Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1839/13.2TBPVZ.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: CONCORRÊNCIA DESLEAL
Nº do Documento: RP201806131839/13.2TBPVZ.P2
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 136, FLS 250-274)
Área Temática: .
Sumário: I - Pratica actos de concorrência desleal a empresa que no desenvolvimento de um plano previamente delineado recruta de forma massiva e num curto espaço de tempo trabalhadores dos sectores fundamentais de uma empresa concorrente, causando uma forte perturbação no funcionamento desta e obtendo para si, quase instantaneamente, um conhecimento e uma capacidade de actuação que antes não tinha e que era da outra empresa.
II - Existe relação de causalidade adequada entre o aumento das vendas que a empresa faz aos clientes que antes eram da outra empresa e a redução da facturação desta, pelo que a concorrência desleal foi causa da perda do lucro que esta empresa obteria se tivesse sido ela a facturar a esses clientes o que a concorrente desleal veio a facturar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1839/13.2TBPVZ.P2
Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim
Comarca do Porto
Recurso de Apelação

Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
b..., S.A., pessoa colectiva com sede em ... e o número único de matrícula ........., instaurou acção judicial contra c..., Lda., pessoa colectiva com sede em ..., Póvoa do Varzim, e o número único de ........., terminando a petição inicial com a dedução dos seguintes pedidos:
- ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de €1.500.000,00 a título de danos patrimoniais decorrentes da aquisição ilícita do negócio da D..., ou, subsidiariamente, o valor decorrente dos prejuízos causados pela diminuição de preços e perda de clientela cuja determinação se relega para execução de sentença, cujo valor será sempre superior a €1.500.000,00, e os custos com a investigação e cessação da conduta lesiva cuja determinação se relega para execução de sentença, cujo valor será sempre superior a €150.000,00, €10.000,00 a título de danos não patrimoniais e juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Para o efeito, alegou que a ré, de forma concertada e intencional, procedeu ao recrutamento massivo de trabalhadores da autora na sua organização, obtendo dessa forma os segredos de negócio da autora, como as listas de fornecedores e clientes, a relação dos preços praticados e o método para a sua determinação, métodos de fabrico e estratégias comerciais, causando a desorganização da autora e o desvio da respectiva clientela e apoderando-se do conhecimento comercial e do negócio da autora. Essa actuação da ré constitui a prática ilícita e culposa de actos de concorrência desleal, os quais causaram à autora prejuízos não inferiores a €1.500.000.
A ré contestou a acção, impugnando os factos alegados pela autora e sustentando que a sua actuação foi constituída por actos de concorrência legítimos, praticados no uso da liberdade de iniciativa económica, sem intenção de prejudicar a autora mas sim de se implantar no mercado que esta já ocupava.
Após julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente quanto ao pedido subsidiário e condenando a ré a pagar à autora a indemnização, a liquidar ulteriormente, correspondente ao lucro que a autora deixou de obter no período entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro de 2013 com base numa facturação de €984.088,80, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
I. Com o devido respeito, entende a autora, ora recorrente, que a sentença ora recorrida - que julgou parcialmente procedente a presente acção, absolvendo a ré, ora recorrida, do pedido principal, condenando-a limitada, mas erradamente, ao valor correspondente ao lucro (acrescido de juros) que deixou de auferir com base numa facturação de €984.088,80 de Janeiro até Novembro de 2013 - incorreu em erro de interpretação e julgamento, tanto da prova produzida, como do Direito aplicável.
II. A apreciação global da materialidade da presente acção impõe a procedência do pedido principal deduzido pela recorrente, pois a actuação da recorrida configurou, inequivocamente, uma conduta concorrencial absolutamente contrária às normas e usos honestos do comércio, sendo profundamente ilícita e lesiva, que visou e logrou a aquisição ilícita do negócio da recorrente (na unidade fabril "D..."), provocando danos patrimoniais em montante não inferior a €1.500.000.
III. O Tribunal a quo errou na interpretação e julgamento da matéria de facto, não tendo valorado nem considerado, como se impunha, os danos e perdas sofridos pela recorrente e os benefícios alcançados pela recorrida, assim como errou na interpretação do Direito aplicável, face ao escopo material de protecção do instituto da concorrência desleal e respectivo regime de responsabilidade.
IV. Com efeito, do acervo factual apurado é inquestionável que a conduta da Recorrida consubstanciou a prática de actos de concorrência desleal "repudiados pela consciência normal dos comerciantes", "contrários aos usos honestos do comércio", "susceptíveis de causar" e que efectivamente causaram "prejuízos" à Recorrente.
V. A recorrida recrutou e incorporou trabalhadores-chave do negócio da recorrente, que geriam "uma carteira de clientes que representava cerca de 90% da D... e que, ainda ao serviço da recorrente, já actuavam "no interesse e por conta" da recorrida. A referida actuação revestiu uma forma ardilosa e dissimulada e ocorreu num curto espaço de tempo - factos 6 a 10, 13 a 41.
VI. A recorrida tentou ainda recrutar, pelo menos, mais dois trabalhadores da recorrente. Aliás, a ré tentou ainda recrutar para os seus quadros a vendedora E... por intermédio de F..., (visando assim a incorporação da totalidade da equipa de vendas da recorrente), facto este que deve passar a constar da factualidade apurada, tendo em conta o que se refere na motivação da sentença a este respeito.
VII. Note-se que, por força das condutas por si visadas e consumadas, a recorrida logrou ter "acesso a toda a documentação e informação relativa ao negócio da recorrente, nomeadamente: lista de clientes, de fornecedores, métodos de fixação dos preços dos produtos vendidos, desenhos estruturais/técnicos aplicados na produção dos displays, estratégias comerciais, remunerações dos trabalhadores". Isto é, ficou a conhecer tudo do negócio da Recorrente, conforme lapidarmente resulta dos factos provados n.º 50 a 52 e 57.
VIII. Acresce que a recorrida visou ainda causar maior desorganização no seio da recorrente, conforme decorre da transferência de colaboradores do sector de produção, patrocinada pelos trabalhadores recrutados F... e G... - factos n.º 32 a 36, bem como do facto de K... ter apagado ficheiros informáticos dos sistemas da recorrente e de terem desaparecidos ficheiros físicos do arquivo - factos n.º 55 e 56.
IX. Os factos que resultam do acervo factual apurado ocorreram entre Março e Julho de 2013, sendo que a presente acção deu entrada em Agosto de 2013, numa altura em que somente era possível à recorrente antecipar as repercussões e consequências da actuação da recorrida, e que se vieram efectivamente a concretizar na sua esfera.
X. O propósito da recorrida em se apropriar do negócio de "displays" da recorrente foi alcançado por aquela, conforme claramente resulta da prova produzida em audiência e dos demais elementos dos autos, tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento ao desconsiderar o negócio das duas empresas (antes e depois da ocorrência dos factos), julgando incorrectamente como não provados os seguintes factos: (i) O dano patrimonial sofrido pela autora tenha sido não inferior a 1.500.000€; (ii) A ré se tenha apropriado do negócio da autora. O Tribunal a quo errou ainda ao não considerar, pelo menos, três factos relativos ao negócio da recorrida.
XI. Da prova testemunhal produzida, em particular, dos depoimentos prestados pelas testemunhas H..., I... e J... - cujos pertinentes extractos se encontram atrás reproduzidos e identificados, para onde expressamente se remete - resulta cabalmente demonstrado que a recorrente, logo no final de 2013, sofreu uma quebra muito acentuada da sua facturação (em cerca de € 1.500.000) e uma perda muito significativa da sua rentabilidade (em cerca de € 1.000.000), quebras e perdas essas que se acentuaram no ano de 2014. Na verdade, até pelo menos 2016, não mais a recorrente conseguiu obter a facturação e rentabilidade que detinha antes da ocorrência dos factos.
XII. Por sua vez, dos elementos recolhidos nos autos e dos depoimentos prestados por K... e pela testemunha L... - indicados nas alegações - resulta uma materialidade por demais relevante relativamente ao negócio da recorrida. Com efeito, para a devida análise dos pontos em questão, o Tribunal a quo devia ter ainda atendido à seguinte factualidade: (i) antes de Março de 2013, o negócio da Recorrida dividia-se em dois ramos de actividade: dos flexíveis, que representava 80 a 90% da sua facturação, e dos displays, que representava 10% a 20% da sua facturação; (ii) antes de Março de 2013, a Recorrida passava por sérias dificuldades financeiras; (iii) em Setembro de 2014, a Recorrida passou a dedicar-se somente à actividade de displays.
XIII. Estes factos assumem uma enorme relevância, na medida em que situam a posição concorrencial da recorrida face à recorrente antes e após a ocorrência dos factos, bem como a subjacente motivação das suas condutas.
XIV. Com efeito, antes de Março de 2013, o negócio de displays da recorrida (que aliás estava com dificuldades económicas) era praticamente residual. Em pouco mais de 6 meses (de Abril a Novembro de 2013), logrou alcançar uma facturação de perto de €1.000.000 (um milhão de euros), conseguida à custa de 28 clientes que desviou da recorrente - facto provado n.º 54 e relatório pericial. Pouco mais de um ano depois o negócio de displays passou a constituir a sua principal actividade.
XV. Paralelamente e como consequência directa da actuação da recorrida, a recorrente baixou em cerca de €1.500.000 a sua facturação e perdeu €1.000.000 em resultados logo em 2013, tendo tais valores sido piores em 2014.
XVI. Isto é, a recorrente perdeu toda a rentabilidade que retirava do negócio dos displays (veja-se que foi forçada baixar preços - facto n.º 53), negócio e rentabilidade esses que foram assim adquiridos e apropriados pela recorrida.
XVII. Por tudo quanto se apontou, é forçoso concluir-se pela cabal verificação e demonstração dos factos supra indicados, erradamente desconsiderados pelo Tribunal a quo, impondo e requerendo-se, ao abrigo do art.º 662.º, n.º 1 do CPC, alteração da decisão da matéria de facto no sentido da verificação e demonstração de tal factualidade.
XVIII. Por conseguinte, a ponderação e subsunção que se impõe nos presentes autos deve ser no sentido na procedência integral da presente acção, ou pelo menos, da procedência integral do pedido subsidiário.
XIX. Até porque o Tribunal a quo também errou na interpretação do Direito aplicável, claudicando no apuramento da responsabilidade da recorrida.
XX. Com efeito, de toda a materialidade em causa retira-se uma actuação concertada, motivada e propositada e, acima de tudo, desleal e desonesta por parte da recorrida, tendo em vista a apropriação do negócio da recorrente, integrando e subsumindo claramente o disposto nos artigos 317.º e 318.º do CPI.
XXI. Considerando a globalidade das condutas da recorrida e forma como as mesmas foram praticadas é forçoso concluir-se que as mesmas constituíram actos de desorganização da esfera da recorrente e que aquela (ao recrutar a generalidade da força de vendas) logrou obter uma posição francamente vantajosa no mercado, apoderando-se de todo o Know-how e Know-who do negócio (que não tinha e que não fora o sucedido, não teria).
XXII. A incorporação e recrutamento massivo de trabalhadores da recorrente colocou a recorrida numa posição privilegiada, tendo obtido os segredos de negócio da recorrente (listas de fornecedores e clientes, preços praticados e métodos para a sua determinação, desenhos estruturais/técnicos concebidos pela Recorrente, métodos de fabrico e produção e estratégias comerciais) - facto n.º 50.
XXIII. Tal como se refere no Parecer da Procuradoria-Geral da República de 1957: «Actos de concorrência em sentido estrito são os que, não importando lesões dos elementos concretos do estabelecimento, todavia se repercutem nocivamente na sua organização, operando sobre ela quer por meio de ataque à sua esfera interna (v.g., apropriação de segredos do comércio, desvio de empregados), quer exteriormente, no mercado (v.g., estabelecendo confusão com o estabelecimento, os produtos)»
XXIV. Por sua vez, conforme lapidarmente ensina Pedro Sousa e Silva: «Um outro acto de agressão consiste do desvio de colaboradores de um concorrente, com o objectivo de o privar de elementos-chave da sua estrutura empresarial e, com isso, fragilizá-lo ou desorganizá-lo. Como é óbvio, isto não impede que uma empresa convide ou recrute trabalhadores de empresas concorrentes, como é normal e natural, pois o mercado de trabalho é livre. Proibido é fazê-lo de um modo tão sistemático ou intenso que daí resulte a desorganização do concorrente lesado, inviabilizando assim o regular funcionamento da empresa deste».
XXV. Veja-se ainda o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 30 de Novembro de 2004: «Constitui prática de concorrência desleal a actuação de sócio e gerente de uma sociedade que, aproveitando-se das informações e relações estabelecidas ao serviço desta, constitui uma sociedade concorrente para quem transfere a clientela, os fornecedores, as representações e até o pessoal de primeira, causando-lhe forte diminuição da actividade».
XXVI. As condutas da recorrida foram, pois, concorrencial e censuravelmente desleais e desonestas, bem como gravemente culposas e ilícitas. Por força dessas condutas não só resultaram danos e perdas para a recorrente, como um claro benefício para a recorrida, sendo, consequentemente, tais condutas geradoras de responsabilidade.
XXVII. As condutas da recorrida foram, pois, idónea à produção dos danos descritos provocados à recorrente, cuja reparação, nos termos supra mencionados, deve ter em conta a dimensão global dessa actuação.
XXVIII. Ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, na determinação da responsabilidade da recorrida há que atender ao disposto no artigo 338.º-L do CPI.
XXIX. Face ao que resulta de toda a materialidade dos presentes autos, a recorrida não só se apropriou do negócio da recorrente, como lhe causou um efectivo dano patrimonial em montante não inferior a € 1.500.000, devendo ser essa a indemnização a fixar pelas perdas e danos sofridos.
XXX. Ainda que não se entenda que ocorreu uma apropriação do negócio, a verdade é que as condutas da Recorrida provocaram danos e perdas à Recorrente em montante não inferior a €1.500.000, por desvio de clientela, abaixamento dos preços, quebra na facturação e perda de rentabilidade do negócio, danos e perdas esses que são merecedores da tutela do direito.
XXXI. Em qualquer caso, haverá sempre que ter em conta o benefício que a recorrida retirou da sua actuação, notando-se que em pouco mais de 6 meses obteve uma facturação de perto de € 1.000.000 à custa de clientes da recorrente (que nunca teve, nem que doutra forma teria), ao ponto de em 2014 ter passado a dedicar-se somente ao negócio dos displays.
XXXII. A sentença em crise errou na interpretação e ponderação global da materialidade que a presente acção reveste e na consequente interpretação e aplicação do Direito, tendo sido violadas as normas contidas no artigo 607.º, n.º 4 e 5 do CPC, bem como no artigo 338.º-L do CPI.
XXXIII. Deve, assim, ser revogada e substituída por decisão que julgue a procedência integral da presente acção, seja por via do pedido principal, seja por via do pedido subsidiário, devendo, em qualquer caso, ser a Recorrida condenada a pagar à Recorrente uma indemnização por todas as perdas e danos sofridos, ainda que a liquidar posteriormente, mas cujo montante será efectivamente superior a €1.500.000.
XXXIV. Subsidiariamente, se assim não se entender (o que só se admite por hipótese de raciocínio), a verdade é que o juízo decisório seguido pelo Tribunal a quo na determinação da responsabilidade da Recorrida enferma de grave erro de interpretação, devendo ser alterado.
XXXV. Reproduzindo-se aqui tudo quanto acima se alegou e demonstrou, a limitação temporal que decorre de tal juízo (até Novembro de 2013) não só desatende à dimensão dos danos e prejuízos sofridos pela Recorrente, como assenta num critério desprovido de qualquer suporte material e desconhecedor da realidade empresarial, tratando-se de limitação desadequada e desproporcionadamente exígua.
XXXVI. Por sua vez, a limitação ao montante da facturação obtida pela Recorrida durante tal período não tem em devida conta todos os danos emergentes e lucros cessantes que a Recorrente sofreu e deixou de auferir caso os factos em questão não tivessem ocorrido.
XXXVII. Atendendo ao desvalor das condutas praticadas, a responsabilidade da Recorrida deve ser fixada no valor a apurar ulteriormente correspondente aos danos sofridos e aos lucros cessantes que a Recorrente deixou de auferir com base na facturação e na rentabilidade que esta teria obtido nos anos de 2013 e 2014, acrescida dos benefícios que a Recorrida retirou de tal actuação.
XXXVIII. Quando muito, a responsabilidade da Recorrida deve ser fixada no valor a apurar ulteriormente correspondente ao lucro que a Recorrente deixou de auferir com base na facturação que teria obtido no final de 2013 não fora a actuação desleal da Ré, ou então com base na facturação que efectivamente obteve no final desse ano acrescida da facturação que foi desviada pela Recorrida até final desse mesmo ano.
A ré/recorrida respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
A interpôs também recurso de apelação, deduzindo para o efeito as seguintes conclusões das alegações:
A- Por tal ter sido unanimemente afirmado e por serem factos importantes para a boa decisão da causa, nomeadamente por clarificarem o facto provado nº 9, devem ser dado como provados os seguintes factos que constam dos artigos 44 e 45 da contestação
- no dia 06/05/2013, o Sr. K... comunicou à autora, o que fez na pessoa do Sr. M... que ia apresentar o seu depoimento por escrito, dando aviso prévio de dois meses, mas disponibilizando-se para ficar o tempo que a autora entendesse necessário para transmitir o negócio a quem esta indicasse e informando que estava a negociar a aquisição da totalidade do capital social da C..., aqui ré, o que concretizaria se a auditoria que ia mandar fazer confirmasse a situação contabilística desta sociedade.
- a autora em 09/05/2013 convidou-o imediatamente a sair.
B- Atenta a prova produzida, o facto n° 10 deve ser dado como não provado, ou se, assim não se entender, deve-lhe ser dada a seguinte nova redacção: "No momento em que apresentou a supra referida carta, K... alegou que os motivos da cessão do seu contrato de trabalho prendiam como facto de estar a negociar a aquisição da C...".
C- Não assiste qualquer prova no sentido de que o Sr. K..., ainda antes de ser nomeado gerente da C..., e enquanto estava ao serviço da A., tenha actuado na prossecução dos interesses daquela, designadamente na contratação do F.... Toda a prova produzida foi de sentido contrário. E daí que o facto dado como provado sob o n.º 13 deva ser considerado não provado
D- A redacção do facto provado sob o nº 20 deve ser alterada: em primeiro lugar porque a palavra "incorporação" usada: por um lado, o conceito de incorporação é jurídico e conclusivo e, por outro lado, representa factualmente, duas realidades distintas: a do K..., que adquiriu a totalidade do capital social da C... e passou a ser o seu dono e a do F... que foi contratado como trabalhador
E- Acresce que, no caso concreto, não há prova a transcrever, porque ninguém falou sobre isso, ninguém disse que a ré passou a ter acesso à documentação da autora e era esta que, tendo invocado tal matéria, tinha de fazer a respectiva prova, o que não aconteceu.
F- Assim, o que, relativamente a este facto n.º 20 pode ser dado como provado é: "Com a ida do K... e do F... para a ré, esta passou a ter acesso a toda a informação relativa ao negócio da autora, nomeadamente
G- O facto 21 deve ser dado como não provado, por duas ordens de razões: em primeiro lugar porque a afirmação de que o K... agia por conta e no interesse da R. é conclusiva e, em segundo lugar porque não foi produzida qualquer prova nesse sentido.
H- O facto n.º 25 também deve ser dado como não provado, porque não assenta em qualquer prova produzida; pelo contrário, a prova produzida desmente-o totalmente.
I- Por, em parte, incluir facto conclusivo de direito e por reproduzir facto não alegado pelas partes que não podia ser considerado pelo Mmo. Juiz, o facto dado como provado sob o n.º 30, deve ser eliminado.
J- Por tal ter sido unanimemente afirmado e por serem factos importantes para a boa decisão da causa, nomeadamente por clarificarem o facto provado n° 32, devem ser dado como provados os seguintes factos que constam dos artigos 121, 122 e 123 da contestação:
"121. Nunca a ré tomou a iniciativa de contactar com as trabalhadoras N... e O....
122. Estas é que, também descontentes com a autora, no final do mês de Maio de 2013, vieram dizer que se iam despedir da autora e que gostariam de ir trabalhar para a ré
123. E esta, que precisava de fortalecer o seu departamento de vendas, disse que as admitiria, se elas efectivamente se queriam despedir da autora e desde que, com esta, cumprissem todas as obrigações legais tinham"
K- Face à prova produzida, deve a redacção do facto provado sob o n.º 50 ser alterada para: "50. Com a nomeação como gerente de K... e com a contratação de F..., G..., P..., N... e O..., a Ré passou a beneficiar dos conhecimentos que estes adquiriram ao longo da sua carreira profissional na Autora."
L- No que concerne ao facto provado sob o n.º 54 há que referir, desde logo, o carácter claramente conclusivo da expressão inicial: "Por causa do supra descrito comportamento da R..." que por integrar o thema decidendum do litígio, nomeadamente o nexo de causalidade, deve ser tido por não escrito.
M- Para esta decisão de facto n.º 54 foi tido só em conta o relatório pericial de fls. 245 e respectivos esclarecimento de fls. 279 e seguintes, como consta da douta sentença; apesar disso, o que foi dado como provado não corresponde ao teor do relatório pericial, pelo que o facto provado sob o n.º 54 deve ter a seguinte redacção: 54- A facturação efectuada pela C..., de 01 de Janeiro a 30 de Novembro de 2013 aos 28 clientes da D... que passaram a ser clientes da C..., ou a quem a C... aumentou significativamente a sua facturação, no montante de 984.088,80€, representa 99,4% do volume de negócios relativo especificamente à actividade de displays.
N- No caso concreto temos inquestionavelmente um acto de concorrência, mas um acto de concorrência é sempre susceptível de se repercutir negativamente sobre outros operadores económicos que disputam a mesma clientela.
O- Pela concorrência desleal não se condena o desvio de clientela, mas sim o uso de meios ilícitos para tal fim.
P- A contratação de trabalhadores por empresas concorrentes nada tem de ilícito: a liberdade de iniciativa económica, quer da parte do empregador, quer da parte do trabalhador, é constitucionalmente garantida, tal como o é, em relação a este último, o direito ao trabalho. A liberdade de concorrência que assiste aos agentes económicos também se manifesta na procura dos melhores para o desenvolvimento da sua actividade.
Q- Para que haja concorrência desleal é preciso, desde logo, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 371.º do CPI que haja "animus nocendi", uma vontade de prejudicar, uma vontade dirigida a desagregar ou desorganizar o estabelecimento do concorrente
R- Não há concorrência desleal quando o objectivo da contratação de trabalhadores, mesmo reiterada, é tão só apetrechar-se com os melhores, os mais hábeis. É isto que toda a empresa que actua num mercado concorrencial quer e faz
S- A própria sentença diz que "na realidade, a partir de determinada altura, com objectivo de aumentar a sua, até então residual, produção de displays, a R. encetou uma série de acções junto desse mercado em que a A., mais concretamente a sua unidade denominada D..., já operava com o mesmo produto". É esta a justificação do acto: uma justificação positiva e legítima, que nada tem de desleal.
T- Foi a autora quem "despachou" os Srs. F... e K..., dois elementos da estrutura, prescindindo do aviso prédio de dois meses
U- Foi a autora quem reagiu de forma arrogante e imperial, menosprezando estes dois trabalhadores, prescindindo do aviso prévio que lhe permitiria fazer uma transferência de negócios e funções, sem sobressaltos
V- Foi a autora quem criou a sua própria desorganização, por isso, não pode proceder o pedido indemnizatório formulado
X- Estes dois trabalhadores da autora, bem como, cerca de dois meses depois, os dois restantes membros do Departamento de Vendas, as vendedoras, N... e O..., apresentaram os seus despedimentos cumprindo todos os requisitos legais, nomeadamente no que concerne ao aviso prévio.
Y- Só uma visão corporativa do mercado (visão essa que interessa objectivamente às grandes empresas como a multinacional recorrida, porque limita a iniciativa empreendedora de terceiros) poderá concluir que os factos provados, principalmente com as correcções sugeridas no presente recurso, constituem acto de concorrência desleal. E, por isso, a decisão recorrida deve ser revogada, proferindo-se douto Acórdão que absolva a recorrente do pedido.
Z- Caso se entenda que existe concorrência desleal merecedora de pagamento de indemnização, o valor fixado deve ser corrigido.
AA- Tendo a douta sentença em apreciação considerado que 6 meses era o período razoável para a reorganização da autora, só a facturação feita nesse período de tempo (digamos que de 1 de Junho a 30 de Novembro de 2013) poderia servir de base à fixação da indemnização, e não o período de 11 meses considerado pela douta sentença (1 de Janeiro a 30 de Novembro).
AB- Por outro lado, a mesma decisão engloba o valor da facturação, não só em displays, mas também em impressão digital e esta actividade sempre esteve fora do processo, até porque só a recorrente a ela se dedicava. Aliás, os 948.088,80 € referidos no relatório pericial que fundamenta esta parte da sentença, só dizem respeito à produção de displays. E, por isso, a impressão digital deve ser excluída desta parte decisória da douta sentença.
AC- O facto de a recorrente ter facturado 984.088,80 € a 28 clientes que eram clientes da recorrida, não quer dizer que, se não fosse a recorrente a facturar tal valor, seria a autora a fazê-lo, na medida em que há outros concorrentes no mercado a quem a recorrente pode ter ido "buscar" parte dessa facturação
AD- A recorrente não está em mora, como resulta do disposto no artigo 804º nº 2 e 805º nº 3 do C.C. e por isso a condenação em juros só pode ser a partir do trânsito em julgado da douta sentença, até porque a responsabilidade pela não liquidação dos invocados prejuízos não lhe pode ser assacada
AE- Assim, a condenação da recorrente só poderia ser pelo valor a liquidar ulteriormente correspondente ao lucro que a autora deixou de auferir com base na facturação que tenha deixado de fazer em consequência da concorrência desleal da ré há venda de expositores (displays) no período compreendido entre 01 de Junho e 30 de Novembro de 2013.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto (comum a ambos os recursos);
ii) Se os factos provados são insuficientes para considerar ter a ré praticado actos de concorrência desleal (do recurso da ré);
iii) Havendo concorrência desleal, como deve ser fixado o montante da indemnização devida à autora (comum a ambos os recursos).

III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A autora sustenta que ao elenco da matéria de facto provada se deve acrescentar o facto de a ré, por intermédio de F..., ter tentado recrutar para os seus quadros a vendedora E..., facto que na motivação da decisão é referido como tendo sido provado através do depoimento desta vendedora mas que, certamente por lapso, não foi incluído no elenco da matéria de facto.
Efectivamente, na motivação da decisão sobre a matéria de facto a propósito do depoimento de F... é afirmado que este «inclusive negou a tentativa de recrutar igualmente a comercial da A. Q...» mas que esta «o afirmou de forma clara e circunstanciada, de acordo, aliás, com a lógica que presidiu à actuação daquele, pelo que, mesmo na falta de qualquer outra prova corroborante, se tem por demonstrada essa tentativa de recrutamento».
Esta afirmação corresponde realmente àquilo que foi o conteúdo do depoimento da testemunha E.... Todavia, entendemos que o facto assinalado não tem qualquer interesse para o caso pois a responsabilidade da ré não pode emergir do aliciamento infrutífero de um trabalhador para mudar de empregador mas sim de actos que se repercutiram em termos concretos sobre a actividade comercial da autora, o que não sucede, de forma alguma com o facto em causa uma vez que a trabalhadora permaneceu ao serviço da autora e não consta que tenha feito exigências especiais para manter o seu posto de trabalho ou sido perturbada por esse convite quanto ao exercício das suas funções laborais.
Defende depois a autora que ao invés de ter sido julgado não provado devia ter sido julgado provado o seguinte facto: «O dano patrimonial sofrido pela autora foi não inferior a €1.500.000».
A redacção do facto deixa de imediato à vista a sua abstracção e natureza conclusiva. Abstracção por se reportar a “dano patrimonial” quando isso é um conceito normativo e doutrinário, não uma realidade do mundo que é aquilo que um enunciado de facto deve descrever. Se este “facto” fosse julgado provado ficaríamos sem saber o que mudou exactamente na situação patrimonial ou financeira da autora, em função da qual se poderia concluir ou não que ela sofreu mesmo um dano. Natureza conclusiva por nele não se enunciar a diferença entre o estado anterior e o estado actual, mas um resultado sem que se saiba donde ele procede.
Ora os factos são os dados do mundo ontológico (objectivos ou subjectivos, exteriores ou interiores) aos quais caberá fazer a aplicação do direito, não podem ser enunciados que encerrem em si mesmos a conclusão jurídica a que o julgador pode chegar. É certo, parece-nos, que em direito só relevam os factos jurídicos, mas isso apenas pode querer significar que os factos relevam na medida do seu significado para o direito (é tudo, portanto, uma questão de critério de eleição da dimensão do facto que importa para determinada finalidade: a aplicação do direito), não que os factos só existam enquanto realidades jurídicas. Aliás, se os factos existem enquanto tais independentemente do direito, não existe qualquer impossibilidade de fazer previamente a sua demonstração probatória para que depois, apurada a realidade que cumpre julgar, se lhes aplicar o direito. Misturar os dois momentos só pode gerar equívocos erros e deturpações que não interessam à sã aplicação do direito.
A demonstração do acerto desta nossa leitura encontra-se nas próprias alegações de recurso. Basta ver que para sustentar a sua posição a autora faz apelo a duas realidades distintas: a redução da facturação, a qual na comparação entre 2012 e 2013 terá tido uma expressão de cerca de €1.500.000; e a redução dos resultados antes de impostos e amortizações que no mesmo período se traduziu em cerca de €850.000. Pergunta-se: a qual das duas realidades atender?, qual o valor a levar em consideração? porque deve ser atendido o primeiro e não o segundo? onde é que o enunciado de facto sugerido pela autora permitiria vislumbrar a qual das realidades se reportava para que no momento da aplicação do direito se decidisse qual delas devia ser considerada?
Por tudo isso, cremos que bem andou o tribunal a quo ao julgar aquele enunciado de “facto” não provado, o que aqui se reitera.
Acresce o seguinte. Lendo a petição inicial, verifica-se que o que foi alegado pela autora para sustentar a afirmação de que o «comportamento desleal da ré causou à autora um dano não inferior a € 1.500.000,00» (artigo 130.º) foi algo diverso. O que nos artigos 127.º a 129.º vem alegado é que o «dano deverá ser equivalente à diferença entre o custo do negócio e o valor dos seus activos fixos tangíveis» e que como a autora «apresentava, à data de ocorrência dos factos, um valor comercial não inferior a € 2.700.000,00» e o valor dos seus «activos fixos tangíveis … é de € 1.167.307,09», o prejuízo seria então aquele.
Somente depois dessa alegação, encontramos alegado (artigo 132.º) que a «autora sempre terá direito às quebras na facturação decorrentes da necessidade de baixa dos preços e do desvio de clientela, cujo montante se relega para liquidação de sentença, uma vez que não é possível, actualmente, determinar os danos presentes e futuros sofridos pela autora», mas em «qualquer caso, o valor em causa será sempre superior a €1.500.000,00.»
Depois, na conclusão da petição inicial, a autora formula, a título principal, um pedido líquido de pagamento da «quantia de €1.500.000,00 a título de danos patrimoniais» e, a título subsidiário, um pedido genérico, consentido pelos artigos 569.º do Código Civil e 556.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, de pagamento do «valor decorrente dos prejuízos causados pela diminuição de preços e perda de clientela cuja determinação se relega para execução de sentença, cujo valor será sempre superior a €1.500.000,00».
O pedido principal relaciona-se com o alegado nos artigos 127.º a 129.º sobre a «diferença entre o custo do negócio e o valor dos seus activos fixos tangíveis». Essa matéria de facto foi julgada não provada noutros pontos objecto desse julgamento e tal decisão não vem impugnada no recurso, pelo que não se percebe que a autora defenda que se julgue provada a conclusão quando aceitou a não prova dos respectivos pressupostos.
Já o pedido subsidiário está relacionado com a diminuição de preços e perda de clientela, o que, naturalmente, parece equivaler à redução da facturação.
Todavia, exactamente porque estamos perante um pedido genérico cabia à autora, nos termos do artigo 358.º do Código de Processo Civil, o ónus de deduzir a liquidação do pedido antes do início da discussão da causa. A autora não o fez, apesar de agora invocar os depoimentos dos seus funcionários que pareceram ter elementos para nessa altura quantificar a redução da facturação.
Embora essa falta de liquidação do pedido genérico não conduza à improcedência do pedido genérico, já que continua a ser possível a dedução do incidente da liquidação depois de proferida a sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º (artigo 358.º, n.º 2), tal impede o tribunal de proferir uma condenação líquida, como agora pretende a autora, sob pena de ultrapassar os limites da condenação previstos no n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil.
Acresce que tendo a autora remetido o apuramento da redução da facturação para «liquidação de sentença», se durante a pendência da acção e antes do encerramento da discussão, como agora sustenta, já havia elementos para quantificar essa redução da facturação (v.g. depoimentos dos seus funcionários que tratam das questões financeiras), devia ter apresentado um articulado superveniente alegando os novos factos constitutivos do requisito do dano, nos termos do artigo 588.º do Código de Processo Civil, e procedido à liquidação do pedido genérico.
No caso, precisamente por não vir alegado o dano relacionado com o pedido genérico e subsidiário, não estamos perante factos que sejam complemento de factos alegados, passíveis de serem conhecidos independentemente de alegação nos termos do artigo 5.º do Código de Processo Civil, mas perante factos essenciais constitutivos desse pressuposto da responsabilidade civil.
O que verdadeiramente foi alegado a propósitos dos danos patrimoniais foi então somente que a autora «sofreu quebras na facturação decorrentes da necessidade de baixa dos preços e do desvio de clientela» por parte da ré. Na sentença recorrida esse facto não foi objecto de julgamento, no sentido de o julgar provado ou não provado, conforme era mister que tivesse sucedido, atenta a sua relevância para a decisão de mérito.
Todavia, na motivação da decisão, a Mma. Juíza a quo dá como demonstrado esse facto ao afirmar que «se a produtividade da R. no domínio dos displays, numa percentagem de 99,4% da facturação de €984.088,80, se ficou a dever a 28 clientes provenientes da A. ou a quem aquela aumentou significativamente a sua facturação, então, essa, em contrapartida, é a perda de facturação da A. no mesmo domínio dos displays». Acresce que as testemunhas H..., I... e J... foram peremptórias na afirmação desse facto, sendo que estas testemunhas possuem razão de ciência relacionada com as suas funções na organização da autora, fizeram depoimentos seguros e credíveis e afirmaram factos plausíveis no restante contexto factual.
Nessa medida, torna-se necessário que esta Relação, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do Código de Processo Civil, à contrário, proceda à ampliação da matéria de facto, julgando agora provado o seguinte facto (que recebe a numeração de 54-A para se ligar ao facto 54):
54-A. Pelas mesmas razões, no ano de 2013, a autora sofreu redução da sua facturação.”
A seguir, a autora defende que também devia ter sido julgado provado o seguinte facto que a primeira instância julgou não provado: «A ré apropriou-se do negócio da autora».
Também neste particular nos parece, com todo o devido respeito, que a autora confunde uma conclusão, com uma redacção equívoca e um significado problemático, com os factos que a podem suportar. O que importa é determinar o que fez a ré, que actos praticou e qual a repercussão destes na actividade, na facturação e nos resultados da autora. Em função destes factos se caracterizará a actuação da ré e se definirá o âmbito da sua responsabilidade. Foi precisamente por atenção a essa necessidade que às testemunhas não foi perguntado se a ré se apropriou do negócio da autora, o que lhes foi perguntado e podia depois ser julgado provado ou não com base em tais meios de prova foi se a ré praticou este ou aquele acto, quais clientes a autora perdeu e porquê, qual redução do volume de facturação suportou a autora, etc.
Nessa medida, cremos que o tribunal a quo andou igualmente bem ao julgar aquele enunciado de “facto” não provado, decisão que se mantém.
Pretende, por fim, a autora, em sede de matéria de facto que se acrescentem ao elenco dos factos provados os seguintes factos:
«Antes de Março de 2013, o negócio da Recorrida dividia-se em dois ramos de actividade: dos flexíveis, que representava 80 a 90% da sua facturação, e dos displays, que representava 10% a 20% da sua facturação.
Antes de Março de 2013, a Recorrida passava por sérias dificuldades financeiras.
Em Setembro de 2014, a Recorrida passou a dedicar-se somente à actividade de displays.»
A autora não o refere mas estamos perante factos não alegados por nenhuma das partes nos respectivos articulados.
O artigo 5.º do Código de Processo Civil define o ónus de alegação das partes em sede de matéria de facto e a delimitação dos poderes de cognição do tribunal. Nos termos do n.º 1, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. O n.º 2 acrescenta que além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado [leia-se dos factos essenciais] e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Deste modo, a circunstância de não terem sido alegados pelas partes não impede o juiz de considerar factos que se mostrem relevantes. Não se trata, contudo, de uma possibilidade irrestrita. Desde logo, não cabe ao juiz supor ou conceber factos que poderão ter relevo, é necessário que estejamos perante factos que resultem da instrução da causa, isto é, factos que tenham aflorado no processo através dos meios de prova produzidos e, portanto, possuam já alguma consistência prática, não sejam meras conjecturas ou possibilidades abstractas.
Por outro lado, o juiz só pode considerar factos instrumentais e, quanto aos factos essenciais, aqueles que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado. E isto é assim porque o objecto do processo continua a ser delimitado pela causa de pedir eleita pela parte (artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, alínea d), 581.º e 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte) e subsistem limites à alteração dessa causa de pedir (artigos 260.º, 264.º, 265.º, todos do Código de Processo Civil).
A grande diferença em relação ao anterior Código de Processo Civil é que a consideração dos factos essenciais que sejam complemento ou concretização dos alegados não depende já de requerimento da parte interessada nesse aproveitamento para que ele aconteça, como exigia o artigo 264.º, n.º 3, daquele diploma. Presentemente, o juiz pode considerá-los mesmo oficiosamente, sem requerimento de nenhuma das partes, bastando que a parte tenha tido a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos.
Uma vez que estes factos deverão resultar da instrução da causa, a qual é necessariamente exercida em contraditório, com conhecimento e intervenção de ambas as partes (excepto nas situações de revelia, mas nas quais cabe à própria parte a opção pela situação de revelia, pelo que não pode invocar a sua não comparência para fundamentar o exercício intempestivo dos direitos ou a anulação de actos por falta do contraditório a que se escusou), afigura-se-nos necessário algum cuidado para definir o que se deve entender por “possibilidade de a parte se pronunciar sobre os factos” que é condição de atendibilidade oficiosa dos factos não alegados, sob pena de violação do princípio do contraditório e do processo equitativo.
As partes só devem poder ser confrontadas com o poder oficioso do juiz quando as circunstâncias processuais concretas permitirem afirmar que as partes tinham a obrigação de contar com essa possibilidade, o que pressupõe sempre, no mínimo, o anúncio pelo tribunal, antes do encerramento da audiência, de que está a equacionar usar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto.
Trata-se, no fundo, de salvaguardar a confiança que é necessário ter quanto ao conteúdo dos actos do processo e de não impor aos mandatários graus de diligência e atenção absolutos, exigindo-lhes que a todo o momento prevejam todas as hipóteses e levem o esforço probatório aos limites apenas para evitar que se o tribunal vier a considerar relevantes outros factos os mesmos resultem provados ou não provados. Só perante esse alerta se poderão imputar às partes as consequências do esforço probatório que entenderam produzir e a responsabilidade por não terem levado esse esforço ao ponto que seria eventualmente necessário.
Mantendo-se a obrigação e a liberdade de a parte escolher a causa de pedir que define para a acção e sendo certo que essa escolha terá depois reflexos ao nível do caso julgado que se formará sobre a decisão, parece exigível igualmente que a parte interessada nesses factos manifeste até ao encerramento da audiência a concordância ou a vontade de que esses factos sejam considerados pelo tribunal e que se isso não suceder o tribunal não possa mesmo levá-los em consideração[1].
Estas são, a nosso ver, razões bastantes para que estes factos não possam ser aditados por esta Relação. A elas acresce outra razão que cremos insuperável.
Referimo-nos à circunstância de nos encontrarmos de nos encontrarmos de novo perante factos que por si mesmos não têm relevância para as questões de direito que importa decidir na acção. Não tem, com efeito, qualquer importância se a ré se dedicava ou não a outras actividades e se alterou a sua actividade centrando-se apenas num produto porque daí não pode provir qualquer fonte de responsabilidade perante a autora.
Tais factos são instrumentais, no sentido de que indiciam o objectivo dos actos praticados em relação à autora, mas, sendo essa a sua natureza, eles podem e devem ser considerados no momento da formação da convicção do tribunal, para o que serão expostos e analisados em sede de motivação da decisão, não têm de ser levados ao elenco da matéria de facto provada quando, como aqui sucede, não têm valor jurídico per se nem são necessários para a demonstração, com recurso a presunções judiciais, de outros factos insusceptíveis de demonstração probatória directa.
Tais factos não serão pois aditados à matéria de facto provada.
Passando à impugnação da decisão sobre a matéria de facto efectuada pela ré no respectivo recurso, torna-se mister verificar o cumprimento dos requisitos específicos dessa impugnação.
Conforme temos vindo a escrever, demasiadas vezes tantas são as situações em que nos deparamos com as mesmas falhas, as alegações de recurso dividem-se em corpo das alegações, no qual o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão, e conclusões das alegações, nas quais o recorrente sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir (artigo 639.º do Código de Processo Civil).
Constitui jurisprudência continuamente reafirmada, com apoio nos artigos 608.º, nº 2, 609.º, n.º 1, 635.º, nº 4, e 639.º, do Código de Processo Civil, que o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao tribunal ad quem conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso.
A delimitação do objecto do recurso pela formulação das conclusões das alegações conduz a que seja em função destas, e não propriamente do corpo das alegações (ainda que estas possam servir para interpretar aquelas) que se devam balizar as questões que o tribunal de recurso pode e deve conhecer, as quais só podem exceder o mencionado nas referidas conclusões no caso de se tratar de questões de conhecimento oficioso e cujo conhecimento não esteja precludido ou prejudicado.
Servindo as conclusões de recurso para sintetizar as questões que se pretende que o tribunal aprecie e o sentido com que as deverá decidir, nos casos em que a impugnação da decisão da matéria de facto é uma dessas questões, terão de fazer parte das conclusões artigos especificando essa pretensão, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte.
A violação deste ónus, preciso e rigoroso, conduz, nos termos expressos e, por conseguinte, intencionais da norma, à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento da falha – neste sentido cf. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 145 e seguintes – porquanto esse convite se encontra apenas consagrado no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil para as conclusões das alegações sobre matéria de direito.
O artigo 640.º do Código de Processo Civil estabelece que querendo impugnar a decisão da matéria de facto o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente e sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, os seguintes aspectos: os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na óptica dos recorrentes impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que no tocante aos depoimentos gravados carece de indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
A lei impõe assim ao recorrente que (i) individualize os factos que estão mal julgados, que (ii) especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, que (iii) indique o sentido da decisão a proferir e, inclusivamente, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, que (iv) precise as passagens do depoimento que tal hão-de permitir.
Quanto à indicação das passagens exactas da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso, temos vindo a seguir o entendimento de que esse requisito legal da impugnação da decisão da matéria de facto (mas não o da indicação dos concretos meios de prova) deve considerar-se preenchido ainda que essa indicação conste apenas do corpo das alegações e não tenha sido levado às respectivas conclusões, uma vez que essa indicação serve apenas o objectivo de auxiliar o tribunal de recurso a localizar os segmentos dos depoimentos que o recorrente assinala e pretende que sejam reavaliados e já não o objectivo de delimitar os meios de prova em que o recorrente funda a sua discordância com a decisão da 1.ª instância que é o sentido último do estabelecimento de requisitos legais específicos da impugnação da decisão da matéria de facto.
Em relação ao requisito da especificação dos concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados também temos entendido que o requisito deve considerar-se satisfeito não apenas quando de forma absolutamente clara o recorrente indica o número da alínea da peça judicial ou do artigo do articulado onde se encontra enunciado o facto, mas também quando não obstante a falta dessa indicação ainda assim é possível determinar com segurança qual é mesmo o facto concreto com cuja decisão o recorrente não concorda. Por outras palavras, o que é indispensável é que o recorrente isole o facto cuja decisão impugna, não deixando dúvidas quanto à intenção de impugnar a decisão desse concreto facto, ainda que o mesmo esteja inserido numa conclusão mais extensa e misturado com outros aspectos para além do facto em si mesmo.
Apliquemos então agora esta interpretação dos dados legais ao caso em apreço.
Lidas as conclusões das alegações de recurso, ressalta de imediato que na maior parte das situações a ré não menciona nas conclusões das alegações os concretos meios de prova que servem de fundamento à pretendida alteração da decisão. É o caso da impugnação relativa aos factos dos pontos 9 (“unanimemente afirmado”), 10 (“prova produzida”), 13 (“toda a prova produzida”), 25 (“a prova produzida”), 32 (“unanimemente afirmado”), 50 (“prova produzida”).
Como resulta das expressões citadas entre comas para cada um desses factos, a indicação do requerente não cumpre o requisito legal da especificação dos concretos meios de prova, consistindo somente na remissão genérica e não especificada para os meios de prova produzidos nos autos. Por vezes, a ré utiliza a expressão de que não foi produzida qualquer prova, o que entra em conflito com a motivação da decisão sobre a matéria de facto que especificou os meios de prova, sendo certo que para além dos meios de prova comuns, existe a prova por presunções que assume um papel determinante em muitas situações, permitindo que se julguem provados factos não afirmados por nenhuma testemunha desde que os depoimentos destas permitam formar ilações sobre a probabilidade da ocorrência dos outros.
No que concerne à impugnação da decisão sobre o facto 20 não se compreende o alcance da impugnação porque o que se pretende que seja julgado provado tem para nós o mesmo sentido daquilo que foi julgado provado.
Em concreto, a ré pretende que se substitua a expressão “incorporação” por “ida” e que se elimine o substantivo “documentação”. A expressão “incorporação” tem o sentido de entrada das pessoas em causa para a organização da ré, o que corresponde à verdade. Quanto à forma como essa entrada teve lugar existem outros factos que a concretizam (factos 11, 12, 18 e 19), pelo que não se vê nem razão nem necessidade de alterar o que quer que seja. Quanto à documentação, a ré omite o que foi referido (vg testemunhas I... e E...) não apenas quanto ao computador de K... mas também quanto ao ficheiro que o mesmo antes de sair mandou que os vendedores lhe enviassem com os dados do seu trabalho. Os documentos electrónicos não deixam de ser documentos e contém informação sobre a actividade comercial da autora que é a que releva para este efeito. O facto deve por isso manter-se provado, tal como se encontra redigido.
No que tange ao facto do ponto 21, a ré sustenta que a afirmação aí contida, “agia no interesse e por conta”, é conclusiva e que também não foi produzida “qualquer prova” nesse sentido.
É verdade que mais do que ser conclusiva a expressão “no interesse e por conta” é um conceito normativo, uma questão de direito e não propriamente um facto. Todavia, isso é assim quando no caso concreto se discute precisamente a existência de uma relação de comissão e dela depende a imputação da responsabilidade.
Fora dessas situações, nos casos em que o que está em causa já não é rigorosamente uma actuação em termos de relação de comissão, mas uma actuação realizada com o objectivo de granjear benefícios para outrem, nada obsta a que a expressão “no interesse e por conta” possa ser usada porque a ela anda já associado um significado comum, corrente, factual, de algo que é feito para defender os interesses e beneficiar outrem. Nessa medida, não se vislumbra razão para no contexto da presente acção e interpretando a afirmação em causa no seu sentido comum eliminá-la da redacção do facto 21.
A afirmação de que não foi produzida “qualquer prova” já antes foi considerada argumento insuficiente para fundar a impugnação da decisão porque os meios de prova produzidos são perfeitamente suficientes para permitir a ilação sobre outros factos e conduzir à prova por presunção destes.
Como quer que seja, ouvimos a gravação da audiência e a fastidiosa sucessão de depoimentos, de perguntas repetidas e/ou sugestivas, de impedimentos a que as testemunhas expusessem livremente as suas ideias e, bem pior que isso, a falta de exploração de algumas afirmações das testemunhas e de obrigar as testemunhas a justificarem-nas, conforme era necessário para os depoimentos alcançarem uma riqueza probatória que em muitos casos não ocorreu.
Em particular, ouvimos com a devida atenção os depoimentos de K..., F... e L... que eram as fundamentais para demonstração da versão da ré pelo papel que desempenharam nos factos em questão, e de S..., T... e I... que foram os fundamentais para demonstrar a versão da ré. Ouvimos ainda com atenção os depoimentos das funcionárias da autora que mudaram para a ré e da funcionária que tendo sido aliciada para o fazer se manteve ao serviço da autora (E...).
Há um aspecto que a ré e as suas testemunhas fizeram por deixar na penumbra mas que é absolutamente decisivo para a interpretação e avaliação dos meios de prova. É o aspecto da possível motivação dos trabalhadores da autora para deixarem de estar ao serviço desta e passarem a trabalhar para a ré.
A versão apresentada pela ré de que por trás dessa mudança não houve um planeamento e uma orquestração é totalmente contrária às regras da experiência. Foi referido no decurso da audiência, designadamente pelo próprio K... que revelou que auferia um rendimento na ordem dos €250.000 ano, que estas pessoas recebiam da autora rendimentos mensais avultadíssimos, para além de terem veículos e automóveis para usar e todas as despesas pagas, o que só era possível dada a dimensão da autora e o relevo que esta atribuía ao seu contributo para os resultados do exercício.
Cabe, então, perguntar por que razão estas pessoas haveriam de abandonar este posto de trabalho e irem trabalhar para uma nova empresa que praticamente não explorava o sector de actividade em que eles actuavam até aí e que, por isso, seguramente não lhes podia pagar a remuneração que a autora lhes pagava (até porque grande parte dela, como é natural nos departamentos de vendas, varia em função do volume de vendas conseguidas pelo funcionário)? Que motivação justificaria uma tal opção desastrosa do ponto de vista económico e financeiro? A resposta, segundo as regras da experiência, é óbvia: tal só pode ter ocorrido porque foram aliciados para um projecto totalmente diferente daquele que até aí vinha a ser desenvolvido pela outra entidade e tivesse razões para crer na sua viabilidade e no sucesso da sua participação no mesmo. E o que justificava essa crença? Muito provavelmente apenas o modo como esse projecto lhes foi «vendido» e o conhecimento dos outros envolvidos no projecto e das respectivas competências profissionais.
O argumento de que estavam a ser pressionados para terem resultados não pode ser aceite porque não é crível que com o volume de facturação que a autora tinha, essas pessoas não tivessem sido sujeitas a essa pressão continuamente, ao longo dos anos. Se essa pressão não existisse, seguramente que a autora não teria os resultados que tinha e não pagava os salários, prémios e comissões que pagava. Ou pretenderiam estas pessoas auferir a remuneração que auferiam sem estarem sujeitos a grandes ritmos de trabalho e enorme pressão?
Por outro lado, a afirmação de K... segundo a qual a aquisição do capital social da ré foi uma oportunidade furto do acaso que surgiu apenas depois de ter decidido sair da ré é, no mínimo, profundamente singular. Não é minimamente credível, espectável ou provável que um negócio desta dimensão, para mais celebrado por uma pessoa sem passado empresarial e até esse momento trabalhador por conta de outrem, embora com funções de direcção, pudesse ser conhecido, avaliado, decidido e concretizado nesse espaço de tempo. Como não é crível que esta pessoa decidisse adquirir a ré para passar a desenvolver a comercialização do produto que até aí dirigia na autora, assumindo a perda do rendimento que a autora lhe proporcionava, o encargo financeiro da aquisição do capital social da ré e o risco de lutar contra a dimensão, a experiência e o peso no mercado da autora, sem adoptar a cautela mínima de assegurar a transferência da totalidade ou grande parte da equipa que lhe havia proporcionado resultados na autora.
Estas ideias são inultrapassáveis na lógica dos acontecimentos a que a acção respeita e por isso constituem elementos absolutamente determinantes para a avaliação dos meios de prova.
Recordamos que no nosso sistema processual, com algumas excepções, vigora o sistema da prova livre: o tribunal aprecia livremente os meios de prova (o que o meio prova); o tribunal é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada meio de prova produzido (a quantidade de prova produzida por aquele meio).
A circunstância de um facto ser verosímil ou possível não significa que o mesmo seja verdadeiro, mas o contrário também é correcto. A vida diz-nos que por vezes ocorrem factos que eram pouco verosímeis ou não ocorrem factos que além de possíveis eram perfeitamente verosímeis. No entanto, o normal é haver verosimilhança no processo causal gerador de um facto, pelo que a maior verosimilhança do facto torna-o mais provável e a menor verosimilhança menos provável. São as regras da experiência que o determinam. Daí que se possa afirmar a seguinte regra probatória não escrita: quanto mais inverosímil e improvável o facto é, à luz da inteligência que rege os comportamentos humanos e das leis das ciências exactas, normalmente reconduzidas às regras da experiência, mais ou melhor prova deve ser exigida.
Quando os factos têm intervenção humana ou são resultado dessa actuação, é necessário atentar devidamente nesse factor. As pessoas movem-se por interesses, motivações, objectivos, propósitos, emoções, impulsos. Estes são resultado do funcionamento do intelecto da pessoa enquanto ser dotado de razão, consciência, identidade pessoal. Nessa medida, perscrutar a realidade de um facto humano ou com intervenção humana é, antes de mais, averiguar a razão que subjaz à sua actuação, que lhe dá origem e a norteia, e, sobretudo, apurar se a mesma é compatível com o quadro de actuação que qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias teria.
Por isso, um dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, ou seja, a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que por definição possuem motivações apreensíveis, são norteados pela inteligência humana (no sentido de serem comportamentos orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos) e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal.
Comportamentos sem racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer perceptível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou o seu objectivo é diferente daquele que se pretende.
A constatação deste condicionalismo da prova produzida num processo judicial, obriga o julgador a estar particularmente atento e a dar o devido relevo, mais do que às afirmações das testemunhas, ao modo como os factos são alegados e impugnados, ao contexto em que tais factos surgem, às dinâmicas que se entrecruzam no pedaço de vida em que surgem os factos do conflitos, aos interesses e motivações das partes.
Um dos meios de prova previstos no Código Civil é a prova por presunções, que consiste na formação de ilações a partir de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º). Fazendo uso deste meio de prova o julgador recorre a factos que se encontram provados (facto indiciário) e com recurso às regras da experiência inerentes ao princípio da normalidade (id quod plerumque accidit) deles faz derivar um novo facto que carece de prova (facto presumido).
Não se descura que este meio de prova deve ser usado com particulares cuidados, particularmente quando o nexo lógico que permite a dedução tem por base as máximas da experiência, as quais apelam a padrões médios (cultura média, aptidão média, conhecimento médio, senso comum) sempre difíceis de definir e cuja definição é sempre temporizada e localizada. Todavia, nas situações em que não seja possível ou expectável que possa surgir um meio de prova directo do facto carecido de prova, não se pode recusar às presunções judiciais um papel decisivo na formação da convicção, sendo certo que um dos deveres deontológicos do juiz é o de ter coragem na decisão e não optar pela solução mais fácil do non liquet.
Ousamos dizer que com base nestas ideias o resultado da nossa convicção gerada pela audição da gravação da audiência vai claramente no sentido de que, tal como decidiu a 1.ª instância, houve efectivamente um plano delineado e concertado para a transferência do grosso da equipa comercial e de parte da equipa de produção da autora para a ré, plano esse estabelecido e concretizado por K... que formalmente adquiriu depois o capital social da ré, assumindo a titularidade do interesse económico que presidiu a esse plano. As afirmações em sentido contrário feitas na audiência, designadamente por K... e F... não são, com elevadíssima probabilidade, verdadeiras e escondem uma realidade factual conhecida de alguns dos depoentes. Por esse motivo, apenas podemos aderir e confirmar a decisão da 1.ª instância quanto aos factos julgados provados e objecto do presente recurso, designadamente o facto do ponto 21 que motivou toda esta exposição.
A decisão sobre o facto do ponto 54 tem de ser analisada à parte, não apenas porque quanto a esta decisão, o requerente cumpriu, nas conclusões das alegações, os requisitos de impugnação (menciona um meio de prova concreto: a prova pericial) mas também por se tratar de um facto que escapa à lógica avaliativa que acaba de se fazer e remete para o meio de prova mais fiável e seguro composto pela prova pericial.
Não existe na redacção do facto nenhuma afirmação puramente conclusiva. A afirmação do nexo de causalidade é também uma questão de facto na medida em que subjacente a ele existem factos concretos que devem depois ser interpretados à luz de conceitos normativos de adequação e causa. Não existe qualquer dificuldade em dar como provado por exemplo que a morte de uma pessoa foi casada por ter ingerido veneno ou pelo tiro que lhe perfurou o coração!
Naturalmente quando se dá como provado que «por causa do comportamento da ré» aconteceu algo, está-se a querer dar como provado que «em resultado da actuação das pessoas que a ré recrutou para o seu serviço e da pessoa que passou a ser a titular do seu capital social» esse facto aconteceu. O que deu causa ao volume de vendas da ré foi a actuação de todas as pessoas que fazem parte das suas equipas de produção e comercial, mas para efeitos da presente acção tal deveu-se à actuação da ré no sentido de obter para si o resultado do esforço dessas pessoas. Com esta leitura o facto em causa é compreensível e a sua resposta está perfeitamente justificada.
A ré pretende escamotear que tais pessoas eram quem lidava com os clientes da autora, quem os conhecia e trava com eles das vendas, e que se há um departamento de venda e se pagam aos comerciais remunerações avultadas é porque eles são necessários e desempenham um papel fundamental nas vendas. Por conseguinte, se houve clientes que eram da autora e que passaram a ser da ré depois que essas pessoas passaram a trabalhar para a ré ou em benefício da ré, tal deveu-se ao conhecimento que as mesmas tinham adquirido e desenvolvido ao serviço da autora e que foram depois colocar ao serviço da ré.
Nessa medida, não apenas com base no relatório pericial que naturalmente não se pronuncia sobre as causas do incremento das vendas, apenas as quantifica e relaciona com clientes comuns, mas ainda com base na prova testemunhal produzida e, sobretudo, com a própria alegação da ré sobre a evolução do seu negócio nos displays, o facto do ponto 54 encontra-se bem decidido ainda que a sua redacção necessite de ser melhorada para expressar exactamente a realidade apurada.
Pelo exposto, decide-se alterar a redacção do facto do artigo 54.º a qual passa a ser a seguinte:
«Em resultado da transferência para a actividade da ré das pessoas que antes trabalhavam para a autora e da sua actuação em benefício da ré, esta conseguiu que 28 clientes da autora passassem a ser seus clientes ou lhe aumentassem significativamente as suas compras, e por essa via, entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro de 2013, a ré facturou a esses clientes €984.088,80, valor que representou 99,4% do volume de negócios da ré na área de “displys”.»

IV. Os factos:
Face à anterior decisão estão agora definitivamente julgados provados os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade anónima cuja actividade consiste na produção de embalagens e expositores (displays).
2. A autora dispõe de duas unidades fabris em Portugal: (i) a unidade de Vila do Conde (por facilidade designada por "D...") e (ii) a unidade de ... (também por facilidade designada por "U...").
3. A principal actividade da unidade fabril D... consiste na concepção, impressão digital e venda de displays (expositores em cartão canelado) que são utilizados pelos seus clientes para acções de promoção dos seus produtos.
4. A ré, por seu turno, é uma sociedade por quotas cujo objecto é o fabrico, comercialização, instalação e reparação de produtos de publicidade exterior, nomeadamente, outdoor's e placares e respectiva impressão digital, e que se dedica à produção de expositores (displays).
5. A ré detém a sua unidade de produção a cerca de 8 Km de distância da unidade de produção da D....
6. K... foi trabalhador da autora desde 1995.
7. E exerceu, desde 2003, as funções de director-geral da unidade fabril D....
8. Enquanto director-geral da D..., K... tinha acesso a toda a informação e documentação relativa ao negócio da D..., nomeadamente: Lista de clientes; Lista de fornecedores; Métodos de fixação dos preços dos produtos vendidos; Desenhos estruturais/técnicos aplicados na produção dos displays; Remuneração dos trabalhadores; Estratégias comerciais.
9. K... cessou funções como director da D... no dia 9 de maio de 2013, no seguimento da apresentação de carta de denúncia do contrato de trabalho e do acordo de revogação do contrato de trabalho subsequentemente celebrado.
10. No momento em que apresentou a supra referida carta, K... alegou que os motivos da cessação do seu contrato de trabalho se prendiam com questões pessoais e, nas palavras do próprio, "por estar cansado das pressões" que o seu cargo exigia.
11. A 27 de maio de 2013, K... adquiriu a totalidade das quotas da ré com o valor nominal de € 846.000,00.
12. Igualmente, em 27 de maio de 2013, K... foi formalmente nomeado gerente da ré.
13. Ainda antes de ser nomeado gerente da ré, e enquanto estava ao serviço da autora, K..., em conjunto com a primeira, actuou na prossecução dos interesses daquela, designadamente na contratação de F... infra descrita.
14. F... foi trabalhador da autora desde Fevereiro de 2006, tendo exercido as funções de chefe de vendas da D....
15. F... geria, com K..., uma carteira de clientes que representava cerca de 90% da facturação da D....
16. Para o efeito, F... tinha acesso à lista de clientes da D..., ao método de fixação dos preços dos produtos comercializados e às suas estratégias comerciais.
17. Pelo desempenho das suas funções, F... era remunerado pela autora, auferindo uma retribuição anual de aproximadamente € 100.000,00.
18. No dia 19 de Abril de 2013, F... apresentou a denúncia do seu contrato de trabalho, tendo posteriormente celebrado com a autora, no dia 29 de Abril de 2013, um acordo de revogação do contrato, para ir trabalhar para a ré
19. F... entrou, de seguida, ao serviço da ré, exercendo aí as mesmas funções que exercia na D....
20. A incorporação de K... e F... deu à ré acesso a toda a documentação e informação relativa ao negócio da Autora, nomeadamente: Lista de clientes; Lista de fornecedores; Métodos de fixação dos preços dos produtos vendidos; Desenhos estruturais/técnicos aplicados na produção dos displays; Estratégias comerciais; Remuneração dos trabalhadores.
21. Pelo menos desde o início de Abril de 2013, K... agiu no seio da autora, sem conhecimento desta, no interesse e por conta da ré
22. A cessação do contrato de trabalho de F... com a autora foi mediada por K... enquanto director-geral da D....
23. Por indicação de K..., foi determinado não se exigir a F... o cumprimento do período de pré-aviso de 60 dias a que estava legalmente obrigado.
24. K... informou a Administração da autora que a saída de F... era motivada pelo facto de este ir trabalhar com um familiar, numa área de actividade totalmente distinta da exercida na autora
25. K... sabia que F... ia trabalhar para a Ré, exercendo aí as mesmas funções que exercia na D....
26. Em 2 de Fevereiro de 2009, G... celebrou um contrato de trabalho com a autora
27. G... foi designado, por K..., para o exercício na Autora de funções de supervisor de produção, acumulando, igualmente, as funções de chefe de expedições.
28. No dia 3 de Maio de 2013, G... apresentou a denúncia do seu contrato de trabalho à autora
29. De seguida, G... passou a exercer na ré funções similares às que exercia na D....
30. Ainda como trabalhador da autora, G... estava já ao serviço da ré, autorizando à empresa de trabalho temporário V... a retirada de trabalhadores da área da produção da autora para serem colocados a trabalhar na ré
31. A força de vendas da D... era composta pelos trabalhadores K..., F..., N..., O... e E....
32. Após ter já ao seu serviço K... e F..., a ré recrutou as vendedoras N... e O....
33. O... era trabalhadora da autora desde 18 de Junho de 2007.
34. N... era trabalhadora da autora desde 1 de Julho de 2008.
35. Aquelas trabalhadoras apresentaram a denúncia do seu contrato de trabalho no dia 31 de Maio de 2013.
36. Após 31 de Julho de 2013, passaram a estar ao serviço da ré, exercendo ali as mesmas funções que exercem na D....
37. A C... recrutou, igualmente, a trabalhadora P....
38. No exercício das suas funções, P... era responsável pela articulação dos contactos estabelecidos por K... e F... com os clientes da autora
39. P... era trabalhadora da autora desde 1 de Setembro de 2008, exercendo funções de assistente de F....
40. No dia 3 de Maio de 2013, P... denunciou o contrato de trabalho celebrado com a autora.
41. De seguida, P... foi admitida ao serviço da ré, passando a exercer as mesmas funções que exercia na autora.
42. A autora contratou com a sociedade V..., Lda. ("V..."), a prestação de serviços de acabamento no âmbito do processo de produção.
43. A ré passou a utilizar, na sua unidade de produção, uma parte dos trabalhadores que se encontravam a exercer funções na unidade de produção da D... ao serviço da V....
44. Quatro dos seus trabalhadores deixaram de exercer funções na unidade de produção da D... para passarem a exercer funções na ré
45. A ré, através de F... e com conhecimento de K..., procurou recrutar W... para o exercício das funções de chefe do seu departamento de design.
46. W... exerce as funções de designer na D....
47. Os designers da D... têm como função a concepção de soluções técnicas e criativas para a produção dos displays.
48. W... a 24/04/2013 denunciou o seu contrato de trabalho, o que não foi comunicado por K... a T..., superior hierárquico daquele.
49. W... voltou atrás nesta sua decisão e permaneceu ao serviço da autora
50. Com o recrutamento de K..., F..., P..., G..., O... e N..., a ré apropriou-se de bases de dados e informações de carácter sigiloso e relevante para o funcionamento da autora, entre as quais se destaca: Listas de clientes; Listas de fornecedores; Métodos de fixação dos preços dos produtos vendidos; Desenhos estruturais/ desenhos técnicos aplicados na produção dos displays; Estratégia comercial da autora.
51. Beneficiando das informações comerciais obtidas através do recrutamento dos antigos trabalhadores da autora
52. A ré contactou os clientes da autora procurando oferecer-lhes os mesmos produtos fabricados pela D....
53. Tendo em vista impedir a perda de clientes, a autora baixou os preços praticados.
54. Em resultado da transferência para a actividade da ré das pessoas que antes trabalhavam para a autora e da sua actuação em benefício da ré, esta conseguiu que 28 clientes da autora passassem a ser seus clientes ou lhe aumentassem significativamente as suas compras, e por essa via, entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro de 2013, a ré facturou a esses clientes €984.088,80, valor que representou 99,4% do volume de negócios da ré na área de “displys”.
54-A. Pelas mesmas razões, no ano de 2013, a autora sofreu redução da sua facturação.
55. Aquando da saída de K... foram apagados ficheiros informáticos dos sistemas da autora.
56. E desapareceram ficheiros físicos do arquivo da autora.
57. A ré passou a utilizar os mesmos fornecedores da D....

V. Matéria de direito:
A] da qualificação da actuação da ré como concorrência desleal.
A autora deduziu o seu pedido de indemnização contra a ré imputando-lhe a prática de um acto ilícito que qualifica juridicamente com recurso à noção de concorrência desleal.
O Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nos Acórdãos de 24 de Abril de 2012, proc. n.º 424/05.7TYVNG.P1.S1, e de 26 de Fevereiro de 2015, proc. n.º 1288/05.6TYLSB.L1.S1, in www.dgsit.pt, vem afirmando «a noção de concorrência desleal é dada através de uma definição geral, seguida de uma enumeração exemplificativa de actos desleais: a cláusula geral, de carácter valorativo, e não taxativa, torna a apreciação da deslealdade do acto dependente da sensibilidade do julgador, propiciando a criação de algumas zonas nebulosas, mas tem vantagens, pela maleabilidade que permite e a consequente possibilidade de adequar o conceito de concorrência desleal às várias situações que, em cada momento e sector de actividade, se considerem contrárias às normas e usos honestos».
Por isso mesmo, de forma muito sugestiva, Pedro Sousa e Silva, in Direito Industrial - Noções Fundamentais, 1.ª edição, pág. 316, defende que «a proibição da concorrência desleal tem de ser aplicada com muito discernimento, como se fosse um tempero. Ela existe só para travar os excessos da luta concorrencial».
Este instituto encontra-se previsto nos artigos 317.º e 318.º do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, através do uso de uma cláusula geral que estabelece o conceito jurídico de concorrência desleal e da enunciação não exaustiva de situações típicas que integram esse conceito normativo.
A redacção desses preceitos é a seguinte:
«Artigo 317.º (Concorrência desleal)
1- Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente:
a) Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
b) As falsas afirmações feitas no exercício de uma actividade económica, com o fim de desacreditar os concorrentes;
c) As invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;
d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira da empresa ou estabelecimento, à natureza ou âmbito das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;
e) As falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade ou utilidade dos produtos ou serviços, bem como as falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;
f) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento. (…)
Artigo 318.º (Protecção de informações não divulgadas)
Nos termos do artigo anterior, constitui acto ilícito, nomeadamente, a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo, desde que essas informações:
a) Sejam secretas, no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis, na sua globalidade ou na configuração e ligação exactas dos seus elementos constitutivos, para pessoas dos círculos que lidam normalmente com o tipo de informações em questão;
b) Tenham valor comercial pelo facto de serem secretas;
c) Tenham sido objecto de diligências consideráveis, atendendo às circunstâncias, por parte da pessoa que detém legalmente o controlo das informações, no sentido de as manter secretas.»
Como se vê, o conceito de concorrência desleal é um conceito normativo destinado a emprestar a determinados actos ou comportamentos a natureza de ilícitos contra o são e regular funcionamento da concorrência entre os agentes do mercado.
Esses actos ou integram a cláusula geral do n.º 1 da norma ou preenchem uma das situações tipificadas no n.º 2 do artigo 317.º e no artigo 318.º. Estas constituem casos específicos de concorrência desleal e a doutrina costuma agrupá-los em actos de confusão, actos de descrédito, actos de apropriação, actos de desorganização e actos de concorrência parasitária.
Patrício Paúl, in Concorrência desleal e direito do consumidor, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Vol. I, defende uma «classificação que atende ao conteúdo do acto de concorrência desleal praticado» em resultado da qual agrupa «os actos de concorrência desleal nos seguintes tipos principais: actos de aproveitamento; actos de agressão e actos de indução do público em erro ou de falsa apresentação própria.
A concorrência é algo de salutar para o próprio mercado na medida em que, além do mais, permite a qualquer pessoa aproveitar a oportunidade de desenvolver uma actividade lucrativa, estimula a competição entre os diversos agentes e contribui para a diversidade da oferta, a procura de novos e/ou melhores produtos ou serviços, melhores preços, melhor relacionamento entre a procura e a oferta. Daí que haja todo um conjunto de normas legais destinado a regular e incentivar a concorrência.
Já a concorrência desleal é particularmente nociva para o mercado e mesmo para a própria concorrência, na medida em que, além do mais, perturba e adultera o funcionamento do mercado, gera comportamentos parasitários que a mera oportunidade de negócios não pode permitir, desincentiva o esforço de desenvolvimento e criação de novos produtos para evitar que outros tirem proveito desse esforço, desloca o proveito comercial do mérito próprio para o aproveitamento e exploração do mérito alheio, agrava as condições em que a procura consegue satisfazer as suas necessidades através do mercado.
Segundo Ana Clara Amorim, in A Concorrência Desleal à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: revisitando o tema dos interesses protegidos, Revista Electrónica de Direito, Junho 2017, n.º 2, pág. 7, http://www.cije.up.pt/revistared, «No modelo profissional, a disciplina da Concorrência Desleal visa garantir as posições adquiridas pelos agentes económicos nas suas relações recíprocas. Esta concepção tradicional resulta, desde logo, do paradigmático parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 17/57, de 30 de Maio de 1957, que a propósito do artigo 212.º do CPI de 1940 reconheceu constituírem “concorrência desleal os actos, repudiados pela consciência normal dos comerciantes como contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa dum competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela”4. Neste sentido, a disciplina assegura “uma protecção complementar à organização comercial em si mesma, em especial à clientela que da organização é a principal projecção exterior”. De acordo com esta visão corporativa e subjectiva, a Concorrência Desleal constitui um direito de conflitos teleologicamente orientado para a garantia das posições adquiridas no mercado. A disciplina visa então os interesses individuais dos concorrentes à diferenciação no mercado, à protecção da reputação económica e ao aproveitamento do próprio esforço.» (itálicos nossos). Mais à frente, esta autora conclui que o «fundamento axiológico da proibição reside, assim, na garantia da livre iniciativa económica privada, enunciada no art. 61.º da CRP e na “concorrência salutar dos agentes mercantis”, enquanto objectivo da política comercial, previsto na alínea a) do art. 99.º da CRP. Neste sentido, a disciplina da Concorrência Desleal incide sobre o comportamento dos agentes económicos e não – ou, pelo menos, não directamente – sobre os postulados estruturais da concorrência económica».
O conceito de concorrência desleal está delineado a partir dos dois pressupostos que o formam: haver um acto de concorrência; esse acto ser contrário às normas e usos honestos do respectivo ramo de actividade económica. Comummente refere-se ainda um terceiro pressuposto (qualquer ramo de actividade), mas cremos que em rigor não é um pressuposto da concorrência desleal, é somente um esclarecimento de que a função disciplinadora do instituto se aplica qualquer que seja o ramo de actividade onde a actuação tem lugar, desde, naturalmente, que esse ramo de actividade seja legalmente aberto à concorrência e disputado em condições de mercado.
Para Pedro Sousa e Silva, loc. cit., pág. 324, «o acto de concorrência pode ser definido, genericamente, como um acto susceptível de conferir posições vantajosas no mercado, face à clientela. A obtenção de clientela é sempre a sua finalidade, imediata ou mediata. O acto pode não visar directamente a conquista de clientela e, mesmo assim, constituir um acto de concorrência. Como sublinha Patrício Paúl (659) – dando como exemplo a disputa de fornecedores, distribuidores, vendedores, ou dos próprios trabalhadores – tais actos podem visar a conquista indirecta de clientela, porque através deles o que se procura é o melhor apetrechamento da empresa para a conquista de posições vantajosas no mercado. Tanto são actos de concorrência comportamentos lícitos (v. g., campanhas publicitárias) como actuações ilícitas (v.g., denegrimento de concorrentes). O que importa, para a qualificação de uma conduta como acto de concorrência, é que dela resulte, ou possa resultar, um reforço da posição do agente no mercado, que possibilite um desvio de clientela a seu favor». Mais à frente, depois de dizer que há várias concepções de concorrência, este autor afirma que «a concepção dominante entre nós é a que considera concorrentes as empresas que em concreto disputam a mesma clientela (..) A meu ver, tal apenas sucederá quando exista alguma afinidade de produtos ou de actividades (..) Tem de existir, no mínimo, alguma possibilidade de uso substitutivo dos produtos ou de semelhança entre as actividades, sob pena de não existir competição económica, por não haver clientela comum a disputar (..)».
Haverá assim um acto de concorrência sujeito ao controle da cláusula da concorrência desleal quando dois agentes económicos oferecem, de modo efectivo e actual, simultaneamente e no mesmo espaço, produtos ou serviços destinados à satisfação das mesmas necessidades (cf. Ana Clara Amorim, loc. cit). No caso, não há qualquer dúvida de que estamos perante uma actuação entre empresas que se dedicam ao mesmo ramo de comércio (comércio de displays – expositores em cartão canelados para acções de promoção de produtos), que disputam entre si, em simultâneo e no mesmo espaço territorial (o território nacional), a mesma clientela e em que a obtenção da clientela por uma delas se repercute directamente na clientela da outra, sendo por isso empresas concorrentes. Por esse motivo, o recrutamento numa empresa de pessoas com relevo na organização comercial da empresa e com conhecimentos e experiência profissional procuradas pelo mercado, com a intenção de as colocar a realizar noutra empresa a mesma actividade ou actividade similar é, seguramente, um acto de concorrência[2].
O outro pressuposto remete para regras, normalmente não escritas, relativas à honestidade e rectidão de comportamentos que num qualquer sector de actividade se foram cristalizando sobre o que se considera, do ponto de vista da ética comercial, próprio dos bons homens do sector e, como tal, deve servir de padrão de comportamento para todos os agentes do sector[3].
O acto de concorrência é considerado desleal quando colide com as normas e usos honestos. Segundo o autor antes citado (loc. cit., pág. 327), as normas em causa são as «regras incluídas em códigos de conduta, crescentemente utilizados pelos mais variados sectores de actividade e geralmente adoptados pelos membros de associações empresariais»; já os usos são os «padrões de comportamento considerados correctos no ramo de actividade em questão … que obedecem a critérios éticos, que delimitam aquilo que é considerado honesto, servindo para o julgador traçar a linha divisória daquilo que é leal e desleal.» Os usos honestos são assim padrões de conduta, de carácter extrajurídico, que se ancoram em práticas sociais aceites em cada sector.
Segundo o Parecer da PGR atrás citado, in Boletim do Ministério da Justiça nº 69, pág. 453, a expressão usos honestos remete «para um conceito móvel e contingente da honestidade profissional. Não devemos procurar saber se existem verdadeiros costumes comerciais que legitimem determinada conduta, e menos ainda se tais costumes reúnem requisitos que permitam erigi-los em fonte de direito mediata, mas deverá ver-se no preceito em análise uma referência directa à consciência ética do comerciante médio, sendo intérprete o julgador».
Cumpre assinalar que a nossa ordem jurídica já fornece uma cláusula geral com aptidão e aspiração a regular comportamentos com base em critérios éticos de comportamento globalmente aceites pela comunidade, a qual permite controlar e reduzir a incerteza associada à determinação daquilo que é considerado honesto num sector em particular pelos próprios agentes desse sector. Trata-se da cláusula da boa fé.
Ana Clara Amorim, loc. cit, pág. 19, chama, muito bem, à atenção para o conceito de diligência profissional constante do artigo 3.º do regime jurídico aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, que remete esse dever de diligência para o «o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional nas suas relações com os consumidores, avaliado de acordo com a prática honesta de mercado e ou com o princípio geral de boa fé no âmbito da actividade profissional».
A critica que Menezes Cordeiro, in Da boa fé no Direito Civil, págs. 1212-1213, fez à opção do legislador português de não recorrer à boa-fé ou aos bons costumes para efeitos de qualificação da concorrência desleal, o que resultaria «num quadro dogmático menos claro», pode assim ser superada com recurso ao desenvolvimento dos conceitos normativos por força da interpretação conjugada com disposições de institutos próximos ou concebidos para protecção de interesses aproximados ou similares no âmbito da actuação das empresas no mercado.
Com essa composição, a concorrência desleal visa obstar a actos contrários aos usos honestos do comércio, repudiados pela boa consciência dos agentes do mercado e capazes de causar prejuízos a concorrentes que assomam como ilegítimos, injustificados, resultantes não das competências próprias mas do aproveitamento, usurpação ou clonagem de competências alheias (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.2015, proc. n.º 1288/05.6TYLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt). O que se censura ao agente económico são os meios de que ele se serve para actuar no mercado, não os concretos resultados que derivam dessa actuação (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.09.2013, proc. n.º 6742/1999.L1.S2, e Acórdão da Relação do Porto de 09.02.2006, proc. n.º 0536911, in www.dgsi.pt). O que se pretende tutelar é a confiança legítima de todos os agentes do mercado de que as actuações concorrenciais se pautarão pela boa fé.
Refazendo a organização da matéria de facto, vejamos então agora quais os comportamentos da ré sobre os quais deve recair a qualificação jurídica.
a) A totalidade do capital social da ré foi adquirido em 27.05.2013 por K..., o qual nessa data assumiu formalmente as funções de gerente da ré.
b) Este era trabalhador da autora desde 1995 e exercia as funções de director-geral da unidade fabril da autora desde 2003, portanto, há cerca de 10 anos.
c) Desde o início de Abril de 2013, ainda trabalhador da autora, já K... actuava no interesse e por conta da ré.
d) Nesse contexto K... interveio na contratação pela ré dos serviços de F....
e) F... era trabalhador da autora desde 2006 e exercia as funções de chefe de vendas, gerindo clientes que representavam cerca de 90% da facturação da autora.
f) F... cessou a sua relação de trabalho em 29 de Abril de 2013, tendo a cessação da relação laboral sido medida por K... que indicou dever prescindir-se do período de pré-aviso. De seguida F... passou a trabalhar para a ré, exercendo nesta as mesmas funções que exercia na autora. K... sabia que isso ia suceder.
g) Em 3 de Maio de 2013 foi a vez de G... cessar a relação laboral com a autora que existia desde 2009.
h) De seguida passou a exercer na ré funções similares às funções de supervisor de produção e chefe de expedição que até aí exercia na autora por designação de K....
i) Antes de deixar de estar ao serviço da autora já G... tinha praticado actos no interesse da ré, concretamente autorizando a empresa de trabalho temporário a retirar trabalhadores da área de produção da autora e colocá-los a trabalhar para a ré.
j) No início de Maio de 2013 a trabalhadora P... cessou a sua relação laboral com a autora, na qual estava a trabalhar desde Setembro de 2008, desempenhando funções de assistente do chefe de vendas F... e de articulação com os clientes.
k) De seguida esta trabalhadora passou a exercer na ré as mesmas funções que exercia na autora.
n) No final de Maio de 2013, foram as vendedoras O... e N... a fazerem cessar a sua relação laboral com a autora. Passados dois meses, foram trabalhar para a ré com funções idênticas às que desempenhavam ao serviço da autora desde meados, respectivamente, de 2007 e 2008.
m) No seu processo de produção a autora ocupava trabalhadores de uma empresa de trabalho temporário, quatro dos quais foram desviados para passarem a exercer funções na unidade fabril da ré, na sequência de indicações dadas por G... quando ainda era supervisor de produção da autora.
n) A ré tentou ainda, através de F... e com conhecimento de K..., recrutar o designer da autora W... para exercer as funções de chefe do departamento de design da ré.
o) Este trabalhador, encarregue da concepção de soluções técnicas e criativas para a produção dos displays, chegou a denunciar o seu contrato de trabalho mas voltou atrás na sua decisão e permaneceu ao serviço da autora.
p) As pessoas que abandonaram a organização da autora tinham conhecimento de listas de clientes e fornecedores da autora e dos respectivos métodos de fixação dos preços, desenhos aplicados na produção dos display e estratégia comercial.
q) A ré passou a beneficiar dessa informação.
r) Depois disso a ré contactou os clientes da autora oferecendo-lhes os mesmos produtos que esta comercializava. E passou a usar os mesmos fornecedores da autora.
Deste conjunto de factos ressaltam três ideias base: um plano, uma dimensão e um resultado.
A primeira é a de que a mudança de trabalhadores da autora para a ré obedeceu a um plano concertado, não foi fruto do acaso nem, ao contrário do que a ré sustentava, da iniciativa dos trabalhadores que abandonaram a autora e depois, por razões circunstanciais, tivessem acabado por se reunir de novo noutra empresa.
A segunda é a de que em resultado desse plano, a ré conseguiu transferir para a sua própria actividade a quase totalidade do departamento de vendas da autora, o operacional do seu sector de produção, parte dos trabalhadores envolvidos na produção, e tentou e esteve quase a conseguir um dos designers da autora a quem destinava a função de chefe do departamento correspondente. Por outras palavras, não se tratou de uma disputa leal pela força de trabalho de alguém em específico, tratou-se de uma apropriação de parte significativa da organização comercial da autora, com escolha definida e de forma transversal de pessoas nos sectores de vendas, produção e design.
A terceira é a de que essa modificação ocorreu num curto espaço de tempo (pouco mais de um mês) de forma súbita e inesperada, o que só podia ter causado forte perturbação na actividade da autora e exigir grandes esforços para a sua reorganização, em particular no sector das vendas que é particularmente sensível em termos de resultados. Não se tratou, pois, de algo com que a autora devesse contar em termos concorrenciais, mas de algo que a surpreendeu pelo inesperado, pela dimensão e pelas consequências.
É a conjugação destas ideias que torna a situação grave e ilícita do ponto de vista das regras da concorrência.
Ninguém questiona que os trabalhadores gozam de liberdade para escolherem as entidades a quem prestam a sua força de trabalho e, respeitadas as condições do regime legal dessa prestação de trabalho, mudarem para outra entidade que lhes ofereça melhores condições, remunerações ou condições para executarem o seu trabalho. Por conseguinte, também não se pode questionar que as empresas podem abordar trabalhadores de outras empresas para os convencerem a passarem a trabalhar para si, não tendo de esperar que o vínculo do trabalhador com a anterior entidade cesse e o trabalhador passe a estar como que disponível.
Todavia, o que já não é lícito é que uma empresa pretenda apoderar-se, em simultâneo, numa acção concertada, de um conjunto de trabalhadores da mesma empresa concorrente que constituam parte significativa ou relevante da organização da concorrente (praticamente a totalidade do sector de vendas e elementos decisivos dos sectores de produção e de design), sobretudo quando, como aqui sucede, a empresa praticamente não se dedica ao produto que a concorrente explora intensamente e apenas com recurso a esses trabalhadores pretende passar a comercializar esse produto.
Acresce que por essa via, a ré se apropriou ainda dos segredos de negócio da autora, não de uma forma meramente marginal, como mero efeito indirecto da contratação de um trabalhador, mas de forma sistemática e significativa, decorrente da contratação de um conjunto de trabalhadores de sectores transversais da actividade da autora, assim obtendo uma visão conjunta e detalhada dessas informações.
Ao assim actuar, a empresa agressora, em vez de desenvolver e potenciar competências próprias, acaba por se apropriar das competências da concorrente que naturalmente levaram o seu tempo a serem criadas e demandaram esforço financeiro.
Estas ideias permitem, a nosso ver, concluir que estamos perante actos praticados com o objectivo claro de lutar pela obtenção de clientela disputada por ambas as empresas, através da contratação em bloco dos elementos essenciais da organização produtiva e comercial da autora e do aproveitamento imediato e instantâneo do respectivo conhecimento e experiência do mercado obtidos ao serviço da autora.
À luz dos valores éticos que devem caracterizar a normal e sã concorrência num mercado disputado com respeito pelos demais agentes do mercado, onde cada agente tem o direito mas também a obrigação de desenvolver, potenciar e afirmar as suas próprias competências em vez de explorar, aproveitar e copiar de forma oportunista as competências dos outros, tal actuação não pode ser considerada honesta, recta, aceitável, tolerável.
Desse modo, concluímos que a actuação da ré consubstancia de facto actos de concorrência desleal e, consequentemente, se trata de uma actuação ilícita, nos termos da segunda parte do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil (violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios), praticada com dolo e, como tal, geradora do dever da autora de indemnizar os danos que essa conduta causou à autora.
Improcede assim o recurso da ré.

B] o montante da indemnização:
A decisão recorrida condenou a ré a pagar à autora a indemnização a liquidar oportunamente mas «correspondente ao lucro que [a autora] deixou de auferir com base na facturação de €984.088,80 pela impressão digital e venda de expositores (displys) no período compreendido entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro de 2013», acrescida de «juros moratórios à taxa legal desde a citação até integral pagamento».
Considerou assim a 1.ª instância que o dano que a autora sofreu e que teve como causa adequada o comportamento da ré, corresponde ao lucro que teria obtido se fosse ela a comercializar os produtos que a ré comercializou, no período seleccionado, e que deu origem a uma facturação de €984.088,80.
Para assim decidir, a Mma. Juíza a quo expressou a seguinte fundamentação: «(…) apenas os prejuízos da A. provenientes desta actuação ilícita da R. [refere-se à “utilização de métodos subversivos do … funcionamento” da autora] e já não os provenientes da contratação de ex-trabalhadores daquela são passíveis de ser indemnizáveis. Daí que como como consequência directa e necessária do comportamento desleal da R. apenas podem ser considerados os prejuízos ocorridos durante o período subsequente necessário à regularização do seu funcionamento interno e no mercado, designadamente junto de clientes.
Assim, afigura-se-nos que o tempo subsequente à actuação inicial da R. até Novembro de 2013 representa um período razoável às necessidades de reorganização da A. causadas pela R. a merecer compensação pelos prejuízos correspondentes (com interesse vide Paula Costa e Silva, in “Concorrência Desleal”, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 112 e ss.) Esses prejuízos hão-de ter então por base a facturação que a A. deixou de auferir por causa da actuação desleal da R., ou seja, como se deixou demonstrado, a facturação equivalente à realizada pela R. no montante de 984.088,80€, que correspondendo, aproximadamente, à clientela ou volume de negócios de displays desviados, se considerará na totalidade pese embora se reporte ao período iniciado em Janeiro de 2013.
De tal valor da facturação não efectuada pela A. resultarão os proventos que a mesma deixou de auferir, ou seja, descontadas as amortizações e impostos que não suportou, o lucro que não obteve, correspondente aos chamados lucros cessantes que constituem o dano que sofreu em consequência da concorrência desleal da R. (…)
Como se vê existe aqui um lapso, porque se considera suficiente para a autora refazer a sua organização o tempo decorrido entre o início da actuação da autora e Novembro de 2013, mas depois se atende à facturação realizada entre 1 de Janeiro de 2013 e 31 de Novembro de 2013, quando o início da actuação da ré não foi em 1 de Janeiro mas em data não concretamente apurada mas situada sempre a partir de meados/finais de Abril de 2013.
As partes discordam ambos desta forma de apuramento do montante dos danos. A autora sustenta que se deve atender sim à redução da facturação ou dos resultados da autora no ano de 2013 ou então aos “lucros que a autora teria obtido”, “acrescidos dos benefícios que a ré retirou” dessa actuação, nos anos de 2013 e 2014. A ré defende que não está demonstrado que se não fosse ela a facturar aquele montante seria a autora a fazê-lo porque há outros concorrentes e que, pelo menos, haverá que ajustar esse valor ao período de tempo definido na sentença.
Quid iuris?
Já vimos que a actuação da ré consubstancia a prática de um acto ilícito à luz dos artigos 483.º do Código Civil e 317.º e 318.º do Código da Propriedade Industrial.
Este diploma contém uma norma específica para o cálculo da indemnização devida pela violação dos direitos de propriedade industrial inserida no capítulo referentes aos processos para garantia dos direitos de propriedade industrial a que respeitam os artigos 338.º-A e seguintes.
Dispõe o artigo 338.º-L, sob a epígrafe «indemnização por perdas e danos», o seguinte:
«1- Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação.
2- Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, o tribunal deve atender nomeadamente ao lucro obtido pelo infractor e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada e deverá ter em consideração os encargos suportados com a protecção, investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito.
3- Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infractor.
4- O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infractor.
5- Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efectivamente sofrido pela parte lesada, e desde que esta não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas pela parte lesada caso o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos de propriedade industrial em questão e os encargos suportados com a protecção do direito de propriedade industrial, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.
6- Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infractor constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos aspectos previstos nos n.os 2 a 5.
7- Em qualquer caso, o tribunal deve fixar uma quantia razoável destinada a cobrir os custos, devidamente comprovados, suportados pela parte lesada com a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito.»
A primeira questão que se coloca consiste em saber se esta norma é aplicável ao caso concreto cuja causa de pedir não é constituída por direitos de propriedade intelectual ou industrial mas sim pelo instituto da concorrência desleal, sendo certo que embora a localização sistemática deste instituto seja no Código da Propriedade Industrial não se podem confundir os direitos de propriedade intelectual (v.g. direitos de autor) ou industrial (v.g. patentes, modelos, marcas, logótipos, símbolos) com a concorrência desleal.
Pedro Sousa e Silva, loc. cit., pág. 341, responde afirmativamente a essa questão, afirmando que no respeitante «às indemnizações por perdas e danos (reguladas no art. 338.º-L do CPI) e às denominadas sanções acessórias (enunciadas pelo art. 338.º-M), não vejo qualquer obstáculo à sua aplicação em matéria de concorrência desleal - no respeito do princípio do dispositivo -, constituindo meras explicitações ou concretizações do regime geral da tutela civil, que sempre bastaria para fundar a respectiva concessão. Já o mesmo não se diga quanto às medidas inibitórias previstas no n.os 2 e 3 do art. 338.º-N do CPI, que revestem um carácter inovador e excepcional, no domínio do nosso direito processual civil - o que impede, a meu ver, a sua aplicação analógica em casos de concorrência desleal. Em contrapartida, nada obstará à fixação de sanções pecuniárias compulsórias e à publicitação das decisões judiciais, previstas no n.º 4 do citado art. 338.º-N e no art. 338.º-O do CPI.»
Tendemos a concordar com esta interpretação. Para o efeito levamos em consideração que os referidos dispositivos foram introduzidos no Código da Propriedade Industrial pela Lei n.º 16/2008, de 1 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual.
Ora no Considerando 13 desta Directiva afirma-se ser «necessário definir o âmbito de aplicação da presente directiva de uma forma tão ampla quanto possível, de modo a nele incluir a totalidade dos direitos de propriedade intelectual abrangidos pelas disposições comunitárias na matéria e/ou pelo direito interno do Estado-Membro em causa. Contudo, no caso dos Estados-Membros que assim o desejem, esta exigência não constituirá um obstáculo à possibilidade de alargar, devido a necessidades internas, as disposições da presente directiva a actos de concorrência desleal, incluindo cópias parasitas, ou a actividades similares.» Ao fazer essa transposição inserindo as novas disposições do direito nacional num capítulo do Código da Propriedade Industrial, o legislador deverá ter tido em conta essa possibilidade de alargar o objectivo da Directiva a outros institutos previstos nesse diploma legal, mais concretamente o instituto da concorrência desleal.
Os n.os 2 e 3 do artigo 338.º-L do Código da Propriedade Industrial não determinam que a indemnização deva corresponder à soma dos lucros perdidos pelo lesado com os lucros obtidos pelo lesante. Determinam somente que na determinação da indemnização se deverão levar em conta os valores de ambos os lucros, isto é, impõem que o julgador compare os respectivos valores e fixe a indemnização pelo valor mais elevado de ambos, de forma que o montante da indemnização ao mesmo tempo que compensa o lesado contribui para fazer o infractor sentir a necessidade de respeitar os deveres de conduta e/ou os direitos de outrem e que não tira qualquer proveito da sua infracção.
A esse propósito a Directiva antes mencionada refere no seu Considerando 26 o seguinte: «Para reparar o prejuízo sofrido … o montante das indemnizações por perdas e danos a conceder ao titular deverá ter em conta todos os aspectos adequados, como os lucros cessantes para o titular, ou os lucros indevidamente obtidos pelo infractor, bem como, se for caso disso, os eventuais danos morais causados ao titular. Em alternativa, por exemplo, quando seja difícil determinar o montante do prejuízo realmente sofrido, o montante dos danos poderá ser determinado a partir de elementos como as remunerações ou direitos que teriam sido auferidos se o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão; trata-se, não de introduzir a obrigação de prever indemnizações punitivas, mas de permitir um ressarcimento fundado num critério objectivo que tenha em conta os encargos, tais como os de investigação e de identificação, suportados pelo titular
Em conformidade com essa intenção, o artigo 13.º da Directiva fala em «indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo … efectivamente sofrido devido à violação» e determina que na sua fixação as autoridades judiciais «devem ter em conta todos os aspectos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infractor».
Como quer que seja, não parece que o disposto no artigo 338.º-L constitua um regime diferente ou mais generoso que o disposto no regime comum da obrigação de indemnização nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil. O que se pode entender é que se trata de uma norma mais detalhada, que fornece mais critérios para concretizar a chamada teoria da diferença, com o objectivo de atalhar a indemnização que não sejam satisfatórias e que não contribuam para uma efectiva defesa dos direitos de propriedade intelectual e industrial.
Paulo Mota Pinto, in Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. I, Coimbra Editora, 2008, pág. 540 refere que a doutrina confere um conceito de dano “como a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtracção ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa que é juridicamente relevante, por ser tutelado pelo Direito».
Resulta dos n.os 2 e 3 do 566.º do Código Civil que a indemnização do dano em dinheiro, não sendo possível a restauração natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Está aqui consagrada a que se denomina por teoria da diferença: o dano corresponde à diferença entre duas situações, a situação (real) que existe e a situação (hipotética) que existiria se não fosse o evento danoso. A equidade surge como critério subsidiário de determinação do dano: apenas se recorre à equidade quando pela teoria da diferença não for possível apurar o valor exacto dos danos.
A esse propósito Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 6ª edição, pág. 875, afirma que «o fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser este o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes. (…) se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (...) ou em estragos nela produzidos, há que proceder [...] à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega do lesado, ou ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente» (cf. Júlio Gomes, in Cadernos de Direito Privado, n.º 3, pág. 56, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2007, 14.09.2010 e 14.07.2016, in www.dgsi.pt).
Voltando ao caso. Provou-se que em consequência da actuação da ré a autora sofreu uma redução da sua facturação, ou seja, perdas económicas comummente designadas por lucros cessantes e provou-se que em consequência dessa mesma actuação a ré aumentou a sua facturação através de 28 clientes que eram clientes da autora e que logrou obter para si, isto é, obteve um lucro com a infracção cometida.
Pode questionar-se se num mercado aberto em que existem ainda outros competidores é possível sustentar que a redução da facturação da autora foi causada pelo comportamento da ré. Em tese, é sempre possível sustentar que sendo os clientes livres de escolherem os seus fornecedores a opção pela ré resulta do livre arbítrio dos clientes consentido por lei. Da mesma forma é sempre possível sustentar que pode ter sido outro competidor a tirar clientes à autora e que por isso não é possível estabelecer uma relação causal directa entre a acção da ré e a redução da facturação da autora.
Isso é assim em tese. Na prática e no domínio do jurídico não são necessárias certezas absolutas, nem demonstrações por métodos científicas, nem teorias da causalidade dominadas pelo determinismo natural. O que importa é que seja possível estabelecer a relação em termos de adequação jurídica.
No caso, a ré tirou à autora a quase totalidade do seu departamento de venda seguramente por reconhecer méritos e competências a esses trabalhadores e querer tirar proveito do mesmo. Se houve 28 clientes que eram da autora e neste contexto passaram a ser da ré, tem de se concluir que existe uma relação de causalidade entre essa transferência e o aproveitamento pela ré das competências e méritos desenvolvidos na autora pelo respectivo departamento de vendas.
Logo, pode concluir-se que existe uma relação de causalidade adequada entre o aumento das vendas da ré a esses clientes (não a outros) e a redução da facturação da autora (até por os valores alegados por ambas as partes serem próximos, o que empresta plausibilidade à relação). Por outras palavras, deve entender-se que a ré causou à autora um dano real correspondente à perda do lucro que a autora obteria se tivesse sido ela a facturar a esses clientes o que a ré veio a facturar.
Essa relação de causalidade adequada já não existe no tocante à redução absoluta de facturação da autora (referente à totalidade dos seus clientes e não apenas os 28 que passaram a contratar com a ré). Essa redução pode ter sido causada por razões estranhas à ré, designadamente o conjunto dos clientes ter decidido contratar quantidade inferiores ou os restantes vendedores da autora terem sido menos eficazes. Por outro lado, não se vê porque tenha a comparação de ser feita com o ano anterior, o qual pode ter sido um ano invulgar, fora da média anual de um período mais alargado.
Quer-nos parecer, todavia, que esta situação não se pode manter no tempo. A autora não pode passar a receber eternamente, sem nada fazer para isso, os lucros que a ré obtiver nos anos subsequentes através da contratação com esses 28 clientes. Tem de se entender que sendo o acto ilícito o ataque à organização da autora, as consequências do mesmo apenas subsistem (só continuam a ser causa adequada de um dano real) enquanto não decorrer o tempo suficiente para que esta possa reorganizar-se e recompor-se no relacionamento com o mercado e com os clientes que tinha e que perdeu, precisamente porque, como vimos, não foi a contratação de trabalhadores da autora que constitui o acto ilícito, foi o modo como isso foi feito e o desarranjo que causou no desenvolvimento da actividade autora.
Na sentença recorrida este aspecto foi tido em conta, tendo-se considerado para o efeito um prazo de seis meses. Tendo em conta o número de trabalhadores, a importância comercial das suas funções, o número de clientes transferidos e o volume de facturação conseguido pela ré através deles, não parece que, no caso concreto, esse período deva ser estimado como suficiente.
De todo o modo, a questão parece não se colocar porque apenas está demonstrada a passagem da facturação aos mencionados 28 clientes da autora para a ré no exercício de 2013. Não importa que o facto em causa associe essa facturação a um período cujo início é em 1 de Janeiro, antes da actuação da ré. Se os clientes eram antes da autora e passaram a ser da ré naturalmente que isso só pode ter acontecido depois que a ré passou a dispor dos trabalhadores da autora para desenvolver a sua actividade e angariar esses clientes (antes a actividade dos displays era residual na ré), logo a facturação a esses 28 clientes é subsequente e decorrente da actuação ilícita da ré.
Consequentemente, parece-nos correcta a decisão de fixar o montante da indemnização no valor que se vier a liquidar e que corresponder ao lucro que a autora deixou de auferir por ter sido a ré a contratar com os 28 clientes em causa, em 2013, no negócio dos displays, um volume de negócios que originou a facturação de €984.088,80.
Também está correcta a decisão de condenar a ré no pagamento de juros de mora a contar da citação, independentemente de o valor da condenação não se encontrar ainda liquidado. A razão para isso ser assim encontra-se no n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil.
Segundo este preceito, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Mas não é assim se a obrigação tiver prazo certo, se a obrigação provier de facto ilícito ou se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido. Nestes casos o devedor incorre em mora, independentemente de interpelação, na data em que a obrigação deveria ter sido satisfeita, na data da prática do facto ilícito, ou na data em que a interpelação teria tido lugar se o devedor não a impedisse.
Estas regras valem para os créditos líquidos, para os créditos cujos devedores sabem quanto devem. Se porém o crédito for ilíquido, diz a norma que não há mora enquanto se não tomar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (in illiquidis non fit mora). Não assim, porém, se se tratar de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, caso em que o devedor se constitui em mora desde a citação, a menos que já haja então mora.
No caso sub judice a responsabilidade da ré tem natureza extracontratual, provém de um facto ilícito, pelo que existe mora desde a citação, havendo lugar ao pagamento de juros de mora.
Em conclusão, os recursos improcedem e a sentença recorrida deve ser confirmada.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar os recursos de autora e ré improcedentes e, consequentemente, negando provimento a ambas as apelações confirmam a sentença recorrida.
Custas de cada recurso, pela respectiva recorrente, a qual vai condenada a pagar à outra as custas de partes e encargos respectivos.

Porto, 13 de Junho de 2018.
Aristides Rodrigues de Almeida (Relator; Rto 428)
Inês Moura
Francisca Mota Vieira
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[1] Neste sentido, parece-nos, Lebre de Freitas, in A acção declarativa comum, 3.ª edição, afirma que “os factos que completem ou concretizem a causa de pedir ou as excepções deficientemente alegadas podem também ser introduzidos no processo quando resultem da instrução da causa; mas, neste caso, basta à parte a quem são favoráveis declarar que quer deles aproveitar-se, assim observando o ónus da alegação. A necessidade desta declaração, decorrente do princípio do dispositivo (…), estava expressa no anterior art. 264-3 (…) e está implícita na formulação do actual art. 5-2-b (…): a pronúncia das partes, ou de uma delas (normalmente a que é onerada com a alegação do facto: “a parte interessada”), terá de ser positiva (no sentido da introdução do facto no processo), pois de outro modo seria violado o princípio do dispositivo, em desarmonia com a norma paralela do art. 590-4. A alteração de redacção tem apenas o significado objectivo de frisar que a alegação pode provir de qualquer das partes, atendendo a que o facto em causa não altera nem amplia a causa de pedir (como o do art. 265-1) ou uma excepção, apenas completando ou concretizando uma causa de pedir ou uma excepção já identificada.” Citando-o concordantemente e citando ainda a posição divergente de Maria José Capelo, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 143, pág. 294, vejam-se os Acórdãos desta Relação de 29.05.2014, Pedro Martins, processo n.º 388436/10.0YIPRT.P1, e de 15.09.2014, Domingos Fernandes, processo n.º 3596/12.0TJVNF.P1, ambos in www.dgsi.pt.
[2] Oliveira Ascensão, in Concorrência Desleal, Almedina, 2002, pág.125, afirma que os actos de estruturação de uma empresa de apetrechamento dos respectivos quadros de pessoal, não são em regra actos de concorrência desleal mas sim actos legítimos, «a não ser que o ato seja dirigido a um concorrente determinado como o incitamento ao desrespeito dos contratos de trabalho de trabalhadores de uma empresa concorrente».
[3] Evaristo Mendes, in Concorrência Desleal, Almedina, 1997, pág. 88 e seguintes, destaca a importância dos códigos deontológicos, ou códigos de conduta enquanto instrumentos de autonomia privada “corporativa” que visam disciplinar, completar ou reforçar a tutela dos interesses profissionais dos destinatários conferida pelo direito da concorrência desleal, definindo normas ou padrões de comportamento conforme à ética social dominante ou que se pretende implantar.