Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2274/19.4T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRECLUSÃO DE DEFESA
APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RP202005152274/19.4T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 05/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Excetuados os casos em que pode ser deduzida defesa fora da contestação, vigora o princípio da concentração da defesa e a consequente preclusão dos meios de defesa.
II - Antes de efetuada a citação, ato que torna estáveis os elementos essenciais da causa, é admissível a apresentação de nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir.
III - A contestação, uma vez apresentada, não pode ser substituída por outra, estando o respetivo prazo ainda em curso. Quando se apresenta a contestação antes de esgotado o prazo, renuncia-se à parte deste que ainda restava.
IV - A secretaria não tem que aguardar o decurso do prazo, quando apenas há um réu, caso em que deve notificar a contestação logo que apresentada. Só terá de aguardar pelo termo do prazo na situação prevista no nº 2 do artigo 575º do C.P.C.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2274/19.4T8VNG-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… – Sociedade Imobiliária, Lda., intentaram ação com processo comum de declaração contra C….

O réu foi citado nos termos do artigo 228º do C.P.C., em 19 de março de 2019, citação da qual consta que aquele tinha o prazo de 30 dias para contestar.
Em 27 de março de 2019, o réu foi notificado, nos termos do artigo 233º do C.P.C., de que, ao aludido prazo de 30 dias para contestar, acresce a dilação de cinco dias.
O referido prazo foi suspenso pelas férias judiciais da Páscoa (de 14 a 22 de abril).
O prazo para contestar, com a referida dilação, terminou no dia 2 de maio de 2019.
Em 30 de abril de 2019, o réu apresentou a sua contestação/reconvenção.
Em 1 de maio de 2019, o réu apresentou segunda contestação, em substituição da primeira, invocando ter constatado que a primeira enviada não correspondia à versão final, mas à versão de trabalho.
Em 2 de maio de 2019, o réu apresentou a terceira contestação, invocando que, na sequência de problemas informáticos, constatou que tal versão não correspondia à versão final.
No requerimento que acompanhou a terceira contestação/reconvenção, o réu deu sem efeito o requerimento com a Refª 32292019, de 01.05.2019, bem como o articulado (Refª 32288433), de 30.04.2019.
Por requerimento de 15.05.2019, o réu alegou ter apresentado as três contestações/reconvenções dentro do prazo legal, sendo que a última substituiu as anteriores, que foram expressamente dadas sem efeito, pelo que, a terceira e última contestação/reconvenção, era a que devia ser admitida.

Na audiência prévia, realizada em 23 de Outubro de 2019, foi proferida a seguinte decisão:
«Compulsados os autos verifica-se que o réu apresentou três contestações, em 30.4.2019, 1.5.2019 e 2.5.2019, respetivamente, tendo os autores, por requerimentos de 15/5/2019 e 13/6/2019, sustentado que a 2ª e 3ª peças processuais dessa natureza não têm cabimento legal, devendo, consequentemente, ser desentranhadas.
Cumpre decidir.
O argumento apresentado pelo réu para a incorporação nos autos dos articulados em causa – alegada versão de trabalho da contestação previamente apresentada – não tem qualquer sustentáculo fáctico e normativo, sendo manifesto, em nosso entender, que foram praticados atos que a lei não admite, uma vez que através da 1ª contestação o autor exerceu a faculdade que o C.P.C. vigente lhe confere, esgotando-se, dessa forma, a possibilidade de vir a praticar um ato de idêntica natureza.
Nestes termos, e em conformidade com o disposto no artigo 6º, nº1, do C.P.C., determina-se o desentranhamento das contestações apresentadas a 1/5/2019 e 2/5/2019, condenando-se o réu no pagamento de 2 (duas) UCs de taxa de justiça por ter dado causa ao presente incidente».

Inconformado, o réu recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. Os factos atendíveis para efeitos do presente recurso são os supra indicados.
2. Ao contrário da jurisprudência brasileira que, a propósito da contestação, defende a preclusão consumativa (apresentada uma contestação, fica consumado o ato, e por isso não pode ser apresentada uma nova contestação), a jurisprudência portuguesa, entende que, como toda a defesa deve, em princípio, ser apresentada ao mesmo tempo, na contestação (artigo 573º do C.P.C.), depois de ela ter sido apresentada não pode ser apresentada uma nova. Mas esta resposta é normalmente dada para casos em que já está passado o prazo da contestação ou a fase dos articulados normais.
3. Combinando-se os princípios da concentração, da defesa e da preclusão.
4. Só que isto não responde à questão, quando nova contestação é apresentada antes do fim do prazo para ela, o que afasta a preclusão, e desde que a nova contestação substitua a primeira, o que afasta a ofensa da concentração.
5. A consumação do ato processual (contestação) só acontece com a citação/notificação dele à parte contrária, e só a partir daí a alteração do articulado inicial pode prejudicar expectativas da parte contrária.
6. A secretaria só pode notificar a contestação à contraparte depois de decorrido o prazo para apresentação de tal articulado.
7. Se o novo articulado substituir o primeiro e for apresentado dentro do prazo que havia para a prática dele, não se põe em causa o princípio da concentração, nem o seu corolário da preclusão.
8. In casu, a secretaria deveria ter notificado os apelados da contestação, depois de decorrido o prazo legal para apresentar tal articulado, com possibilidade de multa, nos termos do disposto no artigo 139º, nº 5, do C.P.C., ou seja, a partir de 6 de Maio de 2019, o que não se verificou.
9. Os apelados foram notificados pela secretaria das três versões da contestação, no mesmo dia, 2 de Maio de 2019.
10. Em 02.05.2019, o apelante procedeu à substituição final da contestação, tendo expressamente dado sem efeito as duas versões anteriores.
11. Quando apresentou a versão final e correta da contestação, o apelante estava dentro do prazo para o fazer.
12. Pelo que, deverá admitir-se como única contestação/reconvenção no processo, a terceira, enviada em 02.05.2019, com a Refª 32294755, que corresponde à versão final de tal articulado, e que substitui as duas versões remetidas em 30.04.2019 (Refª 32288433) e 01.05.2019 (Refª 32292019).
13. Na decisão em crise, a título de sanção processual por ter dado causa ao incidente, o Juiz a quo condenou o apelante a pagar 2 (duas) UCs de taxa de justiça, montante esse que, caso seja julgado procedente o presente recurso, quanto à substituição da contestação/reconvenção dentro do prazo legal, não deverá ser aplicada.
14. Mas caso assim não suceda, no que se reporta à qualificação como incidente, importa esclarecer que este não foi tratado como incidente anómalo mas, como tendo a categoria de outros incidentes, a que corresponde uma taxa de justiça de 0,5 a 5 UC (Regulamento das Custas Processuais – Tabela II).
15. No caso em apreço, estamos perante uma censura de ordem meramente processual, pelo que se afigura ao apelante, dever ser doseada a taxa de justiça, pelo incidente e na proporção, ao mínimo, em 0,5 UC.
16. Deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do disposto no artigo 647º, nº 3, al. e), por estar em causa uma “decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual”.
17. Por outro lado, encontrando-se agendada a audiência de julgamento para o dia 28 de Janeiro de 2020, o presente recurso ficaria destituído de qualquer efeito útil, caso lhe seja atribuído o efeito meramente devolutivo.
18. O que acarreta prejuízos consideráveis ao apelante, designadamente, no que concerne à apreciação da reconvenção formulada (serviços prestados pelo apelante e não regularizados pelos apelados).
19. O Julgador da sentença recorrida não procedeu a uma correta apreciação da matéria de facto e interpretação e aplicação do direito.
20. Na verdade, o Tribunal a quo fez uma análise redutora e ligeira, quer dos factos, quer do direito aplicável, tendo sido violados na decisão em crise, entre outros, os seguintes normativos legais: artigos 569º, 573º, 139º do CPC e Regulamento das Custas Processuais – Tabela II.

Os autores apresentaram contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se, apresentada uma contestação, o réu pode substituí-la por outra, se ainda estiver dentro do prazo.

I. O nº 1 do artigo 573º do C.P.C. adota o princípio da concentração da defesa, estabelecendo que toda ela deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
Depois da contestação, o nº 2 do mesmo preceito prevê que só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou que se deva conhecer oficiosamente.
Trata-se da chamada defesa diferida, na qual é possível distinguir a defesa superveniente («exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes»); a defesa diferida por expressa determinação da lei; e a defesa retardável que integra os meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, pág. 299 e 300.
Ou seja, excetuados os casos em que a defesa pode ser deduzida fora da contestação, vigora o princípio da concentração da defesa e a consequente preclusão dos meios de defesa.
O que acaba de ser referido serve de enquadramento às situações habituais em que não pode ser apresentada uma nova contestação, visto se encontrar esgotado o prazo para contestar.
A questão concreta que nos surge não é, no entanto, a da dedução de meios de defesa fora da contestação, mas a substituição deste articulado que foi apresentado por outro, estando o respetivo prazo ainda em curso.
No que toca à petição inicial, vigorando o princípio da estabilidade da instância previsto no artigo 260º do C.P.C., antes de efetuada a citação, ato que torna estáveis os elementos essenciais da causa, é admissível a apresentação de nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir. Neste sentido, Antunes Varela, ob. cit. pág. 266; Alberto dos Reis, Comentário, 3º, pág. 66; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2014, pág. 505.
Como refere A. dos Reis no local citado, «a instância fica iniciada com o ato da propositura da ação; mas só se fixa com o ato da citação do réu. Enquanto este não for citado, a situação é de instabilidade».
O ato da proposição, como se diz no artigo 259º, nº 2, do C.P.C., não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação.
Mas, se o autor pode, antes de concretizada a citação, apresentar uma nova petição e nela introduzir as alterações referidas, assim não acontece com a contestação que, uma vez apresentada, não pode ser substituída por outra, estando o respetivo prazo ainda em curso. A contestação não pode ser equiparada à petição inicial porque, ressalvados os casos de caducidade, não existe prazo para a sua apresentação.
Quando se apresenta a contestação antes de esgotado o prazo, renuncia-se à parte deste que ainda restava.
A secretaria não tem que aguardar o decurso do prazo, quando apenas há um réu e, neste caso, deve notificar a contestação logo que apresentada. Só terá de aguardar pelo termo do prazo na situação prevista no nº 2 do artigo 575º do C.P.C.
No caso, apesar de o prazo para contestar, sem a multa prevista no artigo 139º, nº 5, do C.P.C., terminar apenas a 2 de maio de 2019, quando o réu, em 30 de abril do mesmo ano, apresentou a sua primeira contestação contestação/reconvenção, renunciou ao prazo que ainda lhe restava.
Com a apresentação da primeira contestação, em 30 de abril de 2019, ficou impedida a sua substituição por outra, ou outras, como ocorreu no caso dos autos, com os dois articulados juntos em 1.5.2019 e 2.5.2019, apesar de o respetivo prazo ainda não se encontrar esgotado.
Em sentido contrário, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 21.2.2019, escreve-se que, «se uma nova contestação for apresentada dentro do prazo para a contestação e ainda não tiver sido notificada ao autor (pois que só o deve ser pela secretaria findo o prazo para a contestação), ela substituirá a primeira, sem que isso ponha em causa os princípios da concentração, da preclusão e da estabilidade da instância ou as expectativas do autor».
O réu/apelante foi condenado no pagamento de 2 (duas) UCs de taxa de justiça, por ter dado causa ao incidente e tal condenação afigura-se ajustada, não se justificando, como aquele pretende, a sua redução para o mínimo de 0,5UCs nos termos do Regulamento das Custas Processuais – Tabela II.
Improcede, deste modo, o recurso do réu C….
Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Porto, 15.5.2020
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida
Carlos Gil