Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2558/18.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PERÍODO EXPERIMENTAL
REDUÇÃO DO PERIODO EXPERIMENTAL POR ACORDO DAS PARTES
CONVERSÃO DO CONTRATO A TERMO EM CONTRATO POR TEMPO INDETERMINADO
AUMENTO
DURAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP201906032558/18.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 06/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTO N.º294, FLS.271-288)
Área Temática: .
Sumário: I - A cláusula 6.ª do contrato de trabalho celebrado entre autor e ré onde se lê “Durante os primeiros quinze dias de execução do presente contrato, qualquer dos outorgantes poderá livremente denunciá-lo, sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização”, apesar de no caso fixar um período experimental inferior ao previsto na lei para os contratos a termo certo com duração superior a 6 meses, não revela que tenha resultado do acordo das partes.
II - Nem tal foi alegado pelo autor, nem resulta da cláusula que tenha havido esse propósito, sendo certo que caso houvesse essa intenção a mesma deveria resultar em termos claros da própria cláusula, ou seja, à luz da regra estabelecida no n.º1, do art.º 236.º do CC, entendendo-se que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”.
III - É neste sentido que deve ser interpretado o n.º5, do art.º 112.º, quando permite a redução do período experimental por acordo das partes, mas sujeitando essa possibilidade à exigência a “acordo escrito entre partes”, não bastando a mera menção de um determinado prazo.
IV - O princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram.
V - Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social”. Contudo, exige-se um abuso nítido, isto é o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício.
VI - A figura do abuso de direito assume importância no controlo das situações de denúncia abusiva do contrato de trabalho no período experimental. Haverá abuso de direito em situações de denúncia do contrato de trabalho no período experimental que sejam motivadas por causas estranhas à relação de trabalho ou para disfarçar uma motivação ilícita, designadamente, com intuito discriminatório, por motivos ideológicos ou simplesmente arbitrária.
VII - As razões que estão subjacentes à fixação de um período experimental e, para além disso, ao estabelecimento de períodos experimentais com duração distinta atendendo à natureza do vínculo – por tempo indeterminado ou a termo certo -, justificam que em caso de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado concomitantemente passe a ser também aplicável o período experimental estabelecido na lei para essa situação concreta.
VIII - Nesses casos, passando a vigorar um período experimental de maior duração, haverá que levar em conta o tempo (dias) de trabalho já executado, visto contar a partir do início da prestação do trabalhador (art.º 113.º/1 CT/09), mas nada impede que este ou o empregador possam denunciar o contrato sem invocação de justa causa, nem direito a indemnização, nos termos previstos no n.º1, do art.º 114.º n.º1, CT/09.
IX - O facto da Ré ter denunciado o contrato de trabalho que inicialmente celebrou a termo certo com o autor, mas que depois passou a considerar como contrato por tempo indeterminado na sequência de acção inspectiva do ACT que entendeu inválido o termo aposto por falta de justificação - o que comunicara àquele dizendo-lhe «que havia um equívoco no seu contrato e como tal passava a considerar-se “efectivo” -, invocando fazê-lo no período experimental, não significa, só por si, que tenha actuado em abuso de direito.
X - Cabia ao autor, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus de prova, alegar e demonstrar os factos necessários para que se pudesse concluir nesse sentido (art.º 342.º do CC), propósito que não logrou alcançar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2558/18.9T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto - B… instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J1, contra C…, LDA, pedindo que seja julgada procedente por provada e, em consequência:
a) Ser declarada a nulidade do despedimento do Autor por ilícito, com as demais consequências legais, designadamente as previstas no artigo 390.º do Código do Trabalho.
b) Ser a Ré condenada a reintegrar o Autor no mesmo estabelecimento da empresa, sem perda de categoria e antiguidade, tudo nos termos do disposto na al. a/ do n.º 1 do artigo 389.º do CT;
c) Ser a Ré condenada a pagar uma indeminização pelos prejuízos não patrimoniais causados ao Autor, no valor não inferior a 10.000,00€, acrescida de juros legais contados desde a citação até integral e efectivo pagamento, tudo nos termos do disposto na al. a/ do n.º 1 do artigo 389.º do CT ou artigo 393.º do CT caso se entenda que estamos perante um contrato a termo, consoante alegado nos artigos 33.º a 42.º desta PI;
d) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor subsídio de férias, férias não gozadas e os proporcionais de férias, subsídio de Natal proporcional, correspondente ao período de tempo que decorreu entre o despedimento e a data de trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento sentença, a liquidar em execução de sentença;
e) Ser a Ré condenada no pagamento das custas processuais e demais encargos.
Para fundamentar os pedidos alega, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 18/09/2017, por contrato individual de trabalho a termo certo de um ano e três meses, com a categoria profissional de empregado de balcão auxiliar, por conta e sob a autoridade e direcção daquela.
Auferia mensalmente a quantia ilíquida de 582,00€ a título de salário, acrescido de 4,00€ a título de subsídio de alimentação, por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
Nos termos do disposto da Cl.ª 6.ª do contrato individual de trabalho celebrado com a Ré, ficou fixado o prazo de 15 dias como período experimental. Uma vez que o Autor iniciou funções a 17 de Setembro de 2017, no dia 03 de Outubro de 2017 o período experimental contratualmente previsto chegou ao fim.
Por carta datada de 06 de Novembro de 2017, a Ré comunicou ao Autor que a Autoridade para as Condições do Trabalho tinha realizado uma inspecção à empresa e concluído que não existia a causa justificativa do termo aposto no contrato de trabalho. Em face da posição assumida pela ACT, considerava a Ré que o contrato que a unia ao Autor tinha passado a ser por tempo indeterminado, motivo pelo qual o período experimental ainda estava a decorrer. Nessa conformidade, prescindia dos seus serviços a partir do dia 10 de Novembro de 2017.
A Ré, subverteu o que havia sido negociado e alterou unilateralmente os termos do contrato.
O facto do contrato de trabalho alegadamente ter passado a ser um contrato por tempo indeterminado, por decisão administrativa da ACT, não permite que a Ré decida unilateralmente que todas as cláusulas contratuais são nulas e como tal que o período experimental não se tinha esgotado em 06/11/2017.
Para além disso, a denúncia levada a cabo pela Ré consubstancia um abuso de direito, dado que a justificação dada pela Ré não se encontra enquadrada com o espírito e o objectivo que justifica a existência do período experimental nos contratos de trabalho.
O que ocorreu foi um puro e simples despedimento sem justa causa e sem precedência de processo disciplinar, por parte da Ré, encapotado de denúncia durante o período experimental.
Pretende a sua reintegração no seu posto de trabalho pois no seu entender estão reunidas as condições necessárias ao bom desempenho das suas funções.
São devidos ao Autor as compensações previstas no nº 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho.
Acresce que sofreu danos morais, consistentes na perda do primeiro emprego sem motivo ou justificação, que o afectou seriamente do ponto de vista psíquico e emotivo, criando complicações várias no seu sistema nervoso, traduzidas numa ansiedade profunda e permanente, crises nervosas, falta de auto-estima e falta de confiança no futuro. Ajudava a sua mãe viúva nas despesas domésticas, o que se tornou impossível em virtude do despedimento ilícito perpetrado pela Ré. O despedimento afectou de forma grave a sua vida social e familiar, nomeadamente, começou a discutir e zangar-se amiúde com a sua mãe, irmão e com a namorada, sempre por motivos fúteis.
Tal conduta atentou, ainda, gravemente contra a honra e dignidade pessoal, do Autor, contribuindo para a sua desvalorização pessoal e profissional. Passou a sofre de depressão, a qual se traduz numa irritabilidade constante, insónias, ansiedade, ataques de pânico e uma profunda falta de auto-estima.
Esses factos consubstanciaram gravíssimos danos morais, cujo justo ressarcimento deve consistir numa indemnização a pagar a este pela Ré em valor nunca inferior a 10.000,00€ (dez mil euros).
Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou alegando que celebrou com o autor um contrato de trabalho a termo certo, mas foi alvo de uma visita inspectiva pela ACT, que considerou o termo aposto no contrato nulo, por “Indicação de vínculo laboral efectivo dos trabalhadores contratados a termo atenta a falta de fundamentação dos respectivos contratos”, tendo-lhe sido dado um prazo de 10 dias para regularizar a situação, ou seja, diligenciar e assumir que o trabalhador estaria vinculado por contrato por tempo indeterminado. E assim, a R. fez.
O A. soube de tal visita inspectiva e do seu resultado. Esteve presente e falou com a R. precisamente sobre esse assunto, dizendo estar vinculado por contrato por tempo indeterminado.
O trabalhador encontrava-se no período experimental e foi dispensado.
A cláusula 6º do contrato de trabalho a termo pelo qual se refere que o período experimental é de 15 dias, não resulta do acordo das partes, mas da força da lei naquele enquadramento, nos termos do art. 112º n.º 2 al. b) do C.T. Ainda que fosse uma cláusula convencional, as partes teriam acordado no pressuposto que estariam perante um contrato de trabalho a termo certo.
Alterando-se tal pressuposto, tal convenção teria de deixar de existir ou vigorar.
Conclui pugnando pela sua absolvição, bem assim pela condenação do autor como litigante de má-fé, por invocar um direito que não existe.
I.2 Findos os articulados foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância.
Procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e à fixação dos temas de prova.
Foi, ainda, fixado valor da acção em €11.767,60 (onze mil setecentos e sessenta e sete).
Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento.
I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Termos em que julgo improcedente a presente acção, absolvendo o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Custas pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário concedido – cfr. art.º 527.º, ns 1 e 2 do C.P.C..
Registe e notifique.
(..)».
I.4 Inconformado com esta sentença, o autor interpôs recurso de apelação,
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I.5 A Recorrida Ré contra-alegou,
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I.6 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido de ser negado provimento ao recurso, quer na vertente de impugnação da matéria de facto quer na respeitante à aplicação do direito.
Respondeu o autor, reiterando a posição afirmada no recurso.
I.7Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação pelo recorrente consistem em saber se o tribunal a quo errou quanto ao seguinte:
I - Na apreciação da prova, ao considerar provados os factos 12, 13 e 14;
II - Independentemente da procedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto, na aplicação do direito:
-dos artigo 111.º e 112.º do CT, ao considerar que nas circunstâncias do caso o período experimental inicialmente fixado em 15 dias passou validamente a ser de 90 dias e, logo, que a Ré podia fazer cessar o contrato de trabalho, como o fez, sem que haja um despedimento ilícito.
- entendendo-se que há alteração do período experimental, por não considerar que a actuação da Ré configura um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, por ter sido ela quem deu causa à nulidade da cláusula.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que segue:
Factos provados:
1. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 18/09/2017, por contrato individual de trabalho a termo certo de um ano e três meses, com a categoria profissional de empregado de balcão auxiliar, por conta e sob a autoridade e direcção Ré, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 8 vº a 9, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido.
2. A Ré é uma sociedade comercial que tem como objecto social a fabricação e distribuição de panificação, exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas, designadamente pastelaria e boutique de pão quente, explorando um estabelecimento comercial na Avenida … n.º … e …, no ….
3. O Autor foi admitido pela Ré para sobre as suas ordens e direcção prestar o seu labor nas instalações da Ré sitas no …, onde tinha como tarefas próprias da sua categoria profissional, atender e servir os clientes que se dirigissem ao balcão da unidade comercial da Ré, atender e fornecer os pedidos dos empregados de mesa certificando-se previamente da exactidão dos registos, verifica se os produtos ou alimentos a fornecer correspondem em qualidade, quantidade e apresentação aos padrões estabelecidos pela gerência do estabelecimento; executa com regularidade a exposição em prateleiras e montras dos produtos para venda; procede às operações de abastecimento; elabora as necessárias requisições de víveres, bebidas e outros produtos a fornecer pela secção própria, ou procede à aquisição directa aos fornecedores, etc.
4. O Autor enquanto esteve ao serviço da Ré auferia mensalmente a quantia ilíquida de 582,00€ a título de salário, acrescido de 4,00€ a título de subsídio de alimentação, por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
5. Nos termos do disposto da Cl.ª 6.ª do contrato individual de trabalho celebrado entre Autor e Ré, ficou fixado o prazo de 15 dias como período experimental.
6. O Autor iniciou funções a 17 de Setembro de 2017.
7. A Ré remeteu ao Autor a carta datada de 6 de Novembro de 2017, junta aos autos a fls. 11, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido.
8. A Ré prescindiu dos serviços do Autor a partir do dia 10 de Novembro de 2017.
9. Em 30 de Novembro de 2017, a Ré pagou ao Autor o vencimento correspondente aos 10 dias de trabalho realizado, o subsídio de alimentação correspondente aos dias de trabalho efectivamente prestado, os proporcionais do subsídio de férias e os proporcionais do subsídio de Natal.
10. Com o seu salário, o Autor ajudava a mãe, viúva, nas despesas domésticas.
11. O Autor ficou perturbado com o facto de terem sido dispensados os seus serviços a cargo da Ré.
12. A Ré foi alvo de uma visita inspectiva pela Autoridade para as Condições de Trabalho – ACT, que considerou o termo aposto no contrato nulo, concedendo-lhe um prazo para regularizar a situação, ou seja, diligenciar e assumir que o trabalhador estaria vinculado por contrato por tempo indeterminado, nos seus termos e condições.
13. O Autor soube de tal visita inspectiva e do seu resultado.
14. O período experimental de 15 dias aposto no contrato teve como pressuposto a celebração do contrato por tempo determinado.
Factos não provados (com interesse à decisão):
Não há.
II.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente autor insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, defendendo que o Tribunal a quo errou ao considerar provada a matéria constante sob os números 12, 13 e 14 do elenco factual.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, isto é, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Atentos estes princípios, cabe verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
As conclusões superam o que se entende exigível, dado que para além da indicação dos factos impugnados e das respostas alternativas, o recorrente menciona ainda os meios de prova que invoca e formula juízo crítico para sustentar a sua posição.
Por outro lado, nas alegações encontra-se a indicação precisa dos testemunhos invocados, devidamente identificados e com indicação – e transcrição – dos extractos que sustentam a posição da recorrente e pontos da gravação em que se encontram.
Conclui-se, pois que nada obsta à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.
II.2.1Antes de nos debruçarmos sobre a impugnação impõe-se a nossa intervenção oficiosa para completar a matéria de facto fixada, visto constatar-se que o tribunal a quo limitou-se a dar por reproduzidos documentos ou faz referência ao respectivo texto, sem ter tido o cuidado de fazer a transcrição, ainda que cingida ao essencial, das partes do respectivo conteúdo relevantes para a apreciação da causa.
Referimo-nos aos factos 1, 5 e 7.
No facto 1, lê-se: “O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 18/09/2017, por contrato individual de trabalho a termo certo de um ano e três meses, com a categoria profissional de empregado de balcão auxiliar, por conta e sob a autoridade e direcção Ré, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 8 vº a 9, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido”.
O Tribunal a quo reproduziu integralmente o art.º 1.º da PI. Porém, na cláusula 5.ª do contrato não se refere que o autor foi contratado a “termo certo de um ano e três meses”. Essa afirmação é uma conclusão que se retira da cláusula fazendo o cálculo do tempo decorrido entre as datas de início e termo ali mencionadas.
Por conseguinte, mesmo que se quisesse manter a alegação do autor, até por não ter sido impugnada, seria também adequado dar conta do conteúdo da cláusula, desse modo percebendo-se como se chega àquele período. Com efeito, o texto do facto sugere que na cláusula consta a expressão a “ termo certo de um ano e três meses”, quando assim não acontece.
Assim, altera-se a redacção do facto 1, para passar a ser a seguinte:
- «O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 18/09/2017, por contrato individual de trabalho a termo certo de um ano e três meses, com a categoria profissional de empregado de balcão auxiliar, por conta e sob a autoridade e direcção Ré, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 8 vº a 9, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido, onde consta, para além do mais, na cláusula 5.ª: “O presente contrato terá início no dia 18 de Setembro de 2017 e vigorará até 17 de Dezembro de 2018” e, na cláusula 9.ª “O presente contrato iniciara´ a sua vigência no dia 18 de Setembro de 2017, e terminará no dia 18 de Dezembro de 2018, e tem como fim substituir alguns funcionários que se encontram de férias”.
No facto 5 lê-se: “Nos termos do disposto da Cl.ª 6.ª do contrato individual de trabalho celebrado entre Autor e Ré, ficou fixado o prazo de 15 dias como período experimental”.
O texto corresponde integralmente ao alegado pelo autor no art.º 5.º da PI.
Discute-se na presente acção a razão da fixação de um período experimental de 15 dias e se é susceptível de alteração.
Valem aqui as razões que se mencionaram acima, designadamente, que a afirmação comporta uma conclusão extraída do conteúdo da cláusula 6.ª. Neste contexto, a boa técnica jurídica exigia que se transcrevesse a cláusula, pois é esse o facto, ao invés de se reproduzir uma alegação conclusiva.
Assim, altera-se a redacção do facto 5, para passar a ter a redacção seguinte:
- «A cláusula 6.ª do contrato de trabalho celebrado entre autor e ré tem o teor seguinte: Durante os primeiros quinze dias de execução do presente contrato, qualquer dos outorgantes poderá livremente denunciá-lo, sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização”.
No facto 7 lê-se: “A Ré remeteu ao Autor a carta datada de 6 de Novembro de 2017, junta aos autos a fls. 11, cujo teor se dá qui por integralmente reproduzido”.
A este propósito o autor alegou:
7.º Por carta datada de 06 de Novembro de 2017, a Ré comunicou ao Autor que a Autoridade para as Condições do Trabalho tinha realizado uma inspecção à empresa e concluído que não existia a causa justificativa do termo aposto no contrato de trabalho.
8.º Mais dizia que, em face da posição assumida pela ACT, considerava a Ré que o contrato que a unia ao Autor tinha passado a ser por tempo indeterminado, motivo pelo qual o período experimental ainda estava a decorrer.
9.º Nessa conformidade, a Ré prescindia dos serviços do Autor a partir do dia 10 de Novembro de 2017 – cfr. Documento n.º 3 que se junta.
Entendeu o Tribunal a quo, mas mal, limitar-se a dar por integralmente reproduzido o documento que foi junto. Como bem se vê, a menos que se vá consultar a carta, fica-se sem saber qual é o conteúdo da mesma, acrescendo que a questão fulcral em discussão gira à volta dessa comunicação. Portanto, no rigor das coisas, não foi fixado qualquer facto.
Assim, altera-se a redacção do facto 7, para passar a ter a redacção seguinte:
- « A Ré remeteu ao Autor a carta datada de 6 de Novembro de 2017, junta aos autos a fls. 11, comunicando-lhe o seguinte:
-“Na sequência da inspeção realizada pela Autoridade Para as Condições do Trabalho, colocando em causa a justificação do termo, e assim ficando V.Ex.ª vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado, somos a prescindir dos serviços de V.Ex.ª no período experimental, pelo que deixará de prestar trabalho no próximo dia 10 de Novembro de 2017, para e com as necessárias advindas consequências legais”.
II.2.2 Passando à apreciação da impugnação, começaremos por sublinhar que se procedeu à audição integral dos testemunhos indicados.
Nos factos 12 e 13, considerou-se provado:
- [12] “A Ré foi alvo de uma visita inspectiva pela Autoridade para as Condições de Trabalho - ACT, que considerou o termo aposto no contrato nulo, concedendo-lhe um prazo para regularizar a situação, ou seja, diligenciar e assumir que o trabalhador estaria vinculado por contrato por tempo indeterminado, nos seus termos e condições”.
- [13] -“O Autor soube de tal visita inspectiva e do seu resultado”.
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Assim, tendo-se presente que a alegação da Ré delimitada pelo que fez constar nos transcritos artigos, conjugando a prova produzida em termos lógicos, alteram-se os factos 12 e 13, para passarem a ter o conteúdo seguinte:
12 - A Ré, em 27-10-2017 foi alvo de uma visita inspectiva pela Autoridade para as Condições de Trabalho – ACT, tendo sido notificada para apresentar diversos elementos, entre eles a Indicação do vínculo laboral (efectivo) dos trabalhadores contratados a termo atenta a falta de fundamentação dos respectivos contratos”.
12.A - Após o envio dos elementos pela contabilista da Ré à Senhora inspectora que procedera à acção inspectiva, esta, em contacto telefónico com aquela, disse-lhe temos aqui um contrato que o termo não é válido, portanto o contrato passa a termo indeterminado”.
12.B - A contabilista transmitiu ao gerente da Ré que a inspectora lhe tinha comunicado, “que o contrato era inválido e como tal o trabalhador passava a efectivo”.
13. - O autor presenciou a acção inspectiva do ACT e percebeu do que se tratava.
13-A O gerente da Ré disse ao autor que havia um equívoco no seu contrato e como tal passava a considerar-se “efectivo”.
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II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Defende o recorrente que, independentemente da sorte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sempre deverá ser revogada a sentença por erro de direito ao ter considerado “(..) que por força da declaração de nulidade do termo, o contrato de trabalho passou a ser por tempo indeterminado e como tal o período experimental seriam de 90 dias previstos na lei, considerando lícita sem aviso prévio ou causa justificativa” [conclusões 34.ª a 46.ª]. Mais defende que, caso se entenda que há alteração do período experimental e que a denúncia foi efectuada durante o mesmo, então a actuação da Ré configura um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
O tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão nos termos seguintes:
«Dispõe o art.º 111.º, n.º 1 do Código de Trabalho (CT) que o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção, dispondo o n.º 1 do art.º 114.º do mesmo diploma que durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.
Nos termos do art.º 112.º, n.s 1 e 2 do CT, no contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a duração de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores; no contrato de trabalho a termo, o período experimental tem a duração de 30 dias em caso de contrato com duração igual ou superior a seis meses, e de 15 dias em caso de contrato a termo certo com duração inferior a seis meses, ou de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite.
Nos termos do n.º 5 deste artigo, a duração do período experimental pode ser reduzida (...) por acordo escrito entre partes.
Por outra via, nos artigos 381.ºss do CT prevêem-se as causa de ilicitude do despedimento e, nos artigos 389.º ss as consequências da declaração judicial de tal ilicitude.
No caso dos autos, resulta da factualidade provada que o Autor foi admitido ao serviço da Ré em 18/09/2017, por contrato individual de trabalho a termo certo de um ano e três meses, tendo sido estipulado na cláusula 6.ª daquele contrato o prazo de 15 dias como período experimental.
Após visita inspectiva à Ré, por parte da Autoridade para as Condições de Trabalho – ACT -, que considerou o termo aposto no contrato nulo, o Autor passou a estar vinculado por contrato por tempo indeterminado, tendo a Ré, remetido ao Autor carta datada de 6 de Novembro de 2017, prescindindo dos serviços do Autor a partir do dia 10 de Novembro de 2017, invocando para tanto que o mesmo ainda estaria no período experimental.
Efectivamente, tendo-se convertido o contrato de trabalho do Autor em contrato por tempo indeterminado, o período experimental legalmente previsto é, nos termos do disposto no art.º 112.º, n.º 2 do CT, de 90 dias, a tal não obstando o facto de na cláusula 6.ª do contrato celebrado se ter previsto o período experimental de 15 dias, uma vez que este período tinha como pressuposto a celebração de um contrato a termo certo, findo o qual a Ré sempre poderia declarar a sua caducidade, o que já não sucede no caso de contrato por tempo indeterminado, que passou a vincular as partes.
É certo que a nulidade do termo aposto no contrato não afecta a validade do mesmo e, por princípio, não afecta a validade das restantes cláusulas do contrato, dispondo o art.º 121.º, n.º 1do CT que a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o contrato de trabalho, salvo quando se mostre que este não teria sido celebrado sem a parte viciada. No entanto, no caso dos autos, resultou provado que aquele período experimental de 15 dias foi estipulado, naquele contrato, no pressuposto de se tratar de um contrato a termo certo.
Convertendo-se o contrato em contrato por tempo indeterminado, há que aplicar o respectivo regime legal que prevê um período experimental de 90 dias, uma vez que não resulta da factualidade apurada que tenha sido intenção das partes, com a aposição daquela cláusula 6.ª, reduzir o período experimental legalmente previsto.
Assim, conclui-se ter a Ré denunciado o contrato do Autor no decurso do respectivo período experimental, não tendo para o efeito que respeitar qualquer aviso prévio ou invocar qualquer causa justificativa, não concedendo tal denuncia o direito a qualquer indemnização, improcedendo as pretensões do Autor.
(…)».
Antes de prosseguirmos impõe-se uma nota prévia.
Como flui da fundamentação acima transcrita, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o segundo fundamento invocado pelo autor na acção, em concreto, constituir a conduta da Ré abuso de direito, dado que a justificação dada pela Ré – passar o contrato a ser por tempo indeterminado - não se encontrar enquadrada com o espírito e o objectivo que justifica a existência do período experimental nos contratos de trabalho.
O Autor vem aqui reiterar esse argumento, mas para além disso deveria ter arguido a nulidade da sentença por omissão de pronúncia [art.º 615.º n.º1 al. d), do CPC].
Caso estivesse em causa outro fundamento, não tendo o recorrente arguido a nulidade da sentença, estaria vedado a este tribunal ad quem pronunciar-se sobre ele, visto não bastar ser um dos fundamentos do recurso.
Mas assim não acontece aqui, pois como é consabido o abuso de direito é de conhecimento oficioso, por essa razão cumprindo a este Tribunal ad quem pronunciar-se sobre a questão (art.º 608.º 2, CPC).
II.3.1 Começaremos por deixar as notas essenciais e com relevância para o caso, sobre o período experimental.
A noção de período experimental consta do art.º 111.º do CT/09, dispondo o n.º1, que “(..) corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção”.
Dispõe logo de seguida o n.º2, mesmo artigo que “no decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho”, colocando a ênfase na realização dos objectivos que estão subjacentes àquela fase do contrato.
O período experimental corresponde à primeira fase das relações entre o trabalhador e a entidade empregadora, e “tem como razão de ser a necessidade de dar a conhecer vividamente às partes, através do funcionamento das relações contratuais, as aptidões do trabalhador e as condições de experiência – isto é, se as partes não se satisfizerem com a execução do contrato durante essa fase preliminar – permite-se uma desvinculação praticamente sem restrições” [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª edição, verbo, Lisboa, 1999, p. 249/250].
Em sentido convergente, mas com maior detalhe, observa António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 14ª Edição, Almedina, Coimbra, p. 339] o seguinte: “O carácter duradouro da relação de trabalho põe em movimento relevantes interesses das partes. Do ponto de vista do empregador, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se, na verdade, o trabalhador contratado mostrar que possui as aptidões laborais procuradas; do ângulo do trabalhador, pode ser que as condições concretas do trabalho, na organização em que se incorporou, tornem tolerável a permanência indefinida do vínculo assumido. Quanto a ambas as partes, só o desenvolvimento factual da relação de trabalho pode esclarecer com alguma nitidez, a compatibilidade do contrato com os respectivos interesses, conveniências ou necessidades.”
Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art.º 114.º/1, CT/09). Apenas se impõe que haja um aviso prévio de sete dias ou de 15 dias, consoante o contrato tenha durado, respectivamente, mais de 60 ou 120 dias (n.ºs 3 e 4, do mesmo artigo).
No que concerne ao tempo de duração do período experimental rege o art.º 112.º, estabelecendo períodos com duração diferente, atendendo à natureza do vínculo – por tempo indeterminado ou a termo certo -, à complexidade das funções – técnica, elevado grau de responsabilidade, que pressuponham especial qualificação - ou de confiança – cargos de direcção ou superior.
Em entendimento que subscrevemos, observa Monteiro Fernandes que a necessidade de período experimental existe sobretudo nos contratos de duração indeterminada, justificando essa posição nos termos seguintes:
- «Se há prazo estipulado, é de presumir que a fora de trabalho se destine a um objectivo concreto e delimitado, em relação ao qual é mais fácil estabelecer previamente a adequação entre o homem e a função; por outro lado, a própria circunstância ter vida limitada, quer dizer, durabilidade restrita, torna menos graves os eventuais desajustamentos que se venham a manifestar” [Op. cit., p. 339/340].
Como regra para generalidade dos trabalhadores, no contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a duração de 90 dias [112.º/1/al a)].
No contrato a termo certo, a duração do período experimental é menor, variando ainda consoante a duração do vínculo, sendo 30 dias quando aquela seja igual ou superior a seis meses e de 15 dias quando inferior a seis meses ou em caso de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite [art.º 112.º/ 2/ alíneas a) e b)].
No que aqui releva, importa ainda assinalar que a duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo escrito entre partes [art.º 112.º/5].
Deste regime retira-se, no essencial, que na falta de acordo escrito das partes em sentido contrário, isto é, excluindo o período experimental, qualquer delas pode denunciar o contrato, durante este período, «sem aviso prévio e invocação de justa causa», nem direito a indemnização.
Como elucida o Acórdão do STJ de 09 de Setembro de 2015, “Justa causa para este efeito é qualquer facto que motive e legitime a denúncia do contrato. O denunciante não carece, deste modo, de invocar quaisquer razões que na sua óptica possam justificar a denúncia” [processo nº 499/12.2TTVCT.G1.S1, Conselheiro António Leones Dantas], prosseguindo depois com a elucidativa fundamentação que segue:
-«(..)
2.1 - O direito a pôr termo à relação de trabalho decorre da própria existência do contrato e da fase inicial em que a execução do mesmo se encontra e não de quaisquer factos imputáveis à parte contrária que possam constituir fundamento do direito de denúncia.
Neste contexto, a denúncia do contrato resulta da avaliação que a parte denunciante faça do preenchimento dos objetivos subjacentes à contratação, à luz da experiência de execução do contrato.
No caso do empregador, para além das tarefas que funcionalmente foram atribuídas ao trabalhador, serão ponderados o enquadramento daquele na estrutura produtiva, na multiplicidade de aspetos que a caracteriza.
Tais objetivos não esgotam as funções do período experimental, sendo que outros, com relevo na caracterização do programa subjacente à contratação do trabalhador, poderão estar presentes nesta avaliação e na decisão de estabilizar ou não a relação de trabalho.
A denúncia, tal como acima se referiu, não carece de ser motivada na invocação de qualquer justa causa, pelo que o denunciante tem o “direito ao silêncio” sobre os motivos subjacentes à sua decisão de denunciar.
Esta situação obsta a que se introduzam pressupostos específicos ao direito de denunciar, limitando o seu âmbito, nomeadamente através da afirmação de que a licitude do respetivo exercício está condicionada aos resultados da avaliação que as partes façam do desempenho profissional do trabalhador.
Contudo, tratando-se de um direito cujo exercício não carece da demonstração de um fundamento específico, a denúncia do contrato de trabalho neste período tem motivado uma particular reflexão da Doutrina no sentido de encontrar resposta para os abusos no exercício daquele direito, no fundo para a denúncia fora «dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».
3 – PEDRO ROMANO MARTINEZ refere que «a liberdade de desvinculação está relacionada com a razão de ser do período experimental, daí que poderá não ser lícita a denúncia motivada por causas estranhas ao contrato de trabalho. Assim, estar-se-á perante uma hipótese de abuso do direito, se, por exemplo, o empregador denunciar o contrato durante o período experimental pelo facto de a trabalhadora ter, entretanto, engravidado»[7].
No mesmo plano de preocupações se encontra MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, quando afirma que «evidentemente, caberá assegurar que o direito de pôr fim ao contrato ao abrigo do período experimental não é exercido em moldes abusivos, nos termos acima indicados, ou seja para disfarçar uma motivação ilícita para a cessação do contrato ou com um intuito sancionatório sobre o trabalhador. Em suma, impõe-se o exercício do direito dentro dos limites da boa fé».[8]
No mesmo sentido se pronuncia MONTEIRO FERNANDES afirmando que «ora estas limitações à liberdade de desvinculação não valem no período experimental: nos termos do art. 114.º do CT, durante aquele período é livre a rutura do contrato – a lei adota a presunção de que a cessação do contrato é determinada por inaptição do trabalhador ou por inconveniência das condições de trabalho oferecidas pela empresa. No entanto não pode excluir-se a hipótese de abuso de direito», e prossegue este autor afirmando que «um despedimento realizado nesse período pode ser discriminatório, fundado em motivos ideológicos, ou em razões estranhas às relações de trabalho, ou simplesmente arbitrário - e, sendo assim, não poderá considerar-se coberto pela “franquia” do artigo 114.º (…)»[9].
Ainda na busca de resposta às mesmas preocupações, TATIANA GUERRA DE ALMEIDA, refere que «salientando uma vez mais a circunstância de tal modelo se achar fundamentado numa lógica específica, que procura atender ao que poderíamos chamar margem de risco contratual inerente ao reconhecimento e tutela de interesse experimental na contratação laboral – será porventura mais evidente a natureza de instrumento jurídico adequado à reação contra atuações que, sobrelevando os limites de tal permissão para o exercício de faculdades extintivas, consubstanciam manifestações disfuncionais do instituto. Assim, a consideração de tais hipóteses deverá situar-se, justamente, no âmbito do abuso de direito, considerando-as, consequentemente, como hipóteses de denúncia abusiva e sujeitando-as desse modo ao regime que decorrerá dessa qualificação»[10].
II.3.2 Revertendo ao caso, resulta dos factos assentes que o autor foi contratado a termo determinado.
Mais precisamente, conforme ficou a constar da cláusula 5.ª :“O presente contrato terá início no dia 18 de Setembro de 2017 e vigorará até 17 de Dezembro de 2018” (facto 1).
Perfazendo o contrato uma duração de 1 ano e três meses, o período experimental previsto na lei era de 30 dias [art.º 112.º n.º 2, al. a), CT/09].
A cláusula 6.ª do contrato de trabalho celebrado entre autor e ré tem o teor seguinte: “Durante os primeiros quinze dias de execução do presente contrato, qualquer dos outorgantes poderá livremente denunciá-lo, sem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização”.
Ficou, pois, estabelecido um período experimental com duração inferior ao previsto na lei, mas sem que tal tenha resultado de acordo das partes. Nem tal foi alegado pelo autor, nem resulta da cláusula que tenha havido esse propósito, sendo certo que caso houvesse essa intenção a mesma deveria resultar em termos claros da própria cláusula, ou seja, à luz da regra estabelecida no n.º1, do art.º 236.º do CC, entendendo-se que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”. É neste sentido que deve ser interpretado o n.º5, do art.º 112.º, quando permite a redução do período experimental por acordo das partes, mas sujeitando essa possibilidade à exigência a “acordo escrito entre partes”.
Para o caso é irrelevante que a Ré, mercê do que fez constar na cláusula, tenha fixado um período experimental inferior ao previsto na lei para um contrato a termo certo com duração superior a 6 meses, isto é, os 30 dias. Houve um erro por parte da Ré, mas também não assume relevância saber quais foram as concretas e precisas razões que lhe estão subjacentes.
Por um lado, releva é não resultar do texto da cláusula que tenha havido um propósito, resultante de acordo das partes na negociação do contrato, de reduzir o período experimental. É certo que o prazo é mais reduzido do que o previsto na lei para um contrato a termo certo com a duração superior a 6 meses, assim como é inegável que as partes se vincularam a esse período ao outorgarem o contrato, mas também não o é menos que não houve qualquer negociação em torno do período experimental, nem tão pouco da cláusula pode retirar-se que tenha havido uma intenção das partes de fazer uso da possibilidade conferida na lei de o reduzirem.
Por outro, releva também o facto de esse período experimental ter sido feito constar no contrato no âmbito de uma contratação a termo certo, isto é, por tempo determinado. Esse é um facto inegável, pois se o contrato foi celebrado a termo certo, em conformidade com a vontade das partes, não podia ter pressuposto diferente. De resto, tal como se considerou provado (facto 14).
Prosseguindo, no decurso da relação laboral, em 27-10-2017, já depois de esgotado aquele prazo, a Ré foi sujeita a uma acção inspectiva realizada por uma Senhora inspectora do ACT, no âmbito da qual foi notificada para apresentar diversos elementos, entre eles a “Indicação do vínculo laboral (efectivo) dos trabalhadores contratados a termo atenta a falta de fundamentação dos respectivos contratos” (facto 12).
A contabilista da Ré satisfez a solicitação da ACT, remetendo os elementos à Senhora Inspectora que procedera à fiscalização e notificação, após o que há um contacto telefónico entre ambas, no qual esta última referiu à primeira “temos aqui um contrato que o termo não é válido, portanto o contrato passa a termo indeterminado” [facto 12-A].
Por seu turno, a contabilista transmitiu ao gerente da Ré que a inspectora lhe tinha comunicado, “que o contrato era inválido e como tal o trabalhador passava a efectivo” (facto 12-B].
Na fundamentação da sentença escreve-se que “Após visita inspectiva à Ré, por parte da Autoridade para as Condições de Trabalho – ACT -, que considerou o termo aposto no contrato nulo, o Autor passou a estar vinculado por contrato por tempo indeterminado (..)”.
Esta afirmação tem falta de rigor, não se percebendo com clareza qual foi o raciocínio da Senhora Juíza quando após afirmar o que foi considerado pelo ACT - que está correcto -, imediatamente a seguir, sem mais, remata dizendo “o Autor passou a estar vinculado por contrato por tempo indeterminado”.
O que se retira dos factos é que a Ré, através do seu gerente, acatou a consideração da Senhora inspectora da ACT sobre a validade do termo - em razão da celebração a termo não estar devidamente justificada, como era indicado na notificação -, assumindo o erro e, consequentemente, optando por considerar o contrato por tempo indeterminado.
Decisão que comunicou ao autor, dizendo-lhe «que havia um equívoco no seu contrato e como tal passava a considerar-se “efectivo” [facto 13-A], isto é, usando a expressão da gíria comum para designar um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Aqui chegados, importa fazer notar que o autor não se insurgiu contra essa alteração do vínculo laboral, nomeadamente na presenta acção. Vem é questionar que a Ré pudesse decidir “unilateralmente que todas as cláusulas contratuais são nulas e como tal que o período experimental não se tinha esgotado em 06/11/2017, quando este terminou em 03 de Outubro de 2017”.
Essa é, pois, a questão fulcral.
Mas embora não seja directamente colocada a questão da invalidade do motivo justificativo aposto na cláusula 9.ª do Contrato de Trabalho, para se perceber a razão de ser dessa decisão da Ré, contextualizando a sua conduta, o que releva para ambos os fundamentos do recurso do autor, importa relembrar que nos termos do art.º 141.º n.º 1 al. e) e n.º3, CT/09, o contrato de trabalho a termo deve conter a indicação do motivo justificativo, a qual deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
Como melhor elucida Monteiro Fernandes, reportando-se às normas do vigente CT/09, «(..) o art.º 141.º/3 CT exige a “menção expressa dos factos” que integram o motivo, “devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”. Assim, não basta referir-se um “acréscimo temporário de actividade”, é exigido que se concretize esse tipo de actividade em que se verifica a intensificação e a causa desta. É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art.º 140.º; e a realidade e a adequação da própria justificação face à duração estipulada para o contrato. Na verdade, a exigência legal da indicação do motivo justificativo é uma consequência do caráter excepcional que a lei atribui à contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional que se manifesta no art.º 140.º: o contrato só pode ser (validamente) celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem» [Op. cit., 328/329].
Em suma, a indicação do motivo justificativo deve permitir que o trabalhador, ou a ACT no âmbito das suas funções de fiscalização, ou os tribunais de trabalho em caso de litígio, possam compreender e fiscalizar objectivamente as verdadeiras razões em que radica a necessidade de celebração de um contrato de trabalho a termo certo e por um determinado período.
A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, não podendo a insuficiência de tal justificação ser suprida por outros meios de prova.
A insuficiência do motivo justificativo implica a sua invalidade e, consequentemente, o contrato de trabalho considera-se sem termo [art.º 147.º n.º1, al. c), do CT/09].
Atento o objectivo da exigência legal do motivo justificativo, como consequência do carácter excepcional da contratação a termo, só admitindo que o contrato a termo possa ser validamente celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem, há sempre que justificar o recurso a esse tipo de contratação, cabendo tal ónus à entidade empregadora, como decorre da conjugação do disposto na al. e), do n.º1 e n.º3, do art.º 141.º CT/09, sob pena de conversão do contrato a termo em contrato sem termo [n.º 1, al. c) do artigo 147.º CT/09].
Este é o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Justiça, como se retira do recente Acórdão dessa instância, de 22-02-2017 [Proc.º n.º 236/15.0T8AVR.P1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt], em cuja fundamentação se exara o seguinte:
- «(..) Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[2]
Donde ser de concluir que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato.
Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º».
No caso, o motivo justificativo aposto ao contrato de trabalho a termo certo, com início a 18 de Setembro de 2017 e termo a 18 de Dezembro de 2019, é apenas o seguinte (facto 1/cláusula 9.ª): (..) e tem como fim substituir alguns funcionários que se encontram de férias”.
Pode dizer-se com segurança que estamos perante um caso de manifesta insuficiência do termo justificativo: não se mencionam quais os funcionários, nem tão pouco quais os concretos períodos de férias que iriam gozar, implicando a necessidade de substituição.
Foi com este motivo justificativo que a Senhora Inspectora da ACT se deparou, percebendo-se bem as razões que a levaram a transmitir à Ré, na pessoa da sua contabilista, que o termo do contrato era inválido e, como tal, que o contrato passava a considerar-se por tempo indeterminado.
Neste contexto, é caso para dizer, não restava outra alternativa à Ré a não ser reconhecer o erro e assumir as consequências, passando a considerar o autor como trabalhador contratado por tempo indeterminado, como assumiu e lhe comunicou (facto 13).
A insuficiência do termo justificativo implica a nulidade da respectiva cláusula e importa a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, o que se reconduz a uma invalidade parcial, ou seja, que não afecta todo o contrato de trabalho.
Entendeu o tribunal a quo que tendo resultado provado que o período experimental de 15 dias foi estipulado no pressuposto de se tratar de um contrato a termo certo, face à sua conversão em contrato a tempo indeterminado deve também entender-se que o período experimental passou a ser o previsto na lei, em geral, para este tipo de relação contratual de trabalho subordinado.
Pretende o recorrente pôr em causa este juízo com a argumentação constante nas conclusões 34.ª a 42.ª, defendendo, no essencial, que o contrato faz prova plena de que as partes emitiram as declarações dele constantes, pelo que está vedada a produção de prova testemunhal à alegada combinação de que o período experimental ficou definida em 15 dias porque o contrato era a termo, para concluir sustentando que a sentença violou as disposições constantes nos artigos 111.º, 112.º do Código do Trabalho e art.º 393.º n.º 1 e 394.º do Código Civil.
Esta argumentação não procede. Dispõe o artigo 393.º /1 do Código Civil o seguinte:
[1] Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é permitida prova testemunhal.
Como elucidam Antunes Varela e Pires de Lima [Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, Coimbra editora,1987, p. 342], “[Q]uando a declaração negocial deva ser reduzida a escrito e não o seja, o acto é nulo (art. 220.º; cfr. art.364.º], sendo, portanto, irrelevante qualquer espécie de prova”.
No caso nunca esteve em causa que o período fixado no contrato tenha sido de 15 dias. Porém, como já explicámos, daquela estipulação não pode retirar-se que tenha havido um propósito das partes de acordarem a redução do período experimental nos termos permitidos no n.º5, do art.º 112.º do CT/09.
Recorde-se que a lei exige o “acordo escrito entre partes”, não bastando, pelas razões que referimos, a mera menção de um determinado prazo. É necessário que resulte da cláusula que houve o propósito das partes no sentido de fazerem uso da possibilidade concedida aquele normativo.
Dai que, não se perceba qual a base do raciocínio do recorrente para invocar a violação do disposto no art.º 393.º1, do CC. Conjugando a exigência do n.º5, do art.º 112.º do CT/09, com o disposto naquela norma, resulta que a redução do período experimental por vontade das partes, uma vez que depende de “acordo escrito entre partes”, não admite prova testemunhal.
Ora, jamais o autor alegou ter negociado e acordado com a Ré a redução do período experimental. Simplesmente veio alegar que “Nos termos do disposto da Cl.ª 6.ª do contrato individual de trabalho celebrado entre Autor e Ré, ficou fixado o prazo de 15 dias como período experimental» [art.º 5.º/PI].
Por outro lado, o que o tribunal a quo afirma nada tem a ver com o período que foi fixado para o período experimental. Diz é “que aquele período experimental de 15 dias foi estipulado, naquele contrato, no pressuposto de se tratar de um contrato a termo certo”.
Ora, embora repetindo-nos, esse é um dado incontornável. Não só em face do provado, mas também por ser a conclusão lógica atento o tipo de contrato que foi celebrado.
Por último, menos se compreende ainda a invocação de alegada violação do art.º 394.º 1 CC, onde se dispõe: É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
Com o devido respeito, para que este normativo tivesse aqui aplicabilidade teria que estar em causa a prova de “quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo” do contrato de trabalho, caso em que o autor poderia então invocar a inadmissibilidade de prova testemunhal. Acontece, porém, que não vislumbramos qualquer situação que seja susceptível de se enquadrar nesse pressuposto.
Improcedendo estes fundamentos, os únicos invocados pela Recorrente para pôr em causa a decisão do tribunal a quo, ao considerar que por força da conversão do contrato por tempo determinado em contrato por tempo indeterminado o período experimental passou a ser de 90 dias nos termos previstos no art.º 112.º n.º1, al. a), do CT/09, previstos na lei, nada mais nos cumpre apreciar neste ponto, ou seja, quanto a esta questão.
II.3.3 Coloca-se agora a questão de saber se a denúncia do contrato de trabalho pela Ré, no período experimental, mas nas circunstâncias que se retiram da prova, consubstanciam um abuso de direito.
O princípio do abuso de direito constitui um expediente técnico, ditado por razões de justiça e equidade, para obstar que a aplicação de um preceito legal, certo e justo em circunstância normais, venha a revelar-se injusto numa situação concreta, em razão das particularidades ou circunstâncias especiais que nela concorram. Ocorrerá a figura de abuso “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em temos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade social” [Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, pp. 26/27].
O Código Civil consagra este princípio no art.º 334.º, estabelecendo que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Acolhe-se a concepção objectiva do abuso de direito defendida por parte da doutrina, por contraposição à corrente subjectiva defendida por outra parte. O que interessa averiguar não é a intenção do agente titular, isto é, se ele agiu com o único propósito de prejudicar o lesado, mas antes os dados de facto, o alcance objectivo da sua conduta, de acordo com o critério da consciência pública. Como igualmente elucida Almeida Costa, “Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário [Op. Cit., pp. 29].
Porém, como notam Pires de Lima e Antunes Varela, “isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no art.º 334.º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito”. Contudo, exige-se um abuso nítido, isto é o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. Por isso mesmo, “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimaram, se houver manifesto abuso. É esta a lição de todos os autores e de todas as legislações [Op. cit. pp. 299/300; no mesmo sentido, também Almeida e Costa, Op. cit., pp. 29].
A esse propósito, Menezes Cordeiro escreve o seguinte:
- “O instituto do abuso do direito traduz a aplicação, nas diversas situações jurídicas, do princípio da boa fé.
E o princípio da boa fé equivale à capacidade que o sistema jurídico tem de, mesmo nas decisões mais periféricas, reproduzir os seus valores fundamentais.
A boa fé age através de dois princípios mediantes já expostos: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.
Ambos se concretizam numa constelação de situações típicas, acima ponderadas: desde o venire ao desequilíbrio no exercício”.
[Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 91/92]
No Acórdão do STJ de 09 de Setembro de 2015, acima citado, acompanhando-se a doutrina nele citada, assinala-se a importância assumida pela figura do abuso de direito no controlo das situações de denúncia abusiva do contrato de trabalho no período experimental.
Aponta essa doutrina em entendimento convergente - mencionada na transcrição acima -, que haverá abuso de direito em situações de denúncia do contrato de trabalho no período experimental que sejam motivadas por causas estranhas à relação de trabalho ou para disfarçar uma motivação ilícita, designadamente, com intuito discriminatório, por motivos ideológicos ou simplesmente arbitrária.
Esse entendimento é partilhado pela jurisprudência, mormente do STJ, conforme se assinala no aresto que vimos seguindo, citando-se a título exemplificativo o acórdão de 26 de setembro de 2012, do mesmo Tribunal, proferido na revista n.º 889/03.1TTLSB.L1.S1, onde se afirmou, para além do mais, o seguinte:
- «Durante o período experimental qualquer das partes pode rescindir o contrato sem aviso prévio e sem necessidade de invocação de justa causa, nem direito a indemnização (art. 55.º, n.º 1 da LCCT), mas esta ampla liberdade do empregador denunciar o contrato não pode redundar em práticas discriminatórias: assim se o mesmo se “aproveita” do período experimental para se desvincular de um trabalhador, devido às suas convicções ideológicas ou religiosas, orientação sexual ou filiação sindical - aí teremos práticas abusivas e discriminatórias, sindicáveis judicialmente através da figura do abuso de direito (muito embora a prova da real motivação do empregador constitua, em muitos desses casos, uma dificuldade insuperável, uma vez que não existe obrigação de revelar a motivação que esteve subjacente a essa denúncia).
(..)».
No aresto que vimos acompanhando, expressando-se a concordância com a doutrina afirmada no acórdão do STJ, de 26 de setembro de 2012, sublinham-se, como ideias fulcrais, que “ (.) a existência de um período experimental no contrato de trabalho não é motivada exclusivamente na avaliação do desempenho profissional do trabalhador, mas destina-se a avaliar a integração do trabalhador, enquanto pessoa, na estrutura do destinatário do seu trabalho, dimensão que ultrapassa o mero desempenho profissional”, podendo “(..) também estar presentes na decisão de denunciar ou não o contrato, durante o período experimental, razões de outra natureza, nomeadamente, as que se prendem com a avaliação por parte do empregador dos resultados da prestação do trabalhador na atividade prosseguida e que podem, ou não, justificar a estabilização do contrato”, para se rematar referindo que “(..) não tendo o denunciante necessidade de invocar a existência de justa causa para operar a denúncia do contrato, as razões que o mesmo tenha como motivo justificador da denúncia não são sindicáveis, enquanto não ultrapassarem os limites ao exercício dos direitos inerentes ao abuso de direito”.
Revertendo ao caso, começa o recorrente por argumentar que o contrato de trabalho a termo é nulo por culpa exclusiva da Ré/Recorrida, que foi quem o elaborou, sendo da sua exclusiva responsabilidade a concretização da justificação do termo, pelo que vir agora invocar a nulidade do termo, aproveitando-se dos efeitos dessa ilegalidade por si cometida, constitui um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Não lhe reconhecemos razão. É certo que a nulidade do termo é imputável à Ré, mas para essas situações a lei estabelece os consequentes efeitos, ou seja, a conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado.
As razões que estão subjacentes à fixação de um período experimental e, para além disso, ao estabelecimento de períodos experimentais com duração distinta atendendo à natureza do vínculo – por tempo indeterminado ou a termo certo -, justificam que em caso de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado concomitantemente passe a ser também aplicável o período experimental estabelecido na lei para essa situação concreta. Com efeito, como observa Monteiro Fernandes, «A necessidade dessa experiência (ou “período de prova”) existe sobretudo nos contratos de duração indeterminada. Se há prazo estipulado, é de presumir que a força de trabalho se destine a um objecto concreto e delimitado, em relação ao qual é mais fácil estabelecer previamente a adequação entre o homem e a função” [Op. cit. p. 339].
Por conseguinte, nesses casos, passando a vigorar um período experimental de maior duração, haverá que levar em conta o tempo (dias) de trabalho já executado, visto contar a partir do início da prestação do trabalhador (art.º 113.º/1 CT/09), mas nada impede que este ou o empregador possam denunciar o contrato sem invocação de justa causa, nem direito a indemnização, nos termos previstos no n.º1, do art.º 114.º n.º1, CT/09.
Vale isto por dizer, que o facto da Ré ter denunciado o contrato de trabalho nestas circunstâncias não significa, só por si, que tenha actuado em abuso de direito.
Prossegue o recorrente dizendo que “a Ré/Recorrida demonstrou que converteu o contrato a termo para contrato por termo indeterminado, não para tornar efectiva a relação de trabalho, mas para se desvincular, servindo-se para o efeito, do período experimental para denunciar o contrato”, sustentando que essa demonstração resulta da carta de denúncia, «onde a Ré/Recorrida [?? (falta a palavra) ] a alegada “passagem” do contrato de trabalho a termo para contrato de trabalho sem termo, por força da inspecção da ACT, para denunciar o contrato no período experimental”. Defende que a Ré/Recorrida invoca como motivo para a denúncia do contrato de trabalho, não a “frustração da experiência”, mas a alegada “passagem” do contrato de trabalho a termo para contrato de trabalho sem termo, por força de uma inspecção da ACT.
Não concordamos com esta argumentação.
Em primeiro lugar o recorrente faz uma leitura enviesada dos factos, sugerindo que a Ré, sem mais e com o exclusivo propósito de denunciar o contrato de trabalho decidiu passar a considerá-lo convertido em contrato por tempo indeterminado. Ora, dos factos resulta que essa decisão da Ré foi motivada pela inspecção da ACT e pelo entendimento que a Senhora Inspectora manifestou relativamente à validade da motivação aposta no contrato para justificar a contratação a termo. Por outro lado, resulta também que a Ré comunicou ao autor a decisão que tomou quanto à natureza do contrato.
Em segundo lugar, a interpretação que o autor faz do texto da carta não é correcta. A comunicação que lhe foi feita consubstancia uma declaração negocial, como tal na indagação do seu sentido devendo ser observada a disciplina contida no artigo 236.º/1 do Código Civil, que consagra, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário, ao estabelecer que “o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”.
A carta datada de 6 de Novembro de 2017, tem o conteúdo seguinte:
-“Na sequência da inspeção realizada pela Autoridade Para as Condições do Trabalho, colocando em causa a justificação do termo, e assim ficando V.Ex.ª vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado, somos a prescindir dos serviços de V.Ex.ª no período experimental, pelo que deixará de prestar trabalho no próximo dia 10 de Novembro de 2017, para e com as necessárias advindas consequências legais”.
Pretende o autor sustentar que resulta daquele conteúdo que a Ré está a comunicar-lhe a denúncia do contrato de trabalho, usando como fundamento o facto de ter passado de contratado trabalho a termo para contratado por tempo indeterminado, por força da inspecção da ACT. É certo que a redacção da carta não é feliz, mas não cremos que essa interpretação corresponda ao sentido que um declaratário normal, medianamente instruído e diligente, que sobre ela se debruce com o cuidado e atenção exigíveis, possa retirar.
Antes cremos que a interpretação correcta passa por considerar que da primeira parte do texto, onde se lê que “Na sequência da inspeção realizada pela Autoridade Para as Condições do Trabalho, colocando em causa a justificação do termo, e assim ficando V.Ex.ª vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado”, resulta apenas a afirmação das circunstâncias e razões que levaram à conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado, para implicitamente afirmar e justificar que por essa razão o trabalhador destinatário está ainda no período experimental. Daí que logo de seguida se diga: somos a prescindir dos serviços de V.Ex.ª no período experimental.
Portanto, não só não se retira da carta o sentido que o autor /recorrente lhe pretende inculcar, como para além disso parece forçoso concluir que a Ré não invoca qualquer fundamento para denunciar o contrato de trabalho no período experimental.
E, como flui do que se veio expondo, nem tinha a obrigação de o fazer, bastando a simples comunicação de denúncia.
Assim, apenas pode constatar-se que não se sabe qual foi a real motivação que levou a Ré a denunciar o contrato, mas sem que possa fazer-se-lhe qualquer censura por isso. A Ré usou da faculdade que a lei concede a qualquer das partes no contrato de trabalho de poderem denunciar o contrato de trabalho durante o período experimental sem necessidade de justa causa, o que vale por dizer de revelar as razões que motivam essa decisão (art.º 114.º/1 CT).
Neste quadro, não existe qualquer facto provado que permita concluir que a Ré actuou em abuso de direito. Cabia ao autor, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus de prova, alegar e demonstrar os factos necessários para que se pudesse concluir nesse sentido (art.º 342.º do CC), propósito que não logrou alcançar.
Concluindo, improcede igualmente este fundamento do recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade do autor, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).
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Porto, 3 de Junho de 2019
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira