Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17567/15.1T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ QUARESMA
Descritores: CRIME DE BURLA QUALIFICADA E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
PROVA INDIRECTA
Nº do Documento: RP2024020717567/15.1T9PRT.P1
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Qualquer conduta criminal é dotada de uma faceta íntima, um estado subjetivo interno do agente que, naturalmente e salvo o caso de confissão, só a este é acessível.
II - O conhecimento e a vontade da realização de determinada ação, em ordem a obter um correspondente resultado - desvalioso na perspetiva ética e do Direito - situam-se num plano interno imperscrutável, mas que não equivale a dizer-se insuscetível de prova ou dependente de confissão.
III - Essa demonstração far-se-á através de prova indireta, que o art.º 125.º do C.P.P. desde logo permite, e a partir da objetividade dos factos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 17567/15.1T9PRT.P1




Acordam em conferência na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto


I.
I.1
Nos autos de processo comum n.º 17567/15.1T9PRT, que correu termos no Juízo Central Criminal de Vila do Conde – Juiz 7, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por acórdão de 07.06.2023 decidiu-se, além do mais, o que a seguir se transcreve:
- Condenar o arguido AA, em co-autoria material e em concurso real, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2 al. a), 202.º, al. b) e 22.º, nºs 1 e 2 al. a), b) e c), 23.º, n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, nºs 1 alíneas d) e e) e 3, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão;
- Suspender a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por um período de 2 (dois) anos e 1 (um) mês;
- Condenar o arguido BB, em co-autoria material e em concurso real, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2 al. a), 202.º, al. b) e 22.º, nºs 1 e 2 al. a), b) e c), 23.º, n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal, na pena de na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, nºs 1 alíneas d) e e) e 3, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Condenar o arguido BB, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 1 (um) mês de prisão;
- Suspender a execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado, por um período de 2 (dois) anos e 1 (um) mês;
(…)
- Condenar os demandados a pagar ao demandante (herdeiros habilitados) a quantia de € 1.000 (mil) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros contados desde o trânsito em julgado (…).
*

I.2
Não se conformando com o decidido vieram os arguidos, conjuntamente, interpor o recurso ora em apreciação referindo, em conclusões e após convite ao aperfeiçoamento, que (transcrição):
A) O Tribunal a quo ignorou no seu severo acórdão os princípios fundamentais dos arguidos, a prova documental constante nos autos e a testemunhal produzida em juízo, contrariando toda a lógica penal, toda a base e princípios basilares do nosso processo penal, bem como, todo o conceito de justiça.
B) Mal andou o Tribunal a quo ao condenar os aqui Recorrentes, cuja condenação entendem que é manifestamente injusta e com a qual não se conformam.
C) Na parte que releva, a matéria de facto dada como provada e ainda a não provada encontram-se, a nosso ver, incorretamente julgadas, motivo pelo qual se pretende aqui impugná-las, porquanto, inexistem nos autos elementos probatórios bastantes que fundamentem a decisão recorrida e existem nos autos manifestos elementos probatórios que impõem uma decisão diametralmente inversa à que foi proferida.
Senão vejamos,
D) O Tribunal a quo julgou provados os factos nº. 1, 2, 3, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 23 com base em documentos de fls. 564 e 575, 593 e ss, 699, 611 a 617, 626, 555 a 558, 551 a 561, 488 a 500, 551 a 561 e 609, e 734 a 737, respectivamente, o que, à primeira vista, sendo prova pré-constituída e de natureza material e documental não têm de ser lidas ou reproduzidas mas somente submetidas à discussão e exercício do contraditório.
E) Sucede que os documentos de fls. 611 a 617 e 626 não foram submetidos à discussão e exercício do contraditório, respeitam à ordem de que “o depósito da indemnização devida pela expropriação seja feito em nome da herança indivisa aberta por óbito dos inventariados CC e DD”, não têm a virtualidade de comprovarem o facto nº. 5, no seu todo ou parcialmente, de forma conducente à afirmação da positividade do facto de o cabeça-de-casal decesso Dr. EE tenha formulado um qualquer “propósito de obter do processo de inventário o pagamento de dívidas por si simuladas”.
F) Tais documentos de fls. 611 a 617 e 626 demonstram a inconformação do expropriado FF com o despacho de 12-10-2012 que ordenou a entrega da indemnização ao expropriado cabeça-de-casal Dr. EE, o recurso interposto por aquele ao qual o cabeça-de-casal Dr. EE não apresentou contra-alegações, na sua em concordância.
G) Por conseguinte, o facto nº. 5 foi julgado de forma clamorosamente errada e a sua parte final deverá ser expurgada do elenco dos factos provados, devendo em consequência, integrar o elenco dos factos não provados, o que se requer.
H) Relativamente aos factos nº. 4 e 6 do elenco dos Factos Provados, o Acórdão recorrido fundamentou o seu juízo nos depoimentos prestados em audiência de julgamento, designadamente, pelas testemunhas GG, HH, II e JJ, e ainda pelas testemunhas KK, FF e LL, MM e NN.
I) Ora, nada nos autos existe que comprove que o cabeça-de-casal decesso Dr. EE tenha decidido simular a existência de dívidas relacionadas com a administração da herança com o fito de obter benefícios económicos e que tenha contado com a colaboração dos Recorrentes para a concretização desse seu desígnio, tanto que não se encontra nos autos nenhum documento ou elemento probatório conducente à positividade do facto.
J) Antes pelo contrário, os demais herdeiros (o Assistente decesso OO, FF e LL) foram proibidos de praticarem qualquer acto que obstruísse ou impedisse a administração da herança, cfr. fls. 563 e ss. (Providência Cautelar 4634/09.0TBSTS), o cabeça-de-casal decesso Dr. EE alcançou a indemnização à Herança no valor de € 623.275,98 no processo de expropriação sob o nº. 510/2002 (fls. 611 e ss.), e estando o acervo hereditário da herança em manifesta ruína em 18/12/2008, conforme resulta de fls. 563 e ss. e do depoimento da testemunha KK - factos que foram submetidos à discussão e exercício do contraditório -, não se vislumbra nenhum fundamento para que o Tribunal a quo concluísse pela decisão de simulação de quaisquer dívidas nem da intenção de obtenção de quaisquer benefícios económicos pelo cabeça-de-casal decesso Dr. EE, pois as obras de recuperação e de conservação do acervo hereditário que abaixo se demonstrará que foram realizadas no cumprimento dos deveres e obrigações legais do cabeça-de-casal, além de ser matéria de natureza cível, e pertencendo ao exercício das funções de cabeça-de-casal, o Tribunal a quo nada haveria de se pronunciar a este respeito, pois as letras em crise são uma dívida da herança resultante de uma despesa da administração da herança pela realização das obras num bem da Herança e tal despesa da Herança é elemento de prestação de contas da exclusiva responsabilidade do Cabeça-de-Casal, facto já reconhecido e constatado no Processo nº. 986/13.5TBPFR a fls. 468 e ss.
K) Assim, inexistindo quaisquer sinais indiciadores da acusada intenção do cabeça-de-casal decesso Dr. EE e inexistindo prova de tais factos, o Acórdão recorrido não poderia quedar-se aos depoimentos das testemunhas FF e LL, pois depoimentos de fé de testemunhas que sempre litigaram contra o Cabeça-de-Casal Dr. EE, testemunhas interessadas no desfecho condenatório dos presentes autos, no não pagamento das letras endossadas ao Recorrente AA, e desconhecedoras, absoluta e inquestionavelmente, das circunstâncias relativas à emissão, saque e endosso das letras de câmbio, como o disseram em juízo.
L) Acresce que, perante a existência de contradições nos seus depoimentos (FF e LL) que o próprio Tribunal a quo registou no acórdão recorrido, sempre seria exigível ao Tribunal a quo uma prudência acrescida na apreciação dos depoimentos dessas testemunhas quanto à sua isenção, desinteresse e credibilidade, o que não fez.
M) Pelo exposto, os factos nº. 4 e 6 deverão ser expurgados do elenco dos factos provados e, em consequência, integrarem o elenco dos factos não provados, o que se requer.
N) O Tribunal a quo julgou provados os factos nº. 14 a 22 assente na “análise efectuada aos actos praticados pelos arguidos e já descritos na fundamentação supra referida relativamente a cada um dos factos dados como provados” sic.
O) A análise dos factos nº. 14 a 22 dos factos provados dependerá da análise dos factos provados anteriores, o que já vimos terem sido erradamente julgados, e ainda dos não provados, designadamente, dos factos não provados H, I, K, L, M e N.
P) Ora, se em 18 de Dezembro de 2008 a Quinta ... encontrava-se em manifesto estado de ruína (Facto Não Provado H) e, contraditoriamente, o Acórdão recorrido julgou provado o estado de degradação da habitação da Quinta ... pelo depoimento da testemunha KK que o afirmou e considerou-o “claro, objectivo e desinteressado, e referiu de forma cabal que quando efectuou o arrolamento dos bens existentes no interior da casa da Quinta ..., antes da entrega dos bens ao Dr. EE, para iniciar as funções de cabeça-de-casal, a casa estava muito degradada...” sic, o Tribunal a quo julgou de forma incoerente, sem respeito pela lógica do silogismo judiciário e, assim, errada, pelo que o facto não provado H deverá integrar o elenco dos factos provados, o que se requer.
Q) Ainda, concorre com a prova documental constante nos autos submetida a contraditório de fls.976 e ss. e 1043 e ss e o incidente de remoção do Cabeça-de-Casal FF e da Providência Cautelar 4634/09TBSTS (fls. 563 e ss.), a prova testemunhal produzida em juízo demonstrativa da positividade do facto H do elenco dos factos não provados, designadamente, pelos depoimentos das testemunhas KK, GG (in registo áudio 20230525104516_16298881_2871572.mp3), HH e de II, os quais o Tribunal a quo transcreveu para o Acórdão recorrido e que por economia processual damos por reproduzidos, sendo os mesmos claros e demonstrativos quanto baste da comprovação do facto H erradamente julgado de não provado.
R) No âmbito da prova testemunhal não transcrita pelo Tribunal a quo para o Acórdão recorrido, foram produzidos em juízo os depoimentos das testemunhas JJ (in registo áudio 20230525143418_16298881_2871572.mp3), MM (in registo áudio 20230525145856_16298881_2871572.mp3) e NN (in registo áudio 20230525160311_16298881_2871572.mp3), cuja transcrição se remete para a que consta na motivação e que damos por reproduzida por economia processual, e da qual resulta cristalinamente comprovado o estado de ruína da Quinta ..., pelo que o facto H deverá integrar o elenco dos factos provados, o que se requer.
S) Os “depoimentos genéricos” das testemunhas MM e de NN, como o Tribunal a quo os qualificou, mas que transcrevemos na integra na motivação, evidenciam o erro de julgamento dos factos nº. 4, 5 e 6 do elenco dos Factos Provados, e dos factos H, I, K, L , M e N do elenco dos Factos Não Provados, pois o Tribunal a quo demitiu-se de os ouvir e interpretar, não os tendo, tampouco, conjugado com os documentos que constam nos autos que serviram para julgar provado o facto nº. 1 dos Factos Provados, claros e demonstrativos do evidente estado de degradação da Quinta ... e das obras necessárias que foram efectuadas para evitar os escombros.
T) O Acórdão recorrido, além de não fundamentar objectivamente porque julgou não provados os factos H e I, ignorou a prova testemunhal cabal, objectiva, completa, livre, esclarecedora e desinteressada das testemunhas que sobre tais factos depuseram, quando o estado de degradação da Quinta ... foi exaustivamente descrito pelas testemunhas GG, HH, II, JJ, MM e NN, o qual foi confirmado pela testemunha KK, cujo depoimento o Tribunal a quo julgou claro, objectivo e desinteressado, no qual referiu que quando efectuou o arrolamento dos bens existentes no interior da casa da Quinta ..., antes da entrega dos bens ao Arguido decesso Dr. EE para este iniciar as funções de cabeça-de-casal, de fls. 306 e ss. dos autos relativas à execução da providência cautelar 4634/09.0TBSTS, “a casa estava muito degradada, com pedras mármores partidas e as mesinhas de cabeceiras pareciam ter sido pontapeadas, que não havia frigorífico, não havia alimentos na cozinha, nem as camas estavam feitas e os quartos estavam cheios de pó e que o estado geral da casa era de degradação”.
U) Os depoimentos das testemunhas GG, HH, II, JJ, MM e NN foram qualificados pelo Tribunal a quo de vagos e genéricos, mas tais depoimentos foram coincidentes não só com o teor dos documentos de fls. 563 e ss. e de fls. 306 e ss. dos autos, como o foram com o depoimento a testemunha KK que o Tribunal a quo qualificou de claro, objectivo e desinteressado, valorando-o, além de terem completado o depoimento da testemunha LL que confirmou ao Tribunal a quo o destelhamento da casa da Quinta ... e a substituição dos tecidos dos estofados da casa, designadamente, da sala de visitas durante o cabecelato do Dr. EE, e cujo depoimento foi considerado credível pelo Tribunal a quo.
V) Resultou inequívoco do depoimento da testemunha LL que o cabeça-de-casal decesso Dr. EE contratou os serviços do Arguido Recorrente BB, que foi quem realizou trabalhos nas janelas e no telhado da casa tendo a casa da Quinta ... ficado sem telhas durante muito tempo, e que restaurou o mobiliário, inclusive, da sala de visitas em que estofou as cadeiras com “tecido da feira”, o que, pelo normal sentido das coisas e as regras da experiência, impunha em primeiro lugar constatar que o Recorrente BB fez o levantamento do telhado e depois colocou novos barrotes e ripas, tendo colocado ainda a adaptação de telhas de fibrocimento, seguindo-se a recolocação das telhas anteriormente existentes, de modo a evitar as infiltrações existentes na casa da Quinta ..., conforme atestaram as testemunhas da defesa, designadamente, GG, HH, II, JJ, e ainda as testemunhas MM e NN. Depois então é que procedeu à realização dos trabalhos no interior da casa da Quinta ....
W) Ora, não se compreende o silogismo judiciário do Tribunal a quo que se divorciou do normal saber das coisas, das regras da experiência e do conhecimento geral, encontrando-se ferido de falta de coerência na análise da prova e da sua valoração, atentas as apontadas incongruências da análise da prova testemunhal produzida e supra descrita, que podem e devem ser supridas, o que se requer.
X) Não obstante, o Tribunal a quo atribuiu preferente valor probatório a meras fotografias de fls. 73 a 79 dos autos, que respeitam ao estado de conservação exterior da casa da Quinta ..., conforme justifica o Acórdão recorrido, reconhecendo que o seu estado podia ser considerado mau, mas ignorou não só a fidelidade de tais registos fotográficos que se encontra em contradição com os documentos autênticos e de fé pública de fls. 563 e ss. e de fls. 306 e ss. dos autos e demais depoimentos prestados em audiência de julgamento, os quais foram omitidos e, inclusivamente, desvalorizados, assumindo como sua voz a contradição das testemunhas LL e FF, pois a primeira disse que a casa tinha estado destelhada durante muito tempo e a segunda que disse nunca ter visto qualquer intervenção no telhado e, negando a realização das obras no interior da casa através da visualização dos tais registos fotográficos do exterior da casa da Quinta ..., pasme-se.
Y) Por conseguinte, demonstrado em juízo, quer o estado de degradação da casa da Quinta ... aquando da tomada de posse do cabecelato pelo Dr. EE que acima se evidenciou, quer as obras contratadas pelo mesmo ao Recorrente BB através dos depoimentos das testemunhas GG, HH, II, JJ, MM e NN, cujo teor se remete por economia processual para as suas transcrições na motivação, não poderia o Tribunal a quo julgar Não Provados os factos H, I, K, L, M e N, como mal o fez, ao concluir pela não comprovação das referidas obras, pelo que tais factos H, I, K, L, M e N deverão integrar o elenco dos factos provados, o que se requer.
Z) Pelo exposto, tais factos H, I, K, L, M e N acima demonstrados da sua positividade e comprovado o fundamento da emissão das letras objecto dos autos, as quais constituem uma dívida da herança resultante de uma despesa da administração da herança pela realização das obras num bem da Herança e em seu benefício, tal despesa da Herança é elemento de prestação de contas da exclusiva responsabilidade do Cabeça-de-Casal, facto já reconhecido e constatado no Processo nº. 986/13.5TBPFR a fls. 468 e ss., encontrando-se o cabeça-de casal decesso Dr. EE autorizado à realização da mesma sem depender da autorização dos demais herdeiros, visto que esses estavam proibidos de praticarem qualquer acto que obstruísse ou impedisse a administração da herança, cfr. fls. 563 e ss., sendo somente exigível ao cabeça-de-casal Dr. EE, no que respeita às letras, a inclusão do seu valor na prestação de contas e não na relação de bens, pois nesta só caberem as dívidas existentes à data da abertura da Herança e tal valor das letras tratar-se de dívida resultante de despesas da administração da herança pela realização de obras de conservação na Quinta ..., bem da Herança, facto jurídico já reconhecido e constatado no Processo nº. 986/13.5TBPFR a fls. 468 e ss..
AA) Repare-se que o cabeça-de-casal decesso Dr. EE confirmou a realização das obras de cujo pagamento derivam as letras, não só no inventário, mas também na execução a fls. 562 e nos presentes autos, pelo que não podia o Tribunal a quo ignorar tais evidentes factos nem tampouco a decisão do Proc. ...2-R/2000 a fls. 593 e ss. que revogou o arresto do quinhão hereditário do Dr. EE, onde concluiu que “a indiciação de realização de obras na Quinta, as características das mesmas e a amplitude que tem de lhes ser reconhecida, mitigam em muito o invocado crédito”, não indiciando que o cabeça-de-casal decesso Dr. EE destruísse bens da Herança e a desvalorizasse.
BB) Resulta da leitura dos documentos de fls. 488 a 500 dos autos que “inexiste qualquer fundamento legal para que não seja ordenada a imediata transferência da quantia penhorada à ordem do processo executivo nº. 986/13.5TBPFR, da 1ª Secção de Execução da Instância Central do Porto” e “pese embora os interessados se insurjam contra a existência da referida dívida e aleguem que a quantia aposta no título executivo aí apresentado não é devida, o certo é que todas essas questões só poderão ser dirimidas no âmbito do referido processo executivo”, de modo que nunca poderia o Tribunal a quo concluir pela pretensa obtenção de benefícios económicos e simulação da existência de dívidas pelo cabeça-de-casal decesso Dr. EE para assim julgar provado o facto nº. 4 do elenco dos Factos Provados, quando urgia a realização de obras de conservação que foram feitas pelo Recorrente BB e por outros a seu mando, cujo pagamento é por demais evidente quanto à obrigação.
CC) Ademais, o facto J que o Tribunal a quo julgou Não Provado, foi erradamente julgado face à evidência documental dos autos de Certidão e fotocópias do processo executivo 986/13.5TBPFR e seu apenso a fls. 33 a 42, 52 a 65, e 551 a 737, bem como pela Certidão do Processo de Inventário nº. 438/14.6T8STs de fls. 488 a 500 dos autos, quer ainda pelo depoimento transcrito na motivação que damos por reproduzido da testemunha NN, de modo que o facto J deve, em consequência, integrar o elenco dos factos provados, o que se requer.
DD) Não obstante, regressando aos factos provados nº. 14 a 22, pelo supra exposto verificamos a inexistência de elementos probatórios conducentes à afirmação da sua positividade, pois que os recorrentes e o cabeça-de-casal decesso Dr. EE não praticaram quaisquer actos susceptíveis de confirmar a positividade dos referidos factos, visto que o cabeça-de-casal decesso Dr. EE praticou, no exercício das suas funções de cabeça-de-casal, actos de administração da herança na recuperação e conservação do acervo hereditário, porém sem a autorização dos demais herdeiros, visto os mesmos estarem impedidos de praticarem qualquer acto que obstruísse ou impedisse a administração da herança, cfr. fls. 563 e ss. (Providência Cautelar 4634/09.0TBSTS).
EE) Quer o Assistente decesso quer os restantes herdeiros foram notificados da execução 986/13.5TBPFR no processo 438/14.6T8STS tendo o Assistente decesso deduzido embargos julgados improcedentes, decisão da qual não interpôs recurso, tendo interposto recurso, somente, do despacho que no processo 438/14.6T8STS ordenou o pagamento, pretensão do Assistente decesso que sucumbiu por Acórdão do TRP proferido no Apenso AH do referido processo (fls. 904 e ss.), em que:
- Julgou a legitimidade do Arguido decesso Dr. EE, na aceitação das letras, na qualidade de Cabeça-de-Casal;
- Remeteu para a prestação de contas as restantes questões; e
- Declarou válido o despacho que ordenou o pagamento do valor dessa execução de que tinha sido interposto recurso.
FF) O cabeça-de-casal decesso Dr. EE nunca entregou as letras ao Recorrente AA, pois as letras foram-lhe endossadas pelo Recorrente BB e Dr. PP, e não houve nenhuma testemunha da acusação (FF e LL) que manifestasse conhecimento, absoluto e inquestionável, das circunstâncias relativas à emissão, ao saque e endosso das duas letras, facto que o tribunal a quo omitiu da fundamentação do Acórdão recorrido, cuja sanação se requer.
GG) Por conseguinte, devem ser julgados Factos Provados os factos H, I, J, K, L, M e N do elenco dos factos não provados pelos fundamentos supra referidos, o que se requer.
HH) Quanto aos factos nº. 14, 15 e 16 do elenco dos Factos Provados, estes encontram-se, face à supra demonstrada prova produzida em audiência de julgamento, erradamente julgados pelo que tais factos deverão ser considerados Factos Não Provados, uma vez que resultou da prova produzida a existência de transação comercial, na qual foi prestado um serviço mediante o recebimento de um preço, com o intuito de salvaguardar a integridade do acervo hereditário, nomeadamente, da Quinta ... depois do estado de ruína a que ficou votada pelo anterior cabeça-de-casal, FF.
II) A existência da referida transação comercial foi comprovada pela testemunha de acusação LL e ainda por todas as testemunhas de defesa dos Recorrentes, algumas das quais executantes dessas obras de reparação, restauro e de melhoramento da Quinta ..., e outras que presenciaram a realização de tais trabalhos, sendo que as mencionadas faturas nunca foram documentos fiscais e eram documentos meramente descritivos dos trabalhos realizados e dos valores devidos, que foram entregues pelo Recorrente BB ao Arguido decesso Dr. EE na presença da testemunha NN, mediante a entrega da letra de 15/09/2012 no valor de € 44.850,00.
JJ) Também não se admite a afirmação não provada de que algum dia os Recorrentes tivessem pretendido causar prejuízos no montante dos valores titulados à herança, locupletando-se dos valores constantes nessas letras, pois se algum dinheiro existe na Herança, tal deve-se ao cabeça-de-casal decesso Dr. EE que alcançou a indemnização à Herança do montante de € 623.275,98 no processo judicial de expropriação 510/2002, e os valores das letras são o preço dos trabalhos efectuados na Quinta ... pelo recorrente BB e pela sua equipa de trabalho, e ainda as letras foram endossadas ao Recorrente AA pelo Recorrente BB, pelo que sendo o Recorrente AA um terceiro de boa-fé na cadeia de transmissões das letras, nada tem de demonstrar, porque legal e factualmente impedido de o fazer, por desconhecer a(s) relação(ões) subjacente(s) às Letras em crise.
KK) Por conseguinte, deverão considerar-se Factos Provados os Pontos 20 a 23 e 38 a 41, 44 e 45 da Contestação do Arguido AA, o que requer.
LL) Posto isto, é cristalino que resultam do teor do Acórdão recorrido clamorosos erros de julgamento da matéria de facto provada e da não provada, uma flagrante insuficiência de fundamentação para a decisão da matéria de facto provada e não provada, insanáveis contradições da fundamentação e, inclusive, evidente contradição entre a fundamentação e a decisão, bem como se verifica a existência de erro notório na apreciação da prova, o que evidencia que o Tribunal a quo fez errónea interpretação dos factos e da prova produzida e consequente errónea subsunção dos factos ao Direito.
MM) O Acórdão recorrido não é consentâneo com a prova produzida em audiência de julgamento, a qual é contraditória entre si, faz constar uma errónea valoração e interpretação dos factos, chega a ser omisso na fundamentação do seu juízo, a ignorar factos notórios e evidentes, a desconsiderar prova documental bastante dos autos, a valorizar prova testemunhal de forma selectiva e contraditória entre si, a fundamentar a análise dos factos e da prova produzida, aparentemente, sob o princípio da livre apreciação da prova para, in fine, concluir em total desconhecimento e presumível falta de vontade de saber, e assim, contrária à realidade e à legalidade, de forma absolutamente contrária ao natural saber das coisas e ao critério da experiência do homem médio.
NN) O Acórdão recorrido padece de vícios de apreciação de prova mister (documental) e de prova testemunhal pois, valorou depoimentos que não têm correspondência com a verdade, contraditórios entre si, e sem qualquer comprovação documental, constando nos autos documentos demonstrativos do inverso do percepcionado, e em total omissão de fundamentação lógica subsuntiva dos factos, além de que concluiu em primazia de conjecturas e realidades fictícias assente num suposto crédito conferido a testemunhas que depuseram contraditoriamente entre si e com a realidade, valorou depoimentos que foram totalmente desacreditados por outros depoimentos de testemunhas conhecedoras dos factos, igualmente considerados credíveis pelo Tribunal a quo, o que culminou na formação de convicções deturpadas, as quais sem paralelo com a realidade e com a verdade, daí resultando contradições, as quais insanáveis e manifestas, entre os factos provados e a prova produzida, entre os próprios factos provados, entre os factos provados e a própria fundamentação, razão pela qual o Acórdão recorrido não pode proceder, pelo que o Recorrentes requerem a revogação do Acórdão recorrido e que o mesmo seja substituído por outro que, face à prova produzida, absolva os Arguidos Recorrentes da prática dos crimes que lhes são imputados.
OO) Se a simples condenação dos Recorrentes assume uma gravidade extrema face à prova produzida, evidente se mostra que as penas aplicadas ultrapassam qualquer razão, pois completamente desproporcionadas face ao calvário que os presentes autos se transformaram para as suas vidas sociais, familiares e profissionais, motivo porque o Acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que absolva os Arguidos ou, no limite, faça clara distinção das actuações de cada um, considerando, por óbvio, o princípio do in dubio pro reo, o que se requer.
Pelo exposto, por tudo quanto se disse e demonstrou, à prova testemunhal produzida e documental constante nos autos, à vista, à ouvida e à lida e ainda àquela que não podemos ignorar mas que o Tribunal a quo omitiu, alterou e subverteu, face aos apontados vícios do Acórdão recorrido, este Colendo Tribunal da Relação do Porto, sempre concluirá pela revogação do Acórdão recorrido, o que se requer e, em consequência, julgará pela absolvição dos Arguidos, o que se requer, Fazendo-se assim, a costumada Justiça.
*

I.3
Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou articulado de resposta, manifestando-se pela preservação da peça impugnada nos seguintes termos:
No que concerne aos vícios da decisão invocados, o recorrente nem sequer os enuncia, muito menos os evidenciando ou fundamentando como lhe é imposto pelas disposições conjugadas dos arts. 410º, nº2 e 412º, nº1 do CPP.
Limita-se, outrossim, a comentar a produção da prova, lançando, de forma desorganizada, alguns comentários sobre certos momentos de produção de prova, discordando das deduções efectuadas pelo tribunal, sem demonstrar a pertinência da invocação dos vícios da decisão e sem cumprir o ónus a que qualquer impugnação da matéria de facto está sujeita, nos termos do art.412º, nº3 e 4 do CPP, indicando as concretas provas que impunham decisão diversa, com expressa menção das concretas passagens dos depoimentos.
No art.410º do Código de Processo Penal declara-se expressamente que o vício tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Estas regras, porém, só poderão ser invocadas quando da sua aplicação resulte inequivocamente a existência daquele vício.
Para ser relevante, o erro tem de ser de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, ou seja quando o homem médio facilmente dele se dá conta (cfr. Maia Gonçalves in "Código de Processo Penal Anotado", 7ª Ed., pág. 595).
Não se configura como erro notório uma pretensa errónea valoração das provas produzidas em audiência de julgamento, v.g. a credibilidade atribuída ao depoimento de certa testemunha ou a valoração de certo documento.
Quer da leitura do elenco dos factos provados, quer do teor da fundamentação de facto, não se denota nenhum erro clamoroso ou evidente que imponha a alteração do decidido, conforme é exigido pelo regime dos vícios da decisão previsto no art. 410º, nº2 do CPP.
No que concerne à impugnação especificada, o arguido não logra efectuar uma apreciação conjugada com todos os elementos de prova atendidos e explanados na decisão, fazendo uma apreciação atomizada e, em muitos casos, invocando elementos e argumentos sem ligação racional à matéria de facto conforme veio a ser fixada.
A título de exemplo, impugna o facto provado nos arts.1 e 2, invocando elementos que não contendem com o ali fixado.
Por seu turno, tece comentários sob o provado no ponto 3., novamente extrapolando da materialidade do apurado, provado a partir de elementos objectivos dos autos, não atendidos na impugnação.
Por último, quanto aos factos 4 a 6, no que concerne à credibilidade relativa dos testemunhos relevantes para a decisão, evidenciados no acórdão, para além de transcrever extensivamente os depoimentos, poucos comentários sobre a materialidade da apreciação feita pelo tribunal, apenas manifestando a sua discordância, novamente ignorando a prova mais substancial nesta sede.
Em particular, nada de relevante se invoca sobre a manifesta falsidade das faturas apresentadas pelo arguido BB em sede de instrução e a insustentabilidade da inexistência de comprovação documental dos trabalhos considerando a elevadíssima litigiosidade mantida entre o arguido falecido e os demais herdeiros, quanto à administração do património da herança em causa.
Nenhuma explicação coerente se apresenta quanto à conjugação desta prova com o comportamento processual do arguido falecido no processo de inventário referido em 1., distinta daquela que vem plasmada na acusação e que veio a ser dada como provada.
Em suma, refira-se que a matéria de facto dada como provada no Acórdão reproduz, com fidelidade, o teor da prova produzida em sede de audiência de julgamento, encontrando-se devidamente fundamentada a convicção do julgador, em termos que subscrevemos inteiramente.
Assim, não se vislumbra a existência de qualquer erro lógico-dedutivo na motivação, tendo o tribunal conjugado as provas supra expostas, analisando criticamente toda a prova produzida.
Convirá, a propósito, ter presente o princípio da livre apreciação da prova em processo penal: "salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente" - cfr. art. 127º do citado código.
Lendo a decisão recorrida, nomeadamente a fundamentação de facto e a indicação das provas, não se vislumbra que ao assentar os factos provados o
julgador tivesse cometido qualquer erro e muito menos que tivesse errado por
forma evidente.
Pelo contrário, verifica-se ter o Acórdão seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão
ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.
Está, assim, perfeitamente justificada a formação da convicção do julgador sobre os elementos da prova em apreço, em termos lógicos e de razoabilidade, em plena consagração do Princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal, bem como do princípio da imediação, que encontram a sua plena aplicação aquando da apreciação da prova testemunhal.
Nesta conformidade, rejeitando o recurso interposto pelos arguidos e confirmando em todas as suas vertentes o Acórdão recorrido, V.as Ex.as farão, como sempre, inteira justiça.
JUSTIÇA.
*

I.4
Neste Tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunta teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido do não provimento do recurso (Ref.ª 17330392).
Deu-se cumprimento ao disposto no art.º 417.º n.º 2 do C.P.P., não tendo sido exercido contraditório.
Foram os autos aos vistos e procedeu-se à conferência, importando, pois, apreciar e decidir.
*

II.
Questões a decidir:
Conforme jurisprudência recorrente e pacífica, o âmbito de qualquer recurso é delimitado pelas conclusões que sobrevêm às alegações do recorrente, sem prejuízo do conhecimento, ainda que oficioso, dos vícios da decisão a que se alude no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P. (cfr. art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2 e 410.º, n.º 2, als. a) a c) do C.P.P. e Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19.10).
No caso, vistas as conclusões apresentadas em sede recursória, constitui objeto do presente recurso apreciar:
a) Da nulidade do acórdão por falta de motivação;
b) Dos vícios decisórios – art.º 410.º, n.º 2 do C.P.P.;
c) Do erro na apreciação da prova;
d) Da violação do princípio in dubio pro reo;
e) Da (in)adequação das penas aplicadas.
*

III.
Apreciando.

III.1
Por facilidade de exposição, retenha-se o teor do acórdão recorrido no que concerne à respetiva fundamentação de facto:
(…)
Fundamentação
Os factos provados
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
A- Da Pronúncia
1. Em 18 de Dezembro de 2008, EE, advogado conhecido profissionalmente por Dr. EE, foi nomeado cabeça-de-casal no processo de inventário com o n.º ...00, do 2.º Juízo Cível de Santo Tirso, instaurado para partilha da herança indivisa deixada por óbito de seus pais, CC e DD.
2. O Dr. EE passou a exercer tais funções sem consultar os irmãos e também herdeiros - FF, QQ, LL e OO - acerca dos actos de administração da herança, prestar contas aos demais herdeiros e sem solicitar autorização para assumir encargos em nome da herança;
3. Por discordarem da administração da herança pelo Dr. EE, os outros herdeiros, seus irmãos, intentaram contra o mesmo diversas acções judiciais, designadamente de remoção de cabeça-de-casal, de prestação de contas, de indemnização e de arresto do seu quinhão hereditário.
4. Para obter benefícios económicos, o Dr. EE decidiu simular a existência de dívidas relacionadas com a administração da herança, para receber e dispor livremente do dinheiro correspondente às dívidas simuladas.
5. Sabendo que tinha sido depositado à ordem daquele processo de inventário, como bem da herança a partilhar, o valor de € 623.275,98 de uma indemnização fixada no processo judicial de expropriação n.º 510/2002, o Dr. EE formulou o propósito de obter junto daquele processo de inventário o pagamento das dívidas por si simuladas.
6. Para a concretização daquele seu desígnio, contou com a colaboração dos arguidos AA e BB, conforme plano estabelecido entre todos.
7. O Dr. EE, na qualidade de cabeça-de-casal, aceitou duas letras de câmbio, emitidas a favor de PP e do arguido BB, uma no valor de € 25.000,00 e outra de € 44.850,00, para, através das mesmas, demonstrar que a herança devia esses valores aos sacadores.
8. AA, que aceitou o endosso das letras por parte dos sacadores, na data do vencimento das mesmas, intentou execução contra EE, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de CC, processo autuado em 25-06-2013, com o n.º 986/13.5TBPFR, pendente no Juízo de Execução do Porto – J5.
9.No respectivo requerimento executivo, o arguido AA alegou ser dono e legítimo portador das duas letras de câmbio como resulta dos endossos constantes das mesmas, sem que tivesse invocado relações jurídico-negociais que legitimassem a sua posse, quer quanto à emissão dos títulos, quer quanto à entrega dos mesmos títulos à sua pessoa.
10.A primeira letra dada à execução, com data de emissão de 08-08-2012 e vencimento em 20-12-2012, no montante de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), contendo a menção “transacção comercial”, foi sacada por PP, entretanto falecido em 14-12-2017.
11.A segunda letra executada, com data de 15-09-2012 e vencimento em 20-12-2012, no montante de € 44.850,00 (quarenta e quatro mil, oitocentos e cinquenta euros), com a menção “transacção comercial”, foi sacada pelo arguido BB.
12.Os montantes titulados pelas letras nunca foram incluídos, pelo Dr. EE, na relação de bens do referido processo de inventário, e não fazem parte do passivo da herança indivisa nesse processo.
13. Enquanto cabeça-de-casal da herança, o Dr. EE prescindiu do prazo para dedução de oposição naquela execução.
14.O arguido BB e o Dr. EE, ao fazerem constar naquelas letras de câmbio a referência a uma transacção comercial inexistente, e o arguido AA, ao utilizar aquelas letras como títulos executivos, actuaram de forma concertada, em comunhão de esforços e intentos e com o propósito de determinar o Tribunal a executar tais valores.
15. Desse modo, pretendiam causar prejuízos à herança indivisa dos falecidos pais do Dr. EE em benefício deste, locupletando-se todos os arguidos com os valores mencionados nessas letras e respectivos juros, aos quais sabiam não ter direito.
16. Os arguidos apenas não conseguiram concretizar a sua intenção de receber os valores titulados, por suspeitas na execução judicial da existência de acto simulado na origem dos títulos aí executados.
17. Tais suspeitas fundamentaram a suspensão da instância nesse processo, o que ocorreu por decisão proferida em 08-02-2018, nos termos do artigo 612.º do Código de Processo Civil.
18. Sabiam os arguidos que tais letras fariam crer enganosamente que titulavam a existência de transacções comerciais, na realidade inexistentes, colocando assim em crise a fé pública inerente aos documentos.
19. Tinham conhecimento que prejudicavam - como prejudicaram - o Estado, no seu interesse legítimo de atestar que os documentos juntos a processos judiciais são verdadeiros, e que daí retiravam para si as supra descritas vantagens e benefícios indevidos, como pretendiam.
20. O arguido AA, ao entregar as referidas letras de câmbio para execução patrimonial no processo judicial acima identificado, tinha conhecimento de que não era titular de qualquer direito sobre a herança indivisa da qual o Dr. EE era cabeça-de-casal, e que tais documentos não tinham subjacente qualquer relação comercial.
21. Procuravam, desse modo, os arguidos obter, junto do Tribunal, a entrega judicial das quantias ali tituladas, no valor global de aproximadamente € 80.000,00, para utilizarem tais quantias em seu benefício, o qual sabiam ser ilegítimo.
22. Em toda a sua actuação, os arguidos e o Dr. EE agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crime.
B- Do Pedido de indemnização cível (apenas os factos que não consubstanciam repetição com os factos constantes do despacho de pronúncia, e que não se mostrem conclusivos).
23.Em finais de 2015 o assistente OO tomou conhecimento da existência do proc. 986/13.5TBPFR, pendente no juízo de execução do Porto, J5.
24.Nessa altura, o assistente sentiu-se intranquilo e nervoso, acometido por crises de ansiedade.
25.O assistente experimentou sensações de desespero, vexame e humilhação.
C- Das contestações (apenas da matéria que admitida que foi objecto de prova –cfr. despacho de recebimento das contestações e dos meios de prova, datada de 12.12.2022, e expurgadas as referências a meios de prova e que ultrapassem o objectos destes autos, mesmos que respeitantes aos mesmos sujeitos processuais)
Inexistem.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido provou-se que:
AA:
Não possui antecedentes criminais.
BB
- Por acórdão proferido em 10.07.13 e transitado em 19.06.15 no proc. n.º 378/03.4TASTS, o arguido foi condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, por factos praticados em 2001, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa por igual período, extinta em 19.03.18.
Quanto à situação económica, familiar, social e profissional dos arguidos provou-se que:
AA:
AA, filho único, cresceu no seu agregado de origem do qual destacou a dinâmica familiar funcional, normativa e afetivamente securizante. Em termos económicos, recorda uma infância e adolescência sem dificuldades, sustentado pelos proventos do pai, comercial de uma drogaria, dedicando-se a progenitora a trabalhos agrícolas.
Ao nível académico, AA retratou-se como um jovem irreverente, pouco investido nos estudos e facilmente influenciado pelos amigos – da sua localidade – no sentido do absentismo escolar sem, contudo, registar problemas aditivos ou comportamentos pró-delinquenciais.
Concluiu o 3.º ano do Curso Comercial, atualmente correspondente ao 9º ano, tendo, posteriormente e já em idade adulta, concorrido, em vaga própria, à Universidade Católica ao Curso Superior de Direito, que chegou a frequentar durante cerca de 3 anos, tendo aí efetuado a alguma disciplinas do seu interesse.
Iniciou-se laboralmente aos 17 anos, com um amigo, efetuando projeção de filmes, funções que desempenhou até ao serviço militar, que cumpriu durante 16 meses, durante os quais o progenitor viria a falecer.
Regressado a casa da progenitora, passou, pouco depois, a trabalhar na área da contabilidade, por conta de outrem, até se submeter a exame de certificação que lhe permitiu, pela sua aprovação, exercer funções de contabilista por conta própria.
Nos anos que se seguiram, manteve-se, tendencialmente, a viver com a mãe, na habitação familiar, não obstante as relações amorosas que estabeleceu das quais resultaram dois descendentes, atualmente com 35 e 19 anos, com os quais nunca coabitou, mas dos quais sempre assumiu, segundo refere, as suas responsabilidades parentais, mantendo contactos regulares e salutares com os filhos e respetivas progenitoras.
Constituiu união de facto aos 45 anos, com RR, com quem teve um filho, atualmente com 13 anos. Chegaria a adquirir habitação própria, inicialmente um apartamento que, entretanto, vendeu para comprar uma moradia que ainda hoje possui.
Em finais de 2012, AA vivia com a companheira, RR e seu respetivo filho, de maioridade, e o descendente do casal, na altura com 3 anos de idade. Este agregado habitava uma moradia adquirida pelo arguido, com recurso a empréstimo bancário e à qual estava associada uma obrigação mensal de, sensivelmente, 300 EUR.
A dinâmica familiar foi positivamente retratada, assim como a relação entre o arguido e os seus outros dois descendentes e respetivas progenitoras, a quem visitava/contactava com regularidade.
AA dedicava-se, segundo refere, à gerência das empresas supra identificadas, dedicando-se a companheira a aulas de culinária, tendo a mesma chegado a abrir um restaurante, juntamente com o filho mais velho, formado em hotelaria. Sem especificar valores, o arguido afirmou beneficiar de liquidez financeira, tendo o próprio referido, aliás, nunca ter tido a sua sobrevivência/viabilidade económica posta em causa, não obstante a insolvência da A....
BB
BB desenvolveu-se no agregado de origem, constituído pelos progenitores e cinco irmãos cuja dinâmica familiar sempre terá sido pautada por relações familiares gratificantes, representadas numa relação de grande proximidade afetiva e coesa entre os diferentes elementos familiares. Os pais exploravam uma quinta, rendimentos que se mostravam suficientes para satisfazer as necessidades básicas do agregado.
O sistema de ensino foi abandonado por BB após completar o quarto ano tendo, segundo o próprio, exibido um comportamento adequado ao normativo escolar.
Aos 12 anos começou a trabalhar numa conhecida fábrica de Paços de Ferreira a qual manufaturava máquinas para trabalhar a madeira, mantendo a atividade de operário até 1979, altura em que na sequência de uma alergia provocada por produtos com os quais trabalhava, viu-se forçado a abandonar o trabalho desenvolvido. Logo após abriu, juntamente com dois irmãos, um dos quais, entretanto falecido, uma empresa de comércio de móveis, “B..., Lda.”, na qual passou a trabalhar como sócio-gerente até ao seu encerramento, cuja data referiu não saber especificar, mas refere ter sido em ano anterior a 2018, altura em que passou a trabalhar para a empresa “C... Lda.”, onde ainda trabalhará.
Aos 27 anos contraiu matrimónio na constância do qual nasceu uma filha, presentemente com agregado autónomo.
Após o nascimento da filha, o cônjuge sofreu uma depressão nervosa que a conduziu a diversos internamentos em instituições de saúde mental tendo o casal optado por integrar o agregado dos sogros do arguido, como forma de poderem beneficiar de apoio para os cuidados da filha recém-nascida.
À data dos factos constantes dos autos, BB vivia com o cônjuge e refere que mantinha a atividade de sócio-gerente na empresa “B..., Lda.” onde também laborava regularmente um irmão e dois funcionários no acabamento e comércio de compra e venda de móveis.
A situação económica do agregado era considerada remediada sendo referido pelo arguido e cônjuge uma diminuição muito expressiva dos lucros auferidos na empresa, resultantes da diminuição das vendas que desenvolvia sendo os tempos-livres direcionados para o convívio familiar nomeadamente com a filha que vive no Porto.
Ainda por referência ao período em causa, BB refere que mantinha uma relação de amizade com EE, que também era seu defensor em assuntos jurídicos e para o qual refere que chegou a realizar vários trabalhos no âmbito do fabrico e restauro de mobiliário.
Presentemente, o arguido coabita com o cônjuge, 59 anos, reformada por invalidez. A dinâmica do casal reflete bons níveis relacionais, sendo evidente o grande envolvimento/proximidade do arguido na doença depressiva de que o cônjuge continua a sofrer, embora de momento controlada.
Os factos não provados
A- O Dr. EE, na qualidade de cabeça-de-casal, sabia que a herança não tinha dívidas e que não estava autorizado pelos restantes herdeiros ou pelo Tribunal para contrair dívidas em nome da herança.
B- O Dr. EE, munido desses dois documentos – letras- por si elaborados, entregou-os ao arguido AA para que este agisse como legítimo proprietário das letras com direito às quantias por elas tituladas.
C- Que o assistente acordava frequentemente a meio da noite.
D- O assistente receava ser que a todo o momento o seu património pessoal viesse a ser objecto de penhoras.
E- Que, em consequência, passasse a ser olhado por alguns familiares e amigos como cidadão relapso e não cumpridor.
F- O assistente tornou-se pessoa cada vez mais irascível e conflituosa no seio da sua célula familiar e na sua própria roda de amigos.
G- Perdeu o apetite e a alegria de viver.
H- À data da investidura como Cabeça-de-Casal do co-arguido decesso EE, os bens da herança encontravam-se no seguinte estado:
a) Da casa de habitação:
- O telhado arqueou por terem cedido os barrotes e apodrecido as ripas;
- Sem cornija, os beirais apodreceram e fizeram ruir as caleiras;
- A água infiltrava-se pelas paredes de estuque;
- Estavam em derrocada os quartos do lado da Capela, por ter sido colocada tela por cima do estuque que impedia o arejamento da estrutura coberta por lousas;
- Com a instalação da TV Cabo por cima do telhado da Capela, apodreceu a estrutura gerando infiltrações junto ao altar e na Capela da Sacristia;
- Os tectos em estuque apresentavam fendas e buracos devido a água do depósito de abastecimento que não tinha escoamento adequado à potência do motor que os herdeiros substituíram por alternativa à canalização de abastecimento de água da mina e cuja bóia do sistema automático era inadequado à apetência da entrada de água e seu escoamento;
- As WC’s do 1º e 2º andares não tinham abastecimento e a banheira e lavabos do 2º andar tinham os tubos de abastecimento completamente deteriorados, que faziam escoar a água para o átrio do 1º andar e para o escritório, assim estes com os tectos e paredes em ruínas e a divisória do próprio WC do 2º andar que ruiu completamente;
- No acesso à Capela e na própria Capela escorria água pelo apodrecimento das caleiras entre a Casa e a Capela;
- Ruíra o telhado na divisória junto à cozinha;
- Ruíra o telhado entre esta divisória e a antiga casa da fruta; - Todas as janelas e portadas da casa da fruta e da casa da lenha tinham apodrecido;
b) Na antiga casa do caseiro não limparam as caleiras de alumínio entre o alpendre e o WC e outros e, em consequência:
- As infiltrações apodreceram a estrutura do tecto do WC;
- Também a estrutura do alpendre estava em estado de derrocada;
- As portas implantadas apodreceram ou cederam, partindo as vidraças incorporadas;
c) Na sala de visitas, os sofás, cadeirões e cadeiras bérgere estavam
completamente destruídas nos seus tampos e estofados.
d) No átrio as 11 cadeiras de palhinha estavam furadas.
e) Nos quartos de dormir todas as cadeiras estavam partidas na sua estrutura.
f) Na cozinha, os dois armários de arrumos tinham resíduos de veneno e ratos mortos, comida nos tachos e pratos por lavar, em cima do fogão.
g) Havia candeeiros e estrutura de luz por cima do fogão, chaminé em risco de incêndio por curto-circuito.
h) O prédio da tanoaria e das casas de habitação anexas à Quinta ... estavam em ruínas.
i) O jardim da Quinta ... tinha árvores e erva selvagem que devastou quase toda a estrutura da murta aí plantada.
j) A água e o sistema de rega das minas junto à Capela ... e no Campo ... estavam completamente atulhadas.
k) Toda a estrutura de canalização do motor colocado junto ao Rio Ave estava cortada.
l) As ramadas do Campo ... e de ... estavam derrubadas desde 2004, no Campo ... e no ..., em todas as leiras junto à variante estrada ...04, face à expropriação cujo objecto se discutiu no processo 510/02 do ex 1º Juízo Cível de Santo Tirso.
m) O caminho empedrado da Capela ... até à Casa da Quinta tinha a estrutura empedrada levantada quer pelas árvores (mimosas e austrálias que cresciam) quer porque os restantes herdeiros colocaram esteios provenientes de várias ramadas nas bermas da rua impedindo o escoamento das águas que inundaram o piso e o degradaram…
I- O co-arguido decesso incumbiu o aqui co-arguido BB e o mesmo executou, nomeadamente:
- O levantamento do telhado, a colocação de barrotes e ripas e a adaptação de telhas de fibrocimento, aparafusado aos caibres em todos os beirais, face à inexistência de cornija;
- Levantou a lousa da estrutura da parede junto à Capela, retirou a tela e chapeou toda a zona das caleiras;
- Fez trabalho de carpintaria na divisória junto à cozinha na estrutura do tecto;
- Colocou janelas, portadas e portas na casa da fruta e casa da lenha;
- Na antiga casa do caseiro, limpou as caleiras e reparou a estrutura do alpendre e do WC, repondo ainda o telhado;
- Reconstruiu a porta do alpendre para a Capela;
- Colocou porta na sala da entrada da casa do caseiro / WC para as oliveiras e outra para o eirado;
- Limpou o chão e móveis, encerou e pintou adequadamente os mesmos por três vezes;
- Recuperou sofás, cadeirões e 18 cadeiras bérgere da sala de visitas;
- Recuperou 11 cadeiras em palhinha;
- Recuperou mesas e cadeiras dos quartos de dormir;
J- Por isso, não tendo o co-arguido BB recebido o valor dos seus trabalhos e serviços prestados por terceiros (nomeadamente, todo o trabalho de estofados, limitou-se a endossar a letra em causa ao Arguido, tendo recebido o respectivo valor, correspondente ao endosso.
K- O co-arguido decesso incumbiu, ainda, outros de limpar a Quinta ..., designadamente:
- Limpar os campos de cultivo que continham árvores selvagens;
- Limpar muros;
- Recolher esteios e bancas de ramadas;
- Recolher pedras e lixo deixado pela Camara Municipal na expropriação;
- Proceder ao corte de carvalheiras e eucaliptos que derrubavam os muros que dividiam o prédio com o do Engenheiro SS, nomeadamente:
-Refazer ramadas:
- Fazer ramada entre a variante 204 e a cozinha substituindo 3 que tinham sido derrubadas pela expropriação e aí referidas e indemnizadas no Processo 510/02;
- Refazer linhas de bardos no quintal novo;
- Limpar as minas supra referidas que estavam atulhadas.
- Construir muro e portão junto à variante 204 que ficara destruído com a expropriação e sem acesso a essa parte da Quinta ... que deixara devastada toda a Quinta .
L- Na estrutura da Quinta ..., o co-arguido decesso teve de alterar toda a estrutura eléctrica:
a) Eliminar o quadro eléctrico com 100 anos de existência e refazer a sua ligação a sistema central;
b) Instalação de luz na cozinha, na dispensa anexa, na lavandaria/WC anexo, na antiga adega, na sala anexa de arrumos, na casa da lenha, na casa da fruta e no celeiro;
c) Eliminar a ligação antiga de electricidade da casa à adega substituindo todo o sistema eléctrico na sua estrutura e ramificações aos focos da garagem, jardim e portão da entrada principal.
M- Ainda, na Tanoaria o co-arguido decesso mandou limpá-la, aproveitando parte das pedras dos escombros no calcetamento empedrado da Casa da Lenha.
N- Nas casas anexas à Tanoaria o co-arguido decesso reconstruiu janelas, portas, piso, WC’s e saneamento.
***

Motivação dos factos
Nos termos do disposto no Artº 374º, nº 2, do C.P.Penal, o Tribunal deve indicar os motivos que fundamentam a sua decisão, com indicação das provas que serviram para formar a sua convicção.
Como dispõe o art.127º do C.P.P., a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo.
O Tribunal formou, assim, a sua convicção conjugando todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, apreciando-os criticamente e à luz das regras da experiência comum.
Tal exame reconduz-se, num primeiro momento, ao compulsar das provas produzidas, o seu acervo global e, num segundo momento, a uma tomada de consciência sobre o seu valor, equacionando-o com o thema decidendum, finalizando com a emissão de um juízo de valor, conducente à opção, ante o acervo probatório que se nos apresenta, por certas provas em detrimento de outras.
Assim, revelou-se decisiva a análise articulada entre os documentos constantes do processo, e os depoimentos prestados pelas testemunhas, cuja valoração adiante faremos.
No que concerne à prova documental, o Tribunal valorou particularmente os seguintes documentos:
- certidão e fotocópias do processo executivo 986/13.5TBPFR e seu apenso A, a fls. 33 a 42, 52 a 65, 551 a 737;
- Cópias de fls. 447 a 465;
- Certidão do processo de inventário 438/14.6T8STS – fls. 488 a 500;
- Assentos de óbito de fls. 293 e 1531;
- Documentos de fls. 904 a 907, 1554 a 1558, 1569 e facturas a fls. 1570 a 1571;
- Informação da Direcção de Finanças do Porto a fls. 1589 a 1595;
- CRCs que atestam os antecedentes criminais dos arguidos;
- Relatório social que atestam as condições pessoais e sociais dos arguidos.
- Certidão da escritura de habilitação de herdeiros do assistente entretanto falecido.
Prova por declarações
Apenas o arguido AA prestou declarações.
Disse que o co- arguido BB lhe devia cerca de 20 e muitos mil euros e que aceitou o endosso porque parte desse dinheiro era divida de serviços de contabilidades e porque teve a garantia do EE de que iria receber tal valor. Não tem documentos que comprovem estas dividas, porque já foram contraídas há bastantes anos.
Quanto às obras diz que pontualmente via o arguido BB na Quinta ... a trabalhar nos polimentos e outros trabalhos de outras especialidades e via benfeitorias que ia sendo realizadas na casa. Mais referiu que o arguido BB lhe disse que a letra por si sacada era para lhe serem pagos os serviços que realizou na Quinta ....
**

Assim, o facto nº1 encontra- se confirmado pelos documentos de fls. 564 a 576.
O facto n.º 2 resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas- irmãos do Dr. EE- FF e LL, o quais foram considerados depoimentos seguros, sinceros e credíveis, sem contradições relevantes a destacar e, no que a este ponto respeita, o facto dado como provado também foi confirmado pelo próprio arguido AA que afirmou de forma perentória e inequívoca que o co-arguido Dr. EE lhe disse que não iria prestar quaisquer contas aos irmãos pela administração dos bens da herança, confirmando, igualmente, que a relação entre os irmãos era pautada por uma enorme conflitualidade.
O facto n.º 3 resulta dos documentos de fls. 593 e ss, 699, bem assim como dos depoimentos prestados por FF e LL.
O facto n.º 4 e 6 resulta da análise dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, designadamente dos prestados pelas testemunhas GG, HH, II e JJ que vieram dizer que efectuaram trabalhos na Quinta ..., ao serviço do arguido BB. Porém, o depoimento destas testemunhas, para além de se ter revelado completamente vago e genérico, por não enumerarem nem descreverem, de forma bastante, as concretas obras que foram executadas, também não encontra suporte documental que ateste a realização de quaisquer obras na Quinta ... ou em qualquer outra propriedade que constitui a herança, à data encabeçada pelo co-arguido EE, concluindo-se, desta forma, e como também adiante se exporá, que não foram realizadas as obras descritas nas contestações apresentadas e que constituíram o negócio jurídico subjacente ao saque da letra de cambio por parte do co-arguido BB e das letras recebidas em endosso pelo co-arguido AA.
Comecemos, então, pela análise do depoimento da testemunha GG, polidor de móveis e irmão do co-arguido BB.
Esta testemunha veio dizer que se recorda que em 2010/2011 foi por diversas vezes à Quinta ... e que a primeira vez que lá entrou constactou que estava tudo a cair e que no interior da habitação até encontrou ratos mortos. Os telhados estavam a cair, o chão com fendas e portas a cair. Mais referiu que em certas divisões da casa pingava e os tectos estavam degradados e também eles a cair, com pedaços de estuque no chão. As caleiras estavam entupidas. A sala de visitas tinha cadeira partidas, sem pernas, estragadas, com estofos rotos. Nos quartos estava tudo degradado e partido. As cadeiras dos quartos também estavam estragadas.
Em algumas casas de banho nem água havia.
Disse que a sua função e os serviços prestados na Quinta ... constituíram em encerar móveis e o chão.
A parte exterior da casa também estava ao abandono, com a murta toda seca. As videiras também estavam secas.
Disse que os quartos não estavam minimamente habitáveis.
Ora, do depoimento desta testemunha, não resulta em concreto quais as obras que os arguidos alegam terem sido realizadas na Quinta ..., apenas referindo um mau estado de conservação do imóvel, bem assim como também veio dizer que aí desempenhou a função de encerar portas e o chão.
Como é do conhecimento geral, das regras da experiência comum e tendo por referência o alegado estado de degradação do imóvel, não é credível que esta testemunha tivesse trabalhado no local a encerar chão e portas, sem que primeiro não tivessem sido efectuadas outras obras estruturais, como as obras de telhado que estava a cair, entre outras, impedindo, desde logo, que o tal estado de degradação aumentasse com a entrada da chuva e fazendo cessar as humidades. As próprias portas que diz ter encerado, também refere num primeiro momento que estavam partidas. Não faz qualquer sentido encerar portas que estão partidas.
Todo o trabalho que a testemunha alega ter realizado na Quinta ... é um trabalho que se efectua na parte final de uma obra e não quando o imóvel está todo destruído, como, alega, encontrar-se à data. Em momento algum a testemunha referiu que outros trabalhadores tivessem realizado as mencionadas obras estruturais.
A testemunha revelou notória preocupação em descrever um estado de degradação da habitação da quinta e, bem assim, dos posteriores melhoramentos realizados, os quais não são de todo coincidentes com o registo fotográfico junto aos autos e constante de fls. 73 a 79.
Quanto ao estado de degradação da habitação da Quinta ..., a testemunha KK, solicitadora de execução, veio confirmá-lo. Esta testemunha prestou um depoimento claro, objectivo e desinteressado, e referiu de forma cabal que quando efectuou o arrolamento dos bens existentes no interior da casa da Quinta ..., antes da entrega dos bens ao co-arguido EE, para iniciar as funções de cabeça de casal, a casa estava muito degradada, com pedras mármores partidas e as mesinhas de cabeceiras que pareciam que tinham sido pontapeadas. Também refere que não havia frigorifico, não havia alimentos na cozinha, nem as camas estavam feitas e os quartos estavam cheios de pó. O estado geral da casa era de degradação.
Voltando ao registo fotográfico, da análise do mesmo resulta que efectivamente o estado de conservação exterior da casa da Quinta ..., apesar de poder ser considerado mau, era bastante melhor que aquele que se verificava após cessar o cabecelato do co-arguido Dr. EE, designadamente ao nível do telhado, não sendo, pois, verosímil que o mesmo tenha sido alvo da intervenção que as testemunhas referem. O mesmo se diga relativamente ao restante estado exterior da casa e da quinta, sendo visível um avançado estado de degradação, que obviamente não foi travado pela intervenção do cabeça de casal, o co-arguido Dr. EE, como vem, aliás, o co-arguido BB alegar na contestação por si apresentada, descrevendo e especificando as diversas obras que diz aí ter realizado.
A testemunha FF, que exerceu funções de cabeça de casal desde outubro de 2000 até 25 de Novembro de 2009, data em que o irmão e co-arguido EE o substitui no exercício dessas funções, veio dizer que após o falecimento do irmão já no decurso destes autos, tiveram acesso aos imóveis que constituíam os bens da herança e que os mesmos encontravam-se num estado lastimável de conservação, com tectos a cair, com partes do telhado a cair e com entrada de água em todas a divisões e, por tal, em 2021 tiveram que construir um telhado novo para evitarem que o telhado viesse todo abaixo. Só a sala de estar se encontrava no mesmo estado de 2009. Referiu que só para limparem as silvas e jardim foram necessárias 2 semanas, devido ao estado de abandono em que se encontrava o terreno, não sendo tal estado compatível com qualquer intervenção que lá tivesse sido efectuada pelo irmão EE. Instado acerca das alegadas obras efectuadas ao nível do telhado, veio dizer que durante o exercício do cabecelato por parte do seu irmão EE, apesar de não ter acesso ao interior da propriedade, passava no local com uma frequência quinzenal e nunca viu lá qualquer intervenção de recuperação do telhado, o que, a ter acontecido era visível do exterior, mais concretamente, da rua.
Destarte, também referiu que quando exerceu as funções de cabeça de casal, na propriedade da Quinta ... havia centenas de árvores e, a partir do momento em que o irmão começou a exercer essa função, começou a cortá-las e a vende-las todas, fazendo seu o dinheiro eu constituía produto da mesma. Questionado acerca da razão de ciência do seu conhecimento, esclareceu o tribunal que o corte das árvores era visível do exterior.
A testemunha LL que prestou um depoimento em tudo idêntico ao do seu irmão, merecendo idêntica valoração, acrescentou que depois do EE encabeçar a herança, derrubou todas as videiras, cerca de 1500 metros de ramadas, vendeu-as e ficou com o dinheiro só para si. O mesmo sucedeu com as árvores que foram derrubadas pelo EE, as quais foram vendidas, assim como os engenhos agrícolas existentes na quinta.
A testemunha HH polidor de móveis e ex empregado do arguido BB e para quem prestou serviços durante 6 ou 7 anos, referiu que esteve a trabalhar na Quinta ... enquanto trabalhou com o arguido BB e descreveu a casa como estando a desfazer-se, com telhado a cair e camas a cair. Esclareceu que ajudou o arguido a meter umas telhas, porque o telhado estava num estado muito mau, tendo que substituir os barrotes e as ripas, por estarem podres. No interior da habitação os tectos e paredes estavam com mau aspecto, quase sem pintura e com pedaços de estuque no chão. As casas de banho estavam todas sujas.
A casa tinha infiltrações.
Enquanto lá esteve nunca viu lá ninguém a trabalhar embora dissesse que nos outros dias em que lá não estava havia outras pessoas a trabalhar.
O seu trabalho consistiu em passar cera em todo o chão da casa na zona dos quartos, assim como as escadas e as cadeiras do salão. Trabalhou na casa durante um período de cerca 2 meses, 2/3 vezes por semana.
Também o depoimento desta testemunha, e na senda do já exposto acerca do depoimento da testemunha anterior, sendo igualmente genérico, não se coaduna com as normais regras do normal acontecer. Efectivamente, o tratamento descrito, com enceramento do chão, é sempre um dos últimos trabalhos a serem realizados numa obra, precisamente para impedir que outros eventuais trabalhos/obras/reparações que sejam efectuados no imóvel, assim como o desempenho dos mesmos pelos respectivos profissionais não danifiquem o tratamento e finalização do soalho, como é o caso do enceramento.
Estranha-se igualmente que as testemunhas inquiridas e arroladas pelo arguido BB, tenham andado todas a trabalhar na Quinta ... e, tratando-se de uma obra com a dimensão que alegam ter tido, nunca prestassem serviços em simultâneo. Resultou destes depoimentos que apenas o arguido BB e cada uma das testemunhas de per si é que trabalhavam na Quinta ....
A testemunha II, operário da construção civil, que diz conhecer a Quinta ..., que começou a frequentar o local desde 2010/11, altura em que o arguido EE assumiu as funções de cabeça de casal, descreveu a casa da quinta como muito deteriorada e referiu que havia telhas que tinham desaparecido. Os tectos e paredes eram feitos de gesso/estuque e parte dos tectos eram em madeira e encontravam-se muito estragados, com queda de estuques. O interior da casa tinha muita humidade, com infiltrações nos tectos e paredes, sendo visíveis manchas de humidade.
As madeiras da casa estavam muito deterioradas, com evidentes sinais de desgaste.
Os jardins da quinta pareciam semi-abandonados, sem evidência que alguém os tratasse.
No andar dos quartos as camas estavam bastante deterioradas, assim como a casa em geral. As cadeiras estavam rotas, com os tampos esfiapados, algumas com pernas deslocadas.
Na sala das vistas, as portas não tinham tinta, os assentos das cadeiras estragados, os vidros das janelas estavam partidos. Essa sala teve que ser toda restaurada pela equipa do arguido BB, tendo sido efectuado um restauro completo de todo o mobiliário aí existente, assim como o das restantes divisões. Após a realização das obras a casa ficou perfeitamente habitável, tendo a testemunha chegado a lá jantar.
A parte do telhado da casa, do lado da capela, foi restaurado, aí se tendo colocado telhas de fibrocimento, para remediar a situação, uma vez que as vigas e barrotes estavam podres e necessitavam de ser substituídas.
Referiu que desde que o arguido EE assumiu a função de cabeça de casal, todos os dias havia tratores a tratar dos terrenos da quinta e as vindimas eram realizadas todos os anos. Foram realizadas as linhas de bardos. Foram efectuadas reparacões no quadro elétrico. A testemunha efectou limpezas na tanoaria. Diz que viu o arguido BB e os respectivos funcionários a trabalharem na quinta, no ano de 2010/2011. A testemunha, desde 2013, até à morte de EE efectuou obras na quinta, embora mais adiante tivesse referido que só lá trabalhou em 2018.
Alguns dos trabalhos efectuados pela testemunha foram pagos pelo arguido EE.
O depoimento desta testemunha, à semelhança do que já se adiantou relativamente aos já analisados, não mereceu a menor credibilidade por parte do tribunal, uma vez que para além das fragilidades e contradições já mencionadas e também válidas para este depoimento, é de salientar que mais nenhuma das testemunhas inquiridas veio dizer que todos os dias havia tratores a tratarem do terreno, aliás, até sublinharam que cada um, quando se encontrava na Quinta ... a trabalhar, apenas se encontrava acompanhado pelo arguido BB, não sendo, assim, minimamente credível que esta testemunha visse os restantes trabalhadores e estes não o vissem a ele.
Depoimentos genéricos quanto às obras também apresentaram as testemunhas MM e NN, respetivamente filha e mulher do co-arguido decesso, Dr. EE.
Quanto ao valor das obras, à execpção das faturas juntas na fase de instrução que já analisaremos, nenhum documento junto aos autos atesta a realização de obras e o respectivo valor.
Em 26-05-2020, o arguido BB apresentou quatro facturas, de 04-11-2009, 10-02-2010, 12-12-2011 e 03-04-2012, nos montantes de €10.410,00, €11.540,00, €8.050,00 e €9.200,00, respectivamente, perfazendo o valor total de €39.200,00, indicando as condições de “Pronto Pagamento”, em nome de “CC – cabeça de casal da Quinta ...”.
Foi pedida uma informação à Direcção de Finanças do Porto sobre a autenticidade ou falsidade daquelas quatro facturas, tendo sido obtida a seguinte resposta em 9-07-2020:
«1- A comunicação, por parte dos sujeitos passivos, à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por transmissão electrónica de dados, dos elementos das facturas emitidas passou a ser obrigatória a partir de 01-01-2013, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de Agosto;
2- As facturas em causa têm todas data de emissão anterior a 2013, pelo que não constam do sistema e-factura;
3- Faltam em todas elas alguns dos elementos elencados no n.º 5 do Art.º 36.º do Código do IVA, como a taxa de IVA aplicável e o montante de imposto devido ou o motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for o caso, não sendo suficiente a menção “IVA Isento;
4- O emitente das mesmas, BB, NIF ...11, cessou a actividade, para efeitos de IVA e IRS, em 10-05-2005».
Isto significa, que aquelas quatro facturas são falsas e não podem servir de sustentação à versão apresentada pelo co-arguido BB de que efectuou as concretas obras descritas nas facturas, assim como os valores nelas apostos não correspondem a quaisquer obras, sustentando ainda mais a posição do tribunal ao descredibilizar os depoimentos prestados pelas testemunhas.
Ademais, atento o elevadíssimo nível de conflito existente entre os irmãos e o co-arguido Dr. EE, qualquer intervenção/obra que fosse por este efectuada nos bens que compunham a herança, teria que ser documentada, pois só dessa forma o cabeça de casal e co-arguido poderia justificar quer a realização das mesmas, quer o seu concreto valor. É evidente que face a um panorama familiar desta natureza nenhum dos irmãos do co-arguido iria aceitar o pagamento de obras, tanto mais que as mesmas nem sequer eram visíveis.
Quanto às letras mencionadas na acusação, têm data de emissão de 8.08.2012, a sacada por PP, entretanto falecido e a segunda letra é datada de 15.09.2012, sacada pelo co-arguido BB.
Ora, se o co -arguido BB tivesse realizados trabalhos na Quinta ... e se o cabeça de casal EE não lhe tivesse efectuado o pagamento desses trabalhos- só assim se justificando a emissão da letra- como teria vivido o arguido vivido durante este período de cerca de dois anos e como teria efectuado o pagamento dos trabalhos realizados pelos seus funcionários.
Não é, pois, credível, que durante dois anos o arguido BB tenha trabalhado gratuitamente para o arguido EE, tanto mais que não existe nos autos qualquer documento que ateste que o arguido tivesse outra fonte de rendimentos, proveniente de trabalho ou não, através da qual se pudesse sustentar e pagar aos seus colaboradores, ao que acresce que a sua empresa já não apresentava actividade desde 2005. É certo que como também é do conhecimento geral, existe uma economia paralela fundada no serviço do «biscate», mas também nem esses serviços se podem imputar ao arguido BB para justificar como sobreviveu economicamente durante dois anos, pois se tivesse sido pago pelas contrapartidas deste seu trabalho não teria necessidade de sacar a letra em análise nestes autos. Para corroborar a nossa afirmação temos o silêncio do arguido que não esclareceu o tribunal acerca das alegações vertidas na sua contestação. Ao não ter prestado declarações não pode ser prejudicado, mas, naturalmente, o silencio não lhe poderá aproveitar.
Por todo o exposto, o tribunal encontrou à saciedade fundamentos para afirmar que as dividas relacionadas com a administração da herança são dividas simuladas e que o objetivo do co- arguido Dr. EE era obter benefícios económicos que sabia não ter direito, para receber e dispor livremente do dinheiro correspondente às dividas simuladas, com a apresentação dessas duas letras à execução por parte do arguido AA, o qual, naturalmente, lhe iria transferir o valor recebido e titulado pelas letras, o que só não sucedeu porque a execução ficou suspensa.
Todo este plano foi idealizado e para a sua concretização necessitou da colaboração do co-arguido BB e AA, amigos do arguido Dr. EE. Essa colaboração traduziu-se na acção do co-arguido BB ao sacar a letra, fazendo crer que a mesma se destinava ao pagamento de obras que tinham sido realizadas, mas não pagas, na Quinta ..., e a do co-arguido AA em aceitar ambas as letras (a sacada pelo BB e a outra pelo PP, já falecido) como endosso e posteriormente apresenta-las à execução para valerem como titulo executivo
Relativamente à letra emitida a favor de PP, já falecido e por isso não acusado, e cujo negócio jurídico subjacente tem interesse nestes autos para efeitos de imputação aos co-arguidos do crime de burla na forma tentada, também não existe qualquer documento nestes autos, nem nenhuma testemunha mencionou, nem os próprios arguidos alegaram em contestação a que pagamentos se destinava o valor aposto nessa letra, apesar da mesma ter sido apresentada a pagamento pelo co-arguido AA na acção executiva, o qual, sublinhe-se, também nada referiu a propósito desta letra.
Nas declarações por si prestadas, o co-arguido AA, veio dizer que o co-arguido BB lhe devia cerca de 20 e muitos mil euros e que aceitou o endosso porque parte desse dinheiro era divida de serviços de contabilidades e porque teve a garantia do EE de que iria receber tal valor. Este arguido para além de não ter documentos que comprovem estas dividas, também não soube esclarecer o tribunal o motivo pelo qual aceitou o endosso de uma letra de €44.850,00 quando o seu alegado crédito era apenas de cerca de €20.000.
Quanto a outra letra, nem sequer nada disse.
Todavia, este arguido, munido das duas letras apresentou-as à execução e o co-arguido EE prescindiu do prazo de oposição.
Todo o exposto revela de forma inequívoca e segura, a existência de um plano criminoso delineado e executado pelos três co-arguidos para obterem junto da herança da qual era cabeça de casal o co-arguido EE, o pagamento de dividas que não tinham subjacente a realização de qualquer negócio jurídico.
Assim, os factos não provados relativos à realização de obras também se encontram demonstrados pelo depoimento destas testemunhas.
O facto n.º 5 está comprovado pelos documentos de fls. 611 a 617 e 626.
O facto 7 resulta dos documentos de fls. 555 a 558, onde se encontra aposta a assinatura do Dr. EE nas letras, no local de aceitante, bem assim como os restantes elementos insertos nas letras de câmbio, designadamente os valores e identificação dos sacadores e do arguido AA como aceitante do endosso e por este confirmado como sendo o portador dessas letras.
Os factos 8, 9, 10 e 11 resultam da análise dos documentos de fls. 551 a 561- certidão do processo executivo mencionado.
O facto 12 foi comprovado pelos documentos de 488 a 500.
O facto 13 resulta dos documentos de fls. 551 a 561 e 609.
Todos os factos atinentes ao dolo- factos 14 a 22- resultam da análise efetuada aos actos praticados pelos arguidos e já descritos na fundamentação supra referida relativamente a cada um dos factos dados como provados.
O facto 23 retira-se do documento de fls. 734 a 737 e pelo depoimento das testemunhas FF e LL que confirmaram o momento a partir do qual tomaram conhecimento da existência da execução intentada pelo arguido AA contra a herança, com vista a receber o valor titulado pelas letras.
Os factos 24 e 25 foram confirmados pela testemunha TT, amigo do assistente e que de uma forma credível e sem exageros confirmou ao tribunal o estado de ânimo em que aquele se encontrava após tomar conhecimento da existência do processo executivo e do montante titulado pelas letras de cambio, mais concretamente que o assistente OO quando soube do processo de execução ficou muito preocupado porque o irmão EE lhe imputou uma divida que dizia não ter. O OO ficou muito alterado, isolando-se e muito mais nevosos e ansioso.
Quanto aos factos não provados:
Nada nos autos existe que prove que o Dr. EE soubesse que a herança não tinha dívidas, pois, para além das declarações resultantes dos depoimentos prestados pelos seus irmãos, que afirmaram que enquanto a herança foi administrada pelo cabeça de casal FF, todas as despesas da herança foram pagas por todos os irmãos, à excepção do Dr. EE, efectivamente nenhum documento foi junto aos autos que comprove tal afirmação, designadamente facturas e/ou recibos. Também não foi junto aos autos qualquer documento que comprove a afirmação efectuada pelas testemunhas que que anualmente FF prestava contas ao EE. De todo o modo, e independentemente da existência ou não de dividas da herança, o valor titulado pelas letras de câmbio que deram origem aos presentes autos, não se reportam a quaisquer despesas efectuadas durante o cabecelato de FF.
Igualmente não se encontra nos autos nenhum documento que autorize ou desautorize EE para contrair dívidas em nome da herança. Porém, esta matéria sendo de natureza cível, e pertencendo ao exercício das funções de cabeça de casal, este tribunal nada mais irá mencionar a respeito.
Assim, a matéria constante de A dos factos não provados não encontra suporte probatório.
A matéria constante de B resulta da inexistência de nenhum elemento probatório conducente à afirmação da positividade do facto que agora se dá como não provado. Efectivamente o que temos nos autos é que o arguido AA aceitou o endosso das duas letras de crédito juntas aos autos e que as apresentou à execução. Nada nos conduz a afirmar que foi o co-arguido EE que lhe entregou tais letras para que as apresentasse à execução.
Os factos C, D, E, F e G resultam da total ausência de prova, uma vez que o assistente morreu antes da realização da audiência de discussão e julgamento, não tendo, por esse facto, prestado quaisquer declarações a respeito, as pessoas habilitadas não depuseram e a testemunha TT, nada mais disse a respeito do estado de ânimo do assistente, para além do já referido, como prova dos factos 24 e 25.
O facto H, resulta da circunstância de as certidões juntas pelos co-arguido aos autos- Providências Cautelares 4634/09TBSTS (fls. 976 e ss.) e 4911/09TBSTS (fls. 1043 e ss.)-, não se reportarem ou declararem o estado dos bens da herança, embora aí se refira que os mesmos se encontravam degradados. Efectivamente, tais certidões respeitam a decisões de providências cautelas de restituição provisória da posse dos bens da herança e arresto dos quinhões hereditários, tendo por fundamento a não entrega voluntária dos bens que tinham passado a integrar o cabecelato por parte do aqui co-arguido decesso, EE.
Os factos I, J, K, L, M, N resultam da circunstância de nenhuma prova ter sido produzida acerca das alegadas obras realizadas na Quinta ..., como se explicou aquando da fundamentação da factualidade dada como provada.
Acrescenta-se, apenas, que tendo em atenção que o co-arguido BB indica como profissão polidor, esta actividade não se coaduna, nem o arguido estará habilitado a realizar os trabalhos que agora se dão como não provados.
***

De Direito
(…)

III.2
Da nulidade do acórdão por violação do dever de fundamentação
Procurando apreciar os fundamentos do recurso, pela ordem da sua precedência lógica estabelecida em função dos reflexos da sua eventual procedência no decidido, neste segmento do objeto do recurso afirmam os recorrentes que:

“T) O Acórdão recorrido, além de não fundamentar objectivamente porque julgou não provados os factos H e I (…)”
“NN) O Acórdão recorrido padece de vícios (…) constando nos autos documentos demonstrativos do inverso do percepcionado, e em total omissão de fundamentação lógica subsuntiva dos factos (…)”.
“Na verdade, o Acórdão recorrido (…) chega a ser omisso na fundamentação do seu juízo (…)”
“Malgré tout, o Acórdão recorrido além de omisso na sua fundamentação para concluir como provado o facto n.º 4 do elenco dos Factos Provados (…) vício que se alega para todos os efeitos legais (…)”
“Se em relação ao depoimento da testemunha JJ o Tribunal a quo nada disse no Acórdão recorrido, relativamente às testemunhas MM e NN, o Tribunal a quo adoptou somente o qualificativo aos seus depoimentos - Depoimentos genéricos -, quando na verdade estas testemunhas vieram dizer o que bem sabiam de forma completa, com conhecimento directo e de forma isenta, credível, desinteressado e circunstanciada. O Tribunal a quo enveredou pela técnica interpretativa própria da “terraplanagem” ou de “varrer para debaixo do tapete”, ao jeito de ignorar as evidências, na absoluta omissão dos depoimentos das testemunhas o que consubstancia uma omissão da fundamentação do Acórdão recorrido,que se alega para todos os efeitos legais.”
“O Acórdão recorrido, além de não fundamentar porque julgou Não Provado os factos 12 e 13 das Contestações dos Arguidos BB e AA:. (…) Ignorou a prova testemunhal cabal, objectiva, completa, livre, esclarecedora, desinteressada das testemunhas que sobre tais factos depuseram, quando o estado de degradação da Quinta ..., (…)”.

Vejamos.
Dispõe o art.º 379.º, n.º 1, al. a) do C.P.P., que É nula a sentença [ou acórdão]: (a) que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374º (…).
Por sua vez e visto o preceito destinatário da remissão operada, sob a epígrafe Requisitos da sentença, verifica-se que a fundamentação de facto daquela peça se divide em duas componentes: (i) a enumeração dos factos provados e não provados, e a (ii) exposição concisa dos motivos que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Decompondo este inciso legal, a peça decisória deve expor o porquê da opção tomada na matéria em apreço, dando a conhecer as razões pelas quais foram valoradas ou não valoradas as provas, a forma como foram interpretadas, explicando os motivos que levaram o julgador a considerar uns meios de prova credíveis e outros nem tanto, numa exposição lógica e fundamentada dos critérios utilizados na apreciação que efetuou.
Porquê?
Dispõe o art.º 205.º da C.R.P. que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei cumprindo-se, por esta via e em regra, duas funções [cfr. acórdão do Tribunal Constitucional 55/85, disponível em www. tribunalconstitucional.pt]: - Uma, de ordem endoprocessual, que visa impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da sua própria decisão, permitindo ulteriormente às partes – face à decisão assim proferida - exercitar o direito ao recurso, designadamente no questionamento do raciocínio expresso pelo julgador e facilitando, ao Tribunal de recurso, a construção de um juízo concordante ou divergente na sua atividade sindicante.
A outra função, já de ordem extraprocessual, possibilita o controlo externo e geral sobre a fundamentação lógica e jurídica da decisão visando, nas palavras de Michele Taruffo, garantir a transparência do processo e da decisão [vd. Note sulla garantizia constituzionale della motivazione, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LV (1979), pág. 29 e ss.].
Também o art.º 20.º, n.º 4, da Lei Fundamental, ao proclamar que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo pressupõe, quanto à equitatividade, um efetivo direito à motivação das decisões judiciais em ordem a garantir a proibição do arbítrio, a interdição da discriminação e a obrigação de diferenciação que o princípio da igualdade, decorrente dos art.ºs 13.º da C.R.P. e 14.º da C.E.D.H. também impõem.
A jurisprudência do T.E.D.H. valoriza o direito à motivação, como decorrência do direito a um processo justo e equitativo que o art.º 6.º da C.E.D.H. afirma, transportando para o domínio do processo penal questões de ética relacionadas com a função estadual punitiva, com natural efeito na concordância prática a operar quanto aos interesses em confronto, já que a liberdade pessoal é um valor supremo que apenas poderá ser comprimido como consequência da prática de um facto com relevância criminal, cujo substrato demonstrativo se sedimentou, mediante um procedimento contraditório e garantístico, em resultado do qual se erigiu a verdade processual, desejavelmente próxima da verdade ontológica.
Nesta sequência, a descoberta da verdade não é um valor absoluto porquanto aquela verdade terá que ser objetivável e motivada, obtida a coberto de uma noção de fair trail compatível com a preservação da integridade constitucional de um Estado que se funda sob o axioma ético da inviolabilidade da dignidade da pessoa humana.
O dever de fundamentação é, assim, uma garantia integrante do conceito de Estado de Direito Democrático e um instrumento, pela sua probidade, de legitimação da decisão judicial e potenciador de um efetivo direito ao recurso.
Em poucas palavras e trabalhando sobre a ideia expressa por André Teixeira dos Santos [A imparcialidade do juiz de julgamento, Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2021-I] o juiz, depois de convencido, terá, por via da fundamentação, que convencer e se estiver em causa – como no caso sucede – um acórdão condenatório, não podem sobejar dúvidas sobre as razões de facto e de direito pelas quais se condena e em que medida se condena.
Revertendo ao caso em apreço.
Os valores e princípios que acabamos de expor e os requisitos expressos no art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P., - conferindo substância ao constitucionalmente exigido dever de fundamentação e à correspetiva possibilidade de sindicância através do recurso – deverão fazer com que os destinatários da obrigação de motivação – os julgadores - através da análise decomposta, combinada e crítica dos meios de prova que consideraram, deem a conhecer o seu processo interno de valoração e de formação da convicção, a vulgarmente denominada “análise crítica da prova”, permitindo, na sua concretização, que os arguidos conheçam o critério e método seguidos e a razão pela qual determinados factos se provaram e outros não. Numa palavra, a forma como foi percecionada e interpretada a prova que deu arrimo à realidade reconstruída no acórdão. Esse desiderato foi conseguido e o resultado apresentado (certamente de uma forma que os recorrentes legitimamente discutem, manifestando a sua discordância) é percetível e habilitante desse desvendar do iter interno e acomodando a efetivação do direito ao recurso.
A demonstração do eficaz cumprimento do proclamado dever de fundamentação está na circunstanciada discussão, glosa e afirmações de contundente dissídio que os recorrentes dirigem ao critério dos julgadores, não porque o não tenham percebido, mas, tão só, porque não se conformam com o critério adotado, com as razões que foram elencadas para afirmar a realidade de um facto, desconsiderando outros. Só que isso transporta-nos para outro plano – da impugnação da matéria de facto – a analisar ulteriormente infra.
A completude do dever legal de fundamentação não compele o juiz a exarar o conteúdo textual e intacto de todos os depoimentos prestados em audiência (ao jeito de assentada, quando o próprio legislador apela à concisão no procedimento), estando a integralidade de tais depoimentos registada em gravação e disponível para consulta e confirmação, despistando qualquer desvirtuamento. O visto e analisado dever legal de fundamentação não impõe ao julgador a consignação, exaustiva, de todos os elementos alinhados para a formação da sua convicção, a incidir sobre cada um dos factos, sendo apenas essencial que consigne as razões de ciência e objeto sobre o qual recaíram os depoimentos valorados, por forma a perceber-se por que razão determinada testemunha pôde, com verosimilhança, afirmar determinado facto ou núcleo factual, fruindo o convencimento do Tribunal, ou por que razão aqueloutra não logrou consegui-lo, no processo analisando criticamente os meios de prova disponíveis, por si e/ou em conjugação ou encadeamento uns com os outros, possibilitando o escrutínio do processo lógico que levou a concluir pela consignação de determinado evento ou a não comprovação de outros que constituíam, também, o objeto do processo.
Relativamente à suscetibilidade de determinado testemunho poder ou não sustentar ou concorrer para a comprovação de factos ou núcleos factuais, se as linhas fortes do que se disse que a testemunha afirmou correspondem, ou não, ao concretamente dito, são questões que podem ser contestadas pelos destinatários, com acesso aos registos desses depoimentos e com essa matriz disponível, podendo verificar se tal depoimento foi desvirtuado, mal percecionado ou erroneamente interpretado pelo Tribunal ou se, na sua amplitude e razão de ciência, aquele meio de prova compreendeu ou não a afirmação do pedaço de vida cujo conhecimento se lhe imputa ou, ainda, se o sentido extraído pelo julgador, por si ou conjugado com outros elementos de prova, é esdruxulo em face do padrão das regras da experiência e da lógica.
Ora, no caso vertente, o coletivo refere toda a prova produzida, a forma como a conjugou, a credibilidade que lhes mereceu, estando o acervo factual provado sustentado, extraindo-se, de forma percetível - atenta a análise crítica realizada - as razões pelas quais foram dados como provados determinados factos e não provados outros.
Em análise fina.
Referem os recorrentes que o acórdão é omisso quanto à fundamentação do facto provado n.º 4.
O facto em questão tem o seguinte teor:
“Para obter benefícios económicos, o Dr. EE decidiu simular a existência de dívidas relacionadas com a administração da herança, para receber e dispor livremente do dinheiro correspondente às dívidas simuladas.”.
No caso vertente e tendo o sujeito da correspondente ação (Dr. EE) falecido e tratando-se da imputação de uma tomada de decisão (elaboração de plano) para, através da mobilização de determinados meios, obter o almejado fim, sendo impossível, por razões óbvias, a confissão do facto pelo agente, o convencimento do Tribunal teria que buscar-se através da concatenação de outros meios de prova indiretos para a afirmação positiva desse facto. Qualquer conduta criminal é dotada de uma faceta íntima, um estado subjetivo interno do agente que, naturalmente e salvo caso de confissão, só a este é acessível. O conhecimento e a vontade da realização de determinada ação, em ordem a obter um resultado, desvalioso na perspetiva ética e do Direito, situam-se, naturalmente, nesse plano interno imperscrutável, mas que não equivale a dizer-se insuscetível de prova ou dependente de confissão. Essa demonstração far-se-á através de prova indireta, que o art.º 125.º do C.P.P. desde logo permite, e a partir da objetividade dos factos.
No caso o Tribunal a quo agregou os factos 4 a 6 – correspondentes à formulação do sobredito propósito e a forma de o executar – e fundamentou a consideração daqueles factos como provados da forma, aliás extensa e completa, que consta do acórdão e que é percetível (como os recorrentes também perceberam, como claramente a sua argumentação, alinhada em sentido contrário, o demonstra). Essencialmente o que o Tribunal refere é que o Dr. EE, pela posição que ocupava no processo de inventário em causa (cabeça de casal), decidiu criar despesas não correspondentes a um efetivo dispêndio de ativos por forma a, no respetivo encontro de contas, receber do acervo hereditário as importâncias alegadamente despendidas, exponenciando os seus ganhos individuais no confronto com os outros herdeiros. Reclamando o pagamento de despesas não efetuadas o que se pretende – de acordo com as regras da lógica e da experiência – é obter um benefício, económico porque correspondente a uma importância em dinheiro, e injustificado, porquanto omisso na causa justificante.
No trajeto valorativo o Tribunal, ante a objetividade da reclamação dos montantes titulados pelas letras, supostamente aceites para pagamento de despesas da herança, através dos depoimentos que refere exaustivamente, afirma que os trabalhos que seriam a causa do surgimento do crédito não foram realizados e, por tal razão, seria uma forma de diminuir o ativo líquido a partilhar.
Vista a decisão posta em crise refere-se, a este propósito, que “Por todo o exposto, o tribunal encontrou à saciedade fundamentos para afirmar que as dividas relacionadas com a administração da herança são dividas simuladas e que o objetivo do co-arguido Dr. EE era obter benefícios económicos que sabia não ter direito, para receber e dispor livremente do dinheiro correspondente às dividas simuladas, com a apresentação dessas duas letras à execução por parte do arguido AA, o qual, naturalmente, lhe iria transferir o valor recebido e titulado pelas letras, o que só não sucedeu porque a execução ficou suspensa.”.
Do exposto resulta que os factos em causa estão fundamentados, a conclusão extraída das premissas é legítima e concordante com os indícios recolhidos e com as regras da lógica e da experiência, não se lobrigando a apontada ausência de fundamentação.
Questão diversa é a de saber se tal fundamentação, excluindo as hipóteses prevenidas no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., é suficiente, lógica, coerente, se faz sentido. Contudo, aqui entramos noutro fundamento do recurso – erro de julgamento – a apreciar infra.
Prosseguindo, referem ainda os recorrentes a ausência de fundamentação, constitutiva de nulidade, na parte atinente aos sobreditos depoimentos, conclusivamente adjetivados de genéricos (MM e NN), havendo completa omissão do depoimento prestado por JJ.
Começando pelo fim.
O depoimento prestado pela testemunha JJ é mencionado em sede de fundamentação da decisão de facto (e, portanto, não omitido). Contudo tal depoimento não foi valorado pelo Tribunal porquanto, não obstante aquela testemunha ter dito que efetuou trabalhos na Quinta ... foi, no seu conteúdo, vago e genérico, por não enumerar nem descrever, de forma bastante, as concretas obras que disse ter realizado nem haver suporte documental que comprove a sua realização. Isto é, pelas razões que expôs e ulteriormente desenvolveu, designadamente que o estado da propriedade em causa, após a cessação do cabecelato por parte do falecido Dr. EE, era pior do que aquele que se verificava no início do desempenho de funções (não acomodando, por isso, a realização das extensas obras de conservação e reparo invocadas como originárias do crédito sobre a herança) o coletivo não atribuiu credibilidade a este depoimento (e a outros que asseveraram a realização de obras que o Tribunal, de forma motivada, concluiu não terem existido), o que pode obviamente fazer, atendendo ao constante do art.º 127.º do C.P.P.. Se assim não fosse e o julgador tivesse que aceitar, acriticamente, todos os depoimentos, então a atividade valorativa limitar-se-ia a aquilatar da existência de elementos corroborantes, dando como provado determinado facto conquanto o seu conteúdo fosse referido por qualquer testemunha. Só que os depoimentos, na expressão de Bacon, não se contam, pesam-se.
Se o coletivo, nessa sua atuação legítima e face aos elementos de prova existentes, teve razões para assim decidir é questão que não se prende com a ausência de motivação mas, antes, com o mérito e qualidade de tal motivação, entrando no campo da impugnação alargada e a apreciar oportunamente.
Também o depoimento prestado pelas testemunhas MM e NN, respetivamente filha e mulher do coarguido Dr. EE, não lograram convencer o Tribunal da realização das ditas obras de suporte ao crédito pelos mesmos motivos que preteritamente foram elencados e, portanto, existindo motivação para a desconsideração.
Quanto aos factos 12 e 13 da contestação dos recorrentes, referentes ao estado do imóvel antes de beneficiado com pretensas obras e discriminação dos trabalhos alegadamente realizados, aqueles factos vieram a ser considerados como não provados nos pontos H e I, estando também motivada essa exclusão.
Em resumo.
Nos termos dos art.ºs 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2 do C.P.P. o acórdão seria nulo se não contivesse, inter alia, uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos que fundamentaram a decisão de facto, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
Ora, o acórdão recorrido contém os sobreditos elementos não sendo, com o fundamento invocado, nulo (ainda que o vício em causa não tenha sido claramente especificado pelos recorrentes).
Se o resultado extraído da valoração da prova é correto, incorreto ou se foram valorados elementos que deveriam ter sido desconsiderados, subvalorizados ou sobrevalorizados outros, é questão diversa da propalada nulidade da sentença por falta ou insuficiência de fundamentação.
Efetivamente, basta reler a fundamentação de facto, vertida no acórdão, para se surpreender uma linha lógica no raciocínio e as razões pelas quais se atribuiu maior credibilidade a uns meios de prova em detrimento de outros, num relato sequencial conforme às regras da experiência, justificando as razões pelas quais o julgador acreditou ou não em determinado depoimento, o fundamento do descrédito e os motivos pelos quais obteve o resultado que sedimentou, apreciando a prova, de forma singular e conjunta.
Claro que, no processo do convencimento, em sede de motivação, foram emitidos juízos que os recorrentes criticam, mas que foram expostos de forma percetível, denotativos das razões subjacentes à credibilização ou à não credibilização, e que permitem a qualquer pessoa acompanhar o iter lógico da formação do convencimento, não coartando o direito ao recurso que, na verdade, puderam exercitar, contrapondo a falta de acerto de tal juízo e justificando a dissonância, respigando o que as testemunhas disseram (ou não disseram) e que poderia ter sido valorado de outra forma.
Em bom rigor, a discordância dos recorrentes, quanto à ponderação das declarações e depoimentos prestados e de toda a demais prova que os julgadores valoraram e da qual extraíram consequências, de forma distinta daquela que os impetrantes fariam nas vestes de julgador, com o objetivo, a final, de alterar a factualidade declarada como provada e não provada no acórdão, deverá ser decidida em sede de impugnação da matéria de facto e não da putativa nulidade do acórdão que, nesta medida, não existe, o que se declara, improcedendo, nesta parte, o recurso.
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III.3
Dos vícios decisórios
Alegam os recorrentes genericamente nas conclusões (corrigidas):
LL) “(…) resultam do teor do Acórdão recorrido (…) insanáveis contradições da fundamentação e, inclusive, evidente contradição entre a fundamentação e a decisão, bem como se verifica a existência de erro notório na apreciação da prova (…)”;
NN) “(…) daí resultando contradições, as quais insanáveis e manifestas, entre os factos provados e a prova produzida, entre os próprios factos provados, entre os factos provados e a própria fundamentação, razão pela qual o Acórdão recorrido não pode proceder (…)”.
Ao longo das extensas alegações referem:
“Resulta do teor do Acórdão recorrido uma flagrante insuficiência de fundamentação para a decisão da matéria de facto provada e não provada, uma insanável contradição da fundamentação e, inclusive, evidente contradição entre a fundamentação e a decisão, bem como se verifica a existência de erro notório na apreciação da prova, (…)”;
“(…) o Acórdão recorrido (…) chega a (…) ignorar factos notórios e evidentes (…) para, in fine, concluir (…) de forma absolutamente contrária ao natural saber das coisas e ao critério da experiência do homem médio.”.
“(…) daí resultando contradições, as quais insanáveis e manifestas, entre os factos provados e a prova produzida, entre os próprios factos provados, entre os factos provados e a própria fundamentação (…)”.
Apreciando.
Nos termos do art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P. «Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova».
Assim e como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam exógenos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 338/339], isto é, qualquer um dos referidos vícios tem de existir «internamente, dentro da própria sentença ou acórdão» [Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 340].
No caso específico do vício decisório prevenido na al. a), a indicada insuficiência determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto (não os meios de prova que a sustêm) é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa, estando, pois, associado à insuficiência da matéria de facto para a decisão.
No segundo caso, o da “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), este consiste na incompatibilidade, de inviável ultrapassagem através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Tal vício ocorre quando um mesmo facto, obviamente com interesse para a decisão da causa, seja julgado como provado e não provado simultaneamente e logicamente anulando-se, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode prevalecer, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Por fim, o “erro notório na apreciação da prova”, prevenido no inciso da al. c), ocorre quando um homem, medianamente sagaz, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente intui e percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação notoriamente errada, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou inverosímeis.
De igual sorte, aponta-se a ocorrência de erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis [cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 5.ª edição, pág. 61 e ss.].
Trata-se, no caso, de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia pela simples leitura da decisão, e que consiste, basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido [cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, op. cit., pág. 74], não se verificando se a discordância resulta apenas da forma como o tribunal aprecia a prova produzida, por desconforme àquela que, na ótica dos recorrentes, deveria ter sucedido.
No caso sub judice, embora os recorrentes façam alusão aos vícios do art.º 410.º do C.P.P. sem conteúdo referirem esta norma como tendo sido violada, a sua menção é genérica, adjetival e defluente do que, grosso modo, consideram incorretamente julgado, ou seja, não isolam qualquer passagem concreta da decisão de onde resulte evidente a existência do vício proclamado.
Efetivamente, lida a decisão posta em crise e considerado o seu conteúdo, desse texto não se lobriga a existência dos vícios acima caraterizados.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com a eventual insuficiência das provas produzidas para suportar a decisão de facto, esta a aquilatar em sede de impugnação ampla e que, a nosso ver, constitui o principal ponto de dissídio. Os recorrentes não se conformam com a valoração da prova sufragada pelo Tribunal, questionam a credibilização conferida a alguns testemunhos em detrimento de outros só que esse questionamento, legítimo, não se inclui, salvo o devido respeito, nos vícios decisórios que terão que ser extratáveis do próprio texto da decisão.
Também no corpo da decisão não se antevê a existência de contradição, com o sentido e alcance previamente definidos, nem a existência de erro notório já que este não se assume ante mera discordância quanto à opção tomada pelo Tribunal recorrido sobre a prova produzida. Erro notório na apreciação da prova é a classificação a dispensar a falha grosseira e ostensiva na análise da prova, que não passa despercebida ao comum dos observadores que “entra pelos olhos dentro”, que não necessita de explicação para se notar a existência o que, no caso, inexiste.
Tendo a prova o conteúdo objetivo que o Tribunal considerou (o que se poderá avaliar infra, em sede de erro de julgamento, mas que não se enquadra nos vícios em apreciação), as consequências que dali extraiu e perante o texto da decisão são consentâneas com aquela objetividade, acolhendo as conclusões que, indiretamente, delas possa ter retirado, em atividade contida no espetro da livre apreciação e no respeito pelas regras da lógica e da experiência.
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III.4
Do erro de julgamento
Invocam os recorrentes a existência de erro de julgamento quanto à matéria de facto, tendo os Mm. ºs Juízes efetuado uma incorreta valoração da prova produzida.
Em traços muitos gerais, no entender dos impetrantes, a prova produzida, se devidamente valorada e de acordo com as regras da experiência, não poderia defluir na afirmação, como provados, dos factos atinentes à comissão dos crimes.
Vejamos, então, começando por estabelecer os parâmetros da sindicância a que se procede.
Como é consabido, o julgamento da matéria de facto, em primeira instância, é efetuado segundo o princípio da imediação – possibilitando o contacto direto e pessoal entre o julgador e a prova, tangível ao (e próprio do) juiz a quo – sendo “(…) as provas apreciadas por quem assistiu à sua produção, sob a impressão viva colhida nesse momento e formada através de certos elementos ou coeficientes imponderáveis, mas altamente valiosos, que não podem conservar-se num relato escrito das mesmas provas” [Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português – Do Procedimento, Univ. Católica Ed., pág. 212]. Além disso, o julgamento da matéria de facto far-se-á segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do C.P.P., interpretado, não num sentido que desonere o julgador de justificar o seu raciocínio e percurso interior para chegar à afirmação do facto ou à sua desconsideração – caso em que falaríamos de arbítrio - mas, apenas, no sentido de que o valor a atribuir a determinado meio de prova não é tarifado ou vinculado (salvo as exceções consignadas na lei), orientando-se o julgador de acordo com os ditames da lógica e da experiência, podendo, por exemplo, atribuir relevância a um depoimento em detrimento de vários e mais numerosos de sinal contrário, desde que o justifique.
A convicção do Tribunal é, reforça-se, formada livremente, de acordo com as regras da experiência, enquanto postulados decorrentes da observação social e dos conhecimentos da técnica e da ciência. A afirmação positiva dos factos deverá fazer-se, não por razões ou argumentos puramente subjetivos e insindicáveis, mas sim concluindo-se através de uma “(…) valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo “objetivar a apreciação” [Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Verbo 1993, pág. 111 a propósito da definição do conceito de livre apreciação da prova.].
Destarte, se a decisão do Tribunal recorrido se ancorar numa fundamentação compreensível, com as naturais opções próprias efetuadas com permissão da razão e das regras da experiência comum e a coberto da caraterizada livre apreciação, cumprir-se-á o necessário dever de fundamentação.
Naturalmente, qualquer dos sujeitos processuais destinatários da decisão poderá discordar do juízo valorativo assim firmado. Ou porque entende que outro meio de prova se sobreporia, ou porque outro, que foi valorado, seria, para si, de credibilidade questionável mas, lembre-se, o poder de valorar a prova e de se determinar de acordo com essa avaliação pertence ao ente imparcial e constitucionalmente designado para a função de julgar: - o Tribunal.
Aqui chegados, a decisão da matéria de facto – com a qual os recorrentes não se conformam – só pode ser sindicada, em sede de recurso, por duas vias distintas:
- Por verificação, ainda que oficiosa, dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., a denominada revista alargada que, a proceder, deflui na realização de um novo julgamento, total ou parcial, apenas excecionalmente o podendo fazer o próprio tribunal superior (art.ºs 426.º, n.º 1, 430.º, n.º 1, e 431.º, als. a) e c), do C.P.P.), que analisamos supra;
- Através da impugnação ampla, prevista no art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do C.P.P., com eventual correção do decidido pelo tribunal superior (cfr. art.º 431.º, al. b), do C.P.P.).
No segundo caso e que agora nos ocupa – impugnação ampla – a sindicância pode envolver o próprio processo e resultado da formação da convicção do julgador sobre a prova produzida, designadamente a suficiência ou insuficiência desta para justificar a materialidade considerada, a capacidade e a segurança do convencimento que emerge dos meios de prova a valorar, seja à luz dos critérios legais da avaliação (art.º 127.º do C.P.P.), seja sob o espectro das disposições sobre prova vinculada.
Porém, importa ainda reter que mesmo abrangendo o próprio juízo decisório revidendo, a sua verosimilhança e consistência, no cotejo com a prova produzida, o processo de (re)apreciação não envolve um novo julgamento, sobreposto ao realizado em primeira instância e que usufruiu do aporte irrepetível oferecido pela oralidade e imediação. A impugnação, ainda que alargada, constitui, tão só, o remédio jurídico apropriado para a deteção de eventuais erros in judicando ou in procedendo, considerando o exame crítico da prova efetuado na primeira instância que está, naturalmente, vinculado a critérios objetivos, jurídicos e racionais e sustentado nas regras da lógica, da ciência e da experiência comum, sendo por isso mister que se demonstre a impossibilidade lógica e probatória da valoração seguida e a imperatividade de uma diferente convicção.
Mais.
No caso da impugnação alargada, - em que a atividade do Tribunal de recurso não se restringe ao texto da decisão, expandindo-se à análise da prova concretamente produzida em audiência de julgamento e devidamente registada – o juízo de apreciação e conformidade far-se-á de acordo com os limites fornecidos pelo recorrente e decorrentes do cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do C.P.P.. Ou seja, sempre que o recorrente vise impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar (i) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (ii) As concretas provas [ou falta delas] que impõem decisão diversa da recorrida; (iii) As provas que devem ser renovadas, ao que acresce que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas (…) fazem-se por referência ao consignado na ata (…) devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Em epítome e em tese geral, não bastará ao recorrente configurar hipóteses decisórias alternativas, da sua conveniência ou modo de ver, mais ou menos compagináveis com a prova produzida, sendo ainda necessário que a eventual insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto que foi tomada, ou, na proposta de apreciação alternativa, a prova que foi produzida, imponham, como conclusão lógica, uma decisão distinta e, em concreto, aquela que na argumentação de recurso se defende.
Neste último aspeto referido importa reforçar que não basta a afirmação do dissídio, a apreciação crítica ou depreciativa do decidido ou a asseveração de considerandos ou propostas de decisão alternativa. Antes, impõe-se ao recorrente um dever de fundamentação que torne evidente que as provas indicadas impõem decisão diferente, com o mesmo grau de argumentação e convencimento que é exigível ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, só assim se percebendo qual o raciocínio seguido para se poder concluir que o mesmo impõe decisão diversa da recorrida [cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica, 2ª Edição, fls. 1131, notas 7 a 9, em anotação ao artigo 412º, do Código de Processo Penal].
Dito isto e avançando.
Depreende-se do teor da argumentação expendida (dada a forma esparsa como os recorrentes vão adjetivando a atuação do Tribunal, o que consideram incorretamente provado, incorretamente não provado e o teor dos depoimentos que, a serem valorados ou desvalorizados, imporiam decisão diversa) que os recorrentes consideram indevidamente julgados os factos que, em subsunção ulterior, permitiram ao Tribunal concluir pela prática dos crimes de burla qualificada, na forma tentada, e de falsificação de documento.
Para tanto e fazendo uma recensão do argumentário seguido pelos recorrentes:
(i) - O facto provado constante de 1 deve levar em consideração que, embora o arguido decesso Dr. EE tenha assumido as funções de cabeça de casal em 18 de dezembro de 2008, só tomou posse efetiva do bem em causa em 25 de novembro de 2009.
(ii) - O facto provado constante de 2 desconsidera que o cabeça de casal não tem que prestar contas aos interessados mas, tão só, à herança, no apenso próprio do processo de inventário, sendo completamente falso que o arguido recorrente AA tenha dito, em audiência, que o falecido Dr. EE lhe confidenciara que não iria prestar contas pela administração da herança.
(iii) - O facto provado constante de 3, para além dos documentos de fls. 593 e ss. e 699 e depoimentos de FF e LL considerados pelo Tribunal, entendem os recorrentes que deveriam ter concorrido para a afirmação de tal facto o teor da providência cautelar 4634/09.0TBSTS, os processos 482/10.2TASTS, 1528/10.0TASTS, 706/10.0TASTS, 706/10.6TASTS, que foram apensados ao Processo nº. 126/10.2TASTS de fls. 306 e ss. e 347/09.0GCVNF de fls. 477 e ss. e 692/10.2TASTS, e que por fim foram arquivados, conforme fls. 306 e ss..
(iv) – Os factos 4, 5 e 6 do elenco dos provados mostram-se incorretamente julgados. Tendo o cabeça de casal obtido uma indemnização para a herança no valor de € 623.275,98 no âmbito de processo de expropriação, estando os demais herdeiros proibidos de praticar quaisquer atos que obstruíssem ou impedissem a administração da herança e estando o acervo da herança em manifesta ruína, não se antevê qualquer fundamento para que o Tribunal concluísse pela decisão de simulação de quaisquer dívidas ou de obtenção de quaisquer benefícios económicos. O Tribunal não podia quedar-se às meras insinuações da acusação [no caso pronúncia] ou aos depoimentos de FF e LL que sempre litigaram contra o falecido arguido Dr. EE, são interessados no desfecho da ação e no não pagamento das letras endossadas ao recorrente AA.
Ademais, se a Quinta ... se encontrava em estado de ruína aquando da sua entrega ao cabeça de casal (facto erradamente dado como não provado em H) e se não tivessem sido realizadas obras (que o Tribunal considerou não provadas em I, K, L, M e N) e que são o fundamento do aceite das letras, a quinta já não existia, olvidando o Tribunal os motivos da remoção do anterior cabeça de casal FF (que julgou facto provado) e, seguindo-se o critério da experiência do homem médio, não poderia o Tribunal considerar não provados os factos H, I, K, L, M e N.
(v) – As obras eram de realização imediata e indispensável, conforme se verifica do incidente de remoção do cabeça de casal e dos autos de procedimento cautelar 4634/09TBSTS, sendo que os demais herdeiros nunca afirmaram que as letras dadas à execução pelo recorrente AA eram falsas (fls. 436 e ss.), quer no processo de inventário, quer na oposição à execução e penhora no processo nº. 986/13.5TBPFR que foi julgada extemporânea (fls. 448 e ss.), onde apenas alegaram dúvidas sobre a legitimidade do executado (fls. 449), quando já sabiam que as letras tinham sido aceites em nome da herança (fls. 436 e ss.), dúvidas essas que a fls. 452 foram dissipadas por conclusão do Inventário de fls. 458 e ss. que considerou a “inexistência de qualquer fundamento legal que obstasse à imediata transferência da quantia penhorada à ordem da execução 986/13.5TBPFR”, decisão confirmada pelo Ac. TRP de fls. 461 e ss. – Apenso AH.
(vii) – Os depoimentos de FF e LL são contraditórios entre si pois que, enquanto o primeiro negou a realização das obras que originaram a subscrição dos títulos, o segundo confirmou existirem.
(viii) - Os depoimentos prestados pelas testemunhas GG, HH, II e JJ foram considerados pelo Tribunal a quo vagos e genéricos por não enumerarem nem descreverem, de forma bastante, as concretas obras que foram executadas, tendo os depoimentos prestados por MM e NN merecido a qualificação de genéricos quando, todos eles, descreveram em pormenor a realização de obras na quinta, tendo inclusivamente as testemunhas KK e LL, que o Tribunal apodou de credíveis, deposto no sentido de que as obras existiram, pelo que foram incorretamente julgados, como provados, os factos constantes de 4 a 6 e, correspetivamente, erroneamente considerados não provados os factos constantes de H, I, K, L, M e N
(ix) – O facto não provado constante de J deveria ter sido considerado provado pela própria evidencia documental dos autos, nomeadamente a certidão e fotocópias do processo executivo 986/13.5TBPFR e seu apenso a fls. 33 a 42, 52 a 65, e 551 a 737, bem como a certidão do processo de inventário nº. 438/14.6T8STS de fls. 488 a 500 dos autos.
(x) – Quanto aos factos provados n.ºs 7 a 11 o arguido decesso Dr. EE nunca entregou as letras ao arguido recorrente AA, pois as letras foram-lhe endossadas pelo arguido recorrente BB e Dr. PP, e não houve nenhuma testemunha da acusação (FF e LL) que manifestasse conhecimento, absoluto e inquestionável, das circunstâncias relativas à emissão, ao saque e endosso das duas letras, facto que o tribunal a quo omitiu da fundamentação do acórdão recorrido e que naqueles factos se deve repercutir, julgando provados os pontos 12 e ss. da contestação deste recorrente.
(xi) - Quanto aos factos nº. 14, 15 e 16 do elenco dos factos provados, estes encontram-se, face à supra demonstrada prova produzida em audiência de julgamento, erradamente julgados, pelo que tais factos deverão ser considerados factos não provados, uma vez resultou da prova produzida a existência de transação comercial, na qual foi prestado um serviço mediante o recebimento de um preço, com o intuito de salvaguardar a integridade do acervo hereditário, nomeadamente da Quinta ... depois do estado de ruína a que ficou votada pelo anterior cabeça de casal, FF;
(xii) - O recorrente BB somente pretendia receber o valor do seu trabalho, valor que recebeu do recorrente AA e este último só quer receber o valor das letras, porque endossadas à sua pessoa. Por conseguinte, deverão considerar-se factos provados os pontos 19 a 23 e 38 a 41, 44 e 45 da contestação do Arguido AA.
Vejamos.
Quanto às provas que, concretamente, imporiam decisão diversa, os recorrentes atêm-se aos mesmos meios de prova considerados pelo Tribunal só que, perscrutado o seu conteúdo, aqueles produziriam, a seu ver, resultado diverso.
Nesta parte impõe-se que se diga, como já se abordou perfunctoriamente, que o incumprimento do ónus previsto no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4 do C.P.P. implica a inconsideração da possibilidade de impugnação alargada [cfr. no mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.01.2018, proc. n.º 31/14.3GBFTR.E1, Rel. Ana Barata Brito, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.09.2012, proc. n.º 245/09.8GBACB.C1, Rel. Brízida Martins, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.06.2008, proc. n.º 07P4375, Rel. Raúl Borges, acedidos em www.dgsi.pt]. Nesta parte não poderiam os recorrentes remeter para o teor integral de depoimentos ou documentos, sem que se isolassem as partes ou passagens que, a seu ver, impunham decisão diversa, ónus que não se encontra perfetibilizado.
Ainda assim e porque é possível isolar o cerne do dissídio, passamos a apreciar a pretensão dos recorrentes.
Fazendo-o e quanto ao referido em 1 dos factos provados, não contestam os recorrentes o acerto da decisão. Não refutam que tal facto tenha sido corretamente julgado, ante a prova produzida, sendo que as manifestações que indicam, em acrescento, não impõem decisão diversa da tomada com a qual, aliás, concordam.
Mantém-se, pelo exposto, inalterada a redação do facto provado n.º 1, extraído da pronúncia e com a seguinte redação: - “Em 18 de Dezembro de 2008, EE, advogado conhecido profissionalmente por Dr. EE, foi nomeado cabeça-de-casal no processo de inventário com o n.º ...00, do 2.º Juízo Cível de Santo Tirso, instaurado para partilha da herança indivisa deixada por óbito de seus pais, CC e DD”.
No que tange ao mencionado no ponto (ii) insurgem-se energicamente os recorrentes contra a afirmação de que o recorrente AA declarara, em audiência, que o falecido Dr. EE lhe confidenciara que não iria prestar contas pela administração da herança.
Em sede de fundamentação da decisão de facto exarou-se, neste segmento, que “o facto dado como provado também foi confirmado pelo próprio arguido AA que afirmou de forma perentória e inequívoca que o co-arguido Dr. EE lhe disse que não iria prestar quaisquer contas aos irmãos pela administração dos bens da herança, confirmando, igualmente, que a relação entre os irmãos era pautada por uma enorme conflitualidade.”.
Vejamos então.
Ouvidos os respetivos ficheiros - 20230511103756_16298881_2871572.wma e 20230601102523_16298881_2871572.wma - no segundo destes, aos 6m e 46s o arguido/recorrente AA refere que o Dr. EE lhe disse - referindo-se às “contas da herança” - que enquanto o seu irmão não apresentasse as anteriores ele também não apresentaria as suas. Quanto à relação entre os irmãos referiu o mesmo arguido, aludindo àquela, que “se tivessem pistolas estavam todos mortos” (13m e 23s), “era uma relação muito complicada”. Dos trechos referidos e do seu confronto com o exarado pelo Tribunal a quo não se alcança uma desconformidade equivalente a “falsidade”, “ficção” ou “invenção”, tratando-se, antes, da interpretação do declarado e que, na prática, aporta um sentido equivalente. Não iria prestar contas enquanto o irmão não as prestasse (e não prestou) e a relação era conflituosa (“se tivessem pistolas estavam todos mortos”, “era uma relação muito complicada”).
Relativamente às contas terem que ser prestadas à herança e não aos herdeiros, como consta do facto importado da pronúncia, trata-se de um aprimoramento técnico trazido pelos recorrentes mas que é anódino, compreendendo-se a redação originária no sentido de que as contas ou autorizações, a que o facto se reporta, não se dirigem, na própria lógica da narrativa, a um património/universalidade impessoal e abstrata mas, antes, aos interessados/herdeiros.
Destarte e em face do que se expôs, mantém o facto 2 do acervo provado a sua redação intocada.
No que concerne ao mencionado em (iii) escusamo-nos de tecer considerações. Os recorrentes atentam como corretamente julgado o facto, alegando, apenas, que deveriam ter sido mencionados, ainda, outros meios de prova em subsídio da afirmação positiva daquele o que, havendo concordância quanto ao resultado líquido da operação – a demonstração do facto como provado – torna-se inconsequente e irrelevante a discussão.
Relativamente ao mencionado em (iv), a que também agregamos os pontos (v) a (viii), os recorrentes discutem, essencialmente, a intenção assacada ao decesso arguido Dr. EE e à inexistência de qualquer relação subjacente à emissão das letras porquanto, na lógica interna da argumentação desenvolvida, as obras na Quinta ... foram, efetivamente, realizadas e a relação cambiária advém da necessidade de proceder ao respetivo pagamento, pretendendo a reversão dos elementos fáticos correspondentes para o elenco dos factos provados e a ablação destes dos correspetivos factos de sinal contrário.
Vejamos, pois.
Comparativamente à intenção (factos 4 e 6) o Tribunal analisou, designadamente, os depoimentos prestados por GG, HH, II, JJ, MM e NN, estas últimas, respetivamente, filha e mulher do coarguido decesso, Dr. EE, todas tendo referido a realização de obras na quinta por forma a acomodar/justificar o aceite das letras e, correspetivamente, a verosimilhança da descrição dos trabalhos realizados, contante da contestação apresentada pelo recorrente BB e que foram desconsiderados pelo Tribunal, transitando para o núcleo factual não provado.
O não acolhimento destes depoimentos, porém, foi justificado pelo Tribunal a quo, na decisão recorrida, circunstância que os recorrentes põem em crise referindo, inter alia, que os dois depoimentos utilizados em suporte do decidido – FF e LL – não merecem credibilidade, atento o interesse patenteado na causa e as contradições evidentes nesses depoimentos, sendo que a testemunha LL, na perspetiva da defesa, alinha no sentido da realização das obras que reconheceu existirem ”(…) quando disse no seu depoimento que a casa da Quinta ... esteve destelhada durante muito tempo e que os estofados do mobiliário da sala de visitas tinham sido substituídos, após a tomada de posse dos bens da Herança pelo cabeça-de-casal Dr. EE, por tecido da feira”.
Analisando a argumentação e quanto à pretensa irrazoabilidade da valoração destes depoimentos com base no “interesse na causa” sempre se dirá que as declarações/depoimentos de pessoas a quem possa ser apontado benefício no desfecho do processo, por si só, não implica uma inelegibilidade para a fundamentação da convicção do Tribunal.
É verdade e em geral que, como referia Enrico Altavilla [Psicologia Judiciária II – Personagens do Processo Penal, pág. 146 e 147.], “Ele [o ofendido] é, todavia, demasiadamente interessado para que, abstratamente, não deva parecer uma prova bastante suspeita. (…) Na verdade, nos casos em que o ofendido haja sido testemunha do acontecimento que ofendeu os seus direitos, acentuam-se todas as razões que (…) alteram os processos psicológicos das testemunhas e principalmente as emoções”. Não obstante, o facto de um dos meios de prova considerado se traduzir nos depoimentos de herdeiros interessados não os torna insuscetíveis de valoração, carecidos de prova corroborante, nem aquele interesse constitui uma espécie de capitis diminutio na contribuição para a descoberta da verdade (o mesmo se podendo dizer, em abstrato, da qualidade de arguido, embora aqui a não conformidade com a verdade, ao contrário do que sucede com o ofendido/testemunha ou assistente, não seja cominada criminalmente).
Assim, o repontado interesse que se pode, em abstrato, identificar, não constitui escolho inultrapassável para o aproveitamento dos depoimentos postos em crise no arrimo valorativo considerado pelo Tribunal (sendo que nos depoimentos que os recorrentes pretendem ver valorizados também se deteta outro tipo de interesse, ante a relação de amizade ou familiar mantida com, por exemplo, o coarguido falecido, Dr. EE). O identificado interesse na causa deverá, apenas, impor cautelas acrescidas ao julgador na atividade apreciativa considerando, precisamente, o proveito próprio no desfecho da causa que, ainda assim, sai mitigado pelo facto de aqueles não terem formulado qualquer pretensão indemnizatória.
A entender-se o contrário – e se a lei exigisse elementos corroborantes, por regra ou imposição – e considerando que a prática criminal sucede, muitas vezes, às ocultas e com métodos ilusivos, dificilmente poderia construir-se um juízo valorativo consistente e defluente numa condenação fora dos casos de confissão ou de crimes praticados perante uma plêiade de pessoas exteriores aos próprios “interessados”.
Dito isto.
Ouvido o depoimento da testemunha LL (20230511142133_16298881_2871572.wma) do mesmo não se alcança que o mesmo tenha admitido a realização das obras cujo pagamento justificaria o saque das letras. Mesmo que pudessem ter sido realizados alguns trabalhos (menores), como a construção de uma entrada, aqueles nunca atingiriam os valores inscritos nos títulos nem correspondem aos serviços faturados. Aliás o depoimento da testemunha é completamente contrário à pretensão dos recorrentes deixando-se, aqui, algumas passagens elucidativas: - “alguns dos senhores que dizem que fizeram as obras, que não fizeram…” (16m e 56s), “pseudo obras. Obras que não existiram” (18m 07s), “em relação àquilo que lá diz [nas faturas] é tudo falso” (20m e 55s), “ele diz que recuperou um telhado e o telhado nunca foi recuperado” (21m 00s) “(…) o telhado era feito em telha francesa (…) tiraram a telha francesa, puseram a casa meses, se não foi anos, à chuva, à ventania e às tempestades, tiraram algumas janelas (…) delapidaram para entrar chuva (…) para delapidarem completamente a casa (…) tiraram 3 ou 4 fiadas de telha” (22m).
Quanto à alegação de que inexiste prova que corrobore a “intenção” do falecido coarguido, dir-se-á, em acrescento à fundamentação exarada no acórdão, que, não raras vezes, terá o julgador que louvar-se em elementos indiciários/probatórios obtidos por via indireta, consequentemente envolvendo presunções obtidas por via judicial sendo até, amiúde, o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e à descoberta dos seus autores.
Como se escreve no acórdão desta Relação de 18.03.2015 [proc. n.º 400/13.6PDPRT.P1, Rel. Neto de Moura, acedido em www.dgsi.pt], a propósito do papel preponderante, da atendibilidade e da valoração da prova indireta, “I – Quer a prova direta, quer a prova indireta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum. II – Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125.º do Cód. Proc. Penal), pelo que não pode ser excluída a prova por presunções (art. 349.º do Cód. Civil), em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro. III – O sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, para certos factos, como sejam os relativos aos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente), não havendo confissão, a sua comprovação não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta. IV – A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova direta (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.” (sublinhado nosso).
Em síntese, neste capítulo, a prova indireta, que contém momentos de presunção ou inferência, pode igualmente justificar certeza bastante para fundar uma convicção positiva do Tribunal, desde que se assegure, na formação dessa convicção, uma valoração conjugada e coerente dos vários elementos indiciários a considerar, de forma motivada, objetivável e numa leitura que se afigure consentânea com as regras da experiência.
Também não constituirá escolho ao que a seguir diremos o argumento, avançado pelos recorrentes, de que o falecido arguido Dr. EE conseguiu para o acervo hereditário uma quantia significativa, decorrente de indemnização por expropriação, pelo que não faria sentido falar-se na obtenção de benefícios económicos para si quando sempre procurou obtê-los a favor da herança. É que, ao litigar a favor da herança, também aquele coarguido seria beneficiário, pelo aumento do ativo, na ulterior partilha e, ao gerar dívidas para a herança, a pagar pelas forças desta, dívidas que seriam inexistentes, nas ulteriores contas a prestar, menor seria o ativo a dividir com os outros interessados, beneficiando aquele com o montante retido por conta do pagamento de dívidas artificiosamente criadas.
Ora, retomando o caso que nos ocupa, os factos nucleares do dissidio, afirmados como provados (e a não prova daqueles que, em benefício da tese dos recorrentes, alinham em sentido contrário) foram justificados de forma clara na decisão recorrida referindo-se, sem pretensão de exaustividade e evitando, na medida do possível, alguma prolixidade nesta decisão, o que ali consta:
- A casa da Quinta ... apresentava, antes da entrega ao Dr. EE, sinais de degradação (vd. depoimento de KK);
- Após o cabecelato de EE e tendo em conta, também, o registo fotográfico identificado, a casa apresentava-se ainda pior, não dando flanco, por isso, à efetiva realização das obras faturadas;
- Quanto ao valor das obras, à exceção das faturas juntas na fase de instrução, nenhum documento junto aos autos atesta a realização de obras e o respectivo valor.
- Em 26.05.2020, o arguido BB apresentou quatro faturas, de 04-11-2009, 10-02-2010, 12-12-2011 e 03-04-2012, nos montantes de € 10.410,00, € 11.540,00, € 8.050,00 e € 9.200,00, respetivamente, perfazendo o valor total de € 39.200,00, indicando as condições de “Pronto Pagamento”, em nome de “FF – cabeça de casal da Quinta ...”.
- Foi pedida uma informação à Direção de Finanças do Porto sobre a autenticidade ou falsidade daquelas quatro faturas, tendo sido obtida a seguinte resposta em 9-07-2020:
«1- A comunicação, por parte dos sujeitos passivos, à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por transmissão electrónica de dados, dos elementos das facturas emitidas passou a ser obrigatória a partir de 01-01-2013, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de Agosto;
2- As facturas em causa têm todas data de emissão anterior a 2013, pelo que não constam do sistema e-factura;
3- Faltam em todas elas alguns dos elementos elencados no n.º 5 do Art.º 36.º do Código do IVA, como a taxa de IVA aplicável e o montante de imposto devido ou o motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for o caso, não sendo suficiente a menção “IVA Isento;
4- O emitente das mesmas, BB, NIF ...11, cessou a actividade, para efeitos de IVA e IRS, em 10-05-2005».
- Isto significou, na perspetiva do Tribunal, que aquelas quatro faturas eram falsas e não podiam servir de sustentação à versão apresentada pelo coarguido BB de que efetuou as concretas obras descritas nas faturas, assim como os valores nelas apostos não correspondiam a quaisquer obras, sustentando ainda mais a posição do tribunal ao descredibilizar os depoimentos prestados pelas testemunhas que afirmaram a sua realização, facto quanto a nós bastante relevante. Como credibilizar o depoimento de testemunhas que asseveraram a realização de obras quando, para além de tudo o que o Tribunal assinalou quanto à fragilidade do conteúdo do depoimento e razão de ciência, a pessoa que pretensamente as realizou se predispõe a juntar faturas falsas para justificar a realização dos trabalhos?
- Referiu ainda o Tribunal que, atento o elevadíssimo nível de conflito existente entre os irmãos e o coarguido Dr. EE, qualquer intervenção/obra que fosse por este efetuada nos bens que compunham a herança, teria naturalmente que ser documentada, pois só dessa forma o cabeça de casal e coarguido poderia ulteriormente justificar, quer a realização das mesmas, quer o seu concreto valor, observação que nos parece completamente pertinente.
- Atenta a data da subscrição das letras, se o coarguido BB tivesse realizados trabalhos na Quinta ... que faturou e se o cabeça de casal EE não lhe tivesse efetuado o pagamento desses trabalhos - só assim se justificando a emissão das letra – questionou o Tribunal a quo como teria aquele vivido durante o período de cerca de dois anos e como teria efetuado o pagamento dos trabalhos realizados pelos seus funcionários.
- Concluiu o Tribunal (e acompanhamos) não ser crível que, durante dois anos, o arguido BB tivesse trabalhado gratuitamente para o arguido EE, tanto mais que não existe nos autos qualquer documento que ateste que o arguido tivesse outra fonte de rendimentos, proveniente de trabalho ou não, através da qual se pudesse sustentar e pagar aos seus colaboradores, ao que acresce que a sua empresa já não apresentava atividade desde 2005.
Em face destes parâmetros concluiu o Tribunal pela existência de fundamentos para afirmar que as dividas relacionadas com a administração da herança eram simuladas e que o objetivo do coarguido Dr. EE, pela própria natureza objetiva dos factos, era o de obter benefícios económicos a que sabia não ter direito, para receber e dispor livremente do dinheiro correspondente às dividas simuladas, com a apresentação dessas duas letras à execução por parte do arguido AA, o qual, inexistindo dívida subjacente aos títulos, lhe iria transferir o valor recebido e titulado pelas letras (facto não confessado mas que resulta das regras da experiência e da normalidade) o que só não sucedeu porque a execução ficou suspensa.
Afirma ainda o Tribunal, em defluência lógica, que o plano assim delineado necessitou, para a sua concretização, da colaboração dos coarguidos BB e AA, amigos do coarguido decesso Dr. EE, colaboração que se traduziu, quanto ao primeiro, no saque da letra, fazendo crer que a mesma se destinava ao pagamento de obras que tinham sido realizadas, mas não pagas, e a do coarguido AA no endosso das letras (a sacada pelo BB e a outra pelo PP, já falecido) posterior instauração da correspondente execução (sendo também aqui válidas as considerações expressas pelo Tribunal a quo quanto à inverosimilhança da situação, alegadamente para pagamento de serviços de contabilidade, não descriminados, não concretizados, não faturados e não documentados e em valor consideravelmente inferior ao da letra endossada).
Relativamente à letra emitida a favor de PP, já falecido e por isso não acusado, e cujo negócio jurídico subjacente tem interesse nestes autos para efeitos de imputação aos coarguidos do crime de burla na forma tentada, também não existe qualquer documento ou referência nestes autos, nem nenhuma testemunha mencionou, nem os próprios arguidos alegaram em contestação a que pagamentos se destinava o valor aposto nessa letra, apesar da mesma ter sido apresentada a pagamento pelo coarguido AA na ação executiva, o qual, sublinhe-se, também nada referiu a propósito desta letra.
Para o Tribunal a quo, em consequência permitida pelos critérios da experiência e da lógica, a atuação dos arguidos é reveladora da concretização de um plano visando a obtenção, junto da herança da qual era cabeça de casal o coarguido EE, do pagamento de dividas que não tinham subjacente a realização de qualquer negócio jurídico.
Ademais, acrescente-se, no domínio cambiário vigoram os princípios da literalidade (segundo o qual a mera verificação do título demonstra a constituição da obrigação e os respetivos obrigados cambiários), da abstração (segundo o qual a letra vale e constitui título executivo independentemente da obrigação subjacente ou da causa do débito) da autonomia (segundo o qual o portador tem o direito do credor originário) e o da incorporação (são uma identidade a obrigação e o título que a exprime), válidos no âmbito das mediatas, ou seja, entrando as letras na posse do recorrente AA, por via do endosso, não precisaria este, como terceiro, de invocar a relação subjacente para titular a execução nem as relações entre o sacador e o sacado lhe seriam oponíveis, concorrendo para o sucesso do plano e de forma mais consistente do que a que poderia advir se os títulos se mantivessem no plano estrito das relações imediatas e a execução fosse proposta pelo sacador.
Contrapõem, ainda, os recorrentes, com a menção aos processos pendentes ou findos de onde extraem argumentos, designadamente quanto à sede própria para a prestação de contas da administração.
Com assento no disposto no art.º 7.º do C.P.P. vigora no sistema processual penal o princípio da suficiência. De forma abreviada e desvendando a principal ideia-força incorporada em tal princípio, indo para além do truísmo, poderá dizer-se que o processo penal é, em princípio, o lugar e momento adequados ao conhecimento de todas as questões cuja solução se revele necessária à decisão a tomar [vd. Figueiredo Dias, Processo Penal I, pág. 163. Cfr., também, Maria EE Antunes, Direito Processual Penal, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 76 e 77] sendo, em regra, autossuficiente para a resolução de todas as questões que interessem à decisão da causa, incluindo as de natureza não penal conexas que pode e, em princípio, deve conhecer e decidir incidenter tantum (art.º 7.º, n.º 1 do C.P.P.).
Por outro lado o decidido a montante não impõe, em regra, a adoção de decisão diversa, com caráter vinculatório, por força do efeito do caso julgado. Efetivamente, não laboramos no plano da identidade de objeto ou de intervenientes, razão pela qual nunca se identificaria o efeito material inibidor do caso julgado, acrescendo que este se atém aos decorrentes da decisão de mérito, pelo que meras considerações aparentemente incompatíveis com o decidido ou os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não se encontram, se isoladamente considerados, a coberto da eficácia do caso julgado para o efeito de deles se extraírem outras consequências extraprocessuais além das contidas na decisão final, salvo expressa previsão da lei em contrário [cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 39].
Ora, no caso, para além de inexistir identidade de objeto nas repontadas decisões e de muitas delas terem, até, uma eficácia temporária (como sucede, em regra, nos procedimentos cautelaras) ou meramente ordenadora no processo, a única decisão que – a ter existido – poderia condicionar o processo criminal seria a da prestação de contas se ali se concluísse pela efetiva realização das obras e, reflexamente, conferindo conteúdo à obrigação cartular. Só que tal apenso não foi concluído, tendo o cabeça de casal falecido.
Por fim convocam os recorrentes os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas GG, HH, II, JJ, MM e NN, não valorados na decisão recorrida e aí apodados de vagos e genéricos.
No caso e relida a fundamentação impugnada o Tribunal a quo segue uma linha argumentativa coerente e que logicamente defluiu na desconsideração daqueles depoimentos, todos de sinal contrário ao percurso lógico seguido na tarefa de reconstrução da verdade. O Tribunal desconsiderou aqueles depoimentos, apontando-lhes inconsistências e inverosimilhanças, conforme consta do texto da decisão e que aqui nos abstemos de (novamente) reproduzir o que, alinhado com os meios de prova que foram valorados, excluiu a aceitação do seu teor. Ante a existência de meios de prova que evidenciam resultados diversos – a realização (ou não) de obras e a (in)existência de fundamento para a emissão dos títulos dados à execução – o Tribunal não manifestou dúvidas, pelas razões que aduziu, em valorar e daí extrair conclusões com arrimo nos meios de prova e análise crítica efetuada que defluiu na afirmação da não realização das obras descritas pelos recorrentes, dando a conhecer o iter conducente a tal resultado.
Os julgadores, em 1ª instância, ponderaram as duas versões e explicaram, fundamentadamente, por que motivos deram credibilidade à que obteve vencimento (logicamente excludente da versão antagónica), sendo aqui de recordar, no que concerne à valoração da prova, a diferença existente entre aquela que é feita no Tribunal recorrido e a que pode ser efetuada pelo Tribunal ad quem, ainda que ouvindo as gravações ou lendo as transcrições. É que há uma impressão, indelével e irrepetível, produzida no julgador pela prova testemunhal, confluente com a análise das reações, expressões, postura, que só alcança, na sua plenitude, através do aporte único da imediação. Daí que, quando o julgador atribui, ou não, credibilidade a uma fonte de prova testemunhal, e não sendo essa opção ilógica ou arbitrária, porque ancorada na imediação e na oralidade, o percurso revidendo em segunda instância só poderá censurar aquela opção ante a demonstração de que a mesma é violadora das regras da experiência comum, de regras de aquisição e valoração da prova ou tomada a partir de pressupostos que não estão conformes com a realidade declarada. Neste sentido, aliás, se pronunciou já o Tribunal Constitucional, ao aceitar que o verdadeiro julgamento da causa é o realizado na 1ª instância, onde são produzidas todas as provas, de forma direta [cfr. acórdão n.º 59/2006, de 18.01.2006, proc. nº 199/2005, disponível in www.tribunalconstitucional.pt].
Ora a convicção alcançada pelo tribunal recorrido, motivada em sede própria, sem entorses lógicos e em completude aqui escrutinada não merece, no contexto dos poderes de conformação deste Tribunal de recurso, censura, porquanto se mostra sustentada nos meios probatórios por aquele valorados e mencionados na motivação da decisão de facto, os quais, no seu conjunto, analisados criticamente, sedimentaram, à luz do princípio da livre apreciação da prova, a convicção que o tribunal recorrido alcançou ao dar como provados os factos com os quais os recorrentes não se conformam. Como observa o Prof. Germano Marques da Silva, «Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem essencialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio, que há de fundar-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.». [Curso de Processo Penal, Vol. II, Verbo, 5.ª edição, pág.186.]. Revertendo ao caso concreto, retendo as palavras do Ilustre professor, lida a motivação e considerando que é na audiência de julgamento que o princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância, nada temos a apontar ao decidido e da forma como o foi, logicamente que envolvendo a conjugação dialética de dados objetivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento que o Tribunal valorou de forma distinta daquela que os recorrentes pretendiam e que oferecem em alternativa, mas que não afasta a primeira e, certamente, não impõe decisão diversa.
Correspetivamente se o Tribunal a quo fez, legitimamente, a sua opção valorativa e livre, então transpôs para os factos não provados o circunstancialismo que, embora pudesse ser relevante para a decisão, é integrante de narrativa contrária à assumida e com aquela incompatível, não merecendo, também nesta parte, qualquer reparo nem aí se encontram contradições. Na decisão recorrida, em momento algum se sufraga que a Quinta ... e as construções nela existentes estivessem, aquando da sua entrega ao coarguido decesso Dr. EE, num estado irrepreensível. Eram evidentes os sinais de degradação, mas sem a demonstração do estado de ruína preconizado e com os contornos exatos patenteados em H dos factos não provados. O que o Tribunal afirmou é que, considerado o estado da mesma propriedade a posteriori, não encontrou evidências ou justificação para acomodar a realização das obras que aquele pretensamente contratara e para pagamento das quais aceitara as letras (conclusão que, como vimos, se funda, também, em outros meios de prova, como as faturas de conveniência acima indicadas).
Do mesmo passo e quanto às considerações que os recorrentes tecem nos pontos (ix) a (xii), solução diversa não se oferece sendo válidas, mutatis mutandis, as considerações já expendidas. O facto não provado constante de J não poderia ser considerado provado. Embora exista endosso, comprovado documentalmente, o facto, na sua significância útil, pretendia demonstrar que o endosso, mais do que existente, tinha causa, o que é infirmado na versão acolhida no acórdão e os documentos mencionados pelos recorrentes não revertem.
Na mesma linha, os factos provados 7 a 11 são a decorrência e execução do acordo existente e que o Tribunal motivou, o mesmo sucedendo com os factos 14, 15 e 16 do elenco dos factos provados que só assim não seriam julgados se a narrativa alternativa avançada pelos recorrentes tivesse sido acolhida.
Também os factos da contestação do recorrente AA se mostram refletidos, na parte relevante e expurgadas as referências a meios de prova, na decisão de facto tomada, embora não com o sentido e alcance que os recorrentes almejariam.
Assim e em epítome, não se detetando omissões relevantes, factos inconciliáveis, juízos na sua construção que sejam incompatíveis, ilógicos ou estribados em premissas que derroguem ou sejam estranhas às regras da experiência comum, não se surpreendendo, também, qualquer violação dos momentos vinculados da prova ou à consideração de provas proibidas e estando a decisão recorrida fundamentada, considera-se definitivamente fixado o acervo factual constante do acórdão e improcede, por esta via, a impugnação alargada.
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III.5
Da violação do princípio in dubio pro reo
Nas suas conclusões referem os recorrentes que o acórdão recorrido deverá ser substituído por outro que absolva os arguidos e que considere, por óbvio, o princípio in dubio pro reo.
No caso, pese embora as constantes manifestações de dissidio com o critério valorativo seguido pelo Tribunal a quo, em sede de motivação os recorrentes não isolaram ou definiram, concretamente e no corpo da motivação, em que factos ou argumentos se evidencia a putativa violação de tal princípio referindo-o, apenas, em sede de conclusões.
O princípio in dubio pro reo é um princípio estruturante do processo penal, decorrência da presunção de inocência, consagrada constitucionalmente e que, na aplicação prática, constitui limite exógeno à liberdade de apreciação da prova.
Com efeito, o princípio da presunção de inocência destina-se a proteger as pessoas que são objeto de uma acusação, garantindo que não serão condenadas enquanto não se demonstrarem os factos da imputação, através de uma atividade probatória inequívoca. Significa tal princípio constitucional que toda a decisão condenatória deve ser sempre precedida de uma mínima e suficiente atividade probatória, impedindo a condenação sem provas seguras.
Sendo esse princípio uma norma diretamente vinculante e constituindo um direito fundamental dos cidadãos (cfr. art.ºs 32.º, n.º 2 e 18º, n.º 1 da C.R.P.), reconhecido no direito internacional (cfr. art.º 11º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art.º 6º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos), impõe-se, quando não for demonstrada e provada a culpabilidade do arguido, a sua absolvição.
Embora frequente, a dúvida não pode obstar ao ato de julgar. Sendo proibido o non liquet fundado na insuficiência de provas, em caso de dúvida insanável o facto deve resolver-se em desfavor da acusação, porquanto o arguido se presume inocente. Se o Tribunal não lograr obter a certeza dos factos, permanecendo em dúvida razoável, deve absolver o arguido por falta de provas.
Note-se, em todo o caso, que a dúvida que legitima a invocação do princípio in dubio pro reo deve ser, além do mais, insanável, pressupondo, em aliteração de ideias, que houve a montante todo o empenho e diligência no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível, a final, ultrapassar o estado de incerteza que funda a ativação do princípio.
Revertendo ao caso em apreço e entroncando na improcedência, já decidida, da parte atinente à impugnação da matéria de facto, também aqui não se verifica qualquer violação do proclamado princípio.
Efetivamente, lida a fundamentação exarada pelo Tribunal a quo, não foi a entidade decisora assaltada, no percurso, por qualquer dúvida e, muito menos, que esta fosse razoável ou insanável. O Tribunal obteve a certeza dos factos que afirmou, em raciocínio liso e motivado, pelo que não subsistindo quaisquer dúvidas, inexiste, outrossim, qualquer razão, porque desprovida de objeto, para resolvê-las a favor dos arguidos. O que na prática se verifica é que os recorrentes, em face da valoração que subjetivamente fizeram da prova, entendem que, ante o seu próprio convencimento, o Tribunal deveria ter tido dúvidas. Mas não teve, nem se notaram supra razões para que se questionasse a valoração que efetuou.
O princípio in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência, “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador.” [Cfr. Cristina Líbano Monteiro, In Dúbio Pro Reo, Coimbra, 1997], dúvida positiva que, in casu, não existe.
Assim e sem necessidade de outros considerandos, não existiu qualquer violação do princípio constitucional invocado.
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III.6
Da inadequação das penas
Neste segmento recursivo e na conclusão OO), referem os recorrentes que, caso o acórdão recorrido se mantenha na sua factualidade, deverão as penas refletir as distintas atuações de cada coarguido. No corpo da motivação referem que a(s) pena(s) aplicada(s) é desproporcionada face à prova produzida, nada mais se referindo.
Apreciando.
A sindicância do decidido, quanto às penas concretamente aplicadas e respetivo processo de determinação, quer quanto à escolha, quer quanto às parcelares concretamente individualizadas, quer, ainda, quanto às penas de síntese, não se efetua como se inexistisse decisão recorrida ou como se este Tribunal da Relação se predispusesse a aplicar as penas pela primeira vez. Ademais, note-se que “(…) o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” [cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.03.2015, proc. 109/14.3GATBU.C1, Rel. Inácio Monteiro, consultado em www.dgsi.pt].
Como se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.03.2018 [proc. n.º 827/17.4GAEPS.G1, Rel. Armando Azevedo, consultado em www.blook.pt], em alinhamento com a doutrina e jurisprudência aí citada, “(…) quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.
Efetivamente e tendo existido, a montante, um julgamento – com contraditório pleno, oralidade e imediação – e uma atividade jurisdicional de fixação concreta das penas no culminar daquela audiência, na dependência do Tribunal ad quem não estará a realização de nova e originária determinação das penas mas, tão só, a sindicância do quantum da pena e a sua natureza, seguindo e tendo por referencial os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal a quo, respetiva motivação, escrutinando a eventual existência de falhas ou omissões, exercendo a sua função corretiva se o resultado da operação se revelar ilegal ou manifestamente desproporcionado.
Do exposto resulta que a intervenção em segunda instância deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, intercedendo se o processo determinativo se revelar insuficiente ou desajustado à luz dos critérios legais de determinação da pena, tendo por matriz os factos assentes.
Na verdade, a individualização judiciária da pena não é imune a um grau controlado de discricionariedade, inexistindo uma pena concreta inquestionável ou uma sentença certa e ideal, mas, antes, uma gama de decisões que, numa faixa de razoabilidade e proporcionalidade, poderão ser adequadas, conquanto os tribunais, aplicando os mesmos critérios de determinação das penas concluam, em casos semelhantes, por penas aproximadas (tendo por presente que não existirão, propriamente, dois casos exatamente iguais).
Ainda assim não bastará, julgamos nós, que os recorrentes afirmem, tão só, que as penas são desproporcionadas.
Nos termos do disposto no art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P., A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. No corpo da motivação deverão constar os fundamentos da impugnação ou, descodificando, as razões pelas quais se discorda do decidido, apontando ao Tribunal de recurso o que, a seu ver, foi mal decidido, oferecendo a sua perspetiva e forma de correção, aduzindo, claramente, as razões do seu inconformismo. O incumprimento do ónus deriva na não admissão do recurso (art.º 411.º, n.º 1 do C.P.P.), ainda que parcial.
Ora, no caso, os recorrentes, nesta parte, referem genericamente a “desproporção”, sem que se alinhem razões substantivas para aquela adjetivação. Que fatores de graduação da pena foram sobrevalorizados ou subvalorizados, que circunstância foi valorada sem que o devesse ter sido, que elemento foi desconsiderado ou ignorado pelo Tribunal e que, a final, implicaria a fixação de pena diversa ou de distinta natureza. Nada é mencionado que permita perceber as razões do inconformismo dos recorrentes.
Ainda assim vejamos se se surpreende essa mesma desproporcionalidade.
Regressando ao caso em apreço, como é consabido e resulta expressamente do estatuído no art.º 40.º, n.º 1, do C.P., a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Em síntese e pela sua clareza, retenha-se o constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.2010 [proc. n.º 1687/04.0GDLLE.E1.S1, Rel. Pires da Graça, www.dgsi.pt]: - “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto ótimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, Temas Básicos…, p. 117, 121): Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo, contudo, o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Neste conspecto e atentas aquelas finalidades, o art.º 71.º do C.P. estabelece os critérios da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação desta, dentro dos limites definidos na moldura legal, efetua-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, valorando o Tribunal todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, tendo sempre por limite a culpa que, axiologicamente estranha a finalidades retributivas, estabelece o limite superior da pena que ainda seja concordante com as exigências de preservação da dignidade da pessoa humana.
No caso que nos ocupa, o Tribunal a quo individualizou as penas parcelares aplicadas aos recorrentes em 1 ano e 6 meses de prisão para o crime falsificação de documento e 1 ano de prisão para o crime de burla qualificada na forma tentada, sendo aplicada a pena substitutiva da suspensão da execução da pena de prisão (pese embora, como referiremos infra tenha, no dispositivo, trocado as parcelares).
Ambos os crimes praticados são puníveis com pena de prisão ou multa.
Assim sendo, a primeira operação efetuada foi a da escolha da pena para cujos efeitos dispõe o art.º 70.º do C.P. que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” sendo que, segundo o estipulado no artigo 40º - que estabelece as finalidades das penas e das medidas de segurança - a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
O Tribunal a quo afastou a adequabilidade das penas não detentivas – a multa – à satisfação dos precípuos fins das penas – decisão que se mostra motivada com base na gravidade das condutas dos arguidos.
Para a determinação concreta das penas, o Tribunal individualizou-as seguindo os critérios operativos do art.º 71.º do C.P., com o resultado líquido acima indicado, tendo em conta, para além das razões de prevenção geral que já havia mencionado, a atuação a título de dolo direto, o valor inscrito nas letras, a geração de processado com a execução, a postura dos arguidos perante as respetivas condutas, a ausência de juízo crítico, tendo acolhido, a seu favor, a integração social de que beneficiam.
As penas parcelares encontradas encontram-se próximas do limite mínimo e no terço inferior da moldura para o crime de falsificação de documento (1 ano e 6 meses entre 6 meses e 5 anos) o mesmo sucedendo na moldura especialmente atenuada do crime de burla na forma tentada.
Quanto à pena única observou o Tribunal o estatuído no art.º 77.º do C.P. fixando a pena de síntese em 2 anos e 1 mês de prisão entre um mínimo de 1 ano e 6 meses e um máximo de 2 anos e 6 meses, não estabelecendo distinção entre os arguidos dada a convergência de ambos no plano.
Assim e sindicado o processo determinativo, não se encontra qualquer desproporção que cumpra corrigir.
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IV.
Da correção do acórdão recorrido
Visto o dispositivo do acórdão constata-se e existência de lapso no respetivo dispositivo, lapso que é manifesto detetável a partir da leitura do corpo da decisão. Efetivamente e aquando do enquadramento jurídico penal dos factos, o Tribunal apreciou, primeiro, do preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do crime de falsificação de documento e, a seguir, procedeu a igual operação quanto ao crime de burla na forma tentada. Posteriormente e no momento da determinação das penas parcelares, convocou fatores gradativos desfavoráveis aos arguidos com particular expressão no crime de falsificação ao qual, note-se, corresponde originariamente uma moldura abstrata mais gravosa. Por fim, o Tribunal fixou a respetiva pena em 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de falsificação e, para a burla qualificada na forma tentada, aplicou a parcelar de 1 ano, penas que veio a considerar na moldura do concurso.
Porém e no dispositivo, invertendo a ordem até aí seguida, trocou as parcelares e, invertendo a ordem até então seguida, mencionou, primeiro, o crime de burla na forma tentada e, a seguir, o de falsificação, fazendo consignar, inversamente e por lapso manifesto, as parcelares que havia atribuído.
Na pena única o resultado líquido é o mesmo sendo esta a pena efetivamente aplicada pelo que, a correção em perspetiva, não tem efeitos essenciais no decidido.
Pelo exposto e nos termos do art.º 380.º, n.ºs 1 al. b) e 2 do C.P.P., procede-se à correção do dispositivo do acórdão recorrido e, no ponto A, onde se lê “Condenar o arguido AA, em co-autoria material e em concurso real, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2 al. a), 202.º, al. b) e 22.º, nºs 1 e 2 al. a), b) e c), 23.º, n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, nºs 1 alíneas d) e e) e 3, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão (…)” e “Condenar o arguido BB, em co-autoria material e em concurso real, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2 al. a), 202.º, al. b) e 22.º, nºs 1 e 2 al. a), b) e c), 23.º, n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal, na pena de na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, nºs 1 alíneas d) e e) e 3, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão”; deverá passar a ler-se:
- Condenar o arguido AA, em coautoria material e em concurso real, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2 al. a), 202.º, al. b) e 22.º, nºs 1 e 2 al. a), b) e c), 23.º, n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, nºs 1 alíneas d) e e) e 3, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- Condenar o arguido BB, em coautoria material e em concurso real, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 2 al. a), 202.º, al. b) e 22.º, nºs 1 e 2 al. a), b) e c), 23.º, n.º 1 e 26.º, todos do Código Penal, na pena de na pena de 1 (um) ano de prisão e pela prática de um crime de falsificação de documento, na forma consumada, previsto e punível pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, nºs 1 alíneas d) e e) e 3, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
Mantém-se em tudo o mais inalterado o dispositivo.
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V.
Decisão:
Por todo o exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto:
(i) – em proceder correção do lapso detetado no dispositivo do acórdão recorrido nos termos constantes do ponto IV.
(ii) - em negar provimento ao recurso dos arguidos AA e BB e, em consequência, confirmando a decisão recorrida.
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Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 4 UC (art.º 513.º, n.º 1, do C.P.P. e art.º 8.º, n.º 9, do R.C.P., com referência à Tabela III).
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Oportunamente proceda à comunicação da retificação ao registo.
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Porto, 7 de fevereiro de 2024
José Quaresma (Relator)
Pedro Afonso Lucas (1.º Adjunto)
Pedro Vaz Pato (2.º Adjunto)