Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2265/15.4T8GDM.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: REGIME DE VISITAS
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Nº do Documento: RP201906132265/15.4T8GDM.P2
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 176. FLS 157-168)
Área Temática: .
Sumário: I - Para o adequado exercício do dever de visita, desde que nada desaconselhe a relação e atendendo às circunstâncias relevantes de cada caso, devem ser favorecidas amplas oportunidades de contacto entre o progenitor não residente e o filho.
II - Na fixação dos alimentos devidos à criança pelo progenitor, há de encontrar-se o equilíbrio da prestação. Não se deve exigir ao obrigado que, para ela, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com a sua condição, mas devem sempre os pais proporcionar aos filhos um nível de vida semelhante ao seu.
III - É adequado fixar em € 340,00 mensais a pensão de alimentos a suportar pelo progenitor varão não residente que aufere uma retribuição mensal líquida igual ou superior a € 2.074,75, a favor da filha, com cerca de 8 anos de idade e que suporte ainda os custos de transporte entre o Brasil e Portugal para que se cumpra o dever de visitas, sendo a progenitora pessoa de modestos recursos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2265/15.4T8GDM.P2 (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Família e Menores de Gondomar – J3

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, casado, natural da freguesia e concelho …, residente na Rua …, …, 2º Esq.º, ….-… …, instaurou ação especial de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais[1] contra C…, casada com o Requerente, com indicação da mesma residência --- tendo-se apurado que passou a residir no Brasil, de onde é originária ---, relativamente à filha de ambos, D…, nascida em 04.02.2011.
Essencialmente, alegou que Requerente e Requerida são casados entre si, que estão separados de facto há mais de 12 anos, ainda que residentes na mesma casa, e que no dia 14 de julho de 2015 a Requerida deixou o lar, levando com ela a D… e os seus pertences, e não mais apareceu, sendo de recear que partiu para o Brasil, seu país de origem.
Propõe a regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à filha nos seguintes termos:
«a) A menor D… ficará a residir com o pai, ao qual caberá, em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais relativas à menor.
b) A título de prestação de alimentos à menor D…, a requerida pagará ao requerente e por transferência para o NIB ………………… a quantia de € 150,00 mensais, à qual acrescerá 50% das despesas de saúde e educação da menor.
c) A pensão fixada deverá ser anualmente atualizada, no mês de Janeiro, de acordo com o índice de inflação fixado pelo I.N.E.
d) A progenitora mãe poderá privar com a menor apenas e só na presença do pai aqui requerente ou de um seu familiar direto que este indicar, sem prejuízo dos horários escolares e descanso da menor e mediante contacto prévio com o requerente.
e) A menor passa com o pai o dia de aniversário deste e o “Dia do Pai” e, com a mãe, o dia de aniversário desta e o “Dia da Mãe”, mas sempre na presença do requerente pai ou de um familiar direto que este indique.
f) As épocas festivas de Natal (dias 24 e 25) e Ano Novo (31 de Dezembro e 1 de Janeiro) serão passadas com o pai, sendo que, a partir de 2016 e alternadamente nos anos que se seguirem, a mãe poderá passar a tarde da véspera de tais épocas com a menor, mas sempre na presença do requerente pai ou de um familiar direto que este indique.» (sic)
Por falta da Requerida, foi marcada e teve uma segunda data para conferência de progenitores na qual a mesma, mais uma vez ausente, se fez, no entanto, representar pelo seu pai, avô da D…, e onde não foi possível atingir qualquer acordo.
Confirmada a residência da Requerida no Brasil, foram elaborados e juntos aos autos relatórios sociais relativamente a cada uma das partes com base em inquéritos realizados pelas entidades competentes no Brasil e em Portugal.
As partes apresentaram alegações escritas ao abrigo do art.º 39º, nº 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível[2], juntando documentos e requerendo a produção de outras provas.
Nas suas alegações, o Requerente sustentou o seu pedido inicial, invocando o facto de a Requerida ter levado a criança para o Brasil sem o seu conhecimento e consentimento, mais defendendo que é em Portugal e junto dele próprio que se encontram melhor acauteladas as condições necessárias à salvaguarda do superior interesse da filha, por aqui ter a família paterna, bem como família materna e gozar de melhores condições materiais de vida, estabilidade e apoio familiar, desconhecendo ele ainda em que condições se desenvolve a vida da sua filha, no Brasil.
A Requerida, nas suas alegações, defendeu que a residência da criança deve ser junto de si, com exercício exclusivo das responsabilidades parentais, fixação de prestação de alimentos pelo progenitor no valor próximo do já fixado provisoriamente pelas instâncias brasileiras, acrescido de 50% das despesas de saúde e escolares, e bem assim um regime livre de visitas pelo progenitor no Brasil, com possibilidade de passagem de férias escolares em Portugal. Mais alegou que a D… se encontra perfeitamente integrada no seu atual ambiente, tendo igualmente familiares maternos no Brasil, com quem convive, e beneficiando junto da progenitora de todas as condições adequadas à salvaguarda do seu superior interesse.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, em duas sessões de prova, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Julga-se a presente ação parcialmente procedente e, por via disso, decide-se regular o exercício das responsabilidades parentais de requerente e requerido sobre a criança D…, nascida em 04/02/2011, nos seguintes termos:
- As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas pela progenitora.
- A criança fica a residir com a mãe, competindo-lhe, também, o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da filha, sem prejuízo da intervenção do progenitor não - residente (pai) durante o período de tempo em que a filha consigo se encontre, intervenção esta que, contudo, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes da mãe.
- A D… poderá conviver com progenitor em termos flexíveis, no Brasil, mediante aviso prévio com antecedência de 24 horas, à progenitora, sem prejuízo das necessidades de descanso e obrigações escolares da criança.
- A D… poderá passar as férias escolares com o progenitor em Portugal, devendo o progenitor suportar o custo da viagem da criança, que poderá ser acompanhada pela progenitora, a expensas desta;
- A D… poderá passar o Natal e o Ano Novo alternadamente com cada um dos progenitores.
- Deve cada um dos progenitores assegurar o contacto telefónico directo da D… com o outro, sem prejuízo das necessidades de descanso e obrigações escolares da criança.
- O pai contribuirá mensalmente com a quantia de €400,00 (quatrocentos euros) a título de alimentos, que entregará à mãe por transferência bancária até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia atualizada, anualmente, de acordo com a taxa de inflação, com início em Janeiro de 2020, bem como com metade das despesas de saúde, médicas e medicamentosas e escolares, mediante comprovativo a apresentar pela progenitora.
*
Custas pelos progenitores, em partes iguais.
(…)»
*
Inconformado, apelou o Requerente, tendo produzido alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
«43. O recorrente não pode conformar-se com a decisão que recaiu sobre este processo, a qual, no seu entender e sempre salvaguardando o devido respeito, partindo inicialmente de uma correta interpretação dos factos provados, acaba por proferir um decisão ao que acima diz respeito, desproporcionada.
44. O recorrente não pode conformar-se com uma decisão que fixa um montante substancialmente superior ao necessário como pensão de alimentos e, ainda, imputa todos os gastos inerentes às visitas da menor ao Recorrente, quando estes apenas se encontram afastados por causa imputável à Recorrida, que tal como consta dos factos provados, o requerente “deparou-se com o desaparecimento da Requerida que levou consigo a sua filha.
45. Assim, não é exigível ao Recorrente que tenha de suportar despesas que apenas são necessárias por causa unicamente imputável à Recorrida, nem tão pouco de valor de tal modo elevado, que não se destine unicamente às despesas e sustento da menor, mas sim ao sustento da Requerida ou a despesas desnecessárias.
46. Deve ainda ser considerado e dado por provado por força do relatório social junto ao processo na audiência de julgamento de 21/01/2019 e conforme consta da ata com a referência CITIUS 400006809 (documento este que a requerida não impugnou) que esta aufere, de vencimento pelo seu trabalho, o montante de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) mensais.
Assim sendo,
47. Tendo em conta o nível e o custo de vida do local onde a menor se encontra, o montante de Euros 250,00 revela-se adequado para a prestação de alimentos, abrangendo todas as despesas da menor. Por outro lado,
48. A sentença, dado o historial conflituoso no que às responsabilidades parentais da menor diz respeito, deverá fixar concretamente que as férias escolares da menor deverão ser em Portugal, com o Requerente, evitando, deste modo, futuros conflitos. Assim,
49. E quanto ao regime de visitas, deve pois fixar-se nos seguintes termos:
O progenitor e requerente tem o direito de passar férias com a menor D… em Portugal, em todos os períodos de interrupção das atividades escolares
50. Por fim e quanto às despesas decorrentes das viagens da menor a Portugal no âmbito do regime de visitas fixado, deverá o mesmo ser alterado determinando-se que a despesa deverá ser repartida entre os progenitores do seguinte modo:
O Requerente suporta a despesa da viagem do Brasil para Portugal e a Requerida, pela sua parte, o custo da viagem de regresso da menor para o Brasil.
51. Para esse efeito, o regime de responsabilidades parentais deverá também ficar fixada a obrigação da Requerida comunicar ao Requerente no início de cada ano letivo da menor D…, as interrupções das respetivas atividades escolares
52. Pelo que deve ser revogar a sentença recorrida, substituindo a decisão proferida pelo tribunal a quo no que ao presente recurso diz respeito.» (sic)
Em suma, defende:
a) A fixação da pensão de alimentos no montante de € 250,00 mensais;
b) O direito do progenitor pai de passar com a menor e em Portugal, as férias de todas as interrupções escolares;
c) A fixação da repartição das despesas decorrentes das viagens da menor a Portugal, suportando o Requerente o custo da viagem Brasil/Portugal e a Requerida o custo do regresso ao Brasil.
*
A Requerida respondeu em contra-alegações argumentando que o tribunal ajuizou corretamente na sentença, em matéria de facto e de Direito, em face das circunstâncias do caso, em conformidade com o interesse da criança, tanto quanto à fixação da residência como nas matérias de visitas, viagens e alimentos.
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Também o Ministério Público produziu contra-alegações que fez culminar n a seguinte síntese:
«1— É adequada e equilibrada uma pensão alimentar de 400 euros (cerca de 1700 reais) a pagar por um progenitor que ganha cerca de 2000 euros, a sua filha menor que vive no Brasil com a mãe que tem rendimentos de 3500 reias (cerca de 805 euros).
2— Ao fixar-se na decisão de regulação que a menor “poderá” passar as férias escolares com o progenitor em Portugal, está a fixar-se uma verdadeira obrigação de passagem das férias da menor com o pai e está a consagrar-se o direito da menor de passar as férias escolares com o pai em Portugal, não ficando tais férias dependendo da vontade do progenitor ou da progenitora da menor.
3— Ao fixar-se que o pagamento das viagens da menor a Portugal será da responsabilidade do progenitor residente em Portugal, está a garantir-se a efectivação destas viagens e não é tal regime desproporcionado aos rendimentos de um progenitor que ganha 2000 euros líquidos por mês e não tem encargos de renda de casa nem outros familiares a seu cargo, vivendo sozinho.
4— Deverá pois manter-se o decidido na decisão recorrida e assim se fará a esclarecida JUSTIÇA.» (sic)
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Foram colhidos os vistos legais.

II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).
Com efeito, estão para apreciar e decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto;
2. Erro na aplicação do Direito quanto ao regime de viagens e visitas e também relativamente ao montante da pensão de alimentos.
*
III.
O tribunal deu como provada e relevante a seguinte matéria de facto[3]:
1. D… nasceu em 04 de Fevereiro de 2011 e mostra-se registada como filha de requerente e requerida, que casaram entre si em 30.08.2008, quando o requerente contava 35 anos de idade e a requerida, 29.
2. A 14 de Julho de 2015, o requerente deparou-se com o desaparecimento da Requerida que levou consigo a sua filha.
3. Tudo à revelia ou conhecimento do Requerente que, desde então, não mais voltou a estar com a menor D….
4. Corre termos no Juiz 2 deste mesmo tribunal, sob o número 2957/17.3T8GDM o processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, em que são partes requerente e requerida.
5. A requerida apresentou queixa criminal contra o requerente, a qual veio a desembocar na sua absolvição no processo 2711/15.7T9GDM que correu termos no Juiz 2 do Juízo Criminal de Gondomar, não tendo ainda transitado em julgado a sentença ali proferida.
6. Corre termos no Brasil, mais concretamente na 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, no âmbito do qual o Requerente é representado pela União, o processo decorrente do pedido de retorno da menor D…, despoletado pelo Requerente junto dos serviços centrais portugueses no âmbito da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.
7. Na época em que a requerida se ausentou para o Brasil com a criança, Requerente e Requerida já faziam vida separada desde momento não concretamente apurado.
8. Dormiam em quartos separados, não faziam refeições juntos nem tinham vida social partilhada e o requerente pretendia divorciar-se.
9. O requerente suspeitou que a Requerida poderia estar a preparar-se para fugir de casa com a sua filha.
10. Por esses motivos, no dia 30 de junho de 2015 o requerente comunicou ao SEF a não autorização da saída da sua filha menor do país.
11. Na manhã do dia 14 de julho de 2015, porém, o requerente deparou-se com o desaparecimento da requerida e da filha menor de ambos.
12. No dia posterior ao desaparecimento e depois de ter contactado várias pessoas (familiares) que lhe negaram ter conhecimento do paradeiro da Requerida e da filha de ambos, o requerente recebeu uma sms do número de telefone da requerida, a dizer que estava no Brasil.
13. O Requerente não se desloca ao Brasil para estar com a sua filha porque, fruto dos processos assentes ali intentados pela Requerida, tendentes à regulação das responsabilidades parentais da criança, o Requerente teme pela sua liberdade caso vá àquele país, por não pagamento de uma pensão de alimentos que nessa sede foi fixada, mas de que o requerente discorda.
14. Continua a correr termos no Brasil, mais concretamente na 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro o processo decorrente do pedido de retorno da menor D…, despoletado pelo Requerente junto dos serviços centrais portugueses no âmbito da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.
15. Nesse processo a União sustenta o direito da menor ser restituída ao pai e aqui Requerente, peticionando por isso a apreensão da menor D….
16. Naqueles autos, é sustentada a ilicitude da atitude da Requerida no manifesto rapto da menor D…, bem como o facto de a levar a viver no Brasil.
17. De 2015 para cá, o Requerente apenas e só contacta com a sua filha via Skype.
18. A menor, enquanto esteve em Portugal, esteve matriculada numa escola privada e com todos os cuidados prestados inclusivamente pela família do Requerente, quando solicitada para tal.
19. Família que se mostra disposta a manter tal situação caso ocorresse o regresso da menor D… a Portugal.
20. É em Portugal que a menor D… tem o seu pai, bem como toda a sua família paterna.
21. Tem também aqui o avô materno e uma tia materna e primas.
22. E quanto à família paterna, é também aqui na região do grande Porto que reside a avó, as tias e os primos e primas da menor D….
23. A D… nasceu em Portugal.
24. O Requerente tem uma profissão estável como Engenheiro na E…, Lda.
25. A menor D… encontra-se a viver no Brasil desde 2015, conjuntamente com a sua progenitora.
26. Inicialmente e durante cerca de um ano a D… e a mãe viveram na pousada dos tios maternos da progenitora, residentes no Rio de Janeiro, pousada essa situada em Búzios, e onde a progenitora trabalhou como gerente.
27. Actualmente a D… e a mãe vivem numa moradia arrendada composta por sala, cozinha, banheiro e dois quartos, sita na Rua …, ... …. CEP ……..RJ.
28. A D… encontra-se matriculada na Escola Municipal …, sita na Rua …, s/n, Búzios – RJ, …..-….
29. Logo após ter completado 6 (seis) anos de idade (Fevereiro de 2016), a D… deu início à sua alfabetização, em escola pública.
30. Onde foi integrada, relacionando-se com outras crianças, fazendo amigos, participando em festas de aniversário, adaptando-se aos costumes, cultura e clima do referido país.
31. A requerida é natural do Rio de Janeiro, Brasil.
32. A D… é uma criança saudável, já fez amiguinhos, sonha ser bióloga, adora água, gosta de andar de bicicleta, diz que quer aprender a tocar violão…” e “Faz natação, na Pousada … a Rua …, .. – …, Búzios – RJ…”.
33. Apesar de viver apenas com a mãe, a menor dispõe de 9 (nove) tios e de vários primos que também vivem no mesmo país.
34. E com quem convive, sobretudo, com frequência sensivelmente quinzenal, com os tios F… e mulher.
35. A requerida obteve junto das competentes autoridades judiciais brasileiras a sua “guarda provisória”.
36. Outrossim, requereu igualmente a fixação e prestação de alimentos (provisória) para aquela sua filha;
37. Contudo, apesar de deferida aquela prestação pelas autoridades brasileiras, por decisão proferida nos autos 0004107-23.2015.8.19.0078, nunca recebeu o que quer que fosse do progenitor, nem a tal título nem a qualquer outro.
38. Tem sido a ora requerida quem, nestes últimos três anos, tem assumido, exclusivamente, os cuidados e despesas da D….
39. Nomeadamente no que concerne à sua saúde e medicamentosa a D… faz acompanhamento pediátrico no postinho Unidade Básica de Saúde da Brava com a Dra. G…, o cartão de vacinação da criança estava em dia.
40. A requerida trabalha como secretária na empresa H…, localizada na Rua …, .., …, Búzios – RL, …..-… e recebe um salário de pelo menos R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), por mês.
41. Despendendo com o arrendamento da supracitada habitação o montante de “R$ 1.000,00”.
42. Conta com a ajuda económica/financeira, ainda que esporádica, dos já referidos familiares (tios), residentes no Brasil, assim como do seu pai e irmãs, residentes em Portugal e Suíça, que prescindem a seu favor de um rendimento mensal no valor de cerca de R$ 2.000,00, proveniente da herança da falecida avó da requerida.
43. O progenitor vive só na casa que foi morada de família e aufere, ao serviço da supracitada entidade patronal, a remuneração líquida mensal de pelo menos €2.074,75, a que acrescem prémios variáveis.
44. O progenitor tem uma vida profissional que, já enquanto a criança residia em Portugal, envolvia frequentes deslocações, inclusive ao estrangeiro; actualmente, o progenitor continua a ter frequentes deslocações profissionais, pelo menos no País e, de segunda a sexta-feira, encontra-se a residir em Lisboa, onde tem uma casa arrendada, por motivos profissionais.
45. A ora requerida, na cidade onde reside com a sua filha, tem um horário profissional que lhe permite ir levar e buscar a D… à escola e às actividades extracurriculares que esta frequenta.
46. Nos seus impedimentos a progenitora conta com a assistência de uma baby-sitter, de nome I….
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Quanto à matéria não provada, fez o tribunal constar que “com interesse para a decisão não se provou a demais factualidade alegada”.
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IV.
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1. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto
O art.º 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, prescreve que:
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravações nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Nos termos do subsequente nº 2, al. a), “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação.
O recorrente especifica o facto que pretende que seja dado como provado e, bem assim, o respetivo meio de prova:
- O facto: O rendimento do trabalho da Requerida é de R$ 2.400,00 por mês;
- O meio de prova: Relatório social junto ao processo na sessão de audiência de 21 de janeiro de 2019.
Como é evidente e a recorrida bem entendeu (resulta das suas contra-alegações), a prova daquele facto pressupõe a alteração do ponto 40 dos factos provados, na parte em que refere uma retribuição mensal de R$ 1.500,00 por mês.
Assim, ao contrário do que defende a recorrida, o apelante deu cumprimento ao ónus de impugnação atrás referido.
Da motivação da sentença resulta, no que a esta matéria diz especificamente respeito:
«(…)
Relativamente às condições socioeconómicas, habitacionais, pessoais e profissionais dos progenitores, atendeu-se ao teor dos relatórios sociais de fls. 215 e ss. (relativo ao progenitor) e fls. 234 e ss. (relativo à progenitora). Atendeu-se ainda ao documento de fls. 558, relativamente à remuneração do progenitor.
Concretamente, no tocante às actuais condições de vida da D… no Brasil, as mesmas constam detalhadamente descritas no relatório de fls. 234 e ss., proveniente das competentes entidades junto do Estado Brasileiro, (…).
(…)
Estes depoimentos foram essencialmente coincidentes com a descrição feita pela progenitora sobre o seu dia-a-dia e da filha no Brasil, e bem assim com o teor do documento de fls. 562 e ss., junto em audiência, que contém cópia de laudo realizado em processo pendente no Brasil (e em cujo âmbito o progenitor terá apresentado reclamação), à excepção do montante exacto dos rendimentos laborais da progenitora, que, por isso, apenas puderam apurar-se nos termos expostos supra (…)[4]
(…).»

A recorrida aponta essencialmente para aqueles excertos da motivação da decisão para justificar a irrelevância do laudo social do Brasil junto a fl.s 562 e seg.s.

O Digno Magistrado do Ministério Público, na sua resposta, refere, a propósito:
«Na decisão recorrida foi fixada uma mensalidade alimentar de 400 euros e o recorrente entende que com os factos provados deveria fixar-se uma pensão de apenas 250 euros (menos 150 euros). Alega o recorrente que a decisão deveria ter dado como provado que o salário da progenitora seria de 2400 reais e não 1500 reais como aconteceu, fundando-se num laudo (fls. 562) que está junto a um processo que decorre no Brasil (sem data) e que terá sido elaborado em finais de 2018. A progenitora não aceitou esse montante como sendo seu salário (fls. 584 verso). Na audiência de julgamento foram ouvidas testemunhas sobre esta matéria de rendimentos da progenitora e foi com o auxílio desses depoimentos que resultou nos factos provados, a fixação do salário da progenitora em 1500 reais.
Tenha-se em conta que, quer esse laudo referido pelo recorrente, quer a informação dos 1500 reais colhida na carta rogatória, tiveram origem em informações dadas pela progenitora nas respectivas entrevistas e não em documentos fornecidos pela entidade pagadora do salário.
Por isso, perante a divergência de valores das duas entrevistas, e como se refere na decisão recorrida, foi o depoimento das testemunhas em audiência que ajudou a fixar como provado um rendimento da progenitora no valor de 1500 reias.»

Do relatório social em referência, relativo à Requerida, de agosto de 2018, elaborado pelas autoridades brasileiras, extrai-se que a sua retribuição mensal é de R$ 1.500,00, ao serviço da empresa H…, na região de Búzios, no Brasil, suportando R$ 1.000,00 de renda mensal pela sua casa de habitação.
De outro laudo social, igualmente elaborados por autoridades brasileiras, com recolha de elementos de facto que situam em outubro de 2018 (fl.s 562) e apresentado no dia 14.1.2019 (na 1ª sessão de audiência) resulta, além do mais, que a Requerida trabalha como assistente administrativa naquela mesma empresa, obtendo dali o rendimento mensal de R$ 2.400,00.
Resulta dos dois relatórios sociais que a referida informação provem de declarações (contraditórias) da própria recorrida. Não existe informação da respetiva entidade patronal relativa à retribuição do seu trabalho, nem de qualquer organismo oficial credível.
Não vislumbramos motivo para dar como provado um rendimento do trabalho de R$ 1.500,00 quando, posteriormente àquela informação, a própria Requerida/beneficiária declara que o seu rendimento é de R$ 2.400,00.
Acresce que, por requerimento de 21 de janeiro de 2019, a Requerida exerceu o contraditório relativamente àquele segundo relatório social, limitando-se a reconhecer a referida discrepância, sem mais explicação, com a seguinte expressão: “1- Quanto ao “laudo social” (doc.1), com excepção dos rendimentos mensais da requerida, o seu conteúdo não difere daquele outro já junto, e oportunamente requerido por este tribunal.
(…).»
A recorrida não nega ter prestados aquela nova informação, tal como não nega que a mesma corresponde à verdade. Como tal, tendo declarado ela, mais recentemente, que a sua retribuição mensal do trabalho é de R$ 2.400,00, tal equivalerá confissão de um facto desfavorável que, por isso, deve ser tido como provado.
Com efeito, altera-se o ponto 40 dos factos provados, que passa a ter o seguinte teor:
40. A requerida trabalha como secretária na empresa H…, localizada na Rua …, .., …, Búzios – RL, …..-… e recebe um salário de cerca de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais) por mês.
Procede, assim, a apelação quanto à impugnação da decisão em matéria de facto.
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2. Erro na aplicação do Direito quanto ao regime de viagens e visitas e também relativamente ao montante da pensão de alimentos
A separação dos pais da criança, sejam eles cônjuges um do outro, ou não, gera a necessidade de regular o exercício das responsabilidades parentais, com fixação de um regime determinante da forma como, no futuro, o menor se irá relacionar com os progenitores, designadamente a distribuição das responsabilidades destes relativamente ao direito de visitas do progenitor com o qual não irá residir e o dever de prestar alimentos (art.º 1095º, 1096º, 1909º, 1911º, nº 2 e 1912º do Código Civil).
Como muito bem reconhece o apelante, é o superior interesse da criança que aqui está em causa, ou seja, procurar, pelo conjunto das circunstâncias da sua vida e dos seus familiares mais próximos, o melhor caminho para a sua realização pessoal como ser humano em crescimento, mais concretamente, se deve ser fixada a sua residência com o pai ou com a mãe, justamente aquele a quem deve caber o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente (art.º 1906º, nº 3, do Código Civil), na certeza de que ao outro progenitor sempre assistirá o dever funcional de visita em medida tão alargada quanto possível e desejável sempre que nada justifique a sua compressão, assegurando assim o melhor e mais profícuo convívio da criança com ambos os pais e outros familiares próximos, designadamente avós e primos.
A noção de interesse da criança está intimamente dependente de um determinado projeto de sociedade, de um projeto educativo preciso.
O interesse de uma pessoa é o que importa e convém a alguém. A noção de interesse, tradicional no Direito, é uma noção, tal como outras noções jurídicas não definidas, em desenvolvimento contínuo e progressivo, que estão sempre em instância, em atividade, e de que pode esperar-se uma adaptação mais fácil às necessidades de cada época. O interesse de uma criança não é o interesse de uma outra criança e o interesse de cada criança é, ele próprio, suscetível de se modificar. Trata-se, afinal, de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências vigentes em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e seu bem-estar cultural e moral.[5]
Encontrando-nos perante uma situação de rutura da vida comum dos progenitores, há de fazer-se um esforço de garantia, tanto maior quanto possível, de manutenção das condições sociais, materiais e psicológicas da D… que possibilitem o desenvolvimento estável, à margem da pressão e dos conflitos a que terá assistido antes da sua partida para o Brasil, há cerca de 4 anos e com apenas 4 anos de idade, muito por responsabilidade dos pais.
Como se refere ainda no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não existem critérios rígidos que devam ser valorados na decisão sobre a guarda do menor, sendo fundamental a perceção da situação do menor, do estádio do seu desenvolvimento físico-psíquico, das suas reais necessidades e das capacidades de cada um dos progenitores para lhes dar satisfação.
É de particular importância conhecer e valorar devidamente a capacidade de adaptação às novas circunstâncias oferecidas por cada um dos progenitores e a respetiva disponibilidade afetiva, por forma a promover, em condições de estabilidade necessárias, o equilíbrio e o desenvolvimento da criança.
O melhor progenitor/educador nem sempre é o que mais disponibiliza bens materiais lúdicos ao filho ou que mais satisfaz a suas vontades (porque tem maior capacidade financeira ou porque o quer cativar e influenciar para obter a sua adesão, por exemplo); as mais das vezes deve ser aquele que, com afetividade, elegância, probidade e sentido de responsabilidade, também sabe acompanhar o filho nas dificuldades da vida, zelando pela sua saúde, bem-estar e formação moral e escolar, ainda que o menor não aceite com a facilidade algumas exigências.
O recorrente não discute no recurso[6] a residência fixada à criança: a residência da mãe, no Brasil. E fez bem em não impugnar esta matéria. Desde que a sua mãe a levou para o Brasil, a criança faz uma vida normal. Frequenta a escola pública desde os 6 anos de idade, onde está integrada, relacionando-se com outras crianças, fazendo amigos, participando em festas de aniversário, adaptando-se aos costumes, cultura e clima do referido país. É uma criança saudável, sonha ser bióloga, gosta de água e de andar de bicicleta e quer aprender a tocar violão. Faz natação. Naquele país, a apesar de viver apenas com a mãe, tem nove tios e vários primos, com quem convive. A recorrida já obteve a guarda provisória da D… junto das autoridades do Brasil.
A criança não pode ser prejudicada com as decisões menos corretas dos pais, como seja a de ter sido levada para o Brasil por um progenitor sem o conhecimento do outro.
Qualquer dos pais oferece condições materiais e humanas para que a filha lhe seja entregue. Com um ou com o outro, a distância entre as duas residências será sempre um fator de dificuldade no exercício das visitas. A D… tem familiares próximos em Portugal e no Brasil, sendo brasileira a sua progenitora.
Todavia, não foi, uma saída desmotivada e fútil. A recorrida deixou a casa de família numa espécie de fuga a uma vida familiar muito conturbada e desaconselhável. Independentemente da atribuição da culpa das más relações, ou falta delas, entre os progenitores, o afastamento de uma criança de um ambiente familiar desfavorável, permanecendo junto de um dos progenitores, constitui muitas vezes uma libertação e a reposição de um modo de vida mais satisfatório do ponto de vista do interesse da criança.
Bem adaptada que está socialmente à realidade brasileira desde há cerca de 4 anos, a D… aprendeu também a viver apenas com a mãe (sem a presença física do pai) e sempre viveu com ela desde o nascimento. Não há qualquer motivo que justifique a quebra de laços afetivos tão profundos como são os próprios da relação mãe-filho.
A estabilidade positiva deve ser preservada quando não sobrelevem circunstâncias que justifiquem a sua alteração. É o que acontece no caso, e o recorrente compreendeu e aceitou, nessa parte, a decisão.
Cumpriu-se, assim, a primeira parte do nº 5 do art.º 1906º do Código Civil.
A questão coloca-se com o direito de visita do progenitor não residente, despesas e partilha da responsabilidade por alimentos devidos pelos pais à D….

Quanto às visitas e despesas inerentes
Neste ponto, a norma do nº 7 do art.º 1906º do Código Civil é muito clara: “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
Devem ser favorecidas amplas oportunidades de contacto entre o pai e a filha, atendendo às circunstâncias relevantes, designadamente a disponibilidade manifestada por cada um dos pais para promover relações habituais do filho com o outro (nº 5 do mesmo preceito legal).
A distância que os separa não facilita esses contactos, mas deve, tanto quanto possível, ser mitigada pelo fomento da comunicação assídua à distância, mesmo através das redes sociais, e pelo contacto direto sempre que seja possível em período razoável de deslocação da D…, em ordem a manter e aprofundar, tanto quanto possível os laços de afetividade entre os dois. Nisso deve colaborar também a progenitora.
Trazendo aquele esforço custos especiais, estes devem ser suportados principalmente por aquele que dispõe de melhores condições económicas para o fazer que, no caso, é o recorrente. Não quererá ele ver inviabilizada uma qualquer deslocação da filha a Portugal por incapacidade económica da mãe (ou a mera invocação de incapacidade) para suportar a viagem ou parte dela.
Permitir que o recorrente esteja com a filha em Portugal “em todos os períodos de interrupção das atividades escolares” seria abrir a possibilidade da criança se deslocar para Portugal por curtos período de tempo, quiçá, um fim-de-semana alargado. Não pode ser. O interesse da criança não permite a perturbação da sua atividade escolar. O tribunal decidiu bem ao permitir que a D… possa passar as suas férias escolares e apenas os períodos de tempo a elas relativo com o progenitor, em Portugal, a expensas dele (ida e volta).
O Requerente tem o direito de conhecer o mais cedo possível o calendário escolar da filha e as suas eventuais alterações, assim, os períodos das suas férias, de modo a poder conciliar o seu tempo disponível com as férias da D… ou, pelo menos, a poder ajustar a sua vida à sua presença aquando da vinda dela a Portugal.
Com efeito, aceita-se acrescentar à RERP a seguinte cláusula:
- A progenitora comunica ao pai da D…, em cada ano letivo, tão rápido quanto possível, o calendário escolar da menor e as suas (eventuais) alterações, com indicação expressa dos períodos de férias que o integram, a fim de facilitar a programação das visitas, a aquisição dos títulos de transporte e a segurança na sua realização atempada.

Quanto aos alimentos
A regra prevista no art.º 1878º, nº 1, do Código Civil constitui uma emanação do comando constitucional contido nº 5 do art.º 36º, segundo o qual “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” que, por sua vez, se coaduna com o que expressa o nº 2 do art.º 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança: “Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”.
O dever de auxílio e assistência constitui um dos efeitos da filiação, sendo que o último compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.
Já especialmente, no âmbito das responsabilidades parentais, até à maioridade dos filhos, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.ºs 1877º e 1878º do Código Civil). E só ficam desobrigados daquele dever de sustento e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar aqueles encargos pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, nas condições previstas nos art.ºs 1880º e 1905º, nº 2, ainda do Código Civil.
Salvo o que a lei prevê nesta matéria no âmbito da adoção, os pais não podem renunciar às responsabilidades parentais nem a qualquer dos direitos que aquele regime especialmente lhes confere (art.º 1882º do Código Civil).
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.5.2013[7], citando dois outros arestos daquele Alto Tribunal, de 12.7.2011 e de 27.9.2011, refere-se[8] que «[o] fundamento sociológico e jurídico da obrigação de alimentos radica-se na natureza vital e irrenunciável do interesse, juridicamente tutelado, que tem subjacente a responsabilidade dos pais pela concepção e nascimento dos filhos, independentemente da relação afectiva e do convívio, realmente, existente entre o progenitor não guardião e os filhos, a ponto de permanecer intacta, na hipótese do mais grave corte da relação entre ambos, como acontece com a situação de inibição do exercício do poder paternal, que “em nenhum caso isenta os pais do dever de alimentarem o filho”, como decorre do estipulado pelo artigo 1917º, do Código Civil (CC)». Qualificando o dever de alimentos que recai sobre os pais do menor como irrefragável e inafastável, acrescenta-se ali que «a obrigação de alimentos é, igualmente, de interesse e ordem pública, de carácter indisponível, irrenunciável, intransmissível e impenhorável, constituindo preocupação do Estado que quem deles esteja carecido possa recorrer, desde logo, aos seus familiares» e ainda que «a obrigação de alimentos dos pais para com os filhos menores representa um exemplar manifesto da catalogação normativa dos deveres reversos dos direitos correspondentes, dos direitos-deveres ou poderes-deveres, com dupla natureza, em que se assiste à elevação deste dever elementar, de ordem social e jurídico, a dever fundamental, no plano constitucional, de modo a “assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”…».
O alcance do dever de alimentos devidos a menores suplanta a dimensão dos alimentos em geral, já que, para além de englobar tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, compreende a instrução e educação do alimentado (art.º 2003º, nºs 1 e 2).
Está em causa não apenas aquilo que é elementar para a sobrevivência da criança, mas também aquilo de que ela precisa para beneficiar de uma vida conforme as suas aptidões, estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e emocional.
A medida dos alimentos não depende apenas da necessidade daquele que houver de recebê-los, devendo também ser proporcional aos meios daquele que houver de prestá-los (art.º 2004º, nº 1, do Código Civil) a aferir no momento da decisão. Pode ser alterada acaso se modifiquem as circunstâncias determinantes da sua fixação, reduzindo-se ou aumentando-se aquela medida (art.º 2012º do Código Civil). Esta obtém-se de acordo com o binómio necessidades/possibilidades.
Há que acatar a regra prevista na conjugação do art.º 2004º, nº 1 com o art.º 2013º, nº 1, al. b), ambos do Código Civil, segundo a qual o devedor responde na medida ou proporção das suas possibilidades, obrigação que cessa apenas quando não puder continuar a prestá-los ou o alimentando deixe de precisas deles.
Há de encontrar-se o equilíbrio da prestação. Não se deve exigir ao obrigado que, para ela, ponha em perigo a sua própria manutenção de acordo com a sua condição, mas devendo sempre os pais proporcionar aos filhos um nível de vida semelhante ao seu.
Vejamos então.
A conversão cambiária atual do euro em reais brasileiros é € 1,00 = R$ 4,34.
O salário mínimo federal do Brasil para 2019 é de R$ 998,00.
Alguns estados possuem um valor próprio de salário mínimo, sendo no Estado do Rio de Janeiro, de empregada doméstica para o ano de 2019 de € 1.238,11.[9]
Os preços dos bens essenciais no Rio de Janeiro não são muito diferentes dos preços praticados em Portugal.
O rendimento mensal do Requerente é de € 2.074,75.
O rendimento mensal da Requerida é de R$ 2.400,00 (equivalente a € 553,00). Alguns familiares dela prestam-lhe ajuda financeira esporádica, no valor mensal de R$ 2.000,00 proveniente da herança da falecida avó da Requerida.
A D… tem apenas 8 anos de idade e frequenta a escola pública. Não tem ainda grandes despesas. O recorrente tem de suportar essas despesas diárias nos períodos de tempo que passará com a filha. Suporta ainda a totalidade dos custos das viagens, que se preveem dispendiosas entre o Brasil e Portugal. Por outro lado, a obrigação de alimentos a que está adstrito não dispensa a obrigação de alimentos da progenitora, na medida das suas possibilidades.
Tudo ponderado, temos como razoável reduzir a pensão de alimentos a cargo do Requerente para a quantia de € 340,00 por mês.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, altera-se a decisão sentenciada, que passa a ter o seguinte teor:
1- As responsabilidades parentais referentes às questões de particular importância para a vida da menor serão exercidas pela progenitora.
2- A criança fica a residir com a mãe, competindo-lhe também o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da filha, sem prejuízo da intervenção do progenitor não residente (pai) durante o período de tempo em que a filha consigo se encontre, intervenção esta que, contudo, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes da mãe.
3- A D… poderá conviver com o progenitor em termos flexíveis, no Brasil, mediante aviso prévio com antecedência de 24 horas, à progenitora, sem prejuízo das necessidades de descanso e obrigações escolares da criança.
4- A D… poderá passar as férias escolares com o progenitor em Portugal, devendo o mesmo suportar o custo da viagem da filha, que poderá ser acompanhada pela progenitora, a expensas desta;
5- A D… poderá passar o Natal e o Ano Novo, alternadamente, com cada um dos progenitores.
6- A progenitora comunica ao pai da D…, em cada ano letivo, tão rápido quanto possível, o calendário escolar da menor e as suas (eventuais) alterações, com indicação expressa dos períodos de férias que o integram, a fim de facilitar a programação das visitas, a aquisição dos títulos de transporte e a segurança na sua realização atempada.
7- Deve cada um dos progenitores assegurar o contacto telefónico direto da D… com o outro, sem prejuízo das necessidades de descanso e obrigações escolares da criança.
8- O pai contribuirá mensalmente com a quantia de € 340,00 (trezentos e quarenta euros) a título de alimentos, que entregará à mãe por transferência bancária até ao dia 08 de cada mês, sendo tal quantia atualizada, anualmente, de acordo com a taxa de inflação, com início em janeiro de 2020, bem como com metade das despesas de saúde, médicas e medicamentosas e escolares, mediante comprovativo a apresentar pela progenitora.
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Custas pelo apelante e pela apelada na proporção de metade para cada um, dado o decaimento parcial.
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Porto, 13 de junho de 2019
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante RERP.
[2] Adiante RGPTC.
[3] Aqui, por transcrição.
[4] Refere-se ao relatório de fl.s 234 e seg.s.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2007, Colectânea de Jurisprudência S., I, pág. 86, citando Epifânio e A. Farinha, “OTM”, 1987, pág. 326.
[6] Só o fez na ação.
[7] Proc. 2485/10.8TBGMR.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[8] Que, com a devida vénia transcrevemos.
[9] Consultas na internet, designadamente https://www.nolar.com.br/blog/salario-rj/.