Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17126/26.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO DO CONTRATO
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Nº do Documento: RP2024020817126/26.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
II - O Tribunal da Relação, nos termos do art. 662.º, nº 1 do CPC, apenas deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, ou seja, apenas quando se possa concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
III - A mora pode converter-se em incumprimento definitivo na sequência de uma interpelação admonitória ou intimação para o cumprimento, dentro de um prazo razoável, nada obstando a que tal interpelação seja efetuada verbalmente, já que a respetiva eficácia não está sujeita a qualquer forma legal.
IV - No contrato de empreitada, para além do direito de resolução do contrato por via das regras especiais dos arts. 1221.º e 1222.º, do Código Civil, também por via das normas gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que não se revelem incompatíveis com aquele regime da empreitada, pode ser pedida a resolução do contrato, mais concretamente com base no incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, ao abrigo do disposto nos arts. 808.º e 801.º do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 17126/21.0T8PRT.P1

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
A..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., Fafe, instaurou ação contra B..., Lda., com sede na Rua ..., n.º ..., 1.º esq., Porto, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 130.377,00 € (reduzido para 126.969,67 € em sede de audiência de julgamento), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 7% ao ano desde a citação e até efetivo pagamento, alegando, em suma, que, na qualidade de empreiteira, celebrou com a Ré um contrato de empreitada, que esta denunciou infundadamente, não pagando os trabalhos construção civil realizados, entre trabalhos inicialmente previstos e trabalhos a mais, o valor de 58.377,51 € e causando-lhe um lucro cessante de 72.000,00 €.
Citada, a Ré defendeu-se, quer por exceção, quer por impugnação, imputando, por sua vez, à Autora, atrasos no cumprimento dos trabalhos, comprometedores do prazo final de entrega da obra, bem como uma série de deficiências na execução dos trabalhos, que refere terem sido denunciadas e, após interpelação admonitória, geraram o incumprimento definitivo, e justificam um pedido de indemnização que ascende a 322.615,54 € que pede em Reconvenção.
Na resposta, a Autora imputou à Ré as razões dos atrasos na execução de trabalhos e negou quaisquer defeitos de construção não reparados por si, inexistindo qualquer fundamento para denúncia do contrato por parte da ré que não a interpelou para cumprir.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu:
“Pelo exposto:
1. Julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a R. a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar pelos trabalhos supra discriminados em 12 dos Factos Provados, absolvendo a R. dos demais pedidos, e
2. Julgo a Reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a A. a pagar à R., a quantia que se vier a liquidar pela reparação dos defeitos supra discriminados em 24 a 26 dos Factos Provados e pela desvalorização do imóvel referida em 28 dos Factos Provados, absolvendo a A. dos demais pedidos.
3. Custas da ação e da reconvenção por A. e R., por ora na proporção de metade e ulteriormente em função da decisão da respetiva liquidação.”.
*
Não se conformando com o assim decidido, vieram interpor recurso tanto a autora como a ré, recursos que foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Formulou a autora recorrente, as seguintes conclusões:
“a) Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., que julgou parcialmente procedente a acção, e, em consequência:
- condenou a R. a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar pelos trabalhos supra discriminados em 12 dos Facos Provados, absolvendo a R. dos demais pedidos, e
- Julgou a Reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a A. a pagar à R. a quantia que se vier a liquidar pela reparação dos defeitos supra discriminados em 24 a 26 dos Factos Provados e pela desvalorização do imóvel referida em 28 dos Factos Provados, absolvendo a A. dos demais pedidos.;
b) Porém, tal decisão não está correcta, tendo o tribunal incorrido em erro de julgamento e ainda realizado uma deficiente fundamentação da matéria de facto, bem como fez uma errada aplicação do direito.
c) Considerando os factos insertos na fundamentação da sentença, entende a apelante que a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 17, 22, 23, 24, 26, 27, 28, dos factos provados e dos factos não provados supra identificados sob as alíneas a), b), d), e), j), k), l), m), ee), ff), gg), kk), ll), nn) e oo), ante a prova produzida nos autos, é errada, porquanto aqueles pontos deviam ser dados como não provados e as alíneas referidas como factos provados;
d) Quanto ao ponto 17. dos factos provados, percorrendo a motivação de facto da sentença, inexiste qualquer referência a qualquer prova produzida no sentido da factualidade em causa. Pelo que, não se percebe o que motivou o Tribunal “a quo” a responder e a dar tal matéria factual como provada;
e) Ademais, não logrou a R. fazer prova de qualquer interpelação à A. Quanto às deficiências e ainda no sentido desta proceder à correcção das imperfeições do betão armado, designadamente mediante fixação de prazo para o efeito e bem assim, de uma interpelação com cominação;
f) Não obstante a falta de interpelação (que não existiu), é facto que a A. Caso existissem imperfeições, sempre estaria em tempo de proceder à sua eliminação ou correcção, pois a obra ainda estava dentro do prazo acordado para a sua execução.
Sendo que, apenas a final a obra deveria ser entregue sem vícios;
g) Não houve qualquer interpelação com caráter ou natureza admonitória e nesse sentido, não pode considerar ter existido uma verdadeira interpelação capaz de determinar a mora por parte da A. e após isso, um incumprimento definitivo, aliás estando a obra em curso no mês de Dezembro de 2020, a A. sempre estaria em tempo de proceder a quaisquer eventuais deficiências e cumprir o contrato;
h) Quanto ao ponto 22., a resposta a este facto não está correcta, porquanto, não foi produzida prova no sentido de que o betão à vista na cave ficou com o acabamento destruído. Na verdade, da prova produzida o que resultou foi que o betão da cave teve escorrências, tendo sido reparadas pela A., tais escorrências então verificadas e que essa reparação foi aceite pela R.. Aliás, neste sentido importa além do mais considerar o depoimento da testemunha Eng. AA, prestado em 10/11/2022, gravado em sistema digital áudio em uso no tribunal, das 14:34:24 às 16:28:47, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido;
i) No que concerne aos pontos 23. e 24., não foi feita prova bastante e idónea acerca desta factualidade. Na verdade, a R. pese embora tenha feito esta alegação no seu articulado e ter o ónus probatório, é facto que não foi produzida qualquer diligência idónea de prova quanto às apontadas deficiências. Pois atenta a natureza das alegadas ou pretensas deficiências, a sua demonstração requerer a competente perícia e ainda a instrução com documentos que atestem essa situação. Porém, a R. não requereu qualquer diligência de prova no sentido de lograr a sua verificação, pois não foi feita qualquer perícia à obra nem mesmo foi junto qualquer elemento documental nesse sentido;
j) Em face desta situação, não se entende o sentido logico de se ter dado como assente ou provada a dita factualidade, o que não se aceita;
k) Ademais, não entende a recorrente que em sede de motivação da sentença, que considera insuficiente, o Tribunal “a quo” se tenha limitado a fazer uma referência genérica e sem conteúdo essencial dizendo “Os restantes factos, tais como o estado da obra construída pela A. aquando da sua saída, em face da coincidência essencial a esse respeito entre o depoimento da Eng. AA e o Eng. BB, o Tribunal considerou demonstrados os factos nos termos que veio a dará como assentes”;
l) Ora, não referiu o Tribunal “a quo”, o que na verdade foi dito por aquelas testemunhas que por si fosse suficiente para dar como provados aqueles factos, e, por consequência, não se percebe o sentido e a lógica do resultado apontado e conferido pelo Tribunal;
m) Além do mais, contrariamente ao referido pelo Tribunal “a quo”, do depoimento da testemunha Eng. AA, prestado em 10/11/2022 e 02/02/2023, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido, nada resulta que permita concluir pelas referidas deficiências;
n) Relativamente ao ponto 27., não aceita a recorrente resposta formulada pelo Tribunal “a quo”, pois não encontra fundamento na prova produzida nos autos e contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, a resolução unilateral do contrato levada a cabo pela R., foi e é infundada;
o) Aliás, não tendo sido demonstrada a factualidade indicada nos pontos 22., 23. e 24., como se alegou e fundamentou supra, inexiste qualquer motivo ou fundamento para a decisão de dar como facto provado o constante sob o ponto 27. E consequentemente a decisão de resolução do contrato, por parte da R.;
p) Contrariamente ao referido na sentença, o betão na cave não ficou destruído, mas antes verificou-se existirem escorrências. Porém, esta situação foi objecto de reparação/correcção pela A., tendo a R. aceitado a mesma, aliás, como evidencia a prova produzida. Assim sendo, a realização da correcção da imputada deficiência por parte da A. e a aceitação desta, por parte da R., achando a situação conforme, tem como consequência, como se compreende, a impossibilidade de imputação de qualquer vicio a esse nível e que sirva de fundamento a uma decisão de resolução do contrato de empreitada;
q) Por outro lado, a factualidade inserta nos pontos 23. e 24., como se alegou supra, não foi demonstrada por falta de meios idóneos de prova nos autos e como tal, não se percebe nem concede a decisão formulada quanto a esses pontos da matéria de facto;
r) Sem prejuízo desta ausência de prova da factualidade, resulta ainda que não assistia à R. o direito de resolução do contrato, tanto mais que, a obra estava ainda em execução e no prazo da mesma, podendo a A. corrigir a existência de eventuais ou pretensas deficiências, antes da entrega da obra contratada (momento em que assiste ao dono da obra a possibilidade para verificar a mesma e perante a existência de anomalias reclamar pela sua eliminação). Com efeito, estando a obra em curso e dentro do prazo fixado, objectivamente, inexistia qualquer fundamento para a resolução do contrato;
s) Aliás, a corroborar esta situação é fundamental atentar na matéria de facto provada sob os pontos 6., 7., 8. e 29.;
t) Sendo ainda certo que, o Tribunal “a quo” com interesse para esta matéria, sempre deveria ter considerado um facto relevante e relativamente ao qual se pronunciou na motivação da sentença, no caso, a data da obtenção do alvará de licença da obra, pois esta é uma data determinante para a contabilização do prazo de execução. E quanto a este facto é referido na motivação a fls, dizendo que, “(…) a licença foi obtida unicamente em 28/01/2020”;
u) Porém, é inequívoco que à data da resolução do contrato, manifestada na atitude da R. em impedir que a A. continuasse na obra, como resulta do facto provado em 9., a A. estava em prazo para a execução da obra e também para proceder à correcção de eventuais anomalias, o que determina a falta de fundamento para a decisão tomada pela R., de resolver o contrato.
v) Aliás, resulta da prova produzida, designadamente do depoimento da testemunha AA, prestado em 10/11/2022, gravado em sistema digital áudio em uso no Tribunal, supra transcrito e que aqui se dá por reproduzido, que aquando da atitude assumida pela R. de não permitir que a A. continuasse na obra, ainda faltavam cerca de 6/7 meses para o final do prazo contratado;
w) Além disso, não foi feita qualquer prova de que a R. por via das alegadas deficiências, tenha interpelado de forma admonitória a A. para proceder a quaisquer correcções. Neste sentido carece de fundamento ou razão a factualidade inserta no ponto 27., como causa justificativa da decisão de resolução do contrato;
x) Aliás, nesta matéria assume particular importância a questão da interpelação admonitória, a qual, sendo uma declaração intimativa, deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento;
y) Ora, como antes se referiu e resulta dos autos, nunca e em momento algum a R. – dona da obra, fez tal declaração intimativa e admonitória, para efeito de cumprimento. Sendo que a interpelação admonitória não surge no art.º 808 como um simples pressuposto da resolução do contrato (...) mas antes uma ponte obrigatória de passagem de tal ocorrência transitória da mora para o incumprimento da obrigação ou para a situação mais firme e mais esclarecedora do não cumprimento (definitivo) da obrigação;
z) Sucede que, a R. não fez qualquer interpelação admonitória quanto à pretensas deficiências, a obrigatoriedade de as corrigir e a fixação de prazo para esse efeito. Sendo certo que, este passo prescrito legalmente é fundamental para a invocação de justa causa de resolução;
aa) A interpelação admonitória não existiu, e, por isso, não se verificou o incumprimento definitivo da A., capaz de motivar a resolução do contrato de modo unilateral por parte da R.;
bb) Assim, com a resolução do contrato em tal condicionalismo por parte do dono da obra coloca-se este na situação de não poder reclamar do empreiteiro qualquer indemnização com fundamento em obra por executar ou em defeitos a corrigir ou até por pretensos danos morais decorrentes da execução da empreitada, permanecendo, por outro lado, na obrigação de cumprir para com o empreiteiro com o que havia acordado no âmbito da empreitada;
cc) Ante o exposto, não se nos afigura correcta a decisão proferida quanto a esta matéria factual por parte do Tribunal “a quo”, devendo a mesma ser considerada como não provada;
dd) Quanto ao ponto 28. da matéria de facto provada, este facto mostra-se erradamente julgado, na medida em que, não resulta da prova produzida nos autos a efectiva existência de vícios na obra, desde logo porque não foi produzida prova idónea para esse efeito, designadamente a prova pericial, ou seja, a obra não foi verificada de modo a constatar a existência de vícios e designadamente dos termos em que foi executada. Deste modo, com seriedade, não é possível afirmar o que consta do ponto 28.;
ee) Assim, sempre os pontos supra referidos devem ser alterados para factos não provados.
ff) Além disto, entende a A. apelante que também não foram correctamente julgados os factos insertos sob as alíneas dos factos não provados, supra referidas, designadamente: a), b), d), e), j), k), l), m), ee), ff), kk), ll), nn) e oo);
gg) Pois, foi produzida prova bastante para que tais factos fossem considerados provados. Aliás, se atentarmos nos depoimentos da testemunha AA e do legal representante da A. Eng. CC, supra transcritos e que aqui por economia processual se dão por reproduzidos, que acompanharam integralmente a obra, deram conta de forma clara e assertiva das vicissitudes ocorridas na sua execução, mormente no que tange à matéria inserta nas referidas alíneas;
hh) Mais de forma assertiva explicaram os valores em divida e insertos nos documentos juntos aos autos, o que permite numa conjugação de tais depoimentos com os documentos (facturas), concluir pela existência da divida peticionada.
ii) Assim, ante o alegado e o que melhor resulta da prova produzida impõe-se que este venerando Tribunal da Relação, no âmbito dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, proceda à reavaliação da prova existente nos autos, e em consequência, devem os factos constantes dos pontos 17., 22., 23., 24., 27., 28., serem alterados para não provados, e os factos constantes das alienas a), b), d), e), j), k), l), m), ee), ff), kk), ll), nn) e oo), serem alterados para provados;
jj) Resulta ainda da sentença que, a fundamentação da matéria de facto não se mostra feita em conformidade, sendo manifestamente insuficiente, atento o dever de fundamentação da matéria de facto, previsto no nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil;
kk) A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo outrossim indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade dessa convicção sobre o julgamento de facto e de convencer os destinatários sobre a sua correção. Esse dever de fundamentação exerce, assim, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional, devendo, por isso, o juiz exteriorizar o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre determinado facto, expondo com clareza os motivos essenciais que o determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida, permitindo, desse modo, que quer a parte prejudicada pela decisão, quer o tribunal de recurso possa fundadamente sindicar o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade;
ll) Ora, atenta a discriminação das concretas questões de facto supra suscitadas em sede de impugnação da matéria de facto, é facto que não se mostra cumprido o comando normativo plasmado no nº 4 do citado art. 607º;
mm) Em suma: a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, deverá fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador – só assim se realizando verdadeiramente uma “análise crítica das provas”;
nn) Perante o modo como o Tribunal “a quo” decidiu fundamentar a decisão de facto, entende a apelante que não é verdadeiramente possível habilitar o destinatário a controlar o iter decisório que conduziu o julgador a considerar provada e não provada a materialidade nela enunciada, nomeadamente no concernente às concretas afirmações de facto que consubstanciam objecto da impugnação da matéria de facto supra melhor identificada quer quanto aos factos provados quer quanto aos factos não provados;
oo) Face à forma marcadamente genérica e aglutinadora como o Tribunal “a quo” decidiu motivar a decisão da matéria de facto, fica-se, em termos objectivos, sem saber em que concretos meios probatórios se ancorou para fixar a matéria de facto objecto de impugnação da forma como o fez, acarretando tal técnica alguns equívocos e até contradições aparentes que urgem ser esclarecidas;
pp) Acresce que, em sede de motivação da decisão de facto e consequente análise crítica das provas, a Mmª Juíza “a quo” nada escreveu no tocante ao factos dados como não provados sob as alienas a), b), d), e), j), k), l), m), ee), ff), kk), ll), nn) e oo), usando uma motivação totalmente vaga e genérica;
qq) Assim, desconhecem-se os motivos que conduziram a esse juízo probatório negativo;
rr)Também a factualidade dada como provada e supra impugnada, sem prejuízo do erro de julgamento e que supra se expôs, padece de igual vicio de deficiente fundamentação, pois inexiste uma verdadeira e cabal fundamentação, pois relativamente aos pontos 17, 22, 23, 24, 27 e 28, dos factos considerados provados, verifica-se que o Tribunal “a quo”, em grande medida, acabou motivar o sentido decisório que quanto a elas trilhou de forma aglutinadora, ficando-se sem saber qual ou quais os concretos subsídios de prova que, afinal, foram determinantes para o juízo probatório emitido relativamente a cada um dos enunciados fácticos em crise.
ss) Considerando a prova produzida e a resposta a formular aos quesitos e bem assim a integração dos factos ao direito, a subsunção dos factos e aplicação da lei, mostra-se errada. Porquanto, não ocorreu o incumprimento definitivo por parte da A. (empreiteiro) e por outro lado, como se alegou e fundamentou supra, não foi feita prova idónea da existência das alegadas deficiências, pois não foi realizada qualquer perícia nem juntos quaisquer documentos para prova dessa factualidade, o que determina a falta de fundamento para a resposta formulada pelo Tribunal “a quo”. Pelo que, contrariamente ao vertido na sentença, não assiste ao dono da obra (R.) o direito de indemnização correspondente ao custo das obras de reparação dos defeitos relativos ao betão armado nem mesmo quanto a qualquer desvalorização do imóvel decorrente dos pretensos defeitos;
tt) É consabido que o apuramento das deficiências, apenas com recurso a uma perícia e ainda com elementos documentais se tornaria possível, assistindo à R. o ónus de requerer a realização de tais elementos probatórios, o que esta não fez;
uu) Ademais, não existe nos autos qualquer documento comprovativo da interpelação da A., feita pela R., no que à eliminação ou correcção das pretensas deficiências, diz respeito;
vv) Com efeito, sempre uma qualquer interpelação para cumprimento impunha o cumprimento de certos requisitos, com vista ao cumprimento da obrigação, que apenas quando tal imposição não seja cumprida, é que a mora se converte em incumprimento definitivo. Impunha-se a necessidade de uma interpelação admonitória. Aliás, como supra se alegou e aqui se reitera, como resulta do disposto no artigo 808.º do CC, a interpelação admonitória (declaração intimativa) deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento. A interpelação admonitória não surge no art.º 808 como um simples pressuposto da resolução do contrato (...) mas antes uma ponte obrigatória de passagem de tal ocorrência transitória da mora para o incumprimento da obrigação ou para a situação mais firme e mais esclarecedora do não cumprimento (definitivo) da obrigação;
ww) Não se verifica a interpelação admonitória, mesmo na hipótese de ter havido intimação (que não houve) sem a fixação de um prazo ou um termo peremptório para o cumprimento, nem ainda se não existiu qualquer a advertência de que, se não cumprisse dentro do prazo fixado, de que a obrigação da A. (empreiteira) se tinha por definitivamente não cumprida. E sem ela a mora da A. (empreiteira) não se pode converter em não cumprimento definitivo, visto que ela é a ponte obrigatória de passagem da ocorrência transitória da mora para o incumprimento (definitivo) da obrigação;
xx) No presente caso, não existiu qualquer interpelação que pudesse configurar uma interpelação admonitória e que tivesse como consequência o incumprimento definitivo. E assim, não se percebe nem concede a posição manifestada pelo Tribunal “a quo”, que não tem arrimo em qualquer elemento probatório, que surja como determinante para se considerar que ocorreu a mora e o incumprimento definitivo da A. (empreiteira);
yy) Nesta conformidade, não há fundamento para a resolução do contrato, tanto mais que, nem sequer existiu qualquer convenção entre as partes quanto a esta situação nem ocorreu um fundamento legal, ficando afastado o exercício de um direito potestativo vinculado (art. 432º/1 do CC). Sendo ainda certo que, o fundamento legal de resolução é, nos termos dos arts. 801º/1/2 e 802º/1 e 808º do C. Civil, a impossibilidade de cumprimento da prestação, enquanto geradora de incumprimento definitivo - que pode decorrer da superveniência de um facto que o torne impossível ou resultar da conversão da mora em incumprimento através da perda do interesse do credor - ou do facto de o devedor não cumprir após interpelação admonitória em que o credor lhe fixou um prazo razoável para o cumprimento. Ora, a prestação era ainda possível, pois a obra encontrava-se em plena execução e dentro do prazo contratualizado e a existirem as pretensas deficiências sempre a A. teria o direito de proceder à sua eliminação até à entrega da obra. Pelo que, a perda do interesse do credor, que em Dezembro de 2020, resolveu o contrato, apreciada objectivamente, não tem fundamento, pois não basta que o credor afirme, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa para que se considere que perdeu o interesse na prestação. Há que analisar, em face das circunstâncias, concretas e objectivas, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas e neste conspecto, estando a obra a decorrer e em prazo para o seu cumprimento, não tendo sido feita qualquer interpelação admonitória para cumprir com determinadas obrigações, afasta a possibilidade de verificação de um incumprimento definitivo por parte da A. empreiteira;
zz) Na verdade, não tendo o dono da obra provado ter interpelado o empreiteiro para cumprir, ou seja, para acabar a obra e eliminar os pretensos defeitos e no prazo fixado, antes assumindo a opção de resolver, sem mais, o contrato, o não cumprimento por parte do empreiteiro, a ter existido (mas não existiu), apenas ao dono da obra tem de ser imputado;
aaa) Pelo que, com a resolução do contrato em tal condicionalismo por parte do dono da obra coloca-se este na situação de não poder reclamar do empreiteiro qualquer indemnização com fundamento em obra por executar ou em defeitos a corrigir, permanecendo, por outro lado, na obrigação de cumprir para com o empreiteiro com o que havia acordado no âmbito da empreitada;
bbb) Deste modo, a sentença proferida é errada, pois inexiste a obrigação de indemnização por parte da A. – empreiteira;
ccc) Donde a sentença apelada ter violado, entre outros, o disposto nos artºs 342.º, 432.º, 801.º, 802.º, 805.º, 1218.º, 1221.º, 1229.º do Código Civil.
Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos artºs, 607º, nº 4, 615º nº 1 al. b), 640º, 662º, nºs 1 e 2), todos do CPC.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença apelada, julgar-se a ação procedente e a reconvenção improcedente com as legais consequências.”.

Respondeu a Ré/Recorrida, apresentando contra-alegações e concluindo pela total improcedência do recurso.
*
Ré que, por sua vez, interpôs também recurso, com as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem, interposto da sentença proferida em 10/04/2023, que julgou a ação parcialmente procedente, bem como a reconvenção deduzida pela ora Recorrente, absolvendo a Autora e a Ré, quando ao demais ali peticionado, uma vez que, com todo o devido respeito, julgou improcedente o pedido da Recorrente com base numa errada ponderação e valoração da prova produzida, e numa desacertada aplicação do Direito, pelo que se impugna a matéria de facto dado como provada e não provada e a fundamentação de direito, constituindo o objeto do recurso.
Do recurso da matéria de facto
B. Perante a análise dos documentos integrados nos artigos 200.º e 201.º da reconvenção – cujo teor é confirmado pelos depoimentos das testemunhas BB e DD, resulta claro que, à revelia do acordado, a Autora utilizou ferro da categoria A400 no piso superior da moradia, em vez do preestabelecido A500.
C. Por conseguinte, não cabia ao Tribunal concluir como facto não provado que O ferro do piso superior não tivesse a espessura de revestimento definida e adequada para a estrutura em betão – justamente por ser isso que se conclui da prova produzida.
D. O mesmo se diga em relação à circunstância da sentença em crise dar como não provado que tenha sido aplicado ferro não amarrado na estrutura.
E. Mais uma vez, resulta claro dos documentos integrados no artigo 205.º da reconvenção, mormente quando conjugado com os depoimentos de BB e EE.
F. Não se compreende, ainda, como foi possível ao Tribunal a quo concluir que a factura n.º ..., de fls. 16, não obstante corresponder a trabalhos que reconhecidamente foram realizados, sem referência ao respectivo auto de medição, não se mostrou possível determinar o seu valor, e daí, sem mais, extrapolar para a conclusão de que tais trabalhos, que reconhecidamente foram realizados, não haviam sido atempadamente pagos pela Ré
G. Com efeito, a análise global da prova produzida, quando devidamente apreciada e considerada, impõe, necessariamente, uma conclusão diversa.
H. De facto, se dos elementos juntos aos autos, pela Autora e pela Ré, e mais ainda, se do depoimento conjugado de diversas testemunhas, resulta claro e inequívoco, que os trabalhos foram sendo levados a autos, histórica e sequencialmente, que se os trabalhos a mais incluídos naquela factura remontam aos primeiros meses de obra, que se a meio da obra – e já, portanto, depois da realização daqueles trabalhos e do seu lançamento em auto – a Autora reconhece que nada tinha a haver da Ré e que, esta inclusivamente, estava a ser uma ajuda preciosa do ponto de vista do apoio financeiro – garantindo o pagamento atempado dos autos, mesmo antes do prazo definido –, não colhe qualquer lógica, no conspecto dos presentes autos, que se conclua que, serviços prestados nos primeiros 6 meses de obra, apenas foram facturados 6 meses depois da saída da Autora da obra e depois de goradas as negociações encetadas entre as partes – e pelo menos um ano depois da incorporação dos ditos trabalhos a mais.
I. Perante a referida prova até se podia concluir que A A. realizou o desaterro em terreno rochoso, a abertura de caboucos e desaterro de rampa de acesso à cave da moradia em terreno rochoso, forneceu e aplicou betão e limpeza da cave.
J. Sob nenhuma forma compreensível ou sequer atendível se pode concluir, do que resulta dos autos, que tais trabalhos não foram oportunamente lançados em auto de obra e, concomitantemente pagos pela Ré no momento historicamente oportuno, aceitando como legítima a invocação da dívida a destempo, o que também resulta claro e evidente dos documentos apresentados, desde logo os que constam integrados na petição da reconvenção, como sejam os constantes do artigos 117.º, 135.º, 136.º, 137.º e 219.º desse articulado, bem como das testemunhas AA, DD e CC
L. tudo conjugado, por se revelar, em rigor, um facto notório no contexto dos autos, pela prova produzida e pela apreciação lógica, à luz das regras da experiencia comum, sempre haveria o tribunal de concluir que todos os ditos trabalhos a mais, porque lançados em autos anteriores, já haviam sido pagos pela Ré, oportunamente.
M. Em consequência do supra exposto, tudo considerado, importa concluir que o Tribunal errou na apreciação da matéria de facto, pelo menos na medida do que agora vem exposto, mormente quanto em confronto com os factos provados e não provados que se começa por indicar, no introito desta alegação, e nessa medida leva a uma errada aplicação do direito que se subsume, sendo de concluir que a sentença está errada na medida em que desconsidera ou considera mal a prova que vem agora escalpelizada, devendo nessa justa medida ser revista em conformidade.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação, com todas as consequências,
Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!”

A este recurso respondeu a Autora/Recorrida, concluindo pela improcedência do recurso interposto pela ré.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II - DO MÉRITO DO RECURSO
1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.

Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelas apelantes, são as seguintes as questões a apreciar:
- Nulidade da sentença;
- Se ocorre erro de julgamento, por errada apreciação das provas, e consequente alteração da decisão da matéria de facto;
- Decidir se em conformidade, face à alteração, ou não, da matéria de facto e subsunção dos factos ao direito, deve ser alterada a análise jurídica.
*
*
2. Decisão recorrida
2.1. Factualidade considerada provada e não provada na sentença
O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
“Da PI
1. O A. dedica-se à actividade industrial de construção civil;
2. O que faz com carácter habitual e fim lucrativo.
3. No exercício daquela sua actividade o A. celebrou com a R., em 04 de Março de 2019, um contrato de empreitada tendo por objecto obras de construção civil, designadamente a construção de um edifício destinado à habitação, sito na Rua ..., ... da Rua ..., no concelho do Porto.
4. De acordo com o contrato celebrado entre as partes, o preço fixado foi de 720.000,00 acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que a R. aceitou e se obrigou a pagar à A..
5. Preço esse a pagar no decurso da obra, nas condições seguintes:
a) até ao dia 8 do mês seguinte ao mês de aprovação dos autos mensais a que digam respeito;
b) a título de adiantamento - 5% do valor da obra acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
6. O prazo de execução da obra foi fixado em 18 meses a contar da emissão do alvará de construção e para tanto do início dos trabalhos, não podendo o empreiteiro, aqui A., ser responsabilizado por eventual suspensão dos trabalhos ou atrasos decorrentes da emissão não atempada da licença de construção;
7. A A. iniciou as obras de construção em Setembro de 2019.
8. A. A. alterou a finalização do betão à vista de tinta branca para verniz incolor quer nos muros da moradia quer nos muros exteriores.
9. Em Dezembro de 2020, a A. impediu que a R. continuasse a construção da obra (este facto enferma de lapso, já que será a ré quem impediu a autora de continuar).
10. A e R. entraram em negociações com vista a resolver a pendência do assunto.
11. Quando a A. deixou a obra, havia executado a obra em grosso, com algumas estruturas de pladur no interior, isolamento térmico no interior, cobertura e isolamento da mesma cobertura com telas e lajetas.
12. A A. realizou o desaterro em terreno rochoso, a abertura de caboucos e desaterro de rampa de acesso à cave da moradia em terreno rochoso, forneceu e aplicou betão e limpeza da cave.
Da Contestação
13. O projecto de arquitectura da obra dos autos foi elaborado pelo gabinete de arquitectura C....
14. A utilização de “betão à vista” é um dos mais reconhecidos elementos distintivos da obra do referido arquitecto, sendo motivo de reconhecimento nacional e internacional.
15. Foi, neste caso concreto, um elemento crucial da decisão da R.
16. A A. sabia deste facto e da relevância que o mesmo assumia para a R. quando aceitou a adjudicação da empreitada.
17. A R. alertou a A. para atrasos na realização de trabalhos e pelo menos a partir de Setembro de 2020 interpelou-a para a correcção das imperfeições do betão armado.
18. A A. comprometeu-se a executar uma obra cujo elemento fundamental e distintivo era a apresentação de “betão à vista”.
19. Do n.º 1 da Cláusula 9ª do contrato de empreitada dos autos resulta que o empreiteiro se comprometeu a executar a empreitada “…em estreita harmonia e consonância com o previsto e estabelecido no presente contrato, com o projecto de arquitectura, projectos de especialidades, projectos de execução e peças desenhadas e alterações ao projecto, que constituem os anexos I, II, III, IV, V, VI, os quais, conjuntamente com o presente contrato, regem todos os termos e condições da empreitada em apreço e com os quais se deve o EMPREITEIRO conformar e pautar a sua atitude e desempenho”.
20. Acresce o n.º 2 da mesma Cláusula que “Os projectos, as respectivas alterações e as peças escritas e desenhadas a que se refere o número que antecede, já foram pelo DONO DA OBRA facultadas anteriormente ao EMPREITEIRO…”.
21. Este projecto assentava no conceito de construção com “betão à vista”, o que foi objecto do orçamento que a A. apresentou à Ré.
22. O betão à vista na cave ficou com o acabamento destruído, o que foi reparado pela A.
23. Quando a A. saiu da obra, a mesma apresentava paredes tortas, desalinhadas em função do nível do chão, com desaprumos.
24. O acabamento de betão à vista realizado pela A. ficou muito imperfeito e com ferro superficial.
25. No projecto de arquitectura a estrutura da obra estava prevista em ferro de categoria A500.
26. A A. executou a estrutura a nível da cave com ferro de categoria A400, de menor densidade do que o ferro de categoria A500.
27. Os factos supra descritos em 22 e ss. estiveram na origem da decisão da R. supra descrita em 9).
28. A construção do betão à vista pela A. nos termos sobreditos causou uma desvalorização do edifício da R.
Da Nova PI
29. A Ré não logrou obter até Setembro de 2019 o competente alvará de licença de construção, com as seguintes consequências em obra: Impossibilidade de obtenção de licença para ocupação da via pública com o equipamento necessário para a execução da obra, designadamente, da grua; b-) Impossibilidade de obtenção de ramais de fornecimento de energia eléctrica e de água para a obra.
30. Com estas condicionantes, para iniciar os trabalhos de imediato, a A. teve de colocar em obra um caminhão grua, com custos acrescidos de mão de obra e combustível.
31. A Ré exigia fiscalizar a obra nos momentos que antecedessem as fases críticas da sua execução, designadamente, a betonagem das lajes e dos muros.
32. A A. planeou executar primeiro os trabalhos interiores da moradia, deixando os trabalhos exteriores para a fase final, designadamente, os muros exteriores.
33. E contratou os materiais e os meios necessários em conformidade com este plano previamente definido.
34. Nem a A. nem a Ré previram que no local da obra existissem maciços rochosos de grandes dimensões.
35. A A. teve necessidade de realizar trabalhos extra, não previstos no contrato de empreitada, no desmonte e retirada daqueles maciços rochosos.
*
E deu como não provada a seguinte factualidade:
“IV - Factos não provados
Todos os que se mostram em contradição com os que se deram como assentes, designadamente e ainda que:
Da PI
- A R. se intrometesse nos trabalhos, criasse dificuldades, levantasse obstáculos e atrasasse o pagamento das prestações.
- A R. se intrometesse na execução dos trabalhos.
- Tenha ordenado a demolição e a concretização e nova construção de forma diversa.
- O projecto não previsse betão à vista.
- A R. tenha demorado na indicação do tipo de alumínio a utilizar e respectiva coloração.
- Tenha protelado o avanço e curso dos trabalhos.
- A R. tenha exercido uma fiscalização excessiva.
- A necessidade de responder sistematicamente às mais diversas questões colocadas e explicação da execução e dos materiais a aplicar tenha constituído um obstáculo à normal execução dos trabalhos.
- A R. se quisesse sobrepor a todos os que estavam a trabalhar.
- A factura n.º ... emitida pela A. no valor de 19.407,08 € corresponda a trabalhos realizados por si na obra dos autos.
- A factura n.º ... no valor de 16.616,13 € emitida pela A. corresponda a IVA por trabalhos realizados pela mesma.
- A A. tenha procedido à alteração de referência e densidade da tela de cobertura.
- Os trabalhos supra referidos em 12 correspondam ao valor de 13.946,97 €.
Da Contestação
- A A. se tenha comprometido com a R. a entregar a obra concluída em Dezembro de 2020.
- A A. tenha proposto compensar a R. com um valor para suportar a renda das pessoas que haviam de ocupar a moradia objecto do contrato.
- A A. tenha incumprido todos os prazos a que se havia comprometido para a execução da obra.
- O ferro do piso superior não tivesse a espessura de revestimento definida e adequada para a estrutura em betão.
- Houvesse zonas das paredes não betonadas.
- O betão aplicado ceda facilmente à mera vibração das máquinas.
- Tenha sido aplicado ferro não amarrado na estrutura.
- A estrutura tenha partes assentes em terra e em risco de colapso.
- A A. tenha construído um muro estrutural de confrontação com o vizinho com mais de cinco metros de altura em betão com a sapata assente em terra que aportou para este um risco iminente de derrocada.
- A A. tenha incumprido as regras básicas de higiene e segurança em obra.
- A desvalorização do imóvel possa situar-se entre os 120.000,00 € e os 150.000,00 €.
- A R. tenha deixado de ter disponível para arrendar um outro imóvel que tem sito em ..., Porto.
- O referido imóvel tenha uma renda a valor de mercado de 3.000,00 €.
- A R. já tivesse recebido uma proposta firme para o arrendar de que tenha dado conhecimento à A.
- A A. tenha a obra concluída em meados de 2022.
Da nova PI.
- O camião grua não possibilitasse a pontual execução de todos os trabalhos.
- Com os geradores e transporte de água em reservatórios houvesse dificuldades acrescidas na execução pontual dos trabalhos.
- A R. estivesse a incumprir as suas obrigações.
- A R. não aprovasse os autos de medição correspondentes a trabalhos correctamente realizados com as datas de conclusão dos trabalhos.
- A R. aplicasse cauções adicionais às contratadas.
- A R. atrasasse os trabalhos.
- A R. colocasse em causa a capacidade da A. adquirir os materiais e contratar os meios necessários para a pontual execução dos trabalhos.
- A R. tenha causado atraso na entrada em obra das especialidades.
- A R. não fizesse a fiscalização em tempo útil.
- A falta de fiscalização atempada fizesse com que os meios contratados pela A. ficassem parados vários dias a aguardar ordem de execução, provocasse despesas, atraso na execução da obra e alteração do plano de trabalhos da A.
- A R. não prestasse em tempo útil esclarecimentos à A. sobre dúvidas de interpretação do projecto; demorasse dias e semanas a fazê-lo.
- Sob ameaça de não aprovação dos autos de medição e de não realização do respectivo pagamento a R. tenha exigido à A. que esta executasse os muros exteriores com os trabalhos interiores da moradia.
- A A. tenha sido forçada a alterar o plano de trabalhos e a logística previamente definidos; a adquirir mais materiais e contratado mais meios, e, por isso, a suportar custos acrescidos e dificuldade no cumprimento dos prazos estabelecidos.
- A R. não colaborasse com a A. na aprovação dos autos de medição dos trabalhos interiores, designadamente quanto à ferragem do tecto falso.
- A R. tenha dificultado a aprovação do orçamento de desmonte e retirada dos maciços rochosos.
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2.2. Motivação da matéria de facto:
“V- Motivação
O Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência, mais concretamente, do apenso documental, do contrato de empreitada de fls. 1 e ss.; das fotografias de fls. 5 e ss.; do auto de medição de fls. 8 e ss.; das facturas de fls. 14 e ss. e do alvará de fls. 17.
Em conjugação com os documentos supra referidos foram ponderados os depoimentos de AA, engenheira civil, funcionária da A., responsável pela obra em causa, que descreveu o início da obra em Setembro de 2019 sem licença de construção, obtida unicamente a 28/01/2020, bem como a sequência dos trabalhos realizados, não logrando, porém, convencer o Tribunal das dificuldades colocadas pelo dono da obra no regular andamento da execução, porquanto, não reconhecendo atraso significativo da parte da A. ao menos do ponto de vista contratual previsto para a conclusão dos trabalhos - 18 meses após a licença de construção – a mesma admitiu que sabia tratar-se de uma obra cujo traço característico era o chamado betão à vista cuja execução pela A. resultou num acabamento que, do ponto de vista estético, necessitava da intervenção de uma empresa especializada para fazer a cobertura, fosse com massa ou com tinta, por forma a superar as irregularidades do mesmo e para lhe desenhar os veios da madeira da cofragem que não ficaram gravados.
Ora, não obstante não o considerar imperfeito, certo é que as demais testemunhas ouvidas sobre o assunto, como seja FF, engenheiro civil e chefe de Divisão de Obras Municipais da Câmara ..., GG, arquitecto do C..., autor do projecto em causa, BB, fiscal da obra, HH, técnico de betão, chamado à obra pela A. para proceder às correcções do betão à vista que acabou por não realizar, e EE, a quem foi entregue a correcção de toda a obra, não desvalorizaram as irregularidades reconhecidas pela id. AA, antes as consideraram resultantes de erros de construção comprometedoras da construção da estrutura do betão à vista, inclusive em termos de consistência e segurança – veja que o mencionado HH identificou paredes tortas – assim como da sua estética, dada a sua intensidade e extensão - impossíveis de reparação pela simples pintura que, inclusive, segundo o mencionado GG pode evidenciar as imperfeições.
Nesta medida, porque, no essencial, corroborantes e coincidentes, o Tribunal considerou demonstrado que o betão à vista, previsto desde o início, executado pela A. apresentava deficiências, que, como explicou o id. Eng. BB, foi por si assinalado para ser corrigido quando em Setembro de 2020 assumiu, a fiscalização da obra, decorrendo tais deficiências de erros técnicos de construção comprometedores da construção assim apelidada, quer o mesmo recebesse o revestimento de tinta branca, conforme previsão inicial, quer revestimento de verniz como pretendeu a A. no decurso da obra.
No que respeita às demais deficiências apontadas à obra realizada pela A., como seja a utilização de ferro A400 ao invés do ferro A500 de que o supra id. Eng. BB, apenas ficou demonstrado essa utilização a nível da cave, na medida em que tal foi admitido pela Eng. AA.
O valor da reparação de tais deficiências não logrou ficar demonstrado, desde logo porque o valor apontado pela supra id. testemunha EE se reportou à correcção da totalidade da obra, desconhecendo-se se tal coincidiu unicamente ou não com a reparação daquelas deficiências.
Os restantes factos, tais como o estado da obra construída pela A. aquando da sua saída, em face da coincidência essencial a esse respeito entre o depoimento da Eng. AA e o Eng. BB, o Tribunal considerou demonstrados os factos nos termos que veio a dar como assentes.
Todos os outros factos não provados, tais como os trabalhos que correspondem às facturas n.ºs ... e ... (fls. 13 e ss.) ficaram a dever-se à falta de prova posto que, em relação à primeira, o seu valor não coincide com o do auto n.º 16 de fls. 8, a que a mesma faz referência, impedindo saber a quais os trabalhos a que se reporta tal factura.
Por último, a factura n.º ..., de fls. 16, não obstante corresponder a trabalhos que reconhecidamente foram realizados, sem referência ao respectivo auto de medição, não se mostrou possível determinar o seu valor.
Finalmente, as testemunhas II, gerente de estaleiro da A., e JJ, empresário que iniciou a instalação AVAC, não lograram fornecer esclarecimentos adicionais sobre os temas expostos.
*
2.3. Apresentando, de seguida, a seguinte motivação de direito:
“VI- O Direito
A matéria dada como assente enquadra-se no âmbito da empreitada prevista no art. 1207.º do CC na medida em que a A. se obrigou perante a R., mediante o preço de € 720.000,00 acrescidos de IVA a realizar uma obra de construção civil.
Começando pela questão do preço, que em parte a A. peticiona, Pedro Romano Martinez ensina que “O preço da empreitada é normalmente fixado até ao momento da celebração do contrato. O preço costuma inclusive constar do orçamento que é aprovado aquando do ajustamento do contrato…O preço pode ser determinado de um modo global, normalmente designado preço a forfait, a corpo ou aversionem (in “Direito das Obrigações”, 3.º Vol., sob a coordenação de António Menezes Cordeiro, 1991, Associação Académica Faculdade de Direito de Lisboa).
No caso concreto, resulta da matéria assente que a A. executou o desaterro em terreno rochoso, a abertura de caboucos e desaterro de rampa de acesso à cave da moradia em terreno rochoso, forneceu e aplicou betão de limpeza da cave.
Nesta medida, competindo à R., por força do art. 342.º, n.º 2 do CC, a prova do pagamento como facto extintivo do direito do A., a não demonstração deste facto conduz ao reconhecimento do crédito desta sobre aquela, cujo valor, porém, se desconhece, relegando-se, por isso, para decisão ulterior a sua determinação.
Quanto ao peticionado lucro cessante relega-se a respectiva decisão para a exposição infra.
Vejamos, assim, o reivindicado crédito da R. sobre a A.
Se à R., Dona da Obra, cabe, como obrigação principal, o pagamento do preço, à A., Empreiteira, cabe a realização da obra em conformidade com o convencionado e sem vícios, mais concretamente a construção de uma moradia em betão à vista (arts. 1207.º, 1208.º, 406.º e 762.º, n.º 2 do CC).
Sucede que, da matéria assente colhe-se que a construção efectuada padece de alguns defeitos de construção, que foram denunciados no decurso da obra (art. 1220.º do CC).
Como explica Menezes Cordeiro, “Na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra foi realizada com deformidades ou com vícios. As desconformidades são as discordâncias com o plano convencionado… Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208.º), designadamente por violação de regras especiais de segurança. Ao conjunto das deformidades e dos vícios chamar-se-á, tal como o faz o Código Civil, defeitos”.
Na situação dos autos, as descritas imperfeições da construção em betão à vista correspondem justamente, a deficiências da obra que no seu conjunto limitam e comprometem algumas das suas funcionalidades, inclusive em termos de segurança e reduzem o seu valor.
De onde, existe cumprimento defeituoso da obra a que respeita a empreitada dos autos, sendo a A. responsável por todos as anomalias e defeitos relativos à sua execução.
Em contrapartida, à R., enquanto dona da obra, assiste um conjunto de direitos que começa pelo direito de recusa da obra, previsto no art. 1224.º do CC, passa pelo direito de eliminação dos defeitos e um direito de realização de nova obra, previstos no art. 1221.º do CC e termina no direito de redução do preço e de resolução do contrato a que se refere o art. 1222.º do CC, tudo a par do direito de indemnização, nos termos gerais, como prescreve o art. 1223.º do CC.
Acerca do exercício destes direitos, João Cura Mariano, explica o art. 1222.º do CC, ao dispor que, não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, “não pretende estabelecer consequências específicas do não cumprimento das obrigações de eliminação dos defeitos e de reconstrução, visando apenas conferir ao dono da obra direitos subsidiários, para a hipótese do direito de eliminação dos defeitos ou de construção de nova obra não terem sido satisfeitos.
Dizer-se que os direitos conferidos nos arts. 1221.º e 1222.º do CC, não são de exercício alternativo, mas sim subsidiário, apenas significa que só pode ser reduzido o preço da obra, ou resolvido o contrato de empreitada, se não tiver ocorrido a eliminação dos defeitos ou a construção de nova obra, por impossibilidade, perda de interesse objectiva, desproporção ou incumprimento destas obrigações. Já o acionamento dos mecanismos previstos para o incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, imputável ao empreiteiro, é alternativo, relativamente à utilização dos direitos de redução do preço ou de resolução do contrato de empreitada. O dono da obra, tendo-se verificado um incumprimento definitivo das obrigações de eliminação dos defeitos ou de reconstrução por parte do empreiteiro que se recusou a realizá-las, não correspondeu a uma interpelação admonitória para o fazer, ou falhou no seu cumprimento, deve poder optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato (art.º 1222.º, do CC.), ou a efetuar a reparação ou reconstrução da obra pelos seus meios ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos. Na verdade, o incumprimento definitivo de uma obrigação confere ao credor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados por esse incumprimento (art.º 798.º, C.C.), que, neste caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, entretanto efectuadas ou a realizar pelo dono da obra, ou por terceiro contratado por este” (in loc. cit., pág. 111/112).
Retomando a situação dos autos, a este respeito, o que se verifica é que a R., pelo menos a partir de Setembro de 2020 interpelou a A. para corrigir as imperfeições do betão à vista, o que não sucedeu.
Nesta medida, afigura-se-nos que a R. incumpriu a sua obrigação de eliminar os defeitos e, como tal, não se mostrando razoável a exigência de construção de uma nova obra, à R. assistia o direito de por fim à relação contratual com a consequente resolução contratual.
Constata-se, pois, que a A., nos termos dos arts. 805.º, n.º 2, al. a) e 808.º, n.º 1 do CC, incumpriu definitivamente a sua obrigação de eliminar os defeitos da obra, o que confere à R. o direito de indemnização em dinheiro correspondente ao custo das obras de reparação dos defeitos supra elencados relativos ao betão armado (Pontos 24 a 26 dos Factos Provados), cujo valor não foi possível determinar e tem, assim, de ser relegado para decisão futura, o mesmo sucedendo com a desvalorização do imóvel decorrente de tais defeitos (Ponto 28 dos Factos Provados).
E, assim sendo, impõe-se concluir, outrossim, que à A. não assiste o direito de receber da R. qualquer valor, nomeadamente os 72.000€ por si reclamados, a título de lucros cessantes.
Aqui chegados, conclui-se, portanto que a A. tem sobre a R. um crédito correspondente ao valor dos trabalhos supra discriminados em 12 dos Factos Provados e que a R. tem sobre a A. um crédito correspondente à reparação dos defeitos supra discriminados em 24 a 26 dos Factos Provados e à desvalorização do imóvel supra referida no ponto 28 dos Factos Provados, cuja determinação de um e de outros não foi possível determinar e que, assim se relega para liquidação ulterior.”.
*
*
3. Apreciação dos recursos da Autora e da Ré
3.1. Nulidade da sentença
O artigo 615.º do CPC prevê as causas de nulidade da sentença, dispondo, no que para o caso interessa, que:
“1 - É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…).”.
É unânime considerar-se que “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº 1, do art. 615.º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, nem com vícios da vontade que possam estar na base de acordos a por termo ao processo por transação” (vide Ac. do TRG de 04.10.2018, disponível em dgsi.pt).
Entende a Autora/Recorrente que na sentença proferida, a fundamentação da matéria de facto não se mostra feita em conformidade, sendo manifestamente insuficiente, atento o dever de fundamentação da matéria de facto, previsto no nº 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
Refere que a exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo outrossim indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, pelo que conclui que se verifica a nulidade da sentença nos termos do art. 615.º, nº 1, al. b) do CPC.
Ora, conforme já mencionado, a al. b), do nº 1, do art. 615.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o disposto no art. 607.º, nºs 3 e 4 do Código do Processo Civil, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e não provados, analisando criticamente as provas, e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Contudo, conforme foi decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, de 03-03-2021 (disponível em gdsi.pt):
“I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual - nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma - ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. (…)”.
Ou seja, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, para que ocorra a nulidade não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis, a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”.
Feitas estas considerações, e lida a fundamentação de facto da sentença objeto de apelação, constata-se que não se verifica o vício invocado, a fundamentação de facto não se afigura ser deficiente, e muito menos é inexistente.
Concluímos, assim, que não ocorre a nulidade da sentença, nos termos previstos no art. 615.º, nº 1, al. b) do CPC.
*
3.2. Apreciação da impugnação da matéria de facto
Nos seus recursos vieram tanto a Autora/apelante como a Ré/apelante requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação a um conjunto de factos julgados provados e/ou não provados, com fundamento em erro na apreciação da prova.
O art. 640º do CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O mencionado regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão de facto, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, o qual terá que apresentar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Recai, assim, sobre o recorrente, o ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar os concretos pontos da decisão que pretende questionar, ou seja, delimitar o objeto do recurso, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto, a fundamentação, e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pelo Tribunal da Relação.
No caso concreto, o julgamento foi realizado com gravação dos depoimentos prestados em audiência, sendo que as apelantes impugnam a decisão da matéria de facto com indicação dos pontos de facto alvo de impugnação, indicam a prova a reapreciar, bem como a decisão que sugerem, mostrando-se, assim, reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão.
Tal como dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto “(…) se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, o que significa que os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um meio a utilizar apenas nos casos em que os elementos constantes dos autos imponham inequivocamente uma decisão diversa da que foi dada pela 1ª instância.
No presente processo, como referido, a audiência final processou-se com gravação da prova produzida.
Segundo ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 225, e a respeito da gravação da prova e sua reapreciação, haverá que ter em consideração que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo consequentemente fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.
Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, face ao teor das alegações do recorrente e do recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Cabe, ainda, referir que neste âmbito da reapreciação da prova vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art. 396º do Código Civil.
E é por isso que o art. 607º, nº 4 do CPC impõe ao julgador o dever de fundamentação da factualidade provada e não provada, especificando os fundamentos que levaram à convicção quanto a toda a matéria de facto, fundamentação essencial para o Tribunal de Recurso, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, com vista a verificar se ocorreu, ou não, erro de apreciação da prova.

3.2.1. Recurso da Autora/apelante
Como resulta das respetivas conclusões do recurso, a autora/apelante entende que deve ser alterada a matéria de facto dada como provada nos números 17, 22, 23, 24, 26, 27 e 28 dos factos provados, os quais devem ser considerados como não provados, e nas alíneas a), b), d), e), j), k), l), m), ee), ff), gg), kk), ll), nn) e oo) dos factos não provados, os quais, por sua vez, devem ser dados como provados.
Invoca a apelante que quanto ao ponto 17. dos factos provados, não existe qualquer prova, nomeadamente de ter sido feita qualquer interpelação à Autora, quanto às deficiências e no sentido desta proceder à correção das imperfeições do betão armado, designadamente mediante fixação de prazo para o efeito e bem assim, de uma interpelação com cominação.
Mais refere que, não obstante a falta de interpelação (que não existiu), a Autora, caso existissem imperfeições, sempre estaria em tempo de proceder à sua eliminação ou correção, pois a obra ainda estava dentro do prazo acordado para a sua execução, sendo que, apenas a final a obra deveria ser entregue sem vícios.
Nesta fase, da apreciação do erro de julgamento, apenas cabe apreciar se deve, ou não, manter-se como provado o facto 17., ou se deve dar-se como não provado.
Sucede que, ao contrário do que a apelante alega, o certo é que, ouvida a prova produzida, existe prova no sentido de tal interpelação.
Desde logo, a testemunha BB, engenheiro civil que fiscalizou a obra, a pedido da ré, a partir de setembro de 2020, referiu expressamente que não existindo da parte da autora um planeamento da obra e perante as deficiências que a mesma apresentava e que foram comunicadas à autora, tanto na pessoa da senhora engenheira que a acompanhava, como na pessoa do Eng. CC, legal representante da autora, tiveram várias reuniões na obra, inclusive com a presença de um senhor Advogado da Autora, e denunciaram os defeitos, nomeadamente do betão à vista, referindo a testemunha, que o dono da obra, na pessoa do senhor Dr. DD, exigiu a reparação, mas nada aconteceu, tendo mesmo dito que chegaram a dar um prazo limite à autora para terminar determinados trabalhos.
Aliás, a testemunha DD, marido da legal representante da ré, disse que foi quem acompanhou a obra em representação da sua mulher, referiu os atrasos da obra, para os quais não eram apresentadas soluções, ao ponto de ter contratado fiscalização para a obra, em concreto, o Eng. BB, referindo que era impossível a autora terminar a obra dentro do prazo que faltava, para além de a autora nunca ter apresentado uma solução para o principal problema, que era o betão à vista. Aliás, a testemunha disse mesmo que foi a autora que abandonou a obra, porque não tinha condições para a terminar, o que teria acontecido no final do prazo de execução.
Assim, mantém-se como provado o facto 17.
No que diz respeito ao ponto 22., dos factos provados, refere a autora que a resposta a este facto não está correta, porquanto, não foi produzida prova no sentido de que o betão à vista na cave ficou com o acabamento destruído.
Ouvida a prova, temos de concordar com a autora - embora a alteração não tenha qualquer interesse para a decisão -, já que da prova produzida apenas resulta que o betão da cave teve escorrências, as quais foram reparadas pela Autora, pelo que o facto 22., dos factos provados, terá a seguinte redação:
“22. O betão à vista na cave ficou com escorrências, o que foi reparado pela autora.”.
Quanto aos pontos 23. e 24., não assiste qualquer razão à autora, quando pretende ver esta matéria alterada, já que os depoimentos das testemunhas BB, que foi quem alertou a ré para os defeitos, HH, técnico de betão que referiu eu o betão estava mal executado e não era possível reparar o que estava feito de forma adequada, mencionado que a solução seria demolir e arranjar toda a estrutura, EE que disse ter sido contratado para ver o que era possível fazer quanto ao betão à vista e concluiu que não dava para remediar, tendo sido demolidas duas palas e picados outros sítios do betão.
E mesmo a própria testemunha AA não foi capaz de negar que o betão não se encontrava em condições de ficar como betão à vista, desculpando-se com o facto de inicialmente estar previsto ser pitado com tinta branca, o que, contudo, não se afigura justificativo, já que ficou claro que, ainda que assim fosse, ficariam a ver-se os defeitos do betão.
Não ocorre, pois, motivo para alterar os factos 23. e 24.
Relativamente aos pontos, 26., 27. e 28., refere a autora que não tendo sido demonstrada a factualidade indicada nos pontos 22., 23. e 24., inexiste qualquer motivo ou fundamento para a decisão de dar como facto provado o constante sob o ponto 27. e consequentemente a decisão de resolução do contrato, por parte da Ré.
Sucede que, como já referido, o ponto 22 não tem interesse para a decisão, ao passo que os pontos 23. e 24., como se decidiu, se mostram provados, resultando da prova produzida que foram essas situações que determinaram a resolução do contrato por parte da ré.
Já quanto ao ponto 28., face ao teor dos depoimentos já mencionados supra, apesar do que a ré teve já que despender para corrigir alguns trabalhos, as testemunhas foram claras em afirmar que o betão está mal executado e que não é possível ser reparado de forma adequada, não sendo possível remediar devidamente a situação, pelo que não pode deixar de concluir-se que, não sendo a obra demolida, fica com uma desvalorização, pelo que também o facto 28., deve manter-se tal como foi dado como provado.
No que concerne aos factos dados como não provados, designadamente sob as alíneas a), b), d), e), j), k), l), m), ee), ff), kk), ll), nn) e oo), tendo-se procedido, como já referido, à audição de toda a prova, nada resultou no sentido de que tivessem ocorrido atrasos relevantes por culpa da ré; que o projeto não previsse betão à vista, tendo, antes, resultado claro que essa era a característica especial da obra; que a questão do alumínio tivesse sido motivo de atraso relevante; que as faturas referidas em j) e k) digam respeito ao que a autora alega, já que não existe qualquer outra prova, para além do que o seu legal representante afirma; que o valor dos trabalhos executados e referidos no ponto 12., tenham o valor alegado, na falta de outras provas, nomeadamente um auto de medição aprovado; que tenha havido alteração da tela de cobertura; nada indica que a ré não cumprisse com as suas obrigações, quer de pagamento, tendo antes resultado o contrário, quer de fiscalização, até porque foi contratada uma pessoa para proceder à mesma; como não há prova de que a autora tivesse sido forçada a alterar o plano de trabalhos, tendo antes sido referido que um dos motivos do desentendimento era a falta de tal plano.
Assim, nada se verificando que imponha alterar a decisão proferida pela 1ª Instância, mantém-se tal como consta dos factos não provados.
Aliás, quanto aos factos não provados, a própria apelante apenas refere os depoimentos da testemunha AA e do legal representante da A., Eng. CC, depoimentos que, contudo, são contrariados por outros já referidos.
Improcede, assim, o recurso da autora sobre a matéria de facto, com exceção da correção do ponto 22., sem interesse para a decisão.
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3.2.2. Recurso da Ré/apelante
Também a Ré/apelante pretende ver alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, designadamente, se bem entendemos, pretende que passem a constar dos factos provados alguns que constam dos não provados.
Assim, entende que perante a análise dos documentos integrados nos artigos 200.º e 201.º da reconvenção, cujo teor é confirmado pelos depoimentos das testemunhas BB e DD, deve ser dado como provado que a Autora utilizou ferro da categoria A400 no piso superior da moradia, em vez do preestabelecido A500.
Sucede que, resultou da prova produzida, inclusive do depoimento da testemunha DD, que o ferro previsto para a obra era, pelo menos em parte, o A400, sendo também certo que a testemunha AA referiu que no caderno de encargos constava ferro A400, mas que a autora até procedeu à substituição para A500 em algumas estruturas, pelo que, existindo contradição nos depoimentos e não sendo certo que as fotografias que constam dos autos, para além de não existir qualquer perícia que comprove que se trata de ferro A400, digam respeito a locais da obra, onde seria suposto aplicar ferro A500, não existe motivo para dar tal facto como provado.
Por sua vez, o facto dado como não provado - “O ferro do piso superior não tivesse a espessura de revestimento definida e adequada para a estrutura em betão” -, efetivamente não se provou, não existindo prova nem num sentido nem noutro, talvez por falta de uma perícia que nenhuma das partes requereu.
Insurge-se a ré também contra a circunstância de na sentença ter sido dado como não provado que “Tenha sido aplicado ferro não amarrado na estrutura”.
Quanto a este facto, face aos depoimentos das testemunhas BB e EE, em conjugação com o teor dos documentos integrados no artigo 205.º da reconvenção, temos já de concordar com a ré, devendo tal facto ser dado como provado.
No que diz respeito à fatura n.º ..., de fls. 16, parece não haver dúvidas de que tais trabalhos foram realizados, sendo certo que provada a execução dos trabalhos, cabia à ré fazer a prova do pagamento, prova que não se mostra feita nos termos legais, designadamente através da junção da prova documental respetiva, pelo que, na dúvida, bem andou o Tribunal a quo, ao não dar o facto como provado.
Finalmente, quanto ao valor necessário para reparação dos danos causados pela Autora, na obra da Ré, na falta de prova evidente, não restou ao Tribunal a quo outra solução que não fosse não dar como provados os valores alegados, os quais melhor serão fixados em liquidação de sentença.

Assim, analisada a impugnação da matéria de facto feita pela autora e pela ré, deve manter-se a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, com as seguintes exceções:
a) O ponto 22. dos factos provados é corrigido, passando a ter a seguinte redação:
“22. O betão à vista na cave ficou com escorrências, o que foi reparado pela Autora.”.
b) É eliminado dos factos não provados o facto “Tenha sido aplicado ferro não amarrado na estrutura”, passando a acrescentar-se um facto aos factos provados, com o seguinte teor:
“Foi aplicado ferro não amarrado na estrutura.”.
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3.3. Recurso de Direito
Na sentença recorrida, a senhora juíza a quo julgou parcialmente procedente quer a pretensão da autora quer da ré.
Em relação à ação, e ao preço alegadamente em falta, considerou, em síntese, que resultando da matéria assente que a Autora executou o desaterro em terreno rochoso, a abertura de caboucos e desaterro de rampa de acesso à cave da moradia em terreno rochoso, e forneceu e aplicou betão de limpeza da cave, competindo à Ré, por força do art. 342.º, n.º 2 do CC, a prova do pagamento como facto extintivo do direito da Autora, a não demonstração deste facto conduz ao reconhecimento do crédito desta sobre aquela, cujo valor, porém, se desconhece, relegando, por isso, para decisão ulterior a sua determinação.
Por sua vez, quanto ao reivindicado crédito da Ré sobre a Autora, o Tribunal a quo decidiu que se à Ré, dona da obra, cabe o pagamento do preço, à Autora, empreiteira, cabe a realização da obra em conformidade com o convencionado e sem vícios. E resultando da matéria assente que a construção efetuada padece de alguns defeitos de construção, que a Ré interpelou a Autora para corrigir as imperfeições do betão à vista, o que não sucedeu, a Autora incumpriu a sua obrigação de eliminar os defeitos e, como tal, não se mostrando razoável a exigência de construção de uma nova obra, à Ré assistia o direito de pôr fim à relação contratual com a consequente resolução contratual.
E, assim sendo, a decisão recorrida conclui, ainda, que à Autora não assiste o direito de receber da Ré qualquer valor a título de lucros cessantes.
Vejamos.
O art. 1207º do Código Civil define a empreitada como "o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço".
Os factos provados revelam que a autora dedica a sua atividade ao exercício da construção civil e que no âmbito do exercício da sua atividade, realizou obras de construção de uma habitação para a ré.
Pela natureza da sua atividade, a autora atuou como empreiteiro, a ré como dono da obra e esta situação enquadra-se no tipo de contrato definido no art. 1207º do Código Civil, isto é, na empreitada.
O contrato de empreitada está regulado nos arts. 1207º a 1230º do diploma citado, mas esta regulamentação é, na generalidade daquelas normas legais, meramente supletiva, havendo que atender, em primeiro lugar, às condições do contrato estabelecidas pelas partes (v. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, ed. de 1968, p. 547).
Em regra, numa ação destinada a pedir o cumprimento de um contrato, basta ao autor demonstrar a constituição do seu direito para que caiba ao réu o ónus de provar que cumpriu.
No caso concreto do contrato de empreitada cabe ao autor (quando é o empreiteiro, como acontece no caso) alegar e provar a celebração do contrato, os trabalhos acordados e respetivo preço e a realização dos mesmos.
Ao réu, por sua vez, cabe provar que cumpriu a sua parte, ou seja, que pagou o preço correspondente aos trabalhos realizados, bem como alegar eventuais defeitos ou vícios da obra.
Posto isto:
Resulta dos autos que o contrato de empreitada em causa foi resolvido pela ré, dono da obra, em dezembro de 2020, ou seja, antes de terminar o prazo previsto para a respetiva conclusão, resolução que a autora alega ser ilegal, por entender que não logrou a Ré fazer prova de qualquer interpelação à Autora, quanto às alegadas deficiências e ainda no sentido desta proceder à correção das imperfeições do betão armado, designadamente mediante fixação de prazo para o efeito e bem assim, de uma interpelação com cominação.
Mais entende que, caso existissem imperfeições, sempre estaria em tempo de proceder à sua eliminação ou correção, porque a obra ainda estava dentro do prazo acordado para a sua execução, sendo que, apenas a final a obra deveria ser entregue sem vícios.

A questão de direito deve ser apreciada tendo em conta a matéria de facto dada como provada, nos termos expostos supra.
Assim, no caso sub judice, face à matéria de facto provada, e no que para o recurso interessa, temos por assente que a Autora executou o desaterro em terreno rochoso, a abertura de caboucos e desaterro de rampa de acesso à cave da moradia em terreno rochoso, e forneceu e aplicou betão de limpeza da cave, o que serão trabalhos a mais.
Considerando que nos termos do art. 1207.º do Código Civil, a empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço, tendo a autora realizado a obra, compete à Ré pagar o preço correspondente, bem como, por força do art. 342.º, n.º 2 do CC, a prova do pagamento, enquanto facto extintivo do direito invocado pela Autora.
Não tendo a ré feito a demonstração desse facto, ou seja, do pagamento, tal conduz ao reconhecimento do crédito da autora sobre a ré.
Quanto ao valor desses trabalhos, não sendo evidente face aos meios de prova que constam dos autos, nada temos a apontar à decisão do Juiz a quo de relegar para decisão ulterior a sua determinação.

Sucede que, face ao disposto no art. 1208.º do diploma legal referido, ao empreiteiro não cabe apenas executar a obra, mas também fazê-lo em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Ora, nos artigos 1220.º a 1222.º do Código Civil, estão previstos os direitos que assistem ao dono da obra, no caso de a mesma apresentar defeitos ou vícios.
Assim, tem-se entendido que os direitos previstos nos preceitos referidos, devem ser exercidos sequencialmente, devendo o dono da obra, após a denúncia dos defeitos, exigir a eliminação dos mesmos, pelo empreiteiro, caso tal eliminação não seja possível, exigir a construção de obra nova, embora apenas se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção não forem desproporcionadas em relação ao proveito.
E só no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída obra nova, pode o dono da obra exercer o direito de exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
Neste sentido, foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no Processo nº 506/04-3, de 29-04-2004, disponível no site da dgsi.
No entanto, nesse mesmo acórdão também se diz que “O exercício dos direitos conferidos nos artigos 1221º e 1222º do Código Civil não exclui (…) a possibilidade de resolução do contrato por incumprimento definitivo, independentemente da existência ou não de defeitos na obra ou da possibilidade da sua eliminação e consequente ressarcimento baseado na responsabilidade civil contratual.”.
No caso em análise nos autos, apesar da posição da autora, resulta da matéria de facto apurada que a ré interpelou a autora, denunciando os defeitos da obra, pedindo a respetiva eliminação, que nunca ocorreu, pelo que também não sendo viável a construção de uma obra nova, até face aos valores em causa, a ré optou por resolver o contrato de empreitada que havia celebrado com a autora.
Cabe referir que, como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 5750/06.5TCLRS.L1-1, de 27-03-2012, “(…) Podendo a mora converter-se em incumprimento definitivo na sequência de uma interpelação/notificação admonitória ( cfr. artº 808º, nº 1, do CC), ou intimação para o cumprimento, e dentro de um prazo/dilação razoável, nada obsta a que seja tal interpelação efetuada - pelo credor ao devedor - verbalmente, pois que a respetiva eficácia não está sujeita a qualquer forma legal. (…)”.
Foi o que aconteceu na situação em discussão.
É, ainda, importante referir que os defeitos da obra, nomeadamente o defeito na execução do betão à vista, que era uma característica essencial da moradia, se afiguram de tal ordem que implicaram a demolição parcial da obra (as duas palas), exigindo que fosse refeito o betão, sem, contudo, ser possível reparar a situação totalmente.
Assim, entende-se que a ré, dona da obra, tinha efetivamente o direto de resolver o contrato, nos termos do art. 1222.º do Código Civil.

Contudo, ainda que assim não fosse, entendemos que sempre assistia à ré, o direito de resolução do contrato, para além de por via das referidas regras especiais, também por via das normas gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que não se revelem incompatíveis com aquele regime da empreitada.
Efetivamente, não se verificando os requisitos para a ré poder resolver o contrato, mediante as regras especiais relativas ao contrato de empreitada (art. 1222º, nº 1 do Código Civil), a mesma podia pedir a resolução do contrato por via das regras gerais, mais concretamente com base no incumprimento contratual definitivo do empreiteiro, ao abrigo do disposto nos arts. 808.º e 801.º do Código Civil.
Nesta parte, importa não esquecer que podendo as partes, “dentro dos limites da lei”, “fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver” (cfr. art. 405.º, nº 1, do Código Civil), contratando, ficam vinculadas ao seu conteúdo. Com efeito, “o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei” (cfr. art. 406.º, nº 1, do diploma legal citado), o que significa que “o devedor tem de realizar a prestação a que está adstrito respeitando os três princípios que enformam o cumprimento das obrigações: terá de agir nos termos impostos pela boa-fé (art. 762.º, nº 2, do Código Civil), por forma a que a sua atuação não venha a causar prejuízos ao credor; a prestação deverá ser cumprida pontualmente (arts. 406.º, nº 1 e 762.º, nº 1, do Código Civil), no sentido de ter de se ajustar, em todos os aspetos, ao que era devido; e salvo convenção, disposição legal ou uso em contrário, a prestação deverá ser efetuada integralmente (art. 763.º do Código Civil) e não por partes” (cfr. Pedro Romano Martinez, in “Da cessação do contrato”, Almedina, 2ª Edição, p. 127).
Como refere este autor, “no fundo, dir-se-á que o incumprimento corresponde à violação dos princípios pacta sunt servanda, segurança jurídica e boa-fé”.
Assim sendo, sempre que o devedor não cumpra a prestação ou a cumpra em desrespeito de qualquer dos princípios referidos, estar-se-á perante uma situação de não cumprimento do dever obrigacional.
Continuando a fazer apelo ao autor supra, citado, “as regras gerais relativas ao não cumprimento culposo constam dos artigos 798.º e 799.º do Código Civil, de onde sobressai uma ideia de incumprimento em sentido amplo, abrangendo três modalidades (mora, cumprimento defeituoso e incumprimento definitivo); além disso, presume-se a culpa do devedor, culpa que é apreciada nos termos gerais (art. 799.º referido)”.
A resolução do contrato, em regra, pressupõe o incumprimento, com culpa do devedor, de prestações contratuais, situação que confere ao contraente não faltoso o direito potestativo de fazer cessar o contrato, resolvendo-o, mas não visa, diretamente, sancionar a contraparte nem ressarcir danos.
Por outro lado, a resolução, além de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual, exige a gravidade da violação; no fundo, a resolução justifica-se porque, atendendo à relevância do incumprimento, não se permite a subsistência do vínculo. Não é, portanto, qualquer incumprimento, ainda que definitivo, que viabiliza a resolução.
O incumprimento definitivo enquadra-se numa situação de responsabilidade contratual do devedor e, como tal, baseia-se na culpa, apesar de presumida (cfr. art. 799.º, nº 1, do Código Civil). Se a prestação não foi definitivamente cumprida, parte-se do pressuposto de que o devedor atuou ilícita e culposamente (ainda que a culpa seja presumida) causando danos ao credor.
Estar-se-á perante o incumprimento definitivo sempre que a prestação não tenha sido realizada e já não possa vir a sê-lo posteriormente.
De acordo com o disposto no art. 808.º, n.º 1, do Código Civil são duas as causas que podem estar na origem de tal situação: o credor perdeu objetivamente o interesse no cumprimento da prestação ou decorreu o prazo suplementar (admonitório) de cumprimento estabelecido pelo accipiens (acrescenta-se muitas vezes uma terceira causa: declaração expressa do devedor em não querer cumprir).
Se o credor perder o interesse – objetivamente, nos termos do nº 2 do preceito indicado – na prestação, não se justifica que o solvens a pretenda realizar, na medida em que, sendo a satisfação do interesse do credor o fim para o qual a obrigação foi constituída, se este fim não se pode obter por culpa do devedor, estar-se-á perante um caso de incumprimento definitivo.
Mas o credor pode também estabelecer um prazo razoável para o devedor realizar a prestação após o seu vencimento, findo o qual esta se considera definitivamente incumprida; por isso se designa “prazo admonitório”. De outra forma, o credor que não tivesse perdido o interesse na prestação ficaria indefinidamente adstrito à relação obrigacional que o ligava à contraparte e, principalmente em contratos sinalagmáticos, tal indeterminação poderia acarretar consequências nefastas para a parte cumpridora.
Note-se que na interpelação de prazo admonitório, além da consequência de se considerar a prestação definitivamente incumprida, por economia de meios, pode incluir-se a declaração condicional de resolução do contrato, caso em que, transformando-se a mora em incumprimento definitivo pelo decurso do prazo suplementar, preenche-se a condição suspensiva e o contrato resolve-se (cfr. Pedro Romano Martinez, in “Da cessação do contrato”, Almedina, 2ª Edição, p. 142).
Quando o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, já não é necessário que o credor lhe estabeleça um prazo suplementar para haver como incumprido definitivamente o contrato. Bastará a declaração do devedor, embora se esta for efetuada antes do vencimento e não estiverem verificados os pressupostos da perda do benefício do prazo (art. 780º, nº 1, do Código Civil), o incumprimento definitivo só se verifica na data do vencimento se, na realidade, até esse momento o devedor não tiver realizado a prestação.
Posto isto, tendo a autora denunciado os defeitos da obra, tendo sido interpelada pela ré, para eliminar os defeitos apontados, e não o tendo feito em prazo que permitisse concluir a obra no prazo previsto para o efeito, tendo em conta o estado em que a obra se encontrava e os trabalhos a realizar, ao que acresce o facto de a autora não ter capacidade para corrigir os defeitos no betão à vista, de difícil e dispendiosa resolução, como foi referido por testemunhas especialistas na matéria, considera-se válida a resolução do contrato, conforme já decidido supra.
E não colhe a alegação da autora no sentido de que não houve incumprimento da sua parte, porque ainda estava a correr o prazo de execução da obra e só no final a obra teria que ser entregue sem vícios.
Como resulta da matéria de facto provada e ficou claro face aos depoimentos prestados na audiência de julgamento, a autora definitivamente que não tinha capacidade para corrigir os defeitos do betão à vista, afigurando-se, por isso, justificado que a autora incorreu em incumprimento definitivo, como se mostra justificada a perda do interesse do credor em que a autora continue a obra.

Considerada válida a resolução do contrato de empreitada por parte da ré, dona da obra, não deixa de ter que pagar os trabalhos executados e incorporados num bem que é seu, como já supra se decidiu.
É que, no caso dos autos, a prestação da autora mostra-se incorporada na obra de que a ré é dona, não podendo ser restituída, pelo que deve a ré pagar o valor das obras em causa, até sob pena de um enriquecimento ilegítimo.
Já quanto a outros alegados prejuízos, como os causados pela quebra contratual por parte da ré, correspondentes ao lucro cessante por não ter concluído a obra e recebido o lucro com que contava a final, provado que a resolução do contrato foi legal, face ao incumprimento culposo por parte da autora, a mesma não tem qualquer direito de indemnização.

O dono da obra, por sua vez, ou seja, a ré, perante a existência de cumprimento defeituoso da obra, tem também, para além dos direitos já referidos supra, o direito de indemnização, nos termos gerais, como prescreve o art. 1223.º do CC.
De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 801º do Código Civil, “Tendo a obrigação por fonte contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”.
Perante este preceito, tem a nossa doutrina e jurisprudência discutido o âmbito da indemnização cumulável com a resolução do contrato, designadamente, se tal indemnização visa colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido (interesse contratual positivo) ou se tal indemnização visa antes colocá-lo na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo).
Desde a entrada em vigor do Código Civil de 1966, a doutrina e a jurisprudência orientaram-se, maioritariamente, no sentido de que, em caso de resolução do contrato, ainda que com fundamento em incumprimento definitivo, os efeitos da resolução são incompatíveis com o direito a indemnização do interesse contratual positivo, só podendo dar lugar a indemnização fundada em violação do interesse contratual negativo.
Neste sentido pronunciaram-se, entre outros, ALMEIDA E COSTA, para o qual:
“Independentemente das considerações que possam aduzir-se «de iure condendo» a favor da doutrina oposta, afigura-se que a nossa lei consagrou a primeira solução [a do interesse contratual negativo]. E nem se diga que isso se mostra pouco razoável. Na verdade, optando o lesado pela resolução do contrato, seria em substância contraditório que, ao mesmo tempo, pedisse a indemnização pelo seu não cumprimento. O que decorre da lógica e coerência dessa opção é colocar o prejudicado na situação em que se encontraria se o contrato não houvesse sido celebrado.”
No mesmo sentido, pronunciou-se MENEZES LEITÃO, que sustenta que a cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo traduz “(…) uma certa quebra no regime da resolução por incumprimento, cuja função principal é precisamente libertar o credor do dever de efetuar a sua contraprestação ou permitir-lhe obter a sua restituição. (…) Nesse enquadramento, a resolução por incumprimento praticamente transformaria o contrato sinalagmático em unilateral uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido. Ora, parece que não é seguramente essa a solução do nosso direito, que estabelece o caráter retroativo da resolução (…). Assim sendo, parece seguro que a indemnização terá que ser limitada ao interesse contratual negativo (…)”.
E, ainda, ANTUNES VARELA que entende:
“Mesmo para a hipótese de o credor optar pela resolução do contrato se prevê o direito de indemnização. Trata-se da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou, por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado (…), que é a indemnização do chamado interesse negativo ou de confiança. Desde que o credor opte pela resolução do contrato, não faria sentido que pudesse exigir do devedor o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do negócio. O que ele pretende, com a opção feita, é antes a exoneração da obrigação que, por seu lado, assumiu (ou a restituição da prestação que efetuou) e a reposição do seu património no estado em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido celebrado (interesse contratual negativo).”
Apesar do que se disse, tem vindo a entender-se, mais recentemente, que a resolução de um contrato não impede que o credor opte pela indemnização pelo interesse contratual positivo, em vez do interesse contratual negativo, podendo optar entre um ou outro.
Neste sentido foi decidido no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo 15940/16.7T8LSB.L1.S1, de 10-12-2020, onde se decidiu o seguinte; “I. A resolução do contrato é cumulável com a indemnização pelo interesse contratual positivo. II. Indemnizar pelo interesse contratual positivo, traduz-se, na prática, em aplicar o princípio geral da obrigação de indemnizar consagrado no artigo 562.º do Código Civil. III. Em favor do cúmulo depõem ainda a Convenção das Nações Unidas sobre a venda internacional de mercadorias de 11 de abril de 1980, aprovada para adesão em 23 de julho de 2020, e a Diretiva 2019/771/UE, de 20 de maio de 2019.”.
Este acórdão pronuncia-se, precisamente, sobre a questão de saber se a indemnização cumulável com a resolução do contrato de empreitada deve orientar-se pelo interesse contratual negativo ou pelo interesse contratual positivo.
Aí se refere que “O primeiro termo da alternativa - indemnização pelo interesse contratual negativo - destinar-se-ia a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido concluído. O segundo termo da alternativa - indemnização pelo interesse contratual positivo - destinar-se-á a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido.”.
E mais se diz: “A indemnização prevista no art. 801.º, n.º 1, do Código Civil será sempre a indemnização pelo interesse contratual positivo calculada de acordo com a teoria da sub-rogação; a indemnização prevista no art. 801.º, n.º 2, essa, poderá ser uma de duas - ou uma indemnização pelo interesse contratual negativo ou uma indemnização pelo interesse contratual positivo calculada de acordo com a teoria da diferença”.
Esse acórdão diz também que: “Os argumentos em favor de que a indemnização cumulável com a resolução do contrato é - sempre e só - uma indemnização pelo interesse contratual negativo devem considerar-se definitivamente - ou quase definitivamente - superados: O art. 562.º do Código Civil consagra o princípio de que “quem estiver obrigado a reparar um dano há de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”; ora, o evento que obriga à reparação consiste no não cumprimento de uma obrigação; logo, quem estiver obrigado a reparar o dano há de reconstituir a situação que existiria se a obrigação tivesse sido cumprida”.

No caso dos autos, contudo, nem se coloca tal questão, já que, apesar da resolução do contrato, a obra já executada pela autora, mostra-se paga, com exceção dos trabalhos referidos no artigo 12 dos factos provados.
Mas, apesar de paga, foi executada com defeitos, cuja reparação importa custos para a ré que terá que pagar novamente, por um trabalho que já pagou, para além de, mesmo após a reparação, a obra ficar desvalorizada em função dos defeitos que não é possível reparar.
Assiste, assim, à ré, o direito a ser indemnizada pelos prejuízos causados pelo incumprimento da autora, nos termos do art. 798.º do Código Civil, o que, no caso, corresponde ao custo das obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução, realizadas ou a realizar pelo dono da obra, ou por terceiro contratado por este, bem como pelo prejuízo resultante da desvalorização do imóvel que vai sempre ficar a padecer de alguns vícios que não é possível eliminar sem a total reconstrução.

Face ao que se deixa exposto, mantendo-se, no essencial, a decisão da matéria de facto, manter-se-á igualmente a decisão de direito, afigurando-se correta a subsunção dos factos ao direto que foi feita pelo Tribunal a quo, pelo que deve manter-se.
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III - DISPOSITIVO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes, tanto a apelação da Autora como a apelação da Ré, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo das apelantes (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).

Porto, 2024-02-08
Manuela Machado
Ana Vieira
Paulo Duarte Teixeira