Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1894/12.2TBGMR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Nº do Documento: RP201710161894/12.2TBGMR-A.P1
Data do Acordão: 10/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 660, FLS.2-5)
Área Temática: .
Sumário: I - A ficção legal estabelecida no nº 2 do artigo 323º do C.C. pressupõe que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; que a citação não tenha sido efectuada nesse prazo de cinco dias; e que o retardamento na efetivação da citação não seja imputável ao requerente.
II - A indicação de bens a penhorar, nos termos em que a prevê o artigo 724º, nº 1, alínea i), do C.P.C., reveste a natureza de menção facultativa ou eventual do requerimento executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1894/12.2TBGMR-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe move o Banco B…, S.A., veio o executado C… deduzir oposição, alegando, em síntese, que o título executivo é uma letra por si aceite, com data de vencimento a 15.6.2009.
Nos termos do artigo 70º da LULL, todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
Por força do citado preceito, o direito da exequente encontra-se prescrito, já que o executado foi citado para além do prazo de três anos nele referido.
E, estando prescrito o crédito cambiário, não existe qualquer relação subjacente à letra, na qual o executado seja devedor e o banco/exequente ou a sacadora D…, Lda., sejam credores.

A exequente contestou, alegando, além do mais, que o seu direito não se encontra prescrito.
A acção executiva deu entrada em 12.5.2012 e, por conseguinte, antes de decorridos três anos a contar da data de vencimento da letra – 15.6.2012.

Foi proferido despacho saneador destinado a conhecer do mérito da causa, nos termos do artigo 595º, nº 1, alínea b), do C.P.C., no qual se julgou a oposição improcedente.

Inconformado, o oponente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. O recurso tem por objecto a matéria de facto assumida como assente e o sentido com que, no entender do apelante, devia ser interpretada e aplicada a regra do artigo 323º do C.C.
2. Não pode ser assumida a parte final do ponto 3 dos factos assentes, isto é, de que o executado foi citado para os termos da execução em 14.5.2014, após tentativas prévias frustradas.
3. Por sua vez, devem acrescentar-se aos factos assentes todos os referidos no artigo 6.1 do corpo das alegações.
4. Por sua vez, o artigo 323º, nºs 1 e 2, do C.C., não tem o sentido normativo que a sentença lhe atribui.
5. Na verdade, é sentido comum e maioritário da jurisprudência do STJ que a denominada citação ficta de 5 dias, determinada no artigo 323º do C.C., não funciona se a citação real que se vem a realizar muito tempo depois, tão só, assim (tardia) se verifica.
6. Por virtude de a parte processual (ou seus auxiliares) no respectivo processo, terem infringido a lei, em qualquer termo processual, até à verificação da (real) citação – e tal infracção tenha sido facto não indiferente para tal tardia citação. Assim, Acórdãos do STJ, de 2.1.2007 e 4.7.2007.
7. Assim, pois, segundo as legis artis ad hoc e as regras da experiência comum, é de assumir que se a exequente tivesse cumprido as referidas prescrições processuais, a citação real do executado não teria sido realizada, tão só, em 14.5.2014, cerca de dois anos depois.
8. Pois, se a exequente tivesse indicado bens à penhora, como lhe era possível, dado que o executado tinha “contas” nesse banco, então o AE teria que ter procedido à respetiva penhora (artigo 833º-A, º 1, do anterior C.P.C., e artigo 751º, nº 2, do N.C.P.C.) e, feita esta, teria que ter citado o executado no prazo de 10 dias (artigo 864º, nº 2, do anterior C.P.C., e artigo 856º, nº 1, do N.C.P.C.).
9. Assim, se a exequente e o AE (seu auxiliar) tivessem cumprido as referidas disposições legais, a penhora de bens e a real citação do executado para a execução poderiam e deveriam ter ocorrido, seguramente durante o ano de 2012.
10. É manifesto que o efeito da citação ficta não se verifica; e que só vale como citação eficaz a efectuada a 14.5.2014.
11. Pelo que, a esta data, há que dar procedência à exceção de prescrição de 3 anos (artigo 70º da LULL) levantada nos embargos quanto à dívida exequenda – expressa e exclusivamente cambiária – como ocorrida ao fim de três anos, após o vencimento, de 15.6.2009, ou seja, a 16.6.2012.

A apelada apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença recorrida.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1. A presente execução deu entrada em tribunal em 12.5.2012.
2. A letra apresentada tem o seu vencimento em 15.6.2009, sendo o executado sacado e assinado no local do aceite.
3. O executado foi citado para os termos da execução em 14.5.2014, após tentativas prévias frustradas.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
As questões a decidir são as seguintes: se deve ser eliminada a parte final do ponto 3 dos factos assentes e, por outro lado, acrescentados a estes todos os referidos no artigo 6.1 do corpo das alegações; se, face ao disposto no artigo 323º, nºs 1 e 2, do C.C., terá ocorrido a prescrição invocada pelo executado/oponente.

I. O executado/oponente assume ter sido citado para os termos da execução em 14.5.2014, mas não que tal tenha ocorrido «após tentativas prévias frustradas» e, nesse sentido, pretende que esta expressão seja eliminada do ponto 3 dos factos assentes.
É claro que, como resulta dos autos, muito antes daquela data foi tentada a citação do ora oponente/apelante, resumindo a expressão em causa a dificuldade, no âmbito do processo, em identificar o local onde pudesse ser levado a cabo aquele ato, dificuldade que gerou o retardamento na sua concretização não imputável à exequente ou ao AE.
O despacho saneador recorrido reflete isso mesmo, referindo que, «na verdade, a execução em causa tinha dois executados, relativamente aos quais, de imediato, foi tentada a sua citação. Como consta dos autos, mesmo antes do requerimento do AE, de 15.2.2013, já tinha sido tentada a citação do executado C…, sem sucesso, uma vez que se desconhecia, na altura, a residência atual do mesmo».
Mantém-se, pois, que o executado foi citado para os termos da execução em 14.5.2014, após tentativas prévias frustradas.
Mas, o executado/oponente pretende ver incluídos na matéria assente os seguintes factos: “O domicílio do executado inscrito na letra exequenda e reproduzido no requerimento executivo é o mesmo em que o executado foi citado, ao abrigo do artigo 750º do C.P.C., por correio registado, aos 14-05-2014, e como primeira tentativa eficaz de citação”; “O executado era titular de aplicações financeiras no banco exequente”; “O exequente, no respetivo requerimento executivo, não indicou bens para penhora”; “O AE, após 3 meses de receber o requerimento executivo, não notificou, nem o exequente nem o executado, para indicar bens à penhora, nem procedeu a qualquer penhora”; “O executado, citado aos 14-05-2016, ao abrigo do artigo 750º do C.P.C., no prazo dos embargos, indicou bens à penhora – aplicações financeiras detidas por si no banco exequente”.
Com a pretendida ampliação dos factos enumerados, o executado julga ver demonstrada a sua tese de que a exequente tinha a obrigação legal de nomear bens à penhora no requerimento executivo, conforme se determina, em seu entender, no artigo 810º, nº 1, alínea i), do anterior C.P.C., e no artigo 724º, nº 1, alínea i), do atual C.P.C. Essa falta de indicação de bens à penhora teria provocado o retardamento na efetivação da citação imputável à exequente e consequente impossibilidade de aplicação da ficção legal estabelecida no nº 2 do artigo 323º.
Embora a questão venha a ser debatida a propósito da invocada prescrição do crédito cambiário da exequente, afirma-se, desde já, que a exequente não tinha a obrigação legal de indicar bens à penhora no requerimento executivo e, nesse contexto, a pretendida ampliação da matéria de facto não tem fundamento.

II. Estabelece o artigo 70º da LULL que todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
Por sua vez, dispõe o artigo 323º do C.C. que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente – nº 1.
Porém, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias – nº 2.
Dado que letra apresentada tem a data do seu vencimento em 15.6.2009, o prazo de prescrição ocorreria a 16.6.2012 e, tendo a exequente proposto a execução em 12.5.2012, deve ter-se tal prescrição por interrompida decorridos cinco dias após, ou seja, a 17.5.2012, uma vez que a citação do executado apenas foi concretizada posteriormente (14.5.2014).
A interrupção da prescrição a 17.5.2012 só poderá ser considerada, no entanto, se a falta de citação nos cinco dias posteriores à propositura da execução, se tiver ficado a dever a causa não imputável à exequente.
A ficção legal estabelecida no nº 2 do citado artigo 323º do C.C. pressupõe que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; que a citação não tenha sido efetuada nesse prazo de cinco dias; e que o retardamento na efetivação da citação não seja imputável ao requerente.
A expressão “causa não imputável ao requerente” deve ser interpretada «em termos de causalidade objetiva, ou melhor, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual e até à verificação da citação». Acórdão do STJ, de 20.5.1987, BMJ 367, pág. 483.
Contrariamente ao sustentado pelo executado/apelante, pensamos que o retardamento na efetivação da sua citação não pode ser imputado à exequente e, portanto, deve considerar-se verificada a ficcionada interrupção da prescrição prevista no nº 2 do artigo 323º do C.C.
É que, contrariamente ao defendido pelo executado/apelante, a exequente não tinha a obrigação legal de indicar bens à penhora no requerimento executivo.
Iremos fazer referência às normas do anterior C.P.C., dado que, tratando-se de questão relativa ao requerimento executivo duma execução iniciada na vigência daquele, o novo diploma não é aplicável, conforme se estabelece no nº 3 do artigo 6º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
Quanto ao requerimento inicial executivo, o artigo 810º, nº 1, alínea i), do anterior C.P.C., refere que o exequente «indica, sempre que possível, o empregador do executado, as contas e os bens deste, bem como os ónus e encargos que sobre eles incidam».
Trata-se, na terminologia de Lebre de Freitas, de uma das menções, facultativas ou eventuais, do requerimento executivo, referindo que «apesar de eventual, esta indicação deve ser feita “sempre que possível”, no interesse do próprio exequente». A Ação Executiva Depois da Reforma, 4ª edição, págs. 158 e 159.
E o artigo 724º, nº 1, alínea i), do atual C.P.C., no que toca à indicação dos bens a penhorar, com algumas alterações de redação, manteve a mesma natureza de menção, facultativa ou eventual, do requerimento executivo. cfr. Lebre de Freitas, A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, pág. 183.
Ou seja, o facto da exequente Banco B…, S.A., não ter indicado bens penhoráveis no requerimento executivo em nada pode ter afetado o regular andamento da execução, tanto mais que a lei processual nem sequer lhe impunha a obrigação de proceder a tal indicação.
O retardamento na efetivação da citação do executado não é, pois, imputável à exequente, mas a razões de ordem judiciária e processual e, por conseguinte, considera-se interrompida a prescrição no quinto dia posterior à propositura da execução, ou seja, a 17.5.2012, cerca trinta dias antes do termo do prazo daquela (16.6.2012).
Improcede, deste modo, o recurso do executado/oponente C….

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar o despacho saneador recorrido.

Custas pelo apelante.

Sumário:
I. A ficção legal estabelecida no nº 2 do artigo 323º do C.C. pressupõe que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; que a citação não tenha sido efectuada nesse prazo de cinco dias; e que o retardamento na efetivação da citação não seja imputável ao requerente.
II. A indicação de bens a penhorar, nos termos em que a prevê o artigo 724º, nº 1, alínea i), do C.P.C., reveste a natureza de menção facultativa ou eventual do requerimento executivo.

Porto, 16.10.2017
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido