Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
150/17.7T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
LEGITIMIDADE
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DAS PARTES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RP20180426150/17.7T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 131, FLS 160-172)
Área Temática: .
Sumário: I - A competência material, afere-se em função da forma como o autor configura e estrutura a acção, analisando o pedido e a factualidade concreta que lhe serve de fundamento (causa de pedir).
II - Não havendo coincidência entre os conceitos de legitimidade processual e legitimidade substantiva, para a determinação da primeira deve considerar-se a relação material controvertida tal como é configurada pelo autor.
III - Afirmam-se como princípios fundamentais, estruturantes de todo o processo civil, os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
IV - Não constitui violação de tais princípios a não inquirição de testemunhas indicadas em articulado de oposição a providência cautelar de arresto quando nele não são alegados factos susceptíveis de infirmarem os pressupostos que conduziram ao decretamento do arresto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 1501/17.7T8PVZ-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim – Juiz 5

Relatora: Judite Pires
1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
1. B..., S.A., Sociedade Aberta, com sede na ..., .., no Porto, instaurando procedimento cautelar contra C..., residente na Rua ... no ..., ..., .... – ... Alpendurada e D..., residente na Rua ..., no ... D.. Esq. ....-... Matosinhos, requereu que, sem audiência dos requeridos, fosse decretado o arresto:
1) Do remanescente do saldo bancário existente na conta com o IBAN PT........................, titulada pelo Requerido D..., com o NIF .........;
2) Da Fracção “DX”, correspondente à habitação T 5, n.º ..º andar – E, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... n.º ..., entrada . adquirida por D... em escritura pública realizada a 20/10/2017;
3) Do lugar de garagem “LI”, correspondente ao n.º .. no piso -1 do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no na Rua ... n.º ..., entrada .;
4) Da quota de C... na sociedade por quotas denominada E..., Lda., com sede em Av. ... no ..., ..., ..., .... – ... ..., número único de matrícula ........., com o valor nominal de € 5.000,00 que corresponde a 98.04% do capital social da sociedade.
Alega, para tanto, e em síntese, que a sociedade por quotas, E..., Lda., legalmente representada pelo requerido C..., é cliente do requerente Banco, tendo, na conta dessa sociedade, sido creditada, em 18/10/2017, através do serviço SEPA – Débitos Directos Business to Business (B2B), a quantia de € 1.250.000,00, com origem no Banco italiano F..., sendo que tal movimento ocorreu por puro engano desse Banco.
Nesse mesmo dia, 18/10, foram processadas, por ordem do requerido C..., duas transferências, de € 400.000,00 e € 800.000,00, a débito na dita conta para crédito em conta domiciliada no G..., titulada/autorizada pelo requerido D..., e uma outra, no valor € 50.000,00, para uma outra conta titulada pela sociedade do requerido C..., tendo logo de seguida tal montante sido dissipado.
No dia imediatamente seguinte, 19/10, o Banco italiano pediu a reversão da quantia de € 1.250.000,00, e efectuou cinco débitos de € 250.000,00 cada, pelo que a sobredita conta de depósitos à ordem ficou com um saldo negativo de € 1.249.979,47.
Nessa sequência, logo que tomou conhecimento da situação, o Banco requerente contactou o G..., solicitando a devolução da quantia de € 1.200.000,00, constatando que, com parte daquele valor, o requerido D... tinha já adquirido um imóvel T5, e um lugar de garagem. Após analisar os factos, a Direcção de Auditoria do B... constatou que C..., em conluio com o requerido D..., enganou o B..., aproveitando-se ardilosamente dos diferentes prazos previstos pelo modelo B2B, bem sabendo que o sistema prevê a possibilidade de o Banco do devedor devolver operações até 2 dias após a data de tais liquidações, tendo ambos causado dolosamente um prejuízo ao requerente no montante total de € 1.250.000,00.
Atenta a rapidez da actuação dos requeridos na dissipação do montante de € 1.250.000,00, justifica-se o receio de que também muito rapidamente dissipem os seus bens, de que o Banco apenas conhece os que pede sejam arrestados, pois que, se e quando o requerente vier a obter ganho de causa na acção principal que irá propor, já nenhum bem reste para que, com o produto da sua venda, este seu credor possa satisfazer o seu crédito de € 1.250.000,00.
Após inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente, foi proferida decisão que decretou a providência instaurada e determinou o arresto sobre os bens indicados.
Concretizado o arresto decretado, vieram os requeridos deduzir oposição com os seguintes fundamentos, invocando:
a-) a excepção da incompetência material do tribunal, por submeter o requerente ao mesmo conhecimento de matéria do foro penal;
b-) a ilegitimidade passiva dos réus, sustentando que parte nos autos deveria ser a sociedade designada “E..., Lda.”;
c-) a preterição de litisconsórcio necessário, por falta de intervenção da seguradora que assegura o risco de intermediação bancária realizada pelo requerente, deduzindo para tanto incidente de intervenção provocada.
Alegam ainda que não existe qualquer solidariedade dos réus e que o réu C... nunca autorizou, solicitou ou subscreveu qualquer produto, em seu nome ou mesmo em nome da sua representada, que permitisse ao requerente movimentar a conta ou utilizar saldos indisponíveis e que o requerente violou o princípio contido no artigo 304.º, designadamente os deveres dos Intermediários Financeiros, em especial, os deveres para com os seus clientes de lealdade, transparência e protecção dos legítimos interesses destes.
Finalmente, sustenta que não existe periculum in mora, pois que o dinheiro foi investido em imóveis e aplicações, tendo a sociedade C... negociado a proposta de investimento que determinou a transferência de 1.250.000,00 euros, que levantou, com receio que os investidores retrocedessem os seus propósitos, tendo-lhe o banco requerente garantido que jamais poderia ser anulada a dita transferência.
Foi, após, proferida decisão com o seguinte dispositivo: “…a oposição apresentada deveria ter sido fundamento para recurso e não para oposição, razão pela qual se entende que a mesma não reúne os pressuposto legais que justifiquem a realização de julgamento, mantendo-se assim a decisão já proferida nos autos”.
2. Inconformados com essa decisão, dela interpuseram os requeridos recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da decisão que decretou a providência de arresto intentada pela Recorrida, contra os ora Recorrentes, por uma alegada diminuição da garantia patrimonial destes, tutelada por uma alegada relação de credito da Recorrida sobre estes, no valor de €1.250.000,00, tendo por base um debito directo efectuado, através do sistema SEPA, B2B, com um Banco Italiano, que creditou a conta da sociedade representada pelo Requerido/Recorrente C..., por aquele valor e, posteriormente, por aquela sociedade foi transferida para a conta do Recorrente/Requerido D....
2. A Requerente afirma que tal transferência foi realizada no dia 18.10.2017, mas não junta prova cabal ou sumariamente indiciaria para o efeito.
3. De facto, os documentos juntos por esta entidade bancaria encontram-se ilegíveis, não se encontrando definido o dia, nem o montante em que tal transferência foi realizada.
4. No art. 5., do seu articulado de petição inicial a Recorrida B... refere expressamente que a conta utilizada para efectuar as transações SEPA encontra-se em nome da sociedade E..., Lda, NIPC ........., com o numero ...........,
5. legalmente representada pelo aqui Recorrente C..., enquanto seu sócio gerente.
6. A presente providência de arresto foi decretada sem audição dos Recorrentes e, em sequência, foi ordenado o arresto de vários bens em nome dos Requeridos, conforme o auto de arresto junto aos autos.
7. Citados os Requeridos deduziram estes varias excepções, que não foram atendidas pelo douto tribunal a quo, nem foram estes, sequer ouvidos em sede de audiência de julgamento, tendo sido preteridas as provas por si aduzidas – prova testemunhal, com conhecimento directo dos factos, que aduziriam novos fundamentos que interfeririam no juízo de probabilidade e verosimilhança que estiveram na base do decretamento da providência.
Assim,
8. não podem concordar os Recorrentes com o indeferimento da incompetência material atendendo a que existe contradição entre a alegação da Recorrida no seu articulado, enquanto fundamento da presente providência – responsabilidade civil extracontratual e o que refere o seu colaborador H..., director do departamento de auditoria da Recorrida, que refere que :
“(...) no dia 20 do 10 foi-no dado a conhecer uma tentativa de recuperação de valores... que haviam sido transferidos para... por um nosso cliente para uma conta do G.... Por norma quando há situações destas que indiciam fraude na movimentação financeira... a direcção de auditoria e sempre envolvida.”
9. Ora, a ser assim, a lei competente para avaliar o comportamento dos Recorrentes e a lei penal, nos termos da Lei 36/94, de 29/09, e não a lei civil
10. O tribunal a quo, também, incorreu em erro de julgamento ao julgar inverificada a excepção de ilegitimidade passiva.
11. O tribunal recorrido assenta a sua decisão no exame da petição inicial – pedido, causa de pedir e os sujeitos.
12. Mas, este vai um pouco mais longe quando se pronuncia e tece comentários acerca da responsabilidade contratual da sociedade por quotas, E..., Lda, que a Recorrida, não configura, nem demanda.
13. Não obstante, no humilde entendimento dos Recorrentes, o tribunal a quo olvidou verificar a legitimidade material das partes, porquanto o Recorrente C... não age, em seu nome e a titulo próprio na conta de depósitos a ordem n. ............
14. Mas, sim em nome e em representação de terceiros, a sociedade por quotas – E..., Lda.
15. Ora, tal já interessa ao mérito da causa, tendo a ver com a efectividade da relação material, pois diz respeito as condições subjectivas do direito.
16. Toda e qualquer acção realizada pelo aqui Recorrente foi em nome da empresa que representa e os efeitos de tais acções repercutiram-se, imediatamente, na esfera jurídica de tal entidade e não na sua.
17.E, sendo a ilegitimidade material uma excepção peremptória que implica, necessariamente, o conhecimento do fundo da causa esse escrutínio não dispensa a apreciação dos factos que os Requeridos alegaram para sustentar a sua reacção exceptiva.
18. Pelo que, a não consideração de tais factos pelo tribunal a quo inquina a sentença/despacho de nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do art. 615., n.1, al d), do CPC.
Ademais,
19. Não podem concordar os Recorrentes com o indeferimento da intervenção provocada pelo tribunal a quo.
20.A Requerente, antes de intentar a acção cautelar já sabia três coisas:
a) o banco devedor italiano tinha o dever de confirmar com o seu cliente a operação ou a autorização;
b) para ter ocorrido o credito da conta em Portugal, e porque o banco devedor, em Itália, já havia confirmado a operação, junto do seu cliente e, por esse motivo, procedeu ao credito da conta em Portugal.
c) Toda e qualquer operação de estorno em Portugal carecia de autorização expressa do cliente bancário, para o debito a descoberto.
21. Mais uma vez o colaborador da Recorrida H... referiu, em sede de Audiência que, “o banco do lado de la tem que verificar se o seu cliente com quem prestou... com quem elaborou esse negocio, ou quando formalizou esse negocio... se deu a devida autorização ou não. Se deu a devida autorização a cobrança e feita e a senhora doutora tem o dinheiro na conta... disponibilizado de imediato”
22. Assim, se o banco devedor confirmou a operação e depois pretende anula-la, não havendo sequer desta qualquer prova, pois a Recorrida não junta qualquer prova – comunicações entre bancos- nem sequer indiciaria, revela-se isso sim, uma falta de zelo, diligência, cuidado nos deveres bancários praticados daquele banco italiano, como na ausência daqueles deveres por parte da Recorrida, atendendo a que autoriza, sem a condescendência expressa do seu cliente, a transferência, em cinco tranches de €250.000,00, cada, a descoberto, para a qual e necessária a intervenção manual da Recorrida.
23. Assim, havendo uma transferência do risco subscrito pela Recorrida pelas actividades de intermediação bancariae este quem responde pelos actos da Recorrida que redundem em prejuízo ou que tenha direito de regresso sobre terceiros.
24. Assim, a intervenção da Recorrida sem a intervenção da companhia de seguros que assegura a sua actividade de intermediação bancaria, transforma a intervenção desta carecida de legitimidade.
25.A presente providência foi ainda decretada em total desrespeito ao principio da igualdade das partes e do contraditório.
26.O art. 372., do CPC refere que quando o Requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência e-lhe licito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.6, do art. 366., recorrer do despacho que a decretou ou deduzir oposição.
27.O art. 367., do CPC, refere, ainda que findo o prazo da oposição, quando o requerido haja sido ouvido, procede quando necessário, a produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz.
28.A presente providência foi decretada sem audição previa dos Requeridos/Recorrentes.
29.E, após o seu decretamento, também, não tiveram a possibilidade de serem ouvidos, porque o douto tribunal a quo considerou que nenhum facto foi aduzido aos autos no sentido de alterar o que já estava ali concluído.
30. No modesto entendimento dos Recorrentes, a providência já havia sido decretada, a receio da perda da garantia patrimonial já não existia, atendendo a que o arresto já havia sido efectuado pelo solicitador de execução, pelo que não mais nenhum bem jurídico a proteger.
Assim,
31. a circunstância da providência ser decretada sem audição dos requeridos traduz-se, sempre, numa significativa desvantagem para estes, já que, nomeadamente, se vem impedidos de contrapor a sua versão factual à alegada pela requerente e de participar na instrução do procedimento, quer indicando os meios probatórios que entende pertinentes, quer intervindo na produção da prova indicada pela requerente.
32. Importa, por isso, assegurar aos requeridos, que deduzem oposição, depois de decretada a providência, a maior amplitude de faculdades que a interpretação da lei, em particular, da al. b) do n. 1. do art. 372. do CPC, consentir, sob pena de violação do principio do contraditório e da igualdade das partes.
33.
34. Os requeridos alegaram muitos factos diferentes dos alegados pela requerente, quer aludindo a realidades opostas, quer complementando os já invocados, quer contextualizando diversamente algumas situações.
35.E fê-lo, por um lado, para concluir pela não verificação dos requisitos do arresto – consequentemente, do fummus bonnus iuris - e do pericullum in mora e, por outro, para demonstrar a irrealidade do articulado pela Requerente.
36. Assim sendo, relativamente aos novos factos trazidos ao processo, podiam os requeridos oferecer quaisquer meios de prova, mesmo que a requerente os tivesse já apresentado.
37. E, relativamente aos factos alegados pela requerente, podia apresentar meios de prova diversos dos já produzidos.
38. Posto que as partes, quando arrolam as testemunhas que pretendem que sejam inquiridas, não tem de especificar os factos sobre os quais pretende que deponham, e os requeridos não o fizeram, não podia o tribunal ter rejeitado a inquirição das três testemunhas arroladas pelos requeridos sob a justificação de não ter aduzido novos factos que justifiquem a realização de julgamento, bem como os documentos que protestou juntar ate a realização da audiência, que ate a data da oposição ainda não lhe tinha sido possivel obter.
39. Assim, só em sede de audiência estaria o tribunal em condições de sindicar o âmbito da inquirição, cabendo-lhe, nessa altura, verificar quais os novos fundamentos, o que as testemunhas aduziriam e que poderiam interferir no juízo de probabilidade e verosimilhança que estiveram na base do decretamento da providência.
40. Neste sentido, ficou por produzir a prova testemunhal requerida pelos Requeridos, que com conhecimento directo dos factos em causa no presente pleito, poderiam ter interferido no juízo de probabilidade e verosimilhança que estiveram na base do decretamento da providência cautelar.
41. Sendo certo que o dispositivo do despacho recorrido não contempla os meios de prova requeridos, não podem os requeridos entender ter o tribunal decidido sobre a procedência ou improcedência da oposição.
42. Aliás, o despacho recorrido olvida que a requerida também invocou factos destinados a afastar o requisito do fummus bonnus iuris e do pericullum in mora.
43. Consequentemente, inexiste fundamento para o tribunal a quo coartar ou limitar o direito de alegação e prova que a lei atribui aos requeridos.
44. Neste sentido, ficou por produzir a prova testemunhal requerida pelos Requeridos, que com conhecimento directo dos factos em causa no presente pleito, poderiam ter interferido no juízo de probabilidade e verosimilhança que estiveram na base do decretamento da providência cautelar.
45. No caso vertente mostram-se incumpridos o principio da protecção dos legítimos interesses dos clientes assim como o principio do sigilo profissional.
Ademais,
46. da analise da petição inicial da Recorrida denota-se a violação do principio e dever de sigilo profissional e protecção dos legítimos interesses dos clientes, constantes dos art. 304 e seguintes, do Código dos Valores Mobiliários e nos art. 78 e 79, da Regime Geral das Instituições de Credito.
47. De toda a documentação junta pela Requerente não consta nenhuma comunicação do pedido de estorno da transação a debito directo B2B efectuada pelo banco italiano.
48.E, sendo a transferência a credito realizada numa única tranche, seria de toda razoável e e lógico que qualquer pedido de estorno se realizasse, também, numa única tranche, dado tratar-se, como tanto afirma a Requerente de um sistema automático de pagamentos.
49. Ora, e do giro comum bancário, e do conhecimento geral de toda e qualquer pessoa que lida com o sistema bancaria nas transacções mais domesticas, que não havendo saldo disponível na conta a ordem e funcionando, tal sistema como o sistema de débitos directos internos, não havendo saldo disponível, tal pagamento será recusado, automaticamente, pelo sistema informático da Requerente.
50. O que não sucedeu no presente caso.
51. E se a conta da sociedade representada pelo Requerido C... foi debitada cinco vezes, pelo valor de € 250.000,00, tal deve-se ao facto de haver intervenção manual da Requerente na autorização do debito a descoberto da conta da sociedade E..., Lda.
52. Tal intervenção foi a revelia e sem qualquer autorização expressa do cliente para o efeito.
Com efeito,
53. Dos documentos juntos – Cheque de pagamento da fracção adquirida pelo Requerido D... e da informação que a Requerente afirma saber, informação que indica ter sido obtida junto do Banco G..., mormente, o facto dos Requerido terem efectuado um levantamento a boca de caixa, no valor de cerca de €300.000,00, tal configura uma total violação do sigilo bancário, tanto por uma como pela outra instituição bancaria.
54. Pela copia do cheque junto verifica-se que este já havia entrada no circuito bancário, dado conter as indicação da maquina de leitura de cheques, que faz o registo no verso dos mesmos, e os insere na compensação do Banco de Portugal.
55. Ora, o detentor deste cheque e o banco no qual ele foi depositado, sendo também o B.... Se atentarmos as inscrições no verso deste cheque verifica-se que o Banco detentor/depositante do mesmo, o B..., teve de obter do Banco G..., a informação sobre a conta do Requerido D..., para chegar ao numero do cheque bancário e ai fazer a pesquisa no seu sistema interno.
56. O que revela, mais uma vez, a violação do sigilo profissional/bancário, em conluio, entre o B... e o G..., em clara preterição dos deveres a que se encontram adstritos, por força dos normativos previstos nos art. 304 e seguintes dos Deveres dos intermediários financeiros bem como dos art. 78. e 79. do Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Corretoras.
57. Pelo que, a informação obtida em violação do segredo profissional e invalida e a conduta destas duas entidades bancarias encontra- se sujeita a responsabilidade, extracontratual, contratual e contraordenacional.
O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar se:
- os tribunais comuns têm ou não competência material para conhecerem da providência cautelar instaurada pela Requerente;
- se verifica a excepção dilatória da ilegitimidade [processual] passiva;
- deve ser admitido o incidente da intervenção principal provocada;
- ocorreu violação do contraditório.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A. Em primeira instância, foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos:
A.1. [decisão de 13.11.2017, que, julgando procedente a providência, decretou o arresto]:
1.º A sociedade «E..., Lda.», Sociedade por quotas com o NIF ........., legalmente representada por C..., titular do cartão de contribuinte n.º ........., é cliente do requerente Banco, enquanto titular da conta de depósitos à ordem n.º ............
2.º Por subscrição de proposta de adesão, assinada em 07/09/2017, a sociedade por quotas, E..., Lda., na pessoa do seu gerente, o aqui requerido C..., solicitou a adesão ao sistema de débitos directos SEPA – Serviço B2B - tal como resulta do original do contrato junto em audiência de julgamento e cujo teor aqui damos por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
3.º Tal modelo de débito directo B2B (Business to Business), destina-se a credores que pretendam efectuar cobranças a clientes empresas.
4.º Entregue tal proposta, assinada então pelo requerente e inserida no sistema informático no dia 13/09/2017, em 18/10/2017, foi creditada na aludida conta de depósitos à ordem, n.º ..........., através do serviço SEPA – Débitos Directos Business to Business (B2B), a quantia de € 1.250.000,00 (um milhão, duzentos e cinquenta mil euros), com origem no Banco italiano F....
5.º Nesse mesmo dia, 18/10/2017, foram processadas, por ordem de C..., duas transferências, de € 400.000,00 e € 800.000,00, a débito na conta de depósitos à ordem n.º ..........., para crédito em conta domiciliada no G..., identificada pelo IBAN PT......................., titulada/autorizada pelo ora requerido D..., titular do NIF ..........
6.º De igual modo, e também por ordem de C..., foram transferidos € 50.000,00 da conta n.º ........... para a conta n.º ........... também ela titulada pela dita sociedade, tendo logo de seguida tal montante sido objecto de várias transferências para diversos beneficiários que perfizeram o montante de € 51.416,70.
7.º No dia imediatamente seguinte, 19/10/2017, o Banco italiano F..., que pediu a devolução da quantia de € 1.250.000,00, anteriormente creditada, efectuou cinco débitos de € 250.000,00 cada, pelo que a aludida conta de depósitos à ordem ficou com um saldo negativo de € 1.249.979,47.
8.º Nessa sequência, em 20/10/2017, logo que tomou conhecimento da situação, o B... contactou o G... solicitando a devolução da quantia de € 1.200.000,00, só que esta tinha já sido transferida para a conta identificada pelo IBAN PT......................., titulada por D..., razão pela qual já não foi possível estornar esse valor para o B....
9.º Mais foi o B... informado pelo G... de que o titular da conta creditada e ora requerido, D..., tinha-se já deslocado, juntamente com o requerido C..., a um balcão do G... para solicitar a imediata disponibilização do saldo creditado naquela conta.
10.º O B... obteve posteriormente informação da Direcção de Auditoria do G..., dando nota que, no dia 20/10/2017, fora emitido o cheque bancário com o nº ..........., no montante de € 313.000,00, a pedido do seu cliente e ora requerido, D..., tendo o mesmo sido utilizado para adquirir um imóvel T5, por escritura pública, cujo comprador foi o próprio D....
11.º O imóvel adquirido situa-se no empreendimento “I...”, e corresponde à Fracção “DX” da Rua ..., n.º ... – entrada ., ..º - E, bem como ao lugar de garagem “LI”, correspondente ao n.º .. do piso – 1 do mesmo prédio.
12.º O requerido C..., aproveitando-se dos diferentes prazos das operações interbancárias e do sistema SEPA B2B, bem sabendo que o dito sistema estabelece que a libertação de fundos ao credor ocorre na data das liquidações das operações, ainda que o sistema consagre a possibilidade de o Banco do devedor devolver operações até 2 dias após a data de tais liquidações, aproveitou para esgotar o saldo de € 1.250.000,00 da conta de depósitos à ordem n.º ............
13.º Fê-lo em conluio e combinado com o requerido D..., para quem de imediato transferiu € 1.200.000,00.
14.º O requerente tentou obter esclarecimentos do seu cliente C..., em 20/10/2017, recebendo do mesmo a seguinte resposta, por correio electrónico “Desde o início de Setembro que realizei várias diligências junto de um grupo de investidores no sentido de reiniciar a gestão de investimentos imobiliários. As reuniões foram realizadas entre mim, Dr. D... e Sr. J... no sentido de encontrar ferramentas financeiras para, da forma mais segura possível, realizar as movimentações financeiras e as aplicações nos diversos investimentos imobiliários. Após várias reuniões, sou confrontado pelos clientes de que existe uma forma segura junto da banca para se proceder às movimentações financeiras, apresentando-me o serviço B2B SEPA. Tomei a liberdade de pesquisar nos sites de várias instituições bancárias, sendo que o B... foi o que apresentou o serviço SEPA B2B. Liguei por diversas vezes com a linha de apoio no sentido de perceber e aferir a segurança do serviço débitos directos, e sempre me confirmaram de que o mais seguro seria o SEPA B2B, que não permitia anulações de ordens de débitos directos. Após a activação do serviço no dia 13/09/2017, enviei todos os dados para os meus clientes e solicitei os dados dos investidores por forma a proceder à criação dos Beneficiários em sistema, e proceder junto do meu advogado, à elaboração dos contratos de investimento. Sempre me foi garantido pela linha de apoio de que pelo serviço SEPA B2B não era possíveis anulações. Para confirmar esta situação, envio em anexo a apresentação deste serviço que o B... tem disponível no site. Sempre tive uma conduta honesta, transparente e séria, levando com total lisura e profissionalismo a conduta destes negócios que já desempenho há vários anos, na área da consultoria financeira. Estou disponível para colaborar em tudo o que acharem necessário para a resolução ou investigação deste processo. Quero que este processo seja resolvido rapidamente e que a minha empresa e minha pessoa sejam ressarcidos de todos os problemas causados, nomeadamente a conta que se encontra a negativo, sem que a empresa tenha qualquer tipo de culpa nesta situação. Mais informo os dados do meu cliente/representante dos investidores: - D... - RUA ..., ... D.. ESQUERDO .... - ... MATOSINHOS NIF: ......... CONTACTO: .........”.
15.º Os únicos bens que se conhecem aos requeridos são os indicados para arresto.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Da invocada incompetência material do tribunal recorrido para conhecer do objecto da providência cautelar de arresto instaurada pelo Requerente.
Explica Manuel de Andrade que “A competência, como medida de jurisdição atribuída a cada tribunal para conhecer de determinada questão a ele submetida, e enquanto pressuposto processual, determina-se pelos termos em que a acção é proposta, isto é, pela causa de pedir e pedido respectivos”[1].
A competência em razão da matéria determina-se pela natureza da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor, independentemente do seu mérito ou demérito.
A competência material, afere-se, pois, em função da forma como o autor configura e estrutura a acção, analisando o pedido e a factualidade concreta que lhe serve de fundamento (causa de pedir).
De acordo com o artigo 211º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
E o artigo 64.º do Código de Processo Civil determina que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
O carácter residual da competência dos tribunais comuns encontra expressão no artigo 40.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, quando estabelece: “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Sustentam os recorrentes existir contradição entre o alegado pelo Requerente da providência no seu articulado e o referido pelo seu director do departamento de auditoria, H..., ao afirmar que “no dia 20 do 10 foi-no dado a conhecer uma tentativa de recuperação de valores... que haviam sido transferidos para.. por um nosso cliente para uma conta do G.... Por norma quando há situações destas que indiciam fraude na movimentação financeira... a direcção de auditoria e sempre envolvida”, para, com perplexidade nossa, concluir que a lei competente para avaliar o comportamento daqueles é a lei penal – Lei n.º 36/94, de 29.09 – e não a lei civil, com o que afirmam ser o tribunal recorrido materialmente incompetente para conhecer da providência cautelar contra eles instaurada.
Pese embora o esforço desenvolvido, acompanhar o raciocínio dos recorrentes que, a partir dum extrato do depoimento da indicada testemunha - que, a dada altura, esclarece ser a direcção de auditoria do requerente Banco chamada a intervir, por regra, quando ocorram situações que indiciem fraude na movimentação financeira -, e da convocação do aludido diploma, que prevê e regula medidas de combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, concluem pela incompetência em razão da matéria do tribunal recorrido para apreciar o procedimento cautelar instaurado, revela-se tarefa impossível...
Dir-se-á apenas que, tal como surge configurado tal procedimento, analisando a pretensão formulada no respectivo articulado inicial e a factualidade [alegada] que lhe serve de suporte, a competência material do tribunal recorrido constitui aquisição insusceptível de controvérsia.
2. Da ilegitimidade passiva.
Na oposição deduzida à providência cautelar do arresto excepcionaram os requeridos, ora apelantes, a ilegitimidade passiva argumentando, para tanto, que “como decorre ainda do petitório e dos factos, a legitimidade passiva nos presentes Autos cumpre a quem deles beneficiou, a sociedade designada “E..., Lda”, cf. .........” – artigo 8.º do referido articulado.
A noção legal de legitimidade, quer activa, quer passiva, encontra-se plasmada actualmente no artigo 30.º do Código de Processo Civil.
De acordo com o n.º 1, do referido dispositivo, “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo esclarece que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção, e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha, precisando o n.º 3 que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
No plano doutrinário, sobressaíram, a propósito de tal questão, as teses defendidas por José Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães.
Enquanto que para o primeiro era parte legítima o titular da efectiva relação jurídica controvertida, tal como se configura na realidade, para o segundo a legitimidade deve averiguar-se em face da relação jurídica controvertida, tal como a desenha o Autor. “A questão da legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a configura o autor na petição inicial”[2], posição que encontrava no n.º 3 do pretérito artigo 26.º, que o actual artigo 30.º reproduz, o seu fundamento legal.
Com efeito, “a legitimidade (...) é uma posição das partes em relação ao objecto do processo e tem de aferir-se pelos termos em que o demandante configura o direito invocado e a ofensa que lhe é feita”[3].
Vale dizer: não havendo coincidência entre os conceitos de legitimidade processual e legitimidade substantiva, para a determinação da primeira deve considerar-se a relação material controvertida tal como é invocada pelo autor, visto que é sempre impossível averiguar se os autores e os réus são efectivamente sujeitos dessa relação sem que tal averiguação venha a traduzir-se no conhecimento do mérito da causa”[4].
Para Manuel de Andrade[5], “a legitimidade não é (...) uma qualidade pessoal das partes (como a capacidade), mas uma certa posição delas em face da relação material litigada. Ela corresponde, grosso modo, ao conceito civilista de poder de disposição, ampliado, porém, de forma a abarcar, vg., a faculdade de constituir uma dada relação jurídica, e não apenas a de modificar ou extinguir. É o poder de dispor do processo - de o conduzir ou gestionar no papel de parte...”.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2015[6], “a filosofia em que assenta esta nova redefinição do paradigma do estabelecimento do critério da legitimidade das partes, na esteira da posição doutrinária de Barbosa de Magalhães [...], na querela que o opôs a Alberto dos Reis, tem por base a consideração de que a questão da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se interliga, fortemente, com a apreciação do mérito da causa, ao passo que os pressupostos em que se baseia, quer a legitimidade plural [litisconsórcio], quer a legitimação indirecta [representação ou substituição processual] aparecem, geralmente, destacados do objecto do processo, enquanto questões prévias, condicionando a possibilidade da prolação de decisão sobre o mérito da causa.
É a legitimidade processual aferida pela relação das partes com o objecto da acção, consubstanciada na afirmação do interesse daquelas nesta, podendo acontecer situações em que a esses titulares não seja reconhecida a legitimidade processual, ao passo que, quanto a certos sujeitos, que não são titulares do objecto do processo, pode vir a ser reconhecida essa legitimidade [...].
Assim, a mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, sendo manifesta a existência de legitimidade processual nas acções que terminam com a improcedência do pedido fundada no reconhecimento de que ao autor falta legitimidade substantiva, pelo que, só em caso de procedência da acção, passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, quer a legitimidade material, e ainda que, sempre que o Tribunal reconhece a inexistência do objeto da acção ou a sua não titularidade, por qualquer das partes, essa decisão de improcedência consome a apreciação da ilegitimidade da parte, pelo que, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva”.
A construção da legitimidade pressupõe, pois, dois conceitos distintos: a legitimidade processual e a legitimidade material ou substantiva.
Como referem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[7], “a legitimidade é, no campo do direito material, um conceito de relação – relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico. Encarada essa relação na perspectiva do sujeito, exprime a posição pessoal deste nessa relação, justificativa de que se ocupe juridicamente do objecto (Castro Mendes, Teoria geral do direito civil, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito, 1979, ps. 72-73) e postulando, em regra, a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o interesse por ele posto em jogo (Isabel Magalhães Colaço, Da legitimidade do acto jurídico, BMJ 10, ps. 38 e 78)”.
Como esclareciam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[8], “não basta assim saber quem são as partes (em sentido formal) no processo (...). Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, importa ainda saber quais devem ser as partes em sentido substancial, porque só a intervenção destas em juízo garante a legitimidade para a acção”.
E Castro Mendes[9], contrapondo-a à legitimidade processual, refere a propósito da legitimidade material: “por vezes, a própria lei [...] usa o termo noutro sentido: para designar o complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque”.
E mais à frente acrescenta: “Ora, a lei e a doutrina e a linguagem corrente falam em legitimidade para designar essas qualidades subjectivas da titularidade do direito. A falta delas dará lugar, na mesma terminologia, a uma ilegitimidade. [...] Se o tribunal conclui pela ilegitimidade, entra no mérito da causa [...] e profere uma absolvição do pedido”.
Para se aferir da legitimidade, enquanto pressuposto processual, importa apenas considerar a relação material controvertida tal como é invocada pelo autor/requerente, não se cuidando de averiguar se as partes são os sujeitos efectivos dessa relação pois tal pressuporia indagação sobre o próprio mérito da causa.
No caso em apreço, analisando a relação material controvertida tal como surge descrita no requerimento inicial não se poderá deixar de concluir pela legitimidade processual dos requeridos, aqui apelantes. Como precisa a decisão recorrida, “tal como configurada a acção cautelar, a mesma tem por base um comportamento ilícito e culposo dos requeridos, que alegadamente teriam actuado em conjunto, logrando obter, em conluio de esforços, a creditação de um valor 1.250.000,00 euros, que não se encontra justificado, e que rapidamente foi levantado. Tendo por base a responsabilidade civil por factos ilícitos, a luz dos artigos 483º, 490º e 497º do CC, têm os requeridos legitimidade passiva para serem demandados em sede cautelar nos exactos termos em que o foram (isto sem prejuízo, como se afirmou na decisão dos autos, da responsabilidade civil contratual da própria sociedade do requerido C..., no nome de quem foi feito o contrato bancário)”.
Também aqui improcedem as conclusões recursivas dos apelantes.
3. Da intervenção principal provocada.
Segundo o artigo 311.º do Código de Processo Civil, “estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º”.
Definindo o âmbito da intervenção provocada, determina o artigo 316.º do mesmo diploma legal:
1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
Por sua vez, dispõe o artigo 320.º do mesmo Código que “a sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado”.
Sobre o incidente em causa, expunha o Preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, que, nesse âmbito, operou uma profunda reforma “…partiu-se essencialmente, numa primeira linha, da análise dos vários tipos de interesse em intervir (ou ser chamado a intervir) e das ligações que devem ocorrer entre tal interesse, invocado como fundamento da legitimidade do interveniente, e a relação material controvertida entre as partes primitivas, concluindo-se pela possibilidade de reconduzir logicamente a três as formas ou tipos de intervenção, distinguindo sucessivamente:
Os casos em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais: é este o esquema que define a figura da intervenção principal, caracterizada pela igualdade ou paralelismo do interesse do interveniente com o da parte a que se associa;
As situações em que o interveniente, invocando um interesse ou relação conexo ou dependente da controvertida, se apresta a auxiliar uma das partes primitivas, procurando com isso evitar o prejuízo que indirectamente lhe decorreria da decisão proferida no confronto das partes, principais, exercendo uma actividade processual subordinada à da parte que pretende coadjuvar: são os traços fundamentais da intervenção acessória;
Finalmente, as hipóteses em que o terceiro faz valer no processo uma pretensão própria, no confronto de ambas as partes primitivas, afirmando um direito próprio e juridicamente incompatível, no todo ou em parte, com a pretensão do autor ou do reconvinte – direito este que, não sendo paralelo ou dependente dos interesses das partes originárias, não determina a associação na lide que caracteriza a figura da intervenção principal: é o esquema que caracteriza a figura da oposição.
Por sua vez, qualquer destes tipos ou formas de intervenção, quando perspectivados em função de quem tomou a iniciativa de a suscitar, podem surgir caracterizados nas modalidades de intervenção espontânea, se desencadeada pelo terceiro que pretende intervir em causa alheia pendente, ou de intervenção provocada, quando suscitada por alguma das partes primitivas, que chamou aquele terceiro a intervir na lide”.
Esclarece, por seu turno, o Acórdão da Relação de Lisboa de 24.03.2010[10]: “a intervenção principal provocada é (…) admissível, quando qualquer das partes pretenda fazer intervir na causa um terceiro como seu associado ou como associado da parte contrária, ou seja, quando qualquer das partes pretenda chamar um litisconsorte voluntário ou necessário (art. 325º, n.º 1); ou quando o autor queira provocar a intervenção de um réu subsidiário contra quem pretenda dirigir o pedido (art. 325º, n.º 2), o que – segundo parece – deve ser possível tanto em situações de litisconsórcio, como de coligação, porque ambas cabem na previsão do art. 31º-B do CPC Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 182. Nos termos deste preceito é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida. Com a introdução desta norma, na reforma do CPC de 1995/1996, o legislador visou evitar que regras de índole estritamente procedimental pudessem obstar ou criar dificuldades insuperáveis à plena realização dos fins do processo – flexibilizando ou eliminando rígidos espartilhos, de natureza formal e adjectiva, susceptíveis de dificultarem, em termos excessivos e desproporcionados, a efectivação em juízo dos direitos – instituindo no nosso ordenamento jurídico-processual a figura do litisconsórcio eventual ou subsidiário. Tornou-se, por esta via, possível a formulação de pedidos subsidiários – na configuração que deles dá o art. 469º do CPC – contra réu(s) diverso(s) do(s) originariamente demandado(s), desde que com isso se não convole para uma relação jurídica diversa da inicialmente controvertida Cfr. Preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro. Com esta solução inovadora, podem prevenir-se numerosas hipóteses de possível “ilegitimidade passiva”, permitindo-se ao autor a formulação de um pedido principal contra quem considera ser o provável devedor e de um pedido subsidiário contra o hipotético titular passivo do débito (v.g. em situações em que haja fundadas dúvidas sobre a identidade do verdadeiro devedor, designadamente por se ignorar em que qualidade interveio exactamente o demandado do negócio jurídico).
A causa do chamamento, nestes casos, é a dúvida fundamentada, que deve ser invocada por quem requer esse chamamento. Ao requerer o chamamento, deve alegar de forma convincente quais as razões que o levam a não ter a certeza sobre o titular passivo da relação material controvertida que invoca na sua petição inicial e, depois, formular um pedido subsidiário em relação a esse hipotético titular. Esta figura da pluralidade subjectiva subsidiária (litisconsórcio subsidiário), quer inicial quer sucessiva, é inconfundível com a pluralidade de partes ou de interessados que caracteriza o litisconsórcio voluntário ou necessário, porquanto está ligada à singularidade das partes, activa ou passiva, na relação jurídica. Naquela jamais poderá ocorrer a condenação simultânea dos réus demandados a título principal e subsidiário. Se for condenado um, o outro será absolvido; nesta, o interveniente principal, associado ao réu em litisconsórcio, titular de um interesse ou direito próprio, paralelo e igual ao daquele, verá (sempre) apreciado o seu direito simultaneamente com o direito do réu e ficará vinculado pela sentença, que constituirá caso julgado em relação a ele (art. 328º, n.º 1 do CPC)”.
A intervenção provocada pode, assim, ser activa ou passiva. É activa quando o interveniente, por ter um direito paralelo ao do autor, assume a posição de co-autor; é passiva, quando o interveniente, por ser titular de um direito paralelo ao do réu, toma a posição de co-réu. Neste último caso, “a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu (ou do reconvindo) pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor (ou pelo reconvinte), não podendo intervir quem lhe seja alheio”[11].
No articulado de oposição que deduziram à providência cautelar contra eles deduzida requereram os aqui apelantes intervenção provocada de “Companhia de seguros que assegura o risco das operações de intermediação bancária, realizadas pela sociedade Requerente, o B..., S.,A.“
– Intervenção que se Requer na figura de litisconsórcio necessário- Requer ainda, que após a identificação da aludida entidade pela requerente, posteriormente seja pelo Tribunal oficiada a notificação daquela, a ser ordenada pelo tribunal”.
Retenha-se que o incidente em causa foi deduzido no âmbito de uma providência cautelar de arresto. Importa, assim, indagar se a natureza desse procedimento é susceptível de admitir o mecanismo incidental que os requeridos procuraram introduzir-lhe.
É sabido que a cada direito corresponde uma acção ou uma providência destinada ao seu reconhecimento, mas igualmente à prevenção da sua violação ou a conferir efeito útil a tal reconhecimento.
Neste contexto, o princípio da efectiva tutela judicial pressupõe a composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, de molde a prevenir a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão que os haja reconhecido, tarefa prosseguida através de procedimentos cautelares, de natureza urgente, cuja especificidade visa a garantia desses objectivos.
Pode-se, assim, afirmar que a “tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional (…).
A composição provisória que a providência cautelar torna disponível pode visar uma de três finalidades: aquela composição pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela requerida. Sempre que a tutela provisória se legitime pela exigência de garantir um direito, deve tomar-se uma providência que garanta a utilidade da composição definitiva, quer dizer, uma providência de garantia”[12].
São características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a sumario cognitio.
A primeira daquelas características emana da circunstância da providência cautelar prosseguir uma tutela distinta da facultada pela acção principal, de que é dependente, e pela necessidade de a substituir pela tutela que vier a ser definida por essa acção. O objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida.
É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora.
Com a providência cautelar instaurada pretendeu o requerente acautelar a tutela do direito de que se arroga titular, e que corresponde à reparação dos danos alegadamente causados pela conduta ilícita dos requeridos, cujo reconhecimento necessariamente demandará a instauração de acção judicial autónoma.
Pretendiam os requeridos com o incidente de intervenção provocada deduzido chamar ao processo – tratando-se este de um procedimento cautelar, repete-se –a seguradora que assegura o risco da actividade de intermediação financeira da requerente para, notificada aquela, “…se opor querendo, ou, condenada a liquidar aos Requeridos os montantes que vierem a ser devidos, por violação de normas contratuais e bancárias pela aludida entidade”.
É por demais evidente que a estrutura do procedimento cautelar, a sua natureza instrumental e os fins por ele prosseguidos – tutela provisória de um direito – não comportam enxertos incidentais como o que os apelantes nele pretenderam introduzir, acertadamente sem sucesso.
4. Da invocada violação do princípio da igualdade das partes e do contraditório.
Sustentam os recorrentes que “A presente providência foi ainda decretada em total desrespeito ao principio da igualdade das partes e do contraditório” – artigo 25.º das conclusões de recurso.
O princípio do contraditório constitui pilar estruturante do direito adjectivo português, com expressa consagração constitucional. Assim:
O artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa reconhece a faculdade de participação dos interessados na tomada de decisões que lhes digam respeito, salvaguardando, deste modo, o seu direito de defesa ou o de serem ouvidos.
O mesmo princípio encontra ainda expressão na letra do artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil ao estabelecer que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
A letra do preceito corresponde, no essencial, à do antecedente artigo 3.º, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, cujo preâmbulo justifica deste modo a relevância reconhecida ao princípio do contraditório: “significativo relevo foi dado à tutela efectiva do direito de defesa, prevendo-se que nenhuma pretensão possa ser apreciada sem que ao legítimo contraditor, regularmente chamado a juízo, seja facultada a oportunidade de deduzir oposição.
[...] Afirmam-se como princípios fundamentais, estruturantes de todo o processo civil, os princípios do contraditório, da igualdade das partes e da cooperação e procuram deles extrair-se consequências concretas, ao nível da regulamentação dos diferentes regimes adjectivos.
Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a proibição de prolação de “decisões surpresa”, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e aplicando-se tal regra não apenas na 1.ª instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos”.
Como destaca Fernando Pereira Rodrigues[13], “desde sempre traduzido no brocardo latino de que nemo condemnat sine auditur (ninguém se condene sem ser ouvido), o princípio do contraditório proíbe que o tribunal resolva um conflito de interesses que lhe tenha sido colocado sem que proceda à audição da parte contra a qual tal conflito venha a ser resolvido.
Não sendo de descurar que “esta vertente do princípio tem fundamentalmente aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado, pois as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes são naturalmente objeto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade. Antes de decidir com base em questão (de direito material ou de direito processual) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado, o juiz deve convidá-las a sobre ela se pronunciarem, seja qual for a fase do processo em que tal ocorra (despacho-saneador, sentença, instância de recurso).”[14]
Dispõe o n.º 1 do artigo 366.º do Código de Processo Civil, norma prevista para o procedimento cautelar comum, que “o tribunal ouve o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”. Ou seja: a própria lei consente a dispensa da audiência prévia ao decretamento da providência quando dela resulte sério risco para o fim ou eficácia do referido procedimento.
Em todo o caso, não ocorrendo a audiência do requerido nessa fase liminar, é o contraditório assegurado em momento subsequente ao decretamento da providência, nos termos do artigo 372.º do Código de Processo Civil, que faculta ao requerido dois meios distintos de defesa: o direito de recorrer, nos termos gerais, do despacho que decretou a providência, quando entenda que a mesma não devia ter sido deferida; ou deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.
No caso específico do arresto, é a própria lei que determina que o mesmo é decretado sem a prévia audiência do requerido, dispondo o n.º 1 do artigo 393.º da lei processual civil que “examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais”.
Desta forma, a circunstância de, no caso aqui em debate, ter sido o arresto decretado sem a prévia audição dos requeridos não traduz qualquer desrespeito pela igualdade das partes ou violação do princípio do contraditório, já que é a própria lei que, privilegiando o fim e a eficácia da providência em causa, assim o determina.
Em todo o caso, o contraditório sempre se mostra assegurado, ainda que o seu exercício haja sido diferido para momento posterior, dispondo os requeridos, notificados da providência decretada, dos meios processuais previstos no n.º 1 do artigo 372.º do Código de Processo Civil para contra ela reagirem.
Optaram os mesmos por deduzir oposição, meio próprio para alegação de factos ou produção de meios de prova não tidos anteriormente em conta pelo tribunal que possam afastar os fundamentos que conduziram ao decretamento do arresto.
Nela, porém, limitaram-se os requeridos - sem verdadeiramente por em causa a factualidade em que se fundamentou o decretamento do arresto, contrapondo-lhe factos capazes de abalar esses fundamentos – a expor as razões porque genericamente divergem do decidido.
Como precisa a decisão aqui escrutinada, “com a oposição deduzida não contestam o uso do modelo de débitos directos SEPA B2B (Business to Business), a creditação da conta de que era titular a sociedade que representa o réu C..., o valor de 1.250.000,00 euros, valor esse que, não obstante a devolução solicitada pelo Banco Italiano, contratualmente prevista, aquela sociedade não procedeu, e não contestam que de imediato esgotaram o saldo de 1.250.000,00 euros.
Tendo o tribunal concluído, em face da prova então produzida, que o comportamento adoptado em conjunto pelos requeridos C... e D..., em face de um negócio que envolveu mais de um milhão de euros sem qualquer suporte que tanto justificasse, era reveladora e indiciadora de uma conduta dolosa, na tentativa de defraudar a movimentação financeira e sistema bancário, em face do comportamento adoptado e descrito na factualidade então provada, o que fazia os mesmos incorrer em responsabilidade civil por factos ilícitos, à luz dos artigos 483º, 490º e 497º do CC, respondendo ambos solidariamente perante o banco requerente - certo é que nenhum facto foi agora trazido aos autos que o tribunal possa submeter a julgamento para infirmar o ali concluído.
Não foi novamente justificado o negócio que esteve na base daquela transferência, limitando-se os requeridos a afirmar, de forma absolutamente conclusiva e genérica, que a sociedade E... negociou “a proposta de investimento que determinou a transferência do montante de 1.250.00,00 euros” (artigo 32º da oposição), sem que dêem qualquer justificação para a mesma, procurando sequer contrariar a conclusão do tribunal, tanto mais que o tribunal, na motivação da matéria de facto que sustentou a decisão de arresto fez constar que, da prova produzida, resultara que “o banco italiano, dera conta de não existir qualquer relação entre o requerido C... e o devedor, identificado que foi como sendo uma eléctrica italiana”.
Sem tanto contestar ou impugnar, sequer dando a sua versão dos factos, explicando a razão do sobredito investimento, sem dar conta de que tinham autorização dos devedores, limitam-se, numa clara e confusa estruturação de ideias, a dizer apenas que no sistema subscrito aquela transferência jamais poderia ser anulada pelo requerente, que garantiu até ter um seguro que cobriria situações decorrentes da falta de crédito e erro dos operadores bancários, sendo que a devolução de tal quantia fora feita ao arrepio do contrato e com o desconhecimento e consentimento do requerido C..., ainda que, admitam, tenham sido alertados para o facto de os clientes poderem retroceder após a transferência dos fundos, solicitando a sua devolução, sendo nessa perspectiva e medo, que os requeridos levantaram tais importâncias (artigo 42º da oposição), o que fazem sem nunca explicar se, de facto, tinham a autorização do devedor para aquela cobrança, e se existia alguma relação de investimento ente o devedor e a sociedade do requerido C....
Ora a oposição deduzida, nos moldes em que é feita, não é pois susceptível de afastar ou modificar os fundamentos da providência, pois que, pese embora possa resultar uma discordância generalizada quanto à decisão do tribunal, não são aduzidos novos fundamentos que, de algum modo, possam interferir no juízo de probabilidade ou verosimilhança que estiveram na base do decretamento da providência.
E pese embora a oposição possa também fundar-se em meios de prova que não foram considerados pela decisão que decretou a providência e que possam afastar os fundamentos da mesma, certo é que nada disso é dito nos autos, nada é esclarecido, não sendo verdadeiramente posta em causa a factualidade dada por provada, mas sim a conclusão a que o tribunal chegou, o que, em bom rigor, seria pois objecto de recurso e não fundamento para oposição.
Optando os requeridos pela oposição à providência cautelar contra eles requerida, teriam então de alegar tudo aquilo que poderiam sustentar na sua defesa, se tivessem sido previamente ouvidos, reabrindo-se, assim, toda a discussão sobre as matérias que tivessem sido alegadas no requerimento inicial”.
A providência cautelar requerida e decretada foi, no caso dos autos, o arresto, que consiste num meio de garantia patrimonial do credor, cuja regulamentação substantiva encontra acolhimento nos artigos 619.º e seguintes do Código Civil.
Prescreve o n.º 1 do artigo 619º do Código Civil: “o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo”.
Da conjugação deste preceito e do artigo 391.º do Código de Processo Civil extrai-se que a providência em causa depende da verificação cumulativa de dois requisitos[15]:
- A probabilidade da existência do crédito;
- Existência de justo receio da perda da garantia patrimonial.
Na providência em causa basta, quanto ao pressuposto da existência do direito de crédito, a prova do fumus boni juris, ou seja, a prova da aparência desse direito, não sendo necessário prévia decisão judicial a reconhecer a sua existência[16].
Quanto ao “justo receio de perda da garantia patrimonial” esclarece Abrantes Geraldes[17] que tal requisito pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito”, acrescentando que “este receio é o que no arresto preenche o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia”, precisando ainda que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva".
Sendo o arresto requerido pelo credor contra o devedor, incumbe ao primeiro alegar e provar factos demonstrativos não só da existência do seu crédito, como também do justificado receio de perda da garantia patrimonial, consubstanciado, designadamente, na diminuição sensível do património do segundo, que constitui o garante do cumprimento das suas obrigações, como decorre do artigo 601.º do Código Civil. Essa diminuição pode resultar quer da delapidação desse património, quer mesmo da sua ocultação.
No caso em apreço, o requerente invocou factualidade passível de integração de qualquer dos apontados requisitos.
Também resultou demonstrada realidade factual enquadrável nos pressupostos legalmente exigidos para o decretamento do arresto.
Compete às partes a adução do material fáctico a utilizar pelo julgador para a decisão do litígio: “a estas é que corresponde proporcionarem ao juiz, mediante as suas afirmações de facto e as provas que tragam ao processo, a base factual da decisão”[18].
Tendo como pressuposto a natureza disponível da própria relação material, através do princípio da auto-responsabilização das partes sobre elas se faz incidir o risco da condução do processo, no sentido de sobre elas recair o encargo da delimitação do seu objecto, com a alegação dos factos que as mesmas reputem essenciais à resolução do litígio, bem como a indicação das provas que devam ser atendidas para esse fim.
Deixando-se à vontade dos interessados a formulação de pretensão processual e de defesa, também se justifica que sejam onerados com a comprovação da factualidade sustentada nas afirmações que assumem no processo. É nisso que consiste o ónus da prova.
E “daí os ónus da relação, afirmação ou dedução. Eles traduzem-se na necessidade em que se encontra cada uma das partes que quer ver vingar as suas pretensões, de cuidar que os factos, de que resulta a exactidão das suas afirmações jurídicas segundo as disposições do direito material, sejam levados ao tribunal mediante as afirmações de facto correspondentes, ou de afirmações desfavoráveis à contraparte (aquisição processual).
Com ele coincide substancialmente o ónus de prova, que se traduz, para a parte a quem ele compete, o encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova”[19].
Vigora na nossa lei processual civil o princípio da substanciação, do qual decorre que “…não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, antes sendo necessário a indicação específica do facto constitutivo desse direito. Recaindo sobre o autor, como corolário do princípio dispositivo, a alegação dos factos de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito, competindo-lhe alegar os factos essenciais e concretos que se inserem na previsão da norma ou normas jurídicas que acolhem o seu invocado direito.
Tendo tal princípio dispositivo, como reverso da medalha, o princípio da auto-responsabilidade das partes, vendo a que estiver onerada com o ónus da afirmação e prova, a acção julgada contra si se os factos alegados forem insuficientes para sua pretensão”[20].
No caso concreto, o requerente satisfez o ónus probatório que a lei impunha a seu cargo para que a providência do arresto pudesse ser decretada.
Pretendendo os requeridos opor-se ao arresto decretado, competia-lhes a alegação dos factos infirmadores dos pressupostos que conduziram àquele decretamento.
Não o fizeram, antes se limitando, e de forma nem sempre inteligível, a fornecer diferente roupagem para a interpretação dos factos nucleares que serviram de fundamento ao decretamento da providência requerida, de molde a atribuir à própria requerente a responsabilidade pela forma como actuou na intermediação financeira em que interveio.
Neste enquadramento, não tendo na oposição deduzida ao arresto sido alegada factualidade que, a demonstrar-se, pudesse contrariar os pressupostos que ditaram o seu decretamento, não se exigia, até porque se revelaria acto inútil, a produção da prova indicada pelos requeridos, nomeadamente a inquirição das testemunhas por eles indicadas, sem que tal possa traduzir qualquer violação do contraditório ou desigualdade de tratamento das partes.
Improcedendo os argumentos recursivos, é de manter o decidido.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na improcedência do recurso interposto, em confirmar a sentença recorrida.
Custas: pelos recorrentes.

Porto, 26 de Abril de 2018
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Inês Moura
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[1] “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 91.
[2] Acórdão Relação do Porto, Colectânea de Jurisprudência 1982, 5º, 245.
[3] Acórdão da Relação de Lisboa, 17/11/94, Colectânea de Jurisprudência ano XIX, t. 5, 103.
[4] Acórdão Relação de Coimbra, 1/4/77, Colectânea de Jurisprudência ano II, 292.
[5] Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 84.
[6] Processo n.º 505/07.2TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[7] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 51.
[8] “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 132.
[9] “Direito Processual Civil”, II, ed. Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, págs. 174 e 175.
[10] Processo nº 1025/08.3TTALM.L1-4, www.dgsi.pt.
[11] Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 3ª ed., pág. 108.
[12] Acórdão da Relação de Coimbra, 08.04.2000, processo nº 285/07.1TBMIR.C1, www.dgsi.pt.
[13] “O Novo Processo Civil, Os Princípios Estruturantes”, 2013, Almedina, pág. 39.
[14] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 3.ª edição, pág. 9.
[15] Cuja concretização fáctica deve ser efectuada no requerimento inicial, recaindo sobre o requerente o respectivo ónus probatório, nos termos do artigo 342º, nº1 do Código Civil.
[16] Neste sentido, A. dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª Ed., pág. 622, e Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 1 ao artigo 407º, pág. 130.
[17] “Temas da Reforma do Processo Civil”, Almedina, IV vol., pág.191 e seguintes.
[18] Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, págs. 374, 375.
[19] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, págs. 157, 158.
[20] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 31.03.2011, processo nº 281/07.9TBSVV.C1.S1, www.dgsi.pt.