º e 38.º do regulamento do PDM de Paredes), cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação), não sendo considerada a localização de industria; 4.2 A Planta de Condicionantes do PDM, identifica na referida área: 4.2.1 No espaço entre a Rua ... e a Rua ... a existência de leitos de cursos de água; 4.2.2 No espaço a Norte da Rua ..., uma área de REN – Reserva Ecológica Nacional. 5. O PMOT, em vigor, à data de hoje, é o Plano Diretor Municipal de Paredes, publicado pelo aviso n.º .../2014, de 22 de maio, alterado pelos avisos n.º .../2018 de 15 de outubro e n.º .../2021 de 3 de agosto. 5.1 A planta de Ordenamento do PDM classifica a área como Solo Urbano: Espaço de Atividades Económicas – Área de atividades Económicas. (tratando-se de uma área menor, relativamente ao PDM publicado pela Resolução do Conselho de Ministros de n.º 40/94 de 8 de julho). O espaço entre a Rua ... e a Rua ... e o Reservatório encontra-se classificada como Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal, cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação) e 35.000m2 (indústria), não sendo permitidas operações de loteamento; 5.2 A Planta de condicionantes do PDM, identifica no espaço em apreço as seguintes servidões e restrições de utilidade publica: 5.2.1 Reservatório de água, sendo que a alínea a) do artigo 50.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “Na vizinhança das captações para abastecimento público e redes de adução e distribuição de água são interditas, cumulativamente, a seguintes intervenções: a) A edificação de novas construções numa faixa/raio de 10 metros à volta dos furos/galerias de captação de água”; 5.2.2 Linhas Elétrica, da Rede Elétrica, neste âmbito o artigo 52.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “O licenciamento de infraestruturas e demais construções, públicas e privadas, na vizinhança da rede de energia elétrica deverá respeitar o prescrito na legislação aplicável”; 6. Áreas Classificadas com Perigosidade de Incêndio Elevada e Muito Elevada (Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal). Neste âmbito, o decreto-lei n.º 82/2021 de 13 de outubro, que estabelece o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as sua regras de funcionamento, refere “nas áreas da APPS correspondentes às classes de perigosidade de incêndio rural «elevada» e «muito elevada», delimitadas na carta de perigosidade de incêndio rural ou já inseridas na planta de condicionantes do plano territorial aplicável, nos termos do n.º 6 do artigo 41.º, em solo rústico, com exceção dos aglomerados rurais, são interditos os usos e as ações de iniciativa pública que se traduzam em operações de loteamento e obras de edificação, com as exceções previstas no artigo 60.º” Certifica, ainda, que por imperativo legal, se encontra a decorrer a adaptação dos planos Municipais de Ordenamento do Território às novas regras de classificação e qualificação dos solos. E, para os devidos efeitos, se passou a presente certidão que vai ser por mim assinada e autenticada com o selo branco deste Município. E, TT, Coordenadora Técnica, a redigiu. Paredes, 14 de junho de 2022”.
[14] Na realidade, ao Sr. Patrono dos autores foi outorgada procuração com poderes especiais pela interveniente principal do lado ativo, não tendo sequer poderes de representação do outro interveniente.
[15] Atente-se que o acordo de cedência datado de 22 de novembro de 2007, na cláusula segunda, aludia já ao desaparecimento do arruamento de acesso originado pela construção do reservatório.
[16] O Acordo de Cedência, com data de 22 de novembro de 2007 e sem qualquer assinatura no final do mesmo, tem o seguinte conteúdo: “Primeiro Outorgante: - GG, casado, natural da freguesia ..., deste concelho, com domicílio necessário no edifício dos Paços do Concelho, sito no ..., freguesia ..., o qual na qualidade de Presidente da Câmara Municipal e nos termos da alínea a) do número 1, do artigo 68 da Lei número 169/99 de 18 de Setembro, alterada pela Lei número 5-A/2002 de 11 de Janeiro, outorga em representação do Município ..., Pessoa Colectiva de Direito Público número ..., com sede no ..., já referido. Segundos Outorgantes: -a) CC, NIF ..., natural da freguesia ..., concelho de Paredes, residente em ... – Paredes, titular do B.I. ..., emitido em 28/04/1999, pelos SIC do Porto, casado no regime da comunhão de adquiridos com DD; - b) AA, NIF ..., natural da freguesia ..., desse concelho, residente em ... – Paredes, titular do BI nº ..., emitido em 26/09/2000, pelos SIC do Porto, casado no regime da comunhão de adquiridos com BB. O primeiro e os segundos outorgantes celebram entre si o presente acordo com as cláusulas seguintes: 1ª – Os segundos outorgantes vendem pelo preço de 19.273 €, uma parcela de terreno, com a área de 963,65 m2, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ... – ..., destinada à construção do reservatório de abastecimento de água R10. 2ª – O Município ... promoverá a abertura de um novo arruamento de acesso, devido ao desaparecimento do existente, originado pela construção do reservatório. 3ª – O Município ... efectuará as ligações de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais domésticas para ao seguintes locais (excepto taxas de ligação e contrato): - Rua ..., ... ( 1 ramal de água, 1 ramal de saneamento); - Rua ..., ... ( 1 ramal de água, 1 ramal de saneamento); - Rua ..., ... ( 2 ramais de água, 1 ramal de saneamento); - ..., ... ( 1 ramal de água, 1 ramal de saneamento); Os outorgantes aceitam o presente acordo nos precisos termos em que se encontra exarado, pelo que o vão assinar. Paredes, 22 de Novembro de 2007”.
[17] A certidão N.º ..., emitida em 11 de maio de 2022, tem o seguinte teor: “Pelouro de Planeamento e Urbanismo Divisão de Planeamento 1º Aditamento à Certidão N.º ... (emitida em 11/05/2022) SS, Vereador do Pelouro do Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal ..., certifica, no processo nº ..., requerimento nº ..., que a parcela restante, identificada na planta topográfica apensa aos autos e localizada nas plantas anexas, e de acordo com a base de dados de Planos Municipais de Ordenamento do Território – PMOTs do Projeto SIGPLA, possui as seguintes classificações/qualificações, servidões e restrições de utilidade pública: 1. O PMOT que classificava a parcela, à data de acordo complementar de 08-12-2013, era o Plano Diretor Municipal – PDM de Paredes publicado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 40/94 de 8 de julho; 1.1 A planta de Ordenamento do PDM, classifica a área em torno do reservatório de água como Zona de Ocupação Industrial – Zona Industrial. A área entre o referido Reservatório e a Rua ... como Zona de Ocupação Condicionada – Floresta Complementar (artigos 25.º e 26.º do regulamento do PDM), cuja área mínima para edificação é de 3000 m2 (habitação) e 10.000m2 (indústria) e por último a área entre a Rua ... e a Rua ... como Zona de Ocupação Condicionada - Floresta Condicionada (artigos 35.º, 36.º, 37.º e 38.º do regulamento do PDM de Paredes), cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação), não sendo considerada a localização de industria; 1.2 A Planta de Condicionantes do PDM, identifica a referida área: 1.2.1 No espaço entre a Rua ... e a Rua ... a existência de leitos de cursos de água e no espaço; 1.2.2 A Norte da Rua ... uma área de REN – Reserva Ecológica Nacional; que a parcela é residualmente abrangida por uma área afeta à Reserva Ecológica Nacional, conforme planta; 2. O PMOT, em vigor, à data de hoje, é o Plano Diretor Municipal de Paredes, publicado pelo aviso n.º .../2014, de 22 de maio, alterado pelos avisos n.º .../2018 de 15 de outubro e n.º .../2021 de 3 de agosto. 2.1 A planta de Ordenamento do PDM classifica a área em torno do Reservatório de água como Solo Urbano: Espaço de Atividades Económicas – Área de atividades Económicas. (Tratando-se de uma área menor, relativamente ao PDM publicado pela Resolução de Conselho de Ministros de n.º 40/94 de 8 de julho). O espaço entre a Rua ... e a Rua ... e o Reservatório encontra-se classificada como Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal, cuja área mínima para edificação é de 10.000 m2 (habitação) e 35.000m2 (indústria), não sendo permitidas operações de loteamento; 2.2 A Planta de condicionantes do PDM, identifica no espaço em apreço as seguintes servidões e restrições de utilidade publica: 2.2.1 Reservatório de água, sendo que a alínea a) do artigo 50.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “Na vizinhança das captações para abastecimento público e redes de adução e distribuição de água, são interditas, cumulativamente, as seguintes intervenções: a) A edificação de novas construções numa faixa/raio de 10 metros à volta dos furos/galerias de captação de água”; 2.2.2 Linhas Elétrica, da Rede Elétrica, neste âmbito o artigo 52.º do Regulamento do PDM de Paredes refere que “O licenciamento de infraestruturas e demais construções, públicas e privadas, na vizinhança da rede de energia elétrica deverá respeitar o prescrito na legislação aplicável”; 3. Áreas Classificadas com Perigosidade de Incêndio Elevada e Muito Elevada (Solo Rústico: Espaço de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal – Área de Uso Múltiplo Agrícola e Florestal). Neste âmbito, o decreto-lei n.º 82/2021 de 13 de outubro, que estabelece o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais no território continental e define as sua regras de funcionamento, refere “nas áreas da APPS correspondentes às classes de perigosidade de incêndio rural «elevada» e «muito elevada», delimitadas na carta de perigosidade de incêndio rural ou já inseridas na planta de condicionantes do plano territorial aplicável, nos termos do n.º 6 do artigo 41.º, em solo rústico, com exceção dos aglomerados rurais, são interditos os usos e as ações de iniciativa pública que se traduzam em operações de loteamento e obras de edificação, com as exceções previstas no artigo 60.º” Mais certifica que, por imperativo legal, se encontra a decorrer a adaptação dos planos Municipais de Ordenamento do Território às novas regras de classificação e qualificação dos solos. E, para os devidos efeitos, se passou a presente certidão que vai ser por mim assinada e autenticada com o selo branco deste Município. E. TT, Coordenadora Técnica, a redigiu.”
[18] O problema é de “representação orgânica” e não de representação em sentido técnico como previsto no Código Civil e em que são convocadas as figuras de representação sem poderes e de abuso de representação. Sobre esta problemática veja-se Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, Exercício Jurídico, 2ª Edição Revista e Atualizada, Almedina 2015, António Menezes Cordeiro, página 82, pontos II e III.
[19] A este propósito veja-se Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, Sujeitos e Objecto, Coimbra 1974, da autoria de Manuel A. Domingues de Andrade, página 24, em que define a garantia da relação jurídica como “o conjunto de meios sancionatórios a adoptar pelo Estado, por intermédio dos seus tribunais, contra o sujeito do dever jurídico, quando ele não cumpre espontaneamente, observando o comportamento prescrito.”
[20] Discorda-se assim da sentença recorrida quando afirma que e, “ainda subsidiariamente, para que se pudesse concluir por falta de poderes ou por usurpação de poderes, a matéria de facto alegada pelo réu nunca seria suficiente para o efeito, porquanto o réu não alegou e, consequentemente, não provou, que o então Presidente da Câmara não tivesse competência delegada pela Câmara Municipal para a celebração do acordo em causa (cfr. art. 65º da L n.º 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações referidas supra). E, sendo esta também uma das vias de aferição dos poderes daquele, sempre o ónus de alegação e prova deste facto seria do réu, nos termos do art. 342º, n.º 2, do CC.”
[21] Sobre esta problemática vejam-se: Lições de Direito Administrativo, Volume I, Lex 1999, Marcelo Rebelo de Sousa, página 180, último parágrafo do ponto 13.8; Direito Administrativo, Prefácio 2009, António Francisco de Sousa, página 236, linhas 9 a 16; Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Quid Juris 2009, António Francisco de Sousa, anotação 5 ao artigo 29º do referido código, página 120; Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 2010-2ª Edição, Almedina, José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, último parágrafo da página 62.
[22] A este propósito, por todos, vejam-se; Cláusula Penal e Indemnização, Almedina 1990, António Pinto Monteiro, páginas 602 e 603; Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 4ª edição, UCP Editora 2023, José Carlos Brandão Proença, página 501 e 502.
[23] Embora isso não resulte dos factos provados, sublinhe-se que o montante da cláusula penal terá sido fixado tendo como referência o custo da abertura do arruamento.
[24] Anote-se que tal como a questão é em parte colocada pela recorrente nunca se poderia verificar qualquer abuso do direito, já que demonstrada a inexistência de danos, não tem o credor o direito a exigir da contraparte o valor acordado a título de cláusula penal indemnizatória.
[25] In Cláusula Penal e Indemnização, Almedina 1990, António Pinto Monteiro, páginas 457 a 461.