Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1136/10.5TBSTS-L.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ARROLAMENTO
Nº do Documento: RP202010081136/10.5TBSTS-L.P1
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora.
II - A providência cautelar exige apenas a prova sumária – sumario cognitio – do direito ameaçado, isto é, a probabilidade da existência do direito para o qual se demanda a tutela provisória, e o receio da sua lesão.
III - Nesta característica enraíza o designado fumus boni iuris, requisito indispensável ao decretamento da providência cautelar, que se traduz na possibilidade de antever a aparência do direito invocado pelo requerente.
IV - O arrolamento constitui o procedimento cautelar destinado a prevenir e acautelar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1136/10.5TBSTS-L.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
1. B…, LDA, NIPC ………, com sede na Rua …, n.º ., ….-… Santo Tirso instaurou procedimento cautelar de arrolamento, contra:
1. SC…, S.A., NIPC ………, com sede na Rua …, n.º …., Guimarães, e
2. MASSA INSOLVENTE DE D…, Ld.a, representada pela respectiva Administradora de Insolvência, E…, com domicílio profissional na Rua …, … – 2.º Dt.º FT, … – Gondomar,
pedindo que, sem audiência prévia das Requeridas, seja decretado o arrolamento dos seguintes bens:
1) fração autónoma designada pela Letra “B”, armazém, na cave – Bloco ., pertencente ao prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal sito na Rua … e Rua …, União das freguesias …, concelho de Santo Tirso, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8931 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 635;
2) fração autónoma designada pela Letra “C”, armazém, na cave – Bloco ., pertencente ao prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal sito na Rua … e Rua …, União das freguesias …, concelho de Santo Tirso, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8931 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 635;
3) fração autónoma designada pela Letra “D”, armazém, na cave – Bloco ., pertencente ao prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal sito na Rua … e Rua …, União das freguesias …, concelho de Santo Tirso, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8931 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 635.
Alega, para tanto, e em síntese, que a Sr.ª Administradora de insolvência, em representação da 2.ª Requerida, praticou actos dos quais parece transparecer o propósito de beneficiar a aqui 1.ª Requerida. Designadamente:
- A comunicação de que iria proceder à venda nos quatro dias úteis seguintes a essa comunicação –tendo omitido a identidade da entidade a que se propunha fazer a venda –, prazo esse desusadamente curto. Além disso, fez essa comunicação designadamente a quem, como ela bem sabia, já não detinha a qualidade de credor, nem legitimidade para integrar a Comissão de Credores, mormente como seu Presidente, para que fosse prestado o devido consentimento.
- Por outro lado, acresce a contestação que apresentou à Habilitação da aqui Requerente, ao classificar de «falso» o documento proveniente e emitido pelo credor cedente do crédito, classificando-o daquela forma sem qualquer fundamento sério, por, quanto a ela, não estar subscrito por quem representasse esse credor, por dele não constar o nome dos subscritores.
- Para além disso, um outro credor, que não a Requerente, tendo recebido a comunicação da Sr.ª Administradora de insolvência, contactou-a de imediato para, na sequência de manifestação anterior no sentido de comprar a fração sobre a qual detinha direito de retenção, reiterar tal propósito e intenção no próprio dia designado para a escritura, tendo por ela sido informado que ela mesma tinha alterado a data da outorga para o dia seguinte, 29.10.2019, da parte da manhã.
Tal credor fez visar um cheque do montante correspondente a 30% do respectivo preço, percentagem esta, aliás, imposta pelo Sr.ª Administradora de Insolvência para as propostas. Tendo o referido credor, no dia seguinte, comunicado que se encontrava doente da parte da manhã e propondo fazer a outorga da parte da tarde, teve como resposta que a escritura estava marcada para a manhã e far-se-ia de manhã.
A Sr.ª Administradora de Insolvência, em conformidade com essa posição, procedeu à venda da fração em causa à 1.ª Requerida.
Tendo, dias antes, surgido no local um potencial interessado na compra das frações, ter-lhe-á sido transmitido pela 1.ª Requerida que esta «iria adquiri-la» – o que denota que esta tinha como seguro que essas frações lhe iriam ser vendidas pela 2.ª Requerida, pesem embora os direitos de outros credores que incidiam sobre as frações, designadamente da aqui Requerente.
- No dia 25.10.2019, a Requerente apresentou um requerimento nos autos principais de insolvência, reiterando a existência da cessão de créditos, bem como que pretendia exercer o direito de aquisição das frações, dando nota que a Sr.ª Administradora de Insolvência estava a prosseguir com a venda dos activos e requerendo a respectiva suspensão, tendo ainda requerido a nomeação de novo membro da Comissão de Credores, em substituição do F…, S.A.
Apesar do Ilustre Mandatário da Insolvente haver dado conhecimento à Sr.ª Administradora de Insolvência de tal requerimento, esta ignorou-o em absoluto, tendo agido e procedido como se essas informações e requerimentos não tivessem ocorrido.
A Requerente afirma pretender propor ação tendente a ver declarar a invalidade das vendas a que a Sr.ª Administradora de insolvência, em representação da 2.ª requerida procedeu, supra identificadas – ou, subsidiariamente, a sua ineficácia relativamente à Massa Insolvente.
Tendo, por despacho de 7.01.2020, sido ordenada a citação dos requeridos, nos termos do artigo 366.º, n.º 2 do Código de Processo Civil ex vi do artigo 405.º do mesmo diploma legal, a requerida C…, SA. veio apresentar oposição, referindo, em síntese, que apesar do que sustenta a Requerente na acção principal, levantando suspeitas acerca da actuação da Sr.ª Administradora de Insolvência que, alegadamente, teria o propósito de beneficiar a requerida, tal não ocorreu, dada a postura imparcial e profissional com que todo o processo foi conduzido pela Ex.ma Senhora Administradora de Insolvência.
Alega ainda que a Requerente insiste em sustentar toda a sua pretensão em especulações caluniosas que, em termos práticos, não encontram qualquer sustentabilidade probatória, não sendo sequer carreado para os presentes autos qualquer meio de prova das imputações que faz.
Finda com a afirmação de que a prova já oferecida aos autos pela Requerente não permite formar convicção segura acerca da existência do direito de que a mesma se diz titular e, bem assim, do justo receio de lesão que pretende acautelar, concluindo pelo pedido de improcedência da do procedimento cautelar e que não seja decretada a inversão do contencioso, porquanto a Requerente não logrou formar convicção segura acerca da existência do direito que pretende acautelar.
A Requerida Massa insolvente também deduziu oposição, referindo, em síntese, que, pretendendo a requerente o arrolamento do bem imóvel no sentido de impedir a sua posterior transmissão, a massa insolvente, não sendo proprietária do bem imóvel ou sequer detendo a sua posse, encontra-se a ser indevidamente demandada. Neste contexto a requerida/massa insolvente é parte ilegítima para a demanda.
Invoca existir notória confusão ou inadequação na forma do processo falimentar.
Sustenta que a mera comunicação à massa, dita feita em 04.06.2019, não introduz ou institui nenhum mecanismo de habilitação do qual a massa insolvente deva ou possa ter conhecimento formal, desiderato que só se atinge com o trânsito em julgado do procedimento de habilitação que a B…, LDA agora, reconhece encontrar-se em falta e assim agindo judicialmente, acrescentando que, desde a comunicação à massa, dita feita em 04.06.2019, de que o crédito do F…, S.A. se encontraria, cedido, a requerente B…, LDA, dispôs de quase sete meses – contando o tempo decorrido até à outorga da escritura pública de compra e venda relativa ao imóvel subjacente à pretensão da requerente - para se habilitar como cessionária e, assim adquirir os direitos de que se arroga titular. Porém, não só não iniciou esta necessária demanda judicial como a protelou no tempo desnecessária e prejudicialmente, ao ponto de, até à data de hoje, sequer o Apenso K / habilitação de cessionária, deter uma decisão passível de permitir à requerente B…, LDA assumir a posição de credora e, eventualmente, de membro da Comissão de Credores.
Alega ainda que, contrariamente ao que pretende a B…, LDA, a alegada “cessão” do crédito não lhe confere a posição “hereditária” de Presidente da Comissão de Credores, órgão que terá de sofrer uma reorganização/reformulação com base em decisão judicial fundada em factores que não a da mera substituição creditícia.
Neste contexto a Administradora da Insolvência, maxime, a massa insolvente, cumpriu, escrupulosamente e dirigida aos destinatários legítimos, a sua obrigação consultiva para com a Comissão de Credores – da qual obteve a concordância para a alienação nos termos e condições da entretanto consumada – e de atribuição de direito preferencial para com a credora legitimamente reclamante nos autos, ou seja, com o seu crédito verificado e graduado em sentença não derrogada, significando, a F…, S.A., tendo estes actos decorrido, mormente, pela demonstração da intenção de adquirir por parte da agora proprietária C…, S.A., pelo menos desde o mês de Fevereiro de 2019, ou seja, em data anterior ao conhecimento de que a B…, LDA teria, eventualmente, adquirido o crédito da F…, S.A.
Por outro lado, não se encontra demonstrada a existência de um Contrato de Cessão ou Aquisição de Créditos ou de posição contratual; não se encontra a intervir em tal documento/declaração a cessionária B…, LDA; não se encontram identificados, na dita Declaração, os responsáveis do F…, S.A. que supostamente assinam a declaração, assim como não se determina a capacidade legal de representação dos alegados signatários para comprometer a sociedade alegadamente cessionária no negócio transmissivo.
Ainda não demonstra a requerente/alegada detentora do direito de habilitação, quando muito, o pagamento do preço da cessão, ou seja, o montante de € 521.635,94 (quinhentos e vinte e um mil seiscentos e trinta e cinco euros e noventa e quatro cêntimos).
Não se encontra demonstrado, bem como não se encontra justificado, o receio da requerente em que as partes requeridas extraviem, ocultem ou dissipem bens.
Não se mostram verificados, ou sequer alegados, factos que preencham todos os requisitos deste procedimento cautelar, designadamente, o periculum in mora e o fumusbonusiuris.
Por alegada inexistência de fundamentos expostos pela requerente B…, LDA, pugna a Requerida Massa Insolvente para que não seja decretado o procedimento cautelar de arrolamento, referindo que a requerente não alega ou demonstra o receio de que as requeridas se mantenham a alienar, onerar, esconder ou desfazer-se do bem imóvel no intuito de se furtarem ao cumprimento de qualquer obrigação que sequer se encontra contemplada pela B…, LDA, bem que, mal receba o pagamento de eventuais operações de venda, abandone toda e qualquer viabilidade de pagar à requerente, não demonstrando a requerente o receio da alienação ou desaparecimento da garantia patrimonial passível de obter o cumprimento de qualquer obrigação;
Conclui referindo que deve proceder, por provada, a excepção avançada pela opositora, absolvendo-se a mesma da instância ou a providência cautelar improceder totalmente, absolvendo-se a requerida/massa insolvente do pedido.
Produzida a prova indicada pelas partes, foi proferida sentença que julgou improcedente o procedimento cautelar da requerente B…, LDA de arrolamento das frações B, C e D pertencentes ao prédio urbano constituído em regime da propriedade horizontal sito na Rua … e Rua …, União das freguesias …, concelho de Santo Tirso, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 8931 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 635.
2.Por não se conformar com a referida sentença, dela interpôs a requerente recurso de apelação para esta Relação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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A apelada MASSA INSOLVENTE DE D…, Ld.a, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- Se ocorreu erro na apreciação da prova;
- Se se mostram preenchidos os pressupostos necessários ao decretamento do arrolamento requerido.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados indiciariamente provado sem primeira instância:
Do requerimento inicial
1.º Encontra-se a correr os seus termos pelo juízo de comércio J5 da Comarca do Porto – Santo Tirso, sob o n.º 1136/10.5TBSTS, o processo de insolvência da aqui 2.ª requerida já decretada em 29/06/2010, por decisão transitada em julgado.
2.º Nesse processo era credor e presidente da comissão de credores o F…, S.A., antes denominado G…, S.A. – titular do crédito no valor de 521.635,94€ (quinhentos e vinte e um mil, seiscentos e trinta e cinco euros e noventa e quatro cêntimos), e reconhecido de €604.560,00 (seiscentos e quatro quinhentos e sessenta mil euros), com juros, garantido por hipoteca sobre imóvel apreendido para a massa e no qual havia sido implantado um edifício composto de várias frações autónomas.
3.º No referido prédio foi implantado um edifício constituído em regime de propriedade horizontal pelo que as frações que o compõem, consequentemente, passaram a estar abrangidas pela referida hipoteca.
4.º O F…, SA emitiu uma declaração, datada de 03.06.2019 com os contornos indicados no documento n.º 3 de fls. 32, para o qual se remete.
5.º De tal Declaração resulta que o F…, SA recebeu da sociedade requerente o montante de € 521.635,94 para liquidação do contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada que o F…, SA concedeu à sociedade D…, Lda, em 25.02.20024. Mais declara que, pelo recebimento da quantia referida, sub-roga a sociedade requerente «em todos os direitos de crédito e garantias pessoais e reais inerentes ao referido contrato de abertura de crédito reclamado e reconhecido no processo de insolvência que corre termos com o n.º 1136/10.5TBSTS, no Tribunal da comarca de Santo Tirso, Juízo de Comércio – Juiz 5, em que é insolvente D…, Ld.a, a qual passará a ocupar a posição de Credora no referido empréstimo, bem como a posição processual no predito processo, nos termos e para os efeitos do disposto nos Artigos 589.º e 582.º, aplicável por força do art.º 594º, todos do Código Civil».
6.º Tal credor (F…, S.A.), apresentou, em 04.06.2019, requerimento referência 32632640 nos autos de reclamação de créditos (apenso B) insolvência no qual deu conhecimento de que havia cedido o seu crédito à aqui requerente, tendo junto cópia da aludida declaração que emitira.
7.º Tal requerimento foi notificado à Sra. AI em 05.06.2019.
8.º A Sra. Administradora de Insolvência não comunicou à Requerente o propósito da venda, os respetivos preços e demais condições, mormente de pagamento.
9.º A Requerente deduziu, nos autos de insolvência, incidente tendente à sua habilitação, no dia 25/10/2019 (referência 33832561), dando origem ao apenso K.
10.º Por escritura celebrada em 29/10/2019, no Cartório Notarial H…, no Porto, exarada a folhas 122 a 124 vrs. do Livro 313-M daquele Cartório, a Sra. AI veio a alienar as frações “B”, “C” e “D” à 1.ª Requerida.
11.º Alienação pelo valor global de €130.000,00 (cento e trinta mil euros).
12.º No dia 25.10.2019, a Requerente apresentou um requerimento referência 33832579 nos autos principais de insolvência, reiterando a existência da cessão de créditos, bem como que pretendia exercer o direito de aquisição das frações, dando nota que a Sr.ª Administradora de Insolvência estava a prosseguir com a venda dos ativos e requerendo a respectiva suspensão.
13.º Tal documento foi notificado à Sra. AI em 28.10.2019.
14.º I… veio a adquirir uma das frações sobre a qual detinha direito de retenção, tendo reiterado tal propósito e intenção no próprio dia designado para a escritura.
Da oposição C…
15.º Face à escritura indicada em 10.º, a requerida C…, SA é dona e legítima possuidora das Frações B, C, D e I, do prédio urbano sito na Rua … e Rua …, União de Freguesias …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santo Tirso sob o n.º 635 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 8931 – cfr. Certidão Permanente de Registo Predial e Caderneta Predial Urbana.
16.º Encontram-se pendentes de resolução procedimentos como a conclusão de uma nova avaliação ao imóvel por valor patrimonial excessivo, a emissão de licença para conclusão de obras e, finalmente, a emissão da respetiva licença de utilização.
17.º Após todos os procedimentos indicados em 16.º, terão de ocorrer obras no imóvel (frações) antes da comercialização do mesmo.
18.º A Requerida C…, SA procedeu à colocação de painéis publicitários nas paredes do imóvel o que se assume como uma estratégia de Marketing da empresa, que pretende obter visibilidade num concelho em que não se encontra estabelecida, como é o caso de Santo Tirso.
Oposição massa insolvente D….
19.º Em 12.11.2019 foi proferido despacho nos autos principais (referência 409188844) com o seguinte teor:
No mais (suspensão das diligências de venda dos bens e novo membro da comissão de credores), deverá a requerente D…, L.DA, aguardar a tramitação do Apenso K de habilitação de cessionário, considerando a declaração aí junta datada de 3 de junho de 2019 que a poderá habilitar a atuar nos presentes autos como cessionária da anterior credora F…, S.A.”.
20.º Em 08.11.2018, a Sra. AI envia aos autos de liquidação (Apenso I) informação referência 30639187 no qual descreve a proposta da C…, S.A., juntando a proposta por escrito e fotografias dos pavilhões correspondentes às frações A, B, C, D e I) com os seguintes contornos:

21.º Mais referiu a Sra. AI que os montantes propostos correspondentes a 50% dos valores mínimos de venda, notificou, via e-mail, os Membros da Comissão de Credores para, no prazo máximo de oito (8) dias, expressamente se pronunciarem quanto à proposta recebida.
22.º Paralelamente notificou também, via e-mail, os credores com garantia real/ hipotecário e direito de retenção reconhecido nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 164.º n.º 2 e ss. do CIRE.
23.º Mais referiu que todos os elementos referentes à contabilidade do processo de insolvência encontram-se patentes no escritório da Administradora da Insolvência, sito na Rua …, …, 2.º Direito Frente, …. – … …, onde podem ser consultados, sem embargo dos que já se encontram anexos aos autos de insolvência.
24.º Em 14.11.2018, o Sr. J…, mediante requerimento referência 30693267, veio referir opor-se à venda dos bens que constituem as verbas nºs. 2, 3, 4, 5 e 10 pelo preço proposto, comprometendo-se a apresentar melhor proposta no prazo de vinte dias.
25.º Foi dado a conhecer tal requerimento à Sra. AI.
26.º Em 22.11.2018 a Sra. AI veio apresentar requerimento referência 30782702 referindo que “Uma vez que pelo credor J… é solicitado o prazo de vinte dias para apresentação de proposta de aquisição dos bens em venda por valor superior, a Administradora da Insolvência aguardará pelo decurso de tal prazo, o qual terminará em 4 de Dezembro de 2018, dando conhecimento aos credores e à Comissão de Credores.
27.º Em 13.02.2019, a Sra. AI veio apresentar requerimento referência 31542171 referindo que Decorrido há muito o prazo solicitado pelo Credor J… para apresentação de proposta de valor superior de aquisição dos bens em venda, não foi rececionado pela Signatária, nem junto aos autos qualquer proposta. Nesse contexto e reiterando-se a antiguidade dos autos e a infrutiferidade das diligências de venda encetadas ao longo de dez anos, as quais revelaram a dificuldade de existência de interessados naquele património, foi nesta data, comunicada à proponente C…, S.A., NIPC ……… a ACEITAÇÃO das propostas recebidas, tendo-lhe sido remetida Declaração de Adjudicação para cumprimento das obrigações fiscais inerentes, posto o que se diligenciará pela formalização da escritura de compra e venda”, dando conhecimento aos credores e à Comissão de Credores.
28.º Em 15.02.2019, o Sr. J…, mediante requerimento referência 31569874, referir que “Termos em que se opõe à venda dos imóveis pelo preço anunciado, como de resto outro dos membros da comissão (F1…), cfr. fls..., devendo ser a Sra Administradora notificada para se abster de concluir a venda sendo que, em qualquer dos casos, os detentores do direito de retenção já manifestaram pretender exercer a preferência de compra pelo mesmo valor.”
29.º Em 20.02.2019, a Sra. AI veio apresentar requerimento referência 31622004 referindo que pelos argumentos ai apresentados, nada obsta a que a Administradora da Insolvência prossiga com as diligências de adjudicação à proponente C…, S.A., atribuindo V.ª Ex.ª ao requerimento a que se responde o carácter de dilatório que este manifestamente contém em processo que se prolonga no tempo há mais de uma dezena de anos”, dando conhecimento aos credores e à Comissão de Credores.
30.º Em 04.03.2019, o Sr. J…, mediante requerimento referência 31739303 veio apresentar as seguintes propostas de aquisição das frações em venda:


31.º Por despacho proferido em 25.03.2019 (referência 402501172) foi mencionado o seguinte:
Deve o AI informar o estado da liquidação, esclarecendo se tomou em consideração a proposta apresentada pelo credor para a aquisição das verbas 2, 3, 4, 5 e 10 (fls. 502), submetendo-a à apreciação da comissão de credores.
32.º Em 13.05.2019, a Sra. AI veio apresentar requerimento referência 32407934 referindo que comunicou ao J… o seguinte: “Na sequência das propostas que fez chegar ao Tribunal através do requerimento datado de 4 de Março de 2019, e no sentido de formalizar as eventuais adjudicações, sou a solicitar-lhe,
a) relativamente ao credor I…, deverá juntar Procuração outorgada por este ou, em alternativa, proposta assinada pelo mesmo, acrescida do envio, à ordem da massa insolvente e para o meu escritório de cheque no valor correspondente a 30% do valor da oferta;
b) relativamente às verbas n.ºs 3, 4 e 10 / frações B, C e E, a proponente K…, LDA. não encontra registo, razão pela qual me deverá enviar,
i – comprovativo de registo comercial da sociedade;
ii – procuração outorgada pela entidade ou proposta subscrita pelos seus legais representantes;
iii- cheque à ordem da massa insolvente e para o meu escritório no valor de € 34.350,00 (trinta e quatro mil e trezentos euros), correspondente a 30% do valor da oferta.
c) relativamente à proposta formalizada por V.ª Ex.º para a verba n.º 5 / fração D deverá ser enviado cheque à ordem da massa insolvente, para o meu escritório do valor correspondente a 30% do valor da proposta efetuada. No que concerne aos valores solicitados os mesmos justificam-se por duas ordens de razões, a saber,
a) cumprimento das obrigações pecuniárias enquanto garantia da bondade e prossecubilidade das propostas formuladas, atenta a existência anterior de várias propostas de aquisição criadas para atrasar a liquidação do ativo, sem intenção de cumprimento e que tem provocado a baixa sucessiva dos preços de venda e a morosidade dos autos;
b) cumprimento de obrigações tributárias processuais, designadamente:
i – relativamente aos credores com direito real de garantia, para o suporte das dívidas da massa nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 172.º do CIRE e atento o reduzido valor das propostas efetuadas;
ii – relativamente à proponente K…, LDA., enquanto sinal e principio de pagamento, sendo o remanescente preço liquidado na data da outorga de escritura pública de compra e venda, através de cheque bancário, a celebrar no prazo máximo de trinta dias, após a receção dos documentos e valores supra solicitados.
Para o efeito deverá V.ª Ex.ª e/ou o proponente proceder ao envio dos documentos e cheques no prazo de oito dias, após a receção da presente comunicação (art.º 164.º n.ºs 2 e ss do CIRE). Sem outro assunto de momento, com os melhores cumprimentos, sou, atentamente
33.º Em 21.10.2019, a Sra. AI veio apresentar requerimento referência 33772014 referindo o seguinte:
1. Decorridos meses sobre as propostas apresentadas pelo credor J… para aquisição dos imóveis apreendidos nos autos, em seu nome e em nome de terceiros,
2. solicitado aquele documentos e montantes, em falta, para formalização e adjudicação - Cfr. Requerimento enviado aos autos em 13.05.2019 - remeteu-se aquele credor, após pedido de esclarecimentos que prontamente foram efetuados, ao silêncio, nada tendo enviado à massa insolvente/administradora de insolvência.
3. Assim, tal como transmitido nos autos em relatório datado de 13.02.2019, perante a aceitação da proposta de aquisição, efetuada pelo exercício do direito que assiste aos credores detentores de direito preferêncial, após contacto com a mesma para aferir se mantinha a proposta apresentada,
4. Encontra-se aprazada a realização da escritura de compra e venda para os bens apreendidos sob as verbas nos 2, 3, 4, 5 e 10, para o próximo dia 28 de Outubro.
5. Todos os elementos referentes à contabilidade do processo de insolvência encontram-se patentes no escritório da Administradora da Insolvência, sito na Rua …, …, 2º Direito Frente, …. – … …, onde podem ser consultados, sem embargo dos que já se encontram anexos aos autos de insolvência.
6. A documentação, remanescente e considerada pertinente, relativa à Liquidação encontra-se, também, arquivada – e patente – no escritório da Administradora da Insolvência, onde pode ser consultada.
7. Do teor do presente relatório foram notificados os Membros da Comissão de credores para que do teor do mesmo tomam conhecimento.
34.º Em 12.11.2019, a Sra. AI veio apresentar requerimento referência 33990536 referindo o seguinte, juntando a escritura mencionada em 10:
1. No dia 29 de outubro de 2019 procedeu-se à realização da escritura de compra e venda dos bens apreendidos sob as verbas nos 3, 4, 5 e 10, com a C…, S.A, no Cartório Notarial H…, sito no Porto. - Cfr. Doc. N.º 1, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para efeitos legais.
2. O pagamento, no montante global de € 153.750,00 (cento e cinquenta e três mil, setecentos e cinquenta euros) foi efetuado através de cheque bancário, sacado sobre o L…, com o n.º ……….. - Cfr. Doc. N.º 2, idem.
3. Relativamente à verba n.º 2, no dia da escritura, foi exercido o direito conferido pelo disposto no art.º 164.º, n.º 2 do CIRE, pelo credor I…, tendo-se realizado a respetiva escritura de compra e venda, no mesmo dia e no mesmo cartório. - Cfr. Doc. N.º 3, idem.
4. A verba n.º 2 foi adquirida pelo montante de € 58.000,00 (cinquenta e oito mil euros), tendo o credor com direito de retenção procedido à entrega de cheque bancário, sacado sobre o M…, com o n.º ………., no montante de € 17.400,00 (dezassete mil e quatrocentos euros), correspondente a 30% do preço, para garantia do pagamento precípuo das dívidas da massa insolvente. - Cfr. Doc. N.º 4, idem.
35.º Após ter sido notificada em 13.11.2019 (referência 409299066), em 27.11.2019, mediante requerimento referência 34145021 no apenso K de habilitação de cessionário, veio a Sra. AI impugnar a declaração mencionada em 4.º e 5.º.
36.º Em 27.05.2020, mediante requerimento referência 35649808, na sequência do despacho proferido em 14.05.2020 (referência 414192697) veio o F…, SA juntar aos autos Procuração com Ratificação nos termos da qual o F… constitui seus Procuradores N… e O… a quem conferem poderes para assinar Declaração de Sub-Rogação de créditos a favor da empresa B…, Lda, ratificando ainda o teor da Declaração de Sub-rogação de Créditos por eles subscrita a 3 de Junho de 2019 a favor da dita sociedade e já junta a estes autos.
III.2. E a mesma instância considerou indiciariamente não provados os seguintes factos:
Do requerimento inicial
Desde logo, como efeitos decorrentes dessa cessão e da referida eficácia relativamente à devedora insolvente, deveria ter sido de imediato nomeado novo elemento da Comissão de Credores, eventualmente para presidir à mesma - cargo que aliás deveria, em princípio, ser cometido à aqui Requerente na sua qualidade, agora, de maior credor.
A Requerente tomou conhecimento, por via do que lhe foi transmitido por terceiros no passado dia 9 do corrente mês de dezembro de que Sr.ª Administradora da aqui 2ª Requerida havia procedido em 2019.10.21 à marcação das escrituras de venda das frações edificadas sobre o prédio referido no precedente Artigo 3o e que o fizera indicando que as mesmas teriam lugar «quatro dias úteis» depois de o ter indicado.
A Requerente já havia informalmente manifestado o seu propósito de adquirir as frações do imóvel sobre as quais era titular da já referida garantia, pelo que sobre a obrigação legal de comunicação que impendia sobre a Sr.ª Administradora de Insolvência, acrescia também o seu expresso conhecimento desse propósito.
O valor global de €130.000,00 (cento e trinta mil euros), quando (como aliás ela bem sabia) esse montante é de todo irrisório face ao valor real dos bens, que ascende a um montante superior a €750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).
Um outro credor que não a Requerente, tendo recebido a comunicação da Sr.a Administradora de insolvência referida no artigo 14ºsupra, contactou-a de imediato por, na sequência de manifestação anterior no sentido de comprar a fração sobre a qual detinha direito de retenção, reiterou tal propósito e intenção no próprio dia designado para a escritura, tendo por ela sido informado que ela mesma tinha alterado a data da outorga para o dia seguinte, 29.10.2019, da parte da manhã.
Tal credor fez visar um cheque do montante correspondente a 30% do respetivo preço, percentagem esta aliás imposta pela Sr.ª Administradora de Insolvência para as propostas.
Tendo o referido credor, no dia seguinte, comunicado que se encontrava doente da parte da manhã e propondo fazer a outorga da parte da tarde, teve como resposta que a escritura estava marcada para a manhã e far-se-ia de manhã.
A Sr.ª Administradora de Insolvência, em conformidade com essa posição, procedeu à venda da fração em causa à 1a Requerida, derrogando o legitimo direito desse credor.
Tendo, dias antes, surgido no local um potencial interessado na compra das frações, ter-lhe-á sido transmitido pela 1a Requerida que esta «iria adquiri-la» – o que denota que esta tinha como seguro que essas frações lhe iriam ser vendidas pela 2a Requerida, pesem embora os direitos de outros credores que incidiam sobre as frações, designadamente da aqui Requerente.
Da oposição C…, SA
Pelo que tal publicidade em nada se relaciona com a venda concreta ou imediata do imóvel – dada a sua impossibilidade em face do descrito – mas, antes, com a divulgação da empresa e dos seus serviços.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Reapreciação da matéria de facto.
Não se conformando a recorrente com a decisão proferida em primeira instância quanto à matéria de facto submetida a julgamento, reclama desta instância o reexame da mesma.
Dispõe hoje o n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, estabelecendo o seu nº 2:
“A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Como refere A. Abrantes Geraldes[1], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa notar que a sindicância cometida à Relação quanto ao julgamento da matéria de facto efectuado na primeira instância não poderá pôr em causa regras basilares do ordenamento jurídico português, como o princípio da livre apreciação da prova[2] e o princípio da imediação, tendo sempre presente que o tribunal de 1ª instância encontra-se em situação privilegiada para apreciar e avaliar os depoimentos prestados em audiência.
Também é certo que, como em qualquer actividade humana, sempre a actuação jurisdicional comportará uma certa margem de incerteza e aleatoriedade no que concerne à decisão sobre a matéria de facto. Mas o que importa é que se minimize tanto quanto possível tal margem de erro, porquanto nesta apreciação livre o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas[3].
De todo o modo, a construção da realidade fáctica submetida à discussão não se poderá efectuar de forma parcelar e desconexa, atendendo apenas a determinado meio de prova, ou a parte dele, e ignorando todos os demais, ainda que expressem realidade distinta, a menos que razões de credibilidade desacreditem estes.
Ou seja: nessa tarefa não pode o julgador conformar-se com a análise parcelar e parcial transmitida pelos litigantes, mas antes submetê-la a uma ponderação dialéctica, avaliando a força probatória do conjunto dos meios de prova destinados à demonstração da realidade submetida a debate.
Assinale-se que a construção – ou, melhor dizendo, a reconstrução, pois que é dela que se deve falar quando, como no caso, se procede à ponderação dos factos que por outros foram apreendidos e transmitidos com o filtro da interpretação própria de quem processa essa apreensão – da realidade fáctica não pode efectuar-se de forma parcelar e desconexa, antes reclamando o contributo conjunto de todos os elementos que a integram.
Quer isto dizer que a realidade surge de um conjunto coeso de factos, entre si ligados por elos de interdependência lógica e de coerência.
A realidade não se constrói apenas a partir de um depoimento isolado ou de um conjunto disperso de documentos, ainda que confirmadores de uma determinada versão factual, antes se deve conformar com um património fáctico consolidado de forma sólida, coerente, transmitido por elementos probatórios com idoneidade e aptidão suficientes a conferir-lhe indiscutível credibilidade.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 21.12.2012[4], “…a verdade judicial traduz-se na correspondência entre as afirmações de facto controvertidas, relevantes e pertinentes, aduzidas pelas partes no processo e a realidade empírica, extraprocessual, que tais afirmações contemplam, revelada pelos meios de prova produzidos, de forma a lograr uma decisão oportuna do litígio. Sobre as doutrinas da verdade judicial como mera coerência persuasiva ou como correspondência com a realidade empírica, vide Michele Taruffo, La Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2008, pag. 26-29. Quanto à configuração do objecto da prova e a sua relação com o themaprobandum, vide Eduardo Gambi, A Prova Civil – Admissibilidade e relevância, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, Brasil, 2006, pag. 295 e seguintes; LLuísMuñozSabaté, Fundamentos de Prueba Judicial Civil L.E.C. 1/2000, J. M. Bosch Editor, Barcelona, 2001, pag. 101 e seguintes.
Por isso mesmo, a “reconstrução” cognitiva da verdade, por via judicial, não tem, nem jamais poderia ter, a finalidade exclusiva de obter uma explicação exaustiva e porventura quase irrefragável do acontecido, como sucede, de certo modo, nos domínios da verdade história ou da verdade científica, muito menos pode repousar sobre uma crença inabalável na intuição pessoal e íntima do julgador. Diversamente, tem como objectivo conseguir uma compreensão altamente provável da realidade em causa, nos limites de tempo e condições humanamente possíveis, que satisfaça a resolução justa e legítima do caso (…)”.
Discorda a recorrente da apreciação da matéria de facto efectuada em primeira instância por a decisão que, por isso, impugna por via do presente recurso, não ter considerado provado que a mesma “...tinha adquirido, por cessão, o crédito do «F…, SA», consoante esta tinha alegado, pois que se limitou a considerar provada a emissão dos documentos a que referem o factos 4º, 5º e 36º)”, sustentando que, com base nos aludidos documentos, “...deveria ter sido considerado provado que a Requerente adquiriu, por cessão, o crédito do «F…, SA», em conformidade com o que ela havia alegado e os referidos documentos atestam”.
Pugna, por isso, que à factualidade considerada provada seja adicionado o seguinte facto: A Requerente adquiriu, por cessão, ao credor «F…, SA» o crédito de que este era titular, de € 521.635,94, com as garantias e direitos acessórios a ele inerentes e que o acompanhavam.
Os documentos em causa são a declaração datada 3 de Junho de 2019, alegadamente emitida por “F…, S.A.”, que, sob a menção “F2…, S.A”. contém uma rubrica[5], e a “Procuração com Ratificação” especificada no ponto 36.º dos factos provados.
Ambos têm natureza de documento particular.
Relativamente à força probatória dos documentos particulares dispõe o artigo 376.º, do Código Civil que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações nele atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento” (nº 1), sendo que “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante” (nº 2).
Nos termos do citado preceito, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta necessariamente que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, que o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.
Com efeito, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondem à realidade, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova, uma vez que, embora um documento prove as declarações das partes, deve poder provar-se que elas não correspondem à verdade.
É certo ter a requerente alegado que “adquiriu, por cessão ao referido credor F…, S.A. o crédito de que este era titular...” – artigo 4.º do requerimento inicial.
A invocada realidade factual foi, porém, impugnada pela requerida Massa Insolvente de D…, L.da, que igualmente impugnou o documento (declaração de 3.06.2029), referindo a mesma que no aludido documento não intervém a cessionária B…, Lda., nele não se acham identificados do F…, S.A. que supostamente assinam a declaração, “assim como não se determina a capacidade legal de representação dos alegados signatários para comprometer a sociedade alegadamente cessionária no negócio transmissivo”.
O artigo 607.º do actual Código de Processo Civil, dispondo sobre os requisitos da sentença, especifica no seu n.º 3 que o juiz deve “discriminar os factos que considera provados”.
A sentença, de entre os alegados pelas partes, ou os considerados nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, apenas pode discriminar os factos materiais concretos, objectivos, devendo dela ser subtraídos conceitos jurídicos, enunciações legais, elementos que encerrem em si próprios a solução de direito discutida na acção.
Com a junção da procuração/ratificação a que o ponto 36.º dos factos provados faz alusão, desvanecidas ou ultrapassadas as dúvidas colocadas na oposição pela requerida Massa Insolvente quanto ao documento (Declaração) junta pela requerente, devendo a decisão relativa à matéria de facto apenas identificar e elencar os factos materiais, objectivos, de entre os alegados pelas partes ou adquiridos para o processo por via do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo, não lhe estando reservada a subsunção dos factos ao Direito, nem a interpretação de declarações negociais incorporadas em documento particular, sobretudo, não tendo as partes, como no caso, visão convergente quanto ao alcance e sentido da declaração corporizada no documento que a emite, não poderia ser transferido para o acervo factual o alegado pela requerente no artigo 4.º do seu requerimento inicial, como ela pretende.
De resto, a apreciação da validade do alegada cessão de créditos há-de necessariamente de fazer-se em sede própria, isto é, no incidente regulado no artigo 356.º do Código de Processo Civil, como adiante melhor se explicará.
Pelo que bem andou o tribunal recorrido ao elencar apenas nos factos provados – artigos 4.º, 5.º e 36.º - a matéria que consta nos referidos segmentos decisórios, com referência à emissão dos documentos aí mencionados, transcrevendo parte relevante do conteúdo da “Declaração” datada de 3 de Junho de 2009, abstendo-se, com acerto, de atribuir qualificação jurídica à eventual relação negocial que o documento em causa possa traduzir com base na declaração nele vertida.
Não merecendo, pois, reparo a decisão relativa à matéria de facto, não havendo fundamento para o aditamento reclamado pela recorrente, mantém-se inalterada tal decisão, improcedendo nessa parte o recurso.
2. Do mérito do recurso.
2.1. Pressupostos do procedimento cautelar requerido.
O direito fundamental de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado, incorporando o direito de acção, e o princípio da sua efectiva tutela judicial, é garantido quer em relação à violação efectiva de direitos subjectivos, quer quando esteja iminente ou haja perigo de lesão desses mesmos direitos[6].
De tal forma que se pode concluir que a cada direito corresponde uma acção ou uma providência destinada ao seu reconhecimento, mas igualmente à prevenção da sua violação ou a conferir efeito útil a tal reconhecimento.
Neste contexto, o princípio da efectiva tutela judicial pressupõe a composição provisória da situação controvertida antes da decisão definitiva, de molde a prevenir a violação de direitos e/ou a assegurar a utilidade da decisão que os haja reconhecido, tarefa prosseguida através de procedimentos cautelares, de natureza urgente, cuja especificidade visa a garantia desses objectivos.
Pode-se, assim, afirmar que a “tutela processual provisória decorrente das decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque o direito processual é meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através da providência cautelar não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque também ela serve os fins gerais de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional (…).
A composição provisória que a providência cautelar torna disponível pode visar uma de três finalidades: aquela composição pode justificar-se pela necessidade de garantir um direito, de definir uma regulação provisória ou de antecipar a tutela requerida. Sempre que a tutela provisória se legitime pela exigência de garantir um direito, deve tomar-se uma providência que garanta a utilidade da composição definitiva, quer dizer, uma providência de garantia”[7].
São características comuns das providências cautelares: a provisoriedade, a instrumentalidade e a sumario cognitio.
A primeira daquelas características emana da circunstância da providência cautelar prosseguir uma tutela distinta da facultada pela acção principal, de que é dependente, e pela necessidade de a substituir pela tutela que vier a ser definida por essa acção. O objecto da providência não é o direito acautelado, mas a garantia desse direito, a regulação provisória da situação ou a antecipação da tutela requerida.
É objectivo primário do procedimento cautelar evitar a lesão grave ou dificilmente reparável de um direito em resultado da demora na composição definitiva do litígio. Visa obviar ao periculum in mora. A sua verificação constitui pressuposto de qualquer procedimento cautelar: inexistindo, este será indeferido ou não decretado.
A providência cautelar exige apenas a prova sumária – sumario cognitio – do direito ameaçado, isto é, a probabilidade da existência do direito para o qual se demanda a tutela provisória, e o receio da sua lesão.
Nesta característica enraíza o designado fumusboniiuris, requisito indispensável ao decretamento da providência cautelar, que se traduz na possibilidade de antever a aparência do direito invocado pelo requerente.
Com efeito, “incumbe ao requerente demonstrar a probabilidade de procedência da acção principal, invocando factos que permitam inferir tal conclusão, pelo que tais factos constituirão, no seu conjunto, uma aproximação sumária da causa de pedir da acção principal (…).
Trata-se, nesta medida, de um requisito prévio, relativamente aos demais, permitindo distinguir, adentro da causa de pedir da acção cautelar (…), além dos factos consubstanciadores da existência de perigo para a tutela jurisdicional efectiva no processo principal (factualidade relevante exclusivamente no processo cautelar), um segmento correspondente ao conjunto de factos que proporcionam um vislumbre do que será a causa de pedir da acção principal e permitem aferir da probabilidade de futura procedência dessa lide (…).
(…) a perfunctoriedade da análise e do grau de convencimento respeita aos factos correspondentes à titularidade do direito, considerando-se suficiente que se gere no tribunal a convicção, não de que o requerente é titular do direito que invoca, mas de que é verosímil ou altamente provável que assim venha a ser declarado, pelo que importará que, quanto a este requisito, assim atenuado (por respeitar à aparência de titularidade do direito e não à efectiva titularidade do direito), se forme no espírito do julgador o grau de certeza especial, que permite a pronúncia no sentido de que os factos que lhe estão associados se consideram provados”[8].
Requerida determinada providência cautelar, importa aferir, antes de mais, da necessidade do seu decretamento, através da indagação do preenchimento dos princípios do “fumusboniiuris” e “periculum in mora”.
Caso resulte dessa indagação conclusão de natureza afirmativa, importará então avaliar se a medida requerida é a adequada à prossecução do fim que se visa atingir, e, concluindo-se em sentido positivo, se é a mais adequada.
Finalmente, “na hipótese de se concluir estarem verificados todos os mencionados pressupostos, cumprirá indagar se a medida a decretar (…) se revela proporcional, o que se aferirá sopesando os prejuízos que resultariam, para o requerente, da não concessão da providência cautelar e as desvantagens que decorreriam, para o requerido, da concessão de providência cautelar, sendo que a medida não será decretada se este último prejuízo for consideravelmente superior ao primeiro”[9].
Os princípios enunciados encontram acolhimento na letra da lei, designadamente quando o n.º1 do artigo 362.º do Código de Processo Civil, norma prevista para o procedimento cautelar comum, estabelece que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”, sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo dispositivo, “ o interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor”, prevendo o n.º1 do artigo 368.º do mesmo diploma legal que “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”. Por seu turno, o n.º2 do mesmo normativo prescreve que “a providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido, exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”, normativos que, disciplinando o procedimento cautelar comum, são também aplicáveis ao procedimento especificado requerido – arrolamento.
O artigo 403.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe Fundamento, estabelece para o arrolamento:
1 - Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.
2 - O arrolamento é dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
E o artigo 404.º, n.º 1 do mesmo diploma legal estabelece, por sua vez, que “O arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos”.
Sobre a providência em causa escreve Abrantes Geraldes[10]: “O arrolamento é uma medida de carácter conservatório que pode apresentar-se sob duas vertentes:
a) Como medida destinada a assegurar a manutenção de certos bens litigiosos, enquanto a titularidade do direito sobre estiver em discussão na acção principal;
b) Como medida destinada a garantir a persistência de documentos necessários para provar a titularidade do direito.
Na primeira modalidade, apresenta algumas semelhanças com o arresto, tendo em conta a latitude dos bens sobre que pode incidir e o modo de execução, dele diferindo quanto à situação de perigo que visa prevenir: em lugar do perigo de perda da garantia patrimonial, tende a eliminar o risco de extravio, de ocultação ou de dissipação de bens. Por outro lado, ainda que no procedimento cautelar comum se possam inserir providências gerais que consistam na apreensão de bens ou na sua entrega a um fiel depositário, o arrolamento visa especificamente assegurar a permanência de bens que devem ser objecto de “especificação” no processo principal [...]”.
Ainda segundo o mesmo Autor, “não se detectam diferenças substanciais quando se confronta o arrolamento com a generalidade dos procedimentos cautelares. Basta a formulação de um juízo de verosimilhança quanto à existência actual ou futura de um direito de conteúdo patrimonial sobre determinados bens situados na esfera de actuação do requerido e cuja realização efectiva esteja dependente da sua persistência[11]”.
Visa a requerente com o procedimento cautelar instaurado obter o arrolamento dos imóveis identificados no seu requerimento inicial, afirmando pretender propor acção tendente a ver declarar a invalidade das vendas a que a Sr.ª Administradora de insolvência, em representação da 2.ª requerida procedeu, ou, subsidiariamente, a sua ineficácia relativamente à Massa Insolvente.
Para tanto alega que a Sr.ª Administradora da Insolvência procedeu à venda das indicadas fracções à 1.ª Requerida por escritura pública de 29.10.2019, apesar do primitivo credor F…, SA., na sequência da emissão da declaração 03.06.2019, ter, em 04.06.2019, apresentado requerimento nos autos de reclamação de créditos (apenso B) insolvência, dando conhecimento de que havia cedido o seu crédito à requerente, tendo junto cópia da aludida declaração que emitira.
Tendo tal requerimento sido notificado à Sr.ª Administradora da Insolvência no dia seguinte - 05.06.2019 -, esta prosseguiu as diligências com vista à venda dos aludidos imóveis, não comunicando à Requerente o propósito da venda, os respectivos preços e demais condições, nomeadamente de pagamento, e, não obstante o recebimento da comunicação de cessão de crédito à Requerente, continuou a notificar o F…, S.A., como se este ainda fosse credor e fosse legítimo continuar a ser detentor do cargo de Presidente da Comissão de Credores, tendo notificado tal credor da marcação das escrituras, na pessoa da sua Ilustre mandatária.
A Requerente que deduziu, nos autos de insolvência, incidente tendente à sua habilitação, no dia 25.10.2019, dando origem ao apenso K., apresentou, na mesma data, um requerimento nos autos principais de insolvência, reiterando a existência da cessão de créditos, bem como que pretendia exercer o direito de aquisição das frações, dando nota que a Sr.ª Administradora de Insolvência estava a prosseguir com a venda dos activos e requerendo a respectiva suspensão, tendo esta sido notificada a 28.10.2019.
Justifica a requerente o recurso ao procedimento cautelar por si instaurado com o facto de pretender acautelar o seu direito, cuja existência efectiva defende, obstando a que, na pendência da acção que irá propor para obter o seu reconhecimento, a primeira requerida venha a proceder à alienação dos imóveis adquiridos, uma vez que se trata de uma sociedade imobiliária, destinando-se tais imóveis a ser revendidos.
Constituindo este um dos pressupostos da providência cautelar requerida, há, em primeiro lugar, que indagar da possibilidade de formulação de um juízo de verosimilhança quanto à existência, actual ou futura, do direito de conteúdo patrimonial sobre os bens indicados.
O direito de que a requerente se arroga titular tem na sua origem, segundo a mesma, uma cessão de créditos, alegando haver adquirido, por essa via, ao credor «F…, SA» o crédito de que este era titular, no valor de € 521.635,94, com as garantias e direitos acessórios a ele inerentes e que o acompanhavam.
De facto, através da cessão de créditos pode o credor transferir para terceiro a titularidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, a não ser que lei ou convenção o impeçam. É o que resulta do artigo 577.º do Código Civil.
A cessão de créditos não é em si mesmo um contrato, sendo antes efeito de um negócio jurídico causal de contornos e de âmbito variável. Opera uma modificação da relação jurídica, passando a titularidade do direito de crédito da esfera do cedente para a do cessionário.
Ocorrendo essa modificação subjectiva na pendência de acção em que esteja em causa o direito de crédito objecto de cessão, a substituição processual destinada ao reconhecimento da alteração da titularidade desse crédito faz-se através do incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, regulado no artigo 356.º do Código de Processo Civil.
Segundo o artigo 263.º do referido diploma legal,
1 - No caso de transmissão, por ato entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo.
2 - A substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo e, na falta de acordo, só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efetuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária.
3 - A sentença produz efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não intervenha no processo, exceto no caso de a ação estar sujeita a registo e o adquirente registar a transmissão antes de feito o registo da ação.
A simples comunicação ao processo da alegada cessão de créditos, quer pelo credor F…, S.A., quer pela própria requerente, não tem a virtualidade necessária para poder operar a substituição processual decorrente de tal cessão, sendo o incidente de habilitação de cessionário disciplinado pelo artigo 356.º do Código de Processo Civil o único meio adequado para o efeito. É nele, haja ou não oposição, que o juiz se vai certificar da validade da transmissão ou cessão de créditos[12].
Só com o trânsito da decisão proferida no incidente de habilitação de cessionário, que, declarando a validade da cessão, julgue habilitado o cessionário para prosseguir nos autos, essa substituição processual se concretiza. Até lá o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, como resulta do n.º 1 do artigo 263.º do Código de Processo Civil.
A circunstância de a Sr.ª Administradora não haver comunicado à requerente o propósito de proceder à venda das fracções aqui em causa, os respectivos preços e demais condições do negócio não traduz qualquer omissão funcional ou processual que possa afectar a validade ou eficácia das vendas concretizadas por escritura pública de 29.10.2019.
É que não tendo ainda sido proferida decisão a julgar válida a cessão de créditos comunicada ao apenso B pelo credor F…, S.A. e a julgar a requerente habilitada a prosseguir no processo em substituição daquele, a legitimidade daquele para a causa mantem-se, devendo as notificações e comunicações ser efectuadas em relação ao mesmo.
De resto, o incidente de habilitação, que deu origem ao apenso K, apenas foi deduzido pela requerente a 25.10.2019, tendo a Sr.ª Administradora da Insolvência, para tanto notificada, apresentado contestação, na qual impugna a validade do acto, no uso da faculdade legal conferida pelo artigo 356.º, n.º 1, a) do Código de Processo Civil, e apenas em 27.05.2020, mediante requerimento referência 35649808, na sequência do despacho proferido em 14.05.2020 (referência 414192697) veio o F…, SA juntar aos autos Procuração com Ratificação nos termos da qual o F… constitui seus Procuradores N… e O… a quem conferem poderes para assinar Declaração de Sub-Rogação de créditos a favor da empresa B…, Lda, ratificando ainda o teor da Declaração de Sub-rogação de Créditos por eles subscrita a 3 de Junho de 2019 a favor da dita sociedade e já junta a estes autos.
E como bem dá conta a sentença recorrida, “...até à presente data e face ao que foi dado como provado nos factos 35 e 36, ainda não se mostra resolvida a cessão de créditos, que seguirá os seus termos no apenso K. De qualquer forma, é patente que a declaração identificada nos artigos 4.º e 5.º dos factos provados, não habilitava, à data em que foi apresentada, a Requerente a assumir a posição da cedente e mormente o lugar de Presidente da Comissão de Credores, razão pela qual foi proferido o despacho de 14.05.2020 (referência 414192697), acrescentando a mesma decisão: “a comunicação à massa insolvente, feita em 04.06.2019, não introduz ou institui nenhum mecanismo de habilitação do qual a massa insolvente deva ou possa ter conhecimento formal, desiderato que só se atinge com o trânsito em julgado da sentença de habilitação pendente no apenso K.
Conforme já se salientou, acresce que a alegada “cessão” do crédito não lhe confere a posição automática de Presidente da Comissão de Credores, órgão que terá de sofrer uma reorganização /reformulação com base em decisão judicial fundada em fatores que não a da mera substituição creditícia e que passará pela não oposição dos demais credores”.
Importa ainda referir que tendo, no dia 25.10.2019, a Requerente apresentado um requerimento, referência 33832579, nos autos principais de insolvência, reiterando a existência da cessão de créditos, bem como que pretendia exercer o direito de aquisição das frações, dando nota que a Sr.ª Administradora de Insolvência estava a prosseguir com a venda dos ativos e requerido a respectiva suspensão – ponto 12.º dos factos provados -, sobre o qual recaiu o seguinte despacho, de 12.11.2019: “No mais (suspensão das diligências de venda dos bens e novo membro da comissão de credores), deverá a requerente D…, L.DA, aguardar a tramitação do Apenso K de habilitação de cessionário, considerando a declaração aí junta datada de 3 de junho de 2019 que a poderá habilitar a atuar nos presentes autos como cessionária da anterior credora D…, S.A.”, este não foi objecto de qualquer impugnação judicial.
Por todas as apontadas razões, a que acrescem ainda as detalhadamente desenvolvidas na sentença aqui sindicada, não resulta demonstrado, sequer indiciariamente, o direito invocado pela requerente, não sendo possível a formulação de um juízo de verosimilhança quanto à existência actual ou futura desse direito, que a mesma pretende acautelar através do procedimento do arrolamento.
Não resulta, com efeito, demonstrada o desrespeito ou violação de quaisquer regras procedimentais ou deveres funcionais pela Sr.ª Administradora da Insolvência, nomeadamente com o propósito de favorecer a primeira requerida.
Como igualmente não resultou sumariamente comprovada factualidade susceptível de justificar o receio invocado pela requerente de extravio, ocultação ou dissipação de bens por parte da requerida adquirente das fracções.
Não tendo, assim, a requerente satisfeito o ónus probatório que sobre si recaía quanto aos referidos pressupostos da providência cautelar por si requerida, teria a mesma de improceder, como improcedeu.
Nenhuma censura merece, por conseguinte, a sentença recorrida, pelo que será de manter, improcedendo o recurso.
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Síntese conclusiva:
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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na improcedência do recurso, em confirmar a sentença recorrida.
Custas: pela apelante.

[Acórdão elaborado pela primeira signatária com recurso a meios informáticos]

Porto, 8.10.2020
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[2] Artigos 396º do C.C. e 607º, nº5 do Novo Código de Processo Civil.
[3] Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil”, Vol. 3º, pág. 173 e L. Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, 1ª Ed., pág. 157.
[4] Processo nº 5797/04.2TVLSB.L1-7, l1-7, www.dgsi.pt.
[5] Desconhecendo-se quem é o autor da mesma e em que qualidade e com que poderes emite a referida declaração, não contendo tal documento tais esclarecimentos.
[6] Cf. artigo 20.º da CRP e 2.º, n.º2 do Código de Processo Civil.
[7] Acórdão da Relação de Coimbra, 08.04.2000, processo nº 285/07.1TBMIR.C1, www.dgsi.pt.
[8] Lucinda Dias da Silva, ob. cit., págs. 143, 144.
[9] Lucinda Dias da Silva, ob. cit., pág. 146.
[10] “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV. Vol., 4.ª ed. revista e actualizada, Almedina, págs. 280, 281.
[11] Obra citada, pág. 288.
[12] Cfr., entre outros, acórdãos da Relação do Porto de 29.04.2014 e de 10.09.2012, processos n.ºs 92/12.0TBGDM-A.P1 e 4257/08.0TJVNF-B.P1; acórdão da Relação de Coimbra de 14.11.2017, processo n.º 712/14.1TBACB-A.C1, todos em www.dgsi.pt.